Capítulo 9 | [Tudo menos um bom dia]-parte 2
🔶 24 de janeiro de 2149
🔸 Segunda-feira | 14:52
Como que ela tirou essa conclusão?! Isso é um absurdo!
— Isso não importa ago-
— Importa. Se você continuar tentando mentir sobre isso, ou qualquer outra coisa, eu não vou hesitar em chamar as autoridades. — Lara encara ele em desafio, fazendo Trey sentir pela primeira vez medo das consequências dessa situação.
As palavras morrem na boca de Trey.
Todos permanecem em silêncio, alguns encarando Trey, outros Lara, aguardando que um dos dois rompesse a tensão no ar com alguma palavra.
— Trey. Meu nome é Trey. — Sua resposta sai baixa.
Todos olham para ele.
— E antes que você pensem, não, não fui eu que matei ele.
Lara suspira, aliviada.
— Então, quem matou? — Jack faz sua primeira pergunta, ainda o olhando aterrorizado.
Essa é uma boa pergunta.
— Não sei, até onde eu anotei, só dizia que tinha sido outro metamorfo.
— Anotou? — A irmã de Lara questiona.
— É, eu tenho uns certos problemas de memória devido à medicação...
— Medicação? Como assim? — Bruno e Mari falam ao mesmo tempo.
— Eu pensei que isso ia ser uma troca de informações, não um interrogatório só pra mim! — Ele joga estressado os braços no ar. — Se vocês não forem falar, eu vou embora agora.
— Espera! A gente vai falar. — Mari o interrompe, recebendo um olhar de reprovação de Bruno.
Ela se levanta da sua poltrona e anda timidamente até ele, ajeitando seu vestido e sua postura assim que fica à sua frente.
— Nós — sua visão desliza para Bruno — viemos aqui buscando ajuda de um... Humano.
Os olhos de Trey vão de imediato para Lara.
— Não ela, mas um humano específico, que tem contato direto com uma colônia de... Metamorfos.
— Uma o quê?
— É, isso não é algo muito falado — Bruno entra na conversa, ficando ao lado de Mari — para evitar qualquer visita indesejada.
— Entendo. — Trey reflete, pensando que a ideia não era tão bizarra quanto parecia.
Espera aí, será que foram eles que...
— Foram vocês que fizeram aquilo? O buraco próximo à barreira? Eu achei algumas semanas atrás, enquanto... Caminhava.
Os dois o encaram em silêncio por alguns segundos, uma desconfiança crescente nos dois.
— Sim. — Bruno responde, com a voz firme, examinando cada movimento do seu corpo como se estivesse avaliando algo que não conseguia entender.
Por que ele tá me olhando como se eu fosse me transformar ou coisa do tipo?
Sua irmã tenta quebrar o estranho clima que se formava. — O Bruno que fez, e eu fiquei de vigia. Ficamos algumas semanas checando se era seguro entrar...
— Até eles verem os ataques — Lara continua por ela — e como os guardas estavam distraídos com isso, era seguro o suficiente para eles entrarem e explorarem.
Os filhotes a olham e concordam com a sua fala, depois de um tempo.
— E sobre vocês estarem sendo perseguidos?
Lara novamente responde. — Eles disseram terem sentido algo estranho e viram que os metamorfos tinham notado a presença deles aqui, e, consequentemente, nós, que estávamos ajudando.
Trey a observa em silêncio por mais alguns instantes, permanecendo imóvel, como se tentasse ler algo além do que estava evidente. Ele procurava um sinal, um gesto, algo que pudesse indicar que ela estava escondendo algo, mas Lara se manteve calma, sem sequer mudar a postura. No entanto, havia algo em seu olhar que, mesmo sereno, transmitia uma tensão sutil.
Embora ele estivesse começando a confiar na situação, algo dentro dele não permitia baixar a guarda. Lara era astuta, e ele sabia que, se deixasse a vigilância escorregar, ela tomaria provavelmente o controle da conversa e usaria isso a seu favor. Não era o tipo de pessoa com a qual ele queria ser manipulado.
Então, ele se manteve firme, os olhos fixos nela, decidindo que qualquer movimento que ela fizesse a mais seria um risco. Ele precisava manter o jogo equilibrado.
— Mais alguma pergunta? — Lara o tira de sua reflexão.
— Si-
Na verdade, é melhor que seja... Depois.
— Por agora não.
Ela o olha estranho, mas deixa passar. — Okay...
— Eu tenho uma pergunta! — A irmã de Lara levanta a mão, determinada, e corre até ele, saindo de seu ponto seguro.
Trey se recolhe no seu assento, não sabendo como interagir com a pequena humana.
— Você é igual a eles? — Aponta para os dois ao seu lado.
— Igual a... Como assim?
— Os olhos desse jeito e as marcas na pele! — Sinaliza as características em Bruno.
Trey, pela primeira vez, observa atentamente os filhotes, ambos aparentando ter cerca de onze ou doze anos. Suas peles exibem um tom escuro, mais puxado para o cinza do que para o vermelho usual, com sutis padrões de marcas biológicas que se estendem ao longo do pescoço, pulsos e outras articulações, como se fossem marcas naturais de sua anatomia. As antenas, finas e discretas, se ocultam entre os fios ondulados em suas cabeças, que lembram mais as setas de um inseto do que cabelo.
Mari usava uma espécie de vestido com calça e botas, com uma faixa azul-clara na cintura. Bruno já usava uma blusa de manga longa, calça e botas, além de uma faixa azul-escura como cinto. Ambas as vestimentas esverdeadas não pareciam ser de um tecido comum. Mas o que mais chama a atenção de Trey são os olhos compostos deles. As íris, extraordinariamente dilatadas, se fragmentam em milhares de omatídios organizados em hexágonos microscópicos, formando uma estrutura quase cristalina. Uma adaptação para detectar frequências e formas de luz além da percepção humana.
— Não?
Lara se levanta e pega a garota no colo.
— Ei! Me solta, La! — Se debate de maneira temperamental, mas Lara mal se importa com isso.
— Ela quis dizer se você é um larval. — Diz, carregando a menina de volta para o lado do seu irmão.
— Ah! Não, eu sou um carniçal.
Os filhotes trocam olhares rápidos, ambos com o mesmo questionamento em mente.
Bruno começa a rir, e Mari mal consegue conter um sorriso travesso.
Trey ergue uma sobrancelha, desconcertado. — O que tem tanta graça?
— Você é tão pequeno! — Bruno solta, ainda entre risadas, apontando para Trey.
— O quê?! Eu não sou pequeno! Eu sou do tamanho de um humano normal!
— A Lara é maior que você. — Bruno provoca, com um sorriso malicioso.
— Ela é alta demais! — Trey responde, fechando os olhos e cruzando os braços, tentando ignorar a comparação.
— E o Miguel? — Lara se junta à brincadeira, colocando a irmã ao lado de Jack e dos outros.
— Ele também é alto demais! — Trey responde, já irritado, apertando os dentes.
Maldito Miguel, pensa, lembrando da aposta perdida para ele.
— Os Carniçais que encontramos lá fora são gigaaantes — Mari demonstra com os braços, exagerando o tamanho. — E eles pareciam ser muuuito fortes.
Bruno sussurra para ela, com um sorriso disfarçado. — Ele não entra nem um pouco nessa.
— Eu... Eu posso ser isso tudo! Eu só não quero, entenderam? Eu tenho uma aparência para manter!
— Tem certeza que você é um carniçal? Você parece mais um... Abissal!
Mari ri. — Abissal?
— Aham! Olha pra ele! Pálido, igual a um fantasma e parece que não dorme há dias! — Ele aponta para a figura irritada de Trey.
— Para, Bruno! A gente nunca nem viu um Abissal.
— Mas é o que dizem!
— Eles dizem que parece alguém afogado, não alguém sem dormir.
— Quase a mesma coisa!
Embora os filhotes e as crianças parecessem mais à vontade, trocando piadas sobre sua aparência, Trey ainda conseguia perceber a tensão nos mais velhos, que estavam longe de se sentir totalmente seguros com a situação.
Jack permanecia encolhido no canto, quase invisível, enquanto Lara, apesar de manter sua expressão impassível, tinha o coração batendo tão rápido que Trey conseguia ouvi-lo claramente.
— Nós podemos ver os seus olhos? — A pergunta de Mari o pega de surpresa. Não era o tipo de pedido que ele costumava receber.
Trey hesita por um momento. Todos os seus instintos gritavam para que não revelasse nada sobre ser um metamorfo, principalmente fora de sua zona de segurança. Mas, contra sua vontade, ele decide desafiar essa impulsividade. Assente com a cabeça, fecha os olhos e, quando a sensação de queimação surge, os abre. Seus olhos vermelhos como sangue, com pupilas divididas ao meio, se fixam nos dois filhotes.
Eles ficam em silêncio por um instante, uma mistura de curiosidade, admiração e dúvida estampada em seus rostos.
— Os seus olhos estão... Diferentes. — Bruno fala primeiro, a voz carregada de uma surpresa quase infantil. Mari o segue, sua voz cheia de uma curiosidade evidente. — O que aconteceu com eles?
Trey dá de ombros, permanecendo em silêncio.
Ambos cerram as sobrancelhas, repletos de suspeitas. Quando iam fazer mais perguntas, Lara os interrompe. — Bruno, Mari, por que vocês e os meus irmãos não vão para outro quarto?
Bruno faz cara feia, nem um pouco a fim dessa ideia.
— Vamos, Bruno, é só um tempinho. Está tudo bem.
Ele olha para Trey, o encarando feio, avisando com seu olhar que, se qualquer coisa acontecesse com os dois, ele iria atrás dele. — Tá.
Os filhotes e as crianças saem do quarto com olhares desconfiados.
Certo, o que vai ser agora? As crianças saíram para começar a sessão de tortura por respostas?
Lara se senta, parecendo muito mais cansada do que antes.
— Ideias do que vamos fazer a partir de agora? — Seu tom sai firme e direto.
Jack abraça suas pernas com uma expressão desolada.
Essa é outra ótima pergunta.
Nem ele sabia o que fazer depois da noite de ontem. Pedir ajuda para Miguel não era uma opção, muito menos para seus pais, apesar de ser algo que ele deveria fazer.
Então eram só eles três, e quatro crianças, com esse segredo.
— Eu não sei. — Sua resposta sai baixa.
Lara fecha os olhos e respira fundo, voltando com uma postura revigorada.
— Jack, em quanto tempo você consegue criar mais uma AL?
— E-eu não sei, três dias? Se eu conseguir achar todos os materiais...
— Espera aí, como assim ele consegue criar uma AL?
Lara ri com certo orgulho. — Digamos que ele é um pequeno gênio da mecânica.
Trey encara a figura amedrontada de Jack, um copo de vidro frágil, que poderia ser quebrado facilmente com um toque. Porém, logo se lembra do dia anterior, da arma nas mãos de Lara, era pura sucata, mas funcionava e fazia seu papel.
Miguel ia amar esse humano.
— Teria como fazer uma pra mim também?
Ambos olham confusos para ele, mas Lara pega rápido a ideia.
— P-por quê? — Jack questiona.
— Para não precisar usar as habilidades dele, igual ontem. — Ela responde por ele.
— Isso.
— Aah, e-eu posso tentar! — Diz, interrompendo-se de forma brusca, sua postura agora mais ereta e focada. — Se eu omitir a implementação do veneno de cola e o alarme, você poderia utilizá-la sem problemas. Com alguns plásticos disponíveis em casa, acredito que seja possível, talvez aquela vasilha que mamãe não usa mais... O único risco seria caso um metamorfo ou um infectado tocasse na arma no mesmo momento em que houvesse presença de outras pessoas. Talvez, se eu coletar uma amostra do seu DNA, posso realizar uma análise mais precisa para ajustar o mecanismo e prevenir esses imprevistos!
— Jack. — Lara sussurra.
— O quê? Ah, p-perdão, eu falei demais. — Ele abraça mais forte as suas pernas.
Trey pisca, parecia existir outra pessoa além de Miguel que gostasse tanto de falar de um assunto só.
— Você pode falar mais sobre isso mais tarde, precisamos resolver outras coisas também, como...
— Como iremos evitar os infectados? — Trey prover.
— Exato.
— Não seria melhor se andássemos juntos? — Jack sugere, mas parecia retroceder quando olha para Trey de novo.
— Sim, mas seria mais fácil deles colocarem a gente contra a parede ao mesmo tempo.
— Então faremos o que estávamos fazendo antes, eu sozinho e vocês com os filhotes?
— O problema é que os filhotes não podem ir em todos os lugares, ontem mesmo foi uma coincidência. Eles não deveriam estar lá por causa da fiscalização, mas eles me desobedeceram e entraram pela mata.
— A mata não fica rodeada de guardas normalmente? — Trey pergunta.
— Não ontem, aparentemente. — Lara mexe na sua trança. — Eu não sei até onde eles estão por trás das coisas, mas controlar os sistemas de câmeras e do prédio é algo no mínimo preocupante.
— Sim — Trey afunda no pufe —, então prevejo que iremos passar um bom tempo juntos. — Oferece um largo sorriso.
Ela suspira derrotada. — Isso mesmo.
— E você? — Trey aponta para Jack, que quase entra em pânico. — Do que você vai precisar para fazer as armas? Pode ser que eu consiga alguma coisa das antigas do meu pai.
Jack parece brilhar pela primeira vez naquela tarde, ansioso para iniciar um assunto sobre isso.
🌑🌕
O entardecer chegou mais rápido que o normal, provando que o dia tinha sido muito bem aproveitado.
A tarde estava no seu ponto mais baixo, com o sol passando pelas folhagens com o seu forte brilho alaranjado, com a sombra das árvores o protegendo dos raios. Era um lugar um tanto escondido da área central da cidade, mas bem próximo do "Espaço das árvores", quase um esconderijo próprio deles, livre de qualquer olhar curioso e indesejado.
Assim que saiu do seu trabalho na escola, Miguel foi direto se encontrar com seus amigos, onde havia combinado para estudar os assuntos referentes à prova da primeira etapa. Diferente dos outros cursos, que recebiam um modelo de prova padrão, os para combatente e outras áreas voltadas para proteção e combate contra metamorfos recebiam provas únicas. O conteúdo abrangia matérias sobre os mecanismos e manuseio de AL's, biologia dos metamorfos e métodos para matá-los, mudanças ambientais no planeta desde a chegada dos metamorfos, utensílios de sobrevivência e história geral.
"O básico", como o seu professor falava. Nessas horas, Miguel não se arrepende nem um pouco de ter pegado todos aqueles livros escondidos, mas as noites de sono usadas para fazer as leituras têm deixado o loiro no seu limite.
O cheiro de pão fresco o tira das suas anotações no momento em que infesta os seus sentidos, o fazendo desejar por uma pausa para um lanche da tarde. Fecha o pequeno livro, deixando seus papéis das coisas mais importantes separados para cada página, e se levanta à procura de seus amigos.
Cléber estava ainda tentando ensinar as funcionalidades técnicas da AL para Theo, mas o garoto não parava de insistir que essa parte era desnecessária e o mais importante era só saber atirar.
Poppy e Iago estavam mais próximos dele, sentados debaixo de outra árvore. A garota estava fazendo suas transcrições enquanto o outro ajudava a captar mais rápido as informações do grande livro. Nesse meio tempo, Iago tinha conseguido também mais alguns livros de estudo para preparação de combatentes na livraria, sendo um desses o que ele estava fazendo as anotações.
— Vamos fazer uma pausa? — Fala alto, chamando atenção de todos.
— Já era hora! — Theo corre até ele, fugindo de Cléber.
— Espera... Ah, esquece, vamos. — Cléber fala, desistindo por completo de Theo.
🌕🌗🌑🌓🌕
O espaço era grande, rodeado por flores muito bem plantadas, com mesas e cadeiras de tons cremes à disposição dos clientes que quisessem sentar para apreciar a paisagem, enquanto tomavam ou comiam algo.
Chegando lá, o grupo pede o de sempre, os seus favoritos, preferindo se sentar em uma das mesas.
— A gente vai estudar mais alguma coisa ou acabamos por hoje? — Theo pergunta com a boca cheia de bolo de chocolate.
— Você ainda precisa aprender a usar a arma! — Cléber adiciona de imediato, tomando um gole do seu café com leite e gerando uma careta de Theo.
Ele se limpa com o guardanapo. — O que, Miguel? Acabamos por hoje? Que maravilha! — Theo brinca, fazendo todos rirem.
— Você vai se arrepender disso. — Cléber fala com o seu tom despreocupado, dando uma mordida no seu pão de queijo.
— Cléber! Não se deseja mal aos amigos! — Poppy finge uma irritação, apontando para ele com seu sonho de creme.
— Tá vendo? Eu sou apenas uma vítima! — Theo fala de forma dramática, se escorando em Iago, que quase derruba seu café sem açúcar.
— Ah! — Cléber aponta para a cena que os dois estavam fazendo. — Você tá vendo isso, Miguel?!
Ele termina de tomar um gole do seu café.— Que estranho, escutaram alguém falando?
— Você também?! Eu vou sair, então, já que não querem a minha presença.
Miguel balança a cabeça, desacreditado, percebendo que eles seriam futuros combatentes em breve e estavam agindo desse jeito. Não conseguia nem imaginar o pai dele fazendo isso antigamente com os amigos dele, muito menos hoje em dia.
Perdido em seus pensamentos, os olhos de Miguel se prendem a uma figura específica em meio ao espaço da praça. Era Eli, que estava do mesmo jeito que no dia anterior, mas agora com uma blusa roxa em formato de V na gola.
Ao lado dela estava um garoto, quase da altura dela, de cabelos pretos, que se expressava de forma agitada e irritada, com claro desespero nos seus movimentos, mas o que mais chamava a sua atenção era um aparelho em suas mãos, um notebook, algo bem avançado para a época. Os olhos pretos dela de repente notam os dele, sem reação, ele apenas sorri, acenando para ela. Quando menos percebe, havia saído da mesa e estava ao lado dela, sendo encarado com uma certa confusão pelo garoto.
— Fala aí! Como vocês estão? — Pergunta animado.
— Bem. — Ela responde cruzando os braços, mas relaxando a sua expressão.
Miguel olha para o garoto, encarando-o estranho.
— Você é novo por aqui também?
Pela cara do garoto, não parecia que ia responder algo muito apropriado, mas Eli tampa sua boca e fala por ele antes que qualquer besteira pudesse ser proliferada.
Se não fosse pela clara diferença de etnia, poderia dizer que ambos eram irmãos pelo jeito ranzinza tão semelhante.
— Jeff, colega de colônia, é um dos estudantes recomendados.
— Prazer, Jeff! Meu nome é Miguel, sei que é um ambiente novo, mas espero que você goste daqui. — Ele estende a mão no automático para cumprimentar ele.
Jeff fica encarando a mão estendida de Miguel com uma mistura de confusão e desprezo. — Não te ensinaram a não tocar nas pessoas das colônias?
Eli empurra Jeff na direção de Miguel, fazendo-o , depois de alguns xingamentos, cumprimentá-lo de maneira receosa.
Miguel pensa melhor sobre a situação, ele realmente era um caso atípico na sua situação padrão, recebendo diversas reclamações pelo seu "contato excessivo" com os outros, mas sempre soube que essa era a melhor maneira de trazer confiança para uma relação.
— Garanto que vocês não precisam ficar com medo disso. — Miguel fala com sinceridade. — Todos estão seguros aqui.
Jeff o olha com certo estranhamento, mas se segura para não continuar a conversa.
O loiro limpa a garganta, trocando de assunto. — A Eli comentou sobre o tour, Jeff?
Ele assente com a cabeça.
— Se quiser vir também, seria ótimo!
Percebe algumas risadas e burburinhos de onde seus amigos estavam, vendo que eles já haviam saído da padaria e estavam claramente fofocando sobre ele. — Preciso ir agora, quinta a gente se vê então! — Se despede e volta para seus amigos.
Quando vai se aproximando, percebe que era Theo e Poppy cochichando alguma coisa, enquanto Iago estava relendo algumas anotações e Cléber escrevendo algo no seu caderno.
Caderno. O mesmo daquela noite.
"Stalker"
Como eu esqueci disso?!
— Olha só quem chegou. — Theo anuncia, levemente irritado.
Miguel sabia exatamente o que o outro estava pensando.
— O que deu em você pra ficar tão amiguinho desse pessoal?
— Theo, eu já te expliquei...
— E daí?! Eles podem ser perigosos, a gente não sabe pelo que eles passaram lá fora.
— E isso justifica tratá-los como monstros? — Fala cansado, passando os dedos na ponte do nariz.
— É... Se isso te proteger de ficar confiando em qualquer um que aparece, que assim seja.
— Então, você não deveria ter confiado em mim, não é?
— É diferente! Você não morou em uma colônia sua vida toda!
Iago se intromete, irritado. — Se for assim, você não deveria ter nem tentado criar amizade com a gente, quando o Daniel te expulsou do grupo dele. Deveria ter mantido distância.
Theo se vira, indignação e raiva estampadas em sua expressão. — Não se mete!
— Ou o quê? Me mostra o que você vai fazer. — Iago fecha os punhos.
Antes mesmo que Theo pudesse avançar no Iago sem penar duas vezes e pudesse chamar a atenção de guardas e pessoas que passam pelo local, Miguel o segura pelo ombro.
Ao mesmo tempo, Poppy fica entre os dois. — Gente, vamos nos acalmar. Vamos deixar essas emoções para a Academia! Se lembram? — Tenta falar em seu tom positivo de sempre.
Cléber fica apenas assistindo à cena, observando se os gêmeos deixariam a adrenalina os consumir dessa vez.
Theo tira a mão do Miguel de seu ombro, se afastando de Iago com um ódio fulminante.
Os outros três suspiram aliviados, sabendo que os irmãos desistiram da briga. Se sentiam lidando com uma bomba-relógio, nunca sabiam se cortariam o fio certo ou errado. Miguel já estava quase acostumado com esses tipos de atitudes, sabia desde os primeiros encontros que Theo tinha um pavio curto e tinha dificuldade de ouvir os outros, mas com o passar do tempo ele mostrou as suas qualidades, até o ponto que todos o aceitassem no grupo.
Pensava que Cléber, por ser o que mais sofreu na mão do grupo de Daniel, seria o último a aceitar, mas Iago se provou o verdadeiro desafio, apesar do seu semblante sério e calmo, ele nunca dispensaria uma discussão ou briga com Theo.
Ele só espera que algum dia esses dois pudessem se dar tão bem quanto ele e Trey.
— É, amigos, vocês vão ter que dar uma trabalhada nisso. — Cléber joga sal na ferida. — Não sei se os instrutores vão aceitar vocês dois querendo se matar a cada dois minutos.
Os gêmeos o olham com um ódio mortal. Theo vira o rosto e Iago sai de perto deles, deixando o silêncio pairar pelo ar.
— O quê? — Olha para Poppy e Miguel, que o encaravam com certa reprovação. — Dificilmente eu estou errado.
Poppy bufa, colocando as mãos na cintura. — Não venha falar como se você fosse perfeito.
— Olha, perfeito impossível, mas sem dúvidas próximo disso. Vocês que não acreditam. — Ele deixa escapar um sorriso debochado.
Poppy revira os olhos. — Do jeito que você reclama, nem sei como você se considera próximo.
— Reclamar?! Eu não faço isso! São só comentários.
— Reclama sim!
— Não.
— Sim!
Miguel apenas assiste, passando a mão no rosto com a cena interminável à sua frente.
Todos vão ter que trabalhar nessas atitudes.
— Eu vou lá pegar as coi-
Iago já estava com as mochilas e materiais de todos.
— Boa, Iago! — O outro assente com uma expressão mais calma.
— Não sei vocês, mas eu já estou de saída.— Cléber anuncia com certa impaciência.
— Já? — Poppy e Theo falam em sincronia.
— A gente podia dar uma passeada em algum lugar, sei lá. — Theo joga uma ideia, claramente não querendo ir para casa e ficar olhando para a cara do Iago.
— Foi mal, mas estou com algumas coisas para resolver. — Ele coloca o caderno de volta na mochila.
— Mesmo treino amanhã? — Iago questiona.
— Isso mesmo! — Miguel afirma, pegando suas coisas e indo até Cléber. — Ei, a gente pode conversar? — Sussurra.
O menor observa com curiosidade ele, calculando as possibilidades daquele pedido.
Ele espera todos se afastarem. — Fala. Aconteceu alguma coisa?
— Ontem, o Caio falou uma coisa muito estranha sobre seu caderno. — Cléber fica instantaneamente tenso. — E... Que papo é esse de stalker? Sabe, ficar vigiando escondido alguém, nesse caso alguém do grupo. — Miguel cruza os braços, se colocando de forma mais séria.
— A-ah, stalker?! Você tem certeza que ele usou essa palavra?
Isso deixa Miguel pensativo, às vezes sua memória era uma maravilha, às vezes era tão ruim quanto a de Trey.
— ...Sim?
Cléber ri, balançando a cabeça. — Olha, acho difícil alguém como ele usar uma palavra não tão comum de inglês assim do nada, e eu aposto meu rim que ele deve ter errado a palavra. E outra, eu, um stalker? Eu seria péssimo para essas coisas, você sabe que eu sou muito desengonçado.
O nervosismo nas feições de Cléber vai sumindo aos poucos, mas Miguel ainda mantinha sua postura. — Tá, mas ainda era algo relacionado ao grupo.
Cléber suspira.
— O Caio tinha que aparecer para estragar tudo mesmo... Tá, olha, eu estava anotando as coisas que eu poderia dar de presente para o Theo.
— Quê?
— Não me entenda errado! É só que esse ano eu queria dar um presente de aniversário legal para todo mundo, como o dele vem primeiro, eu estava focando nele.
Miguel pisca, impressionado. — Você tá bem?
— Hãn?
— O que aconteceu com você? Querendo dar presente pra gente? — Miguel desfaz a sua postura e volta a brincar, tentando segurar a sua risada. — Essa é nova! Não sabia desse seu lado amigável.
Cléber suspira de forma dramática.
— Você fala demais, Miguel. TCHAU! — E o garoto foge o mais rápido possível do outro.
Miguel ri da cena, mas logo seu sorriso se desfaz. Ele odiava desconfiar dos seus amigos, mas até ele ver aquele caderno, a sua desconfiança não iria sumir.
Cléber é esperto demais, se algo tiver escapado, ele sem dúvidas seria o primeiro a notar...
Assim que a figura do outro some do seu campo de visão, ele inspira fundo e se vira para pegar sua bicicleta. De canto de olho, percebe Eli encarando com os seus olhos de café, profundos e determinados.
Distraído pela figura da garota, esbarra em alguém. — Desculpa! Você tá bem... Trey?!
Ambos arregalam os olhos assim que o nome é proferido.
— Pensei que você tinha parado com essa mania de usar palavras em inglês aleatoriamente. — O menor disfarça.
— Ah, você sabe, né, old habits die harder! HaHaHa! — Miguel força um sorriso.
Trey fala entredentes. — Isso foi horrível.
Miguel revira os olhos em resposta.
Ambos ficam parados no meio da rua, observando ansiosos se alguém tinha notado o erro. Apesar de todos os presentes terem ignorado, ainda assim era bom manter o disfarce por conta das câmeras ao redor do local.
— Vamos então? — Miguel sussurra.
— Sim, por favor!
🌕🌗🌑🌓🌕
— Eu tinha esquecido que você ia sair hoje. — Miguel inicia a conversa, após andar alguns metros em silêncio.
— Sua memória tá pior do que a minha...
— Ah! Você foi se encontrar com a Lara, né?
Trey olha para ele, incerto do que responder. — É.
— Como foi? Vocês se deram bem?
— Acho que sim... — Fala baixo, quase em um sussurro.
— Não se preocupe, você vai melhorando com a prática.
Isso não parece animar muito o humor do mais novo.
— Como foi o primeiro dia de trabalho depois das férias? — Trey pergunta.
— Foi bom! Mais tranquilo do que eu pensava.
— Ainda bem que você gosta de crianças.
— Gostar é diferente de tomar conta. — Miguel retruca com um claro cansaço na voz.
— Heh... E como foi a outra coisa?
Todo o cansaço em Miguel se dispersa e a energia retorna para ele. — Foi ótimo! O pessoal conseguiu achar muitos conteúdos bons, o Theo e o Cléber até conseguiram juntar equipamentos para a gente treinar a parte prática. E em um dos livros tinha mostrando até os principais pontos pra matar um metamor-
Miguel se cala no mesmo momento, assim que percebe o que falou. Rapidamente, se vira para checar o seu irmão, procurando pelo choque e indignação em sua expressão.
Porém, Trey apenas esboçava uma expressão plana.
— Trey, eu não quis dizer dessa forma, eu-
A risada do outro interrompe a linha de pensamento dele.
— Tá tudo bem, Miguel. — Ele força um sorriso, colocando uma expressão forçada e estranha em seu rosto. — Você deveria focar mais em seus objetivos do que no que eu penso.
— Olha, não tem como fazer o impossível. Você vai ser sempre uma das minhas primeiras prioridades. — Dá um abraço de lado, surpreendendo o menor com o ato espontâneo.
— Sempre é muito tempo. — Trey fala, imprensado no aperto, tentando sair dali.
— Eu sei! — Miguel fala com confiança, gerando o que ele tanto queria, uma risada.
Trey começa a rir muito e consegue escapar do meio abraço.
— Você é um verdadeiro idiota!
— Sim, e você não tá muito longe disso também.
— Ah, é?! — Trey fala em um tom desafiador, que ele conhecia muito bem, e que significava apenas uma coisa: quem chega primeiro em casa.
— Quem perder vai ter que arrumar o quarto dos dois por um mês! — Antes que Miguel pudesse se preparar, o outro dispara na sua frente.
— O quê?! UM MÊS?! Isso não vale! — Miguel sabia que essa corrida já era um caso perdido para ele, mesmo ele estando de bicicleta. Mas ele não desistiria.
Porém, uma pequena sensação desconcerta a sua mente, uma sensação tão pequena que os seus instintos humanos quase não captam.
Tinha algo o observando.
Olha ao redor, percebendo que a área não estava tão deserta quanto esperava, mas sentia estar sendo alvo de algo incompreensível, de algo atroz. Sobe na bicicleta, no automático, com um medo anormal, e começa a pedalar, sem olhar para trás.
.
.
.
.
-NOTAS-
Curiosidades desse capítulo:
-Cléber foi o primeiro amigo que Miguel fez quando chegou na cidade;
-Theo foi o último a virar integrante do grupo;
-Toda vez que você imagina a aparência do Trey, você imagina na verdade a aparência do Oliver, o verdadeiro irmão de Miguel!
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