Capítulo 30 | [Faca de três gumes]-parte 1
🔶 9 de abril de 2149
🔸Sábado | 06:20
O quarto era um contraste absoluto com sua vida simples, exalando luxo e sofisticação. O chão de mármore polido refletia a luz dourada de uma lâmpada, enquanto paredes de madeira escura e papel de parede elegante criavam um ambiente refinado. Janelas amplas com cortinas de veludo vinho revelavam uma vista impressionante da cidade.
No centro, uma cama king-size com lençóis macios, cercada por uma poltrona de couro creme e uma mesinha de vidro com AL’s. O espaço ainda incluía um closet generoso e um banheiro luxuoso, com uma banheira imponente em mármore.
Enquanto isso, Eli ajustava sua jaqueta de couro preto, observando seu reflexo no espelho ornamentado, que quase ocupava toda uma parede.
Sua atenção é puxada pelo som de algumas pessoas passando pelo corredor do lado de fora, aparentavam ser duas meninas, ambas com um tom tão alegre que parecia que nenhuma tragédia ocorreu semanas atrás.
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— Cadê a garota mais linda desse mundo? — A voz familiar pergunta,
seu tom descontraído,
tirando algumas risadas
da pequena Elizabete.
— Para! — Eli fala em meio a risadas,
tentando afastar as mãos da sua irmã,
que tentava fazer cosquinhas nela.
Por fim, sua irmã mais velha
a pega em um forte abraço.
Uma sensação tão boa
que jurou que poderia durar
até o fim de sua vida.
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Ela pisca, desconcertada.
Estava prestes a amarrar suas tranças em um rabo de cavalo, uma tentativa de se distrair de velhas memórias, mas é interrompida por uma batida na porta.
O semblante de Eli se fecha. Ela pega uma das armas sobre a mesinha e a esconde na jaqueta, em seguida, olha pelo olho mágico e vê a última pessoa que queria encontrar naquele momento.
A porta é aberta de maneira brusca, revelando Rodrigo em sua totalidade.
— O que você quer? — A voz dela é carregada de frieza.
— Bom dia para você também. — O jovem entra no quarto sem esperar por um convite.
Eli se vira, lançando-lhe um olhar de puro desgosto enquanto o observa caminhar pelo cômodo com a mesma indiferença de quem passeia num dia qualquer, como se tudo estivesse normal desde que chegaram àquela cidadela.
Rodrigo se senta na beira da cama, apoiando o cotovelo na perna. — Como você está, Elizabete?
Ela o encara com uma expressão amarga.
Rodrigo fixa o olhar em sua silhueta. — Já se recuperou? Conseguiu se acalmar? E o pulso… já tá totalmente curado? — Ele deixa escapar um sorriso malicioso.
Eli cerra os punhos. — Vai à merda.
Ele ri de leve. — Todos já se recuperaram, até o Matheus, que é novato nessa… E você ainda est-
— O Raphael tá morto, seu puto! O que você espera de mim?! — Ela avança um passo, apontando para si mesma. — Que eu me sinta segura depois do que aconteceu?!
— Assim como todo mundo, você foi avisada dos riscos. — Ele continua falando com calma, ignorando o chilique dela. — Por isso a gente precisa de todo mundo apto pro serviço. E quem não tá… Bom, você já sabe. — Seu olhar confiante vacila por um instante. — Com tantos anos de experiência... Esperava qualquer um, menos ele, a perder confiança no que estava fazendo.
Ela arregala os olhos. — Você sabia o que ia acontecer?
— O que eu sei é o que já vivi... Mas essa missão? Digamos que eu sei tanto quanto você. Toda cidadela tem suas peculiaridades, vamos ver como as coisas vão se desenrolar agora. — Esboça um sorriso leve e se levanta. — Quero que você vá na reunião dos representantes no meu lugar.
— O quê? Por quê?
Ele suspira, esfregando as mãos, como se isso fosse aliviar o estresse. — Como eu disse, cada cidadela tem suas peculiaridades, e essa tem até demais. — Diz com certo desprezo. — Os outros estão ocupados ajudando os combatentes, e eu preciso resolver umas questões… “inesperadas”. Vou te mandar as informações mais tarde.
Ela observa em silêncio enquanto ele sai do quarto.
— Confie no processo, Elizabete! Daqui algumas semanas já estaremos fora dessa cidade, fazendo nosso humilde serviço de formar novos combatentes após livrar o mundo de mais "simpatizantes" e com os bolsos mais cheios de dinheiro do que com qualquer outro trabalho que conseguiríamos como pessoas de colônias nessa merda de estado. — Ele se vira uma última vez, com aquele sorriso típico, vazio de qualquer sinceridade ou conforto. — Tem recompensa melhor que essa?
Ele não espera a resposta. Rodrigo fecha a porta e vai embora, deixando-a sozinha com seus pensamentos. Ela passa as mãos pelo rosto, segurando a vontade de começar uma discussão que não a levaria a lugar nenhum.
— Vocês são malucos. Todos vocês são malucos. — Murmura, sabendo muito bem que agora também fazia parte disso.
🌑🌓🌕🌗🌑
Após algum tempo, depois que todas as informações necessárias foram enviadas, ela se dirigiu até o local marcado. Precisou passar por algumas formalidades, mostrar alguns documentos, ser revistada e testada para caso estivesse infectada.
Quando todo o processo terminou, ela foi convidada a entrar na sala da reunião.
Assim que passa pela porta, a atmosfera imponente e formal a atinge em cheio, fazendo-a lamentar por não ter uma roupa mais apropriada para a ocasião.
As paredes eram revestidas de madeira escura e polida. No teto, um lustre moderno e discreto iluminava o ambiente de forma difusa, evitando qualquer sensação de desconforto. Já no centro, uma grande mesa de conferência de madeira maciça dominava a sala, cercada por cadeiras de couro de design sofisticado, mas ainda assim discretamente confortáveis. Ao redor da mesa, os representantes da cidadela já estavam acomodados, trocando murmúrios entre si, talvez discutindo os próximos passos. Havia uma grande formalidade em seus trajes — blazers escuros, gravatas bem ajustadas — e nos gestos controlados.
No canto da sala, uma grande janela de vidro permitia a entrada da luz natural. Do lado oposto, um painel digital e uma tela de projeção indicavam que a tecnologia estava a postos, pronta para exibir gráficos ou relatórios que influenciariam as decisões sobre o ataque.
— Perdão, mas qual o seu nome, querida? — Pergunta uma senhora de traços asiáticos, com um sorriso gentil e acolhedor, algo raro para a realidade de Elizabete.
Ela se coloca em postura firme, quase como um soldado. — Elizabete, senhora. Vim no lugar do líder, Rodrigo, do meu grupo do programa das colônias.
— Ah, sim! Fomos avisados sobre a troca. Seja bem-vinda, Elizabete. Por favor, sinta-se à vontade para se sentar.
Ainda sem jeito, ela aceita a gentileza da mulher e se senta ao seu lado.
Havia sido uma das primeiras a chegar, exatamente às 07:30, mas, aos poucos, todos os demais ocupam seus lugares. Antes que as discussões comecem, Elizabete aproveita para analisar cada rosto ali presente, memorizando as informações que Rodrigo havia passado.
A que a recebeu é Akemi, uma psicóloga de elite e uma das principais figuras na coordenação de saúde da cidade. Uma senhora baixa, com traços evidentes de sua origem asiática, cuja idade avançada não diminuía sua presença marcante. Vestida em tons vibrantes de vermelho, suas roupas cobriam quase todo o corpo, exalando uma elegância e formalidade que Eli achava fascinante. Akemi era o tipo de pessoa que, sem precisar de palavras, transmitia sabedoria e experiência.
O segundo é Vicente, um homem que parecia dominar o ambiente com um sorriso charmoso e uma confiança casual. Era o tipo de pessoa que investia uma fortuna para manter seu status e imagem. Como engenheiro e arquiteto da cidadela, ele era responsável pela manutenção das barreiras de proteção da cidade e supervisionava as máquinas de construção, sendo peça central na expansão da barreira na ala leste.
A terceira figura é Louise, uma mulher negra com uma beleza natural que contrastava com a seriedade de sua função. Com a cabeça raspada e olhos de um profundo tom âmbar, usava o uniforme preto dos combatentes, adornado com detalhes mais refinados. Como comandante da força policial do domo, Louise exibia uma postura calma e diplomática, com um charme discreto, embora seu semblante sério e o armamento em suas costas deixassem claro que ela não aceitava provocações.
Por fim, o mais importante entre eles, o prefeito Cássio Malak. Um homem pardo, com uma aparência acessível e amigável, que parecia ter dificuldade em negar pedidos triviais. Sua postura era ao mesmo tempo séria e inquieta, embora ele se esforçasse para manter uma compostura de autoridade.
Ao redor da mesa, outras dez pessoas, provavelmente figuras de cargos menores, completavam o quadro como representantes da “voz” do povo naquela situação.
Ao seu lado, Max Owen, vestindo roupas excêntricas de coloração amarela. Ele bebia o que parecia ser refrigerante em uma xícara emprestada, com "MELHOR PAI DO MUNDO!" escrito na frente. Uma escolha curiosa, mas Eli não se atreveria a julgar um dos melhores combatentes do mundo.
— Bom dia a todos — inicia o prefeito, levantando-se de seu assento. — Agradeço pela presença de cada um de vocês, pois hoje discutiremos a situação atual e as medidas necessárias para solucioná-la.
A partir daquele momento, o prefeito e alguns de seus conselheiros expõem a base do problema: dois metamorfos foram identificados dentro da cidadela — uma carniçal e um larval. A primeira foi identificada como pertencente a uma possível tribo brasileira de predadores, conforme observado por combatentes experientes nesse tipo de ameaça. Pesquisas estão em andamento para descobrir qualquer conexão adicional, embora a ausência de tatuagens no corpo da criatura dificulte essa busca.
Por outro lado, o larval é considerado o alvo mais preocupante, principalmente após levantarem-se hipóteses de que ele possa ser fruto de experimentação em laboratório, já que não demonstra comportamento típico de consumo de carne humana. De qualquer forma, a questão da infecção é um ponto de extrema preocupação para todos.
Louise intervém. — Chegamos ao consenso de que este ataque vai além de um simples ato de extermínio. Acreditamos que existe um propósito específico por trás desses eventos. Em função do larval, já iniciamos um processo de interrogatório com todos os cientistas da cidade para nos certificarmos das intenções por trás dessas criaturas.
— Para quê se preocupar com as motivações dessas coisas?! Só precisamos eliminá-las! — interrompe um senhor baixo e de temperamento explosivo. — São monstros, não temos que entender nada!
— Senhor, é exatamente por essa razão que estamos conduzindo o interrogatório. — Responde Louise, mantendo a calma. — Precisamos compreender as motivações. Se houver alguém que saiba de algo relevante, será obrigado a revelar, caso contrário, será tratado como traidor.
A citação sobre traidor, e o significado que isso tem no mundo atual, parece calar todos presentes.
— Continuando… Além dessa questão, recebemos depoimentos de testemunhas que avistaram figuras não identificadas trajando vestes pretas semelhantes aos uniformes dos combatentes. Após verificação com a polícia, constatamos que nenhum equipamento foi roubado, o que nos leva a presumir que fossem metamorfos disfarçados… ou algo ainda pior.
Vincente solta uma risada. — Algo pior que metamorfos?
— Sim, na minha concepção, trair sua própria espécie, permitir que centenas de vidas inocentes se percam e ainda colaborar com os inimigos é algo bem pior do que qualquer metamorfo insensível.
Uma cacofonia de murmúrios se espalha pela sala, enquanto Vincente a encara com um ar de desaprovação.
Eli apenas se mantém em silêncio, suas mãos entrelaçadas em um aperto firme.
— Além disso, Vincente, poderia me informar o que ocorreu com o sistema de detecção da barreira?
— Ainda está em andamento, a barreira na ala leste ainda não está completament-
— Ela está se referindo à principal, Vincente. — Akemi o interrompe.
Ele processa a informação, mantendo uma expressão neutra. — Não posso dar uma resposta precisa quanto a isso, pois estava de férias na ocasião. É possível que outro infectado tenha sabotado o sistema de detecção. Vocês já interrogaram os responsáveis por essa função?
— Eles estão desaparecidos. — Afirma uma mulher jovem, com um tom melancólico.
— Imaginei… E vocês, já sabiam disso? — Ele questiona Akemi e Louise com um tom provocador.
Antes que Akemi pudesse continuar, o prefeito intervém. — Apenas certifique-se quanto à questão da barreira da ala leste, Vincente. Isso é crucial para mantermos o controle sobre a localização dos metamorfos.
Vincente assente, mas não deixa de encarar Louise com um olhar carregado de raiva.
— Na verdade, senhor Malak, gostaria de propor algo diferente. — Ele se endireita em seu assento e puxa alguns documentos. — Durante minhas viagens ao exterior, observei que muitas colônias independentes enfrentam problemas recorrentes com metamorfos. Porém, aquelas que possuem contratos — ele coloca os documentos no centro da mesa — não apresentam mais dificuldades graves com esses seres.
Eli franze o cenho, intrigada com os documentos. Rapidamente, passa os olhos pelas páginas e percebe que se trata de um contrato do GGB, ou Governo Geral Brasileiro.
O GG, Governo Geral, é uma das maiores alianças do mundo. No caso do GGB, ele representa o país em negociações internacionais, enviando ordens e propostas. Provavelmente, as pessoas mais poderosas do planeta participam dessas reuniões, mas a população nunca soube a identidade de seus integrantes. O mesmo vale para os representantes brasileiros.
O contrato em si é uma proposta de aumento na segurança da população, significando o envio de mais combatentes para a área.
Ela consegue captar o teor principal do documento, mas as entrelinhas ainda são um mistério para ela. No entanto, o significado fica claro quando Louise, Akemi e o prefeito fazem expressões de desagrado ao lerem o conteúdo do papel.
— Nós não estamos interessados nisso. — O prefeito responde com simplicidade, atraindo um olhar de ofensa de Vincente e de algumas das pessoas ao redor.
— Senhor, essa é a nossa garantia de manter a população segura, de evitar que essa cidadela seja dizimada por metamorfos! — um outro homem protesta, recebendo a concordância de várias pessoas na sala, visivelmente abaladas pelo que perderam durante o ataque.
O prefeito levanta a mão, pedindo silêncio. — Desde a fundação desta cidade, nunca tivemos a intenção de estabelecer contratos como esse, e tampouco estamos desesperados a ponto de nos ajoelharmos diante deles. Além disso, temos Max e diversos outros combatentes capacitados para o serviço. Confesso que fui negligente no momento em que deveria ter sido mais cauteloso; jamais deveria ter subestimado as capacidades de um larval. Contudo, asseguro que conseguiremos eliminar ambas as ameaças sem mais grandes perdas.
Sua declaração intriga os presentes, gerando mais murmúrios e algumas reclamações.
— Ajoelharmos? — Vincente retruca, a indignação evidente em seu semblante. — Senhor, perdemos quase um terço de nossa população. Crianças morreram nesta tragédia, famílias foram destruídas. Como podemos garantir ao povo que estão realmente seguros e que eliminaremos os monstros? — Ele se levanta, exaltado. — Precisamos assinar o contrato! Nenhum combatente "apto" ou "lunar" qualquer poderá nos salvar dessa iminente catástrofe!
Eli observa Max se engasgar por um instante com seu refrigerante ao entender "combatente lunar qualquer".
Akemi intervém, impondo-se com seriedade. — Por favor, Vincente. Se está tão preocupado, deveria ter se precavido em relação ao estado da barreira desde o princípio.
Vincente cerra os punhos. — Admito meu erro, mas mesmo chegando no meio desse caos, consigo ver a realidade das pessoas. Elas estão abaladas demais; elas precisam sentir que estão seguras, e vocês estão pouco se ferrand-
Akemi se levanta abruptamente. — Como ousa! Estamos fazendo tudo ao nosso alcance para corrigir nossos erros! E você? O que tem feito desde que retornou à cidade? Aquela barreira na ala leste só está de pé porque nossa equipe está trabalhando dia e noite para manter aquelas aberrações afastadas! Eu não te vi passar mais de uma hora por dia naquele lugar! Isso, se realmente está indo todos os dias! — Ela acusa, recebendo olhares surpresos ao redor. — E agora, em meio a todas as reuniões que tivemos, você aparece justo hoje, quando temos todos os representantes presentes, apenas para nos oferecer esse "cavalo de Troia"? O que deu em você?!
— Olha só sua velh-
Louise posiciona-se diante dele, sua arma cintilando com um brilho âmbar, direcionada ao peito do homem.
— Fique onde está. — Ela ordena, a ameaça evidente, enquanto ele permanece em silêncio, mãos erguidas em submissão.
— Você e a representante Akemi, venham comigo. Agora. — Comanda firmemente, enquanto alguns guardas na sala se aproximam para escoltar ambos.
Akemi respira fundo, compreendendo o procedimento a ser seguido. Ela lança um último olhar rígido ao prefeito antes de se retirar em silêncio.
Eli solta o ar de seu peito e relaxa a mão que segurava sua própria arma. Por um momento, jurou que alguma tragédia estava prestes a ocorrer.
— Peço desculpas pelo ocorrido, mas seguiremos com os protocolos padrão e… — O prefeito interrompe-se ao notar a mão levantada de Max. — Sim, Max?
O homem termina o último gole de seu refrigerante e pousa a xícara na mesa com um leve tilintar, seus olhos focados no contrato sobre a mesa. — Posso fazer uma sugestão?
— Fique à vontade.
— Muito bem… Diria que a proposta do nosso "amigo" foi interessante, mas podemos deixá-la de lado por ora. — Comenta com uma desenvoltura relaxada. — Meu ponto é o seguinte: a Academia ocorrerá de qualquer forma dentro do cronograma já estabelecido. Então, pensei, por que transportar um grupo de jovens para outra localização, quando podemos realizar tudo aqui?
Uma mistura de olhares curiosos e indignados se volta para ele.
O que ele está planejando?!
— Minha proposta é simples: quero unir o útil ao agradável. Por isso, proponho que realizemos o treinamento aqui, com a prova final sendo o extermínio dos monstros.
Mesmo boquiaberto, o prefeito tenta manter sua postura. — Entendo seu ponto, senhor Max. No entanto, não podemos arriscar a vida de jovens dessa forma...
— Todos nós vivíamos em situações arriscadas com a idade deles, ou até menos! Isso será uma experiência de aprendizado para a vida deles!
Uma mulher de jeito tímido se junta a conversa. — Ainda assim, seria cruel submetê-los a isso. Eles não têm a menor ideia do qu-
— É exatamente aí que você se engana. O que mais encontrei por aqui foram verdadeiros talentos, diamantes brutos. Tudo o que eles precisam é de um "empurrãozinho". — Max oferece um sorriso. — Não se preocupe, eu mesmo cuidarei para que recebam o melhor treinamento, com a equipe mais capacitada.
O quê...? O que esse maluco tá pensando?!
Não, ele não pode fazer isso! Ele vai estragar a merda do plano todo! A gente não pode ficar aqui!
Os murmúrios retornam, muitas dúvidas permaneciam entre as pessoas, mas o tom confiante do homem parecia ter as convencido, mesmo que só fosse um pouco.
Eli se mantém pensativa, uma preocupação clara crescendo dentro dela.
🌑🌓🌕🌗🌑
Assim que a reunião termina e todos são liberados, ela se afasta e toma um longo fôlego para tentar aliviar seus nervos.
Ela checa o celular e percebe que tem algumas mensagens de Rodrigo.
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|Já terminaram?| 10:40|
|Como foi?| 10:40|
|Mudança de planos| 10:41|
|O que aconteceu???| 10:41|
|Parece que ficaremos mais alguns meses do que o que foi passado| 10:42|
|Pqp| 10:42|
|Que merda| 10:43|
|Essa droga não era pra ser desse jeito| 10:43|
|Quem decidiu isso?| 10:43|
|Max Owen fez essa sugestão, não está confirmado, mas ele parece ter chamado o interesse de alguns| 10:44|
|Que merda de combatente lunar, não era nem pra ele estar aqui| 10:44|
|Era essa a peculiaridade que estava falando?| 10:45|
|Porra quem dera| 10:45|
|Esse fudido é um problema pra gente| 10:45|
|Fala com o resto do pessoal para eles voltarem para o hotel, nós vamos ter uma conversa séria hoje| 10:46|
|Okay| 10:46|
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Eli desliga o celular, a tela preta refletindo a sua expressão trêmula. Como se nada tivesse acontecido, ela continua a caminhar.
— O que nós vamos fazer agora? Não, o que eu vou fazer agora? — pergunta a si mesma, com um semblante temeroso.
Sua mente não parou desde o dia do ataque. Todos da equipe foram pegos de surpresa, especialmente Raphael. Ela nunca conheceu o rapaz, pelo menos não de maneira tão pessoal. Sabe apenas os dados que Jeff compartilhou: filho de portugueses refugiados, nascido no Brasil e criado em uma colônia como qualquer um deles.
Sinceramente, ela não se importava com ele; porém, algo ainda a intriga: por que ele morreu? O que fez para ser tratado como um soldado descartável?
Mas, o mais importante: o que ela precisa fazer para não ter o mesmo destino?
Ela vaga pelas ruas, evitando olhar as expressões miseráveis no rosto das pessoas que passam. Poderia dizer que está acostumada com aquela realidade, que é comum no seu dia a dia ver as pessoas se arrastando, levando mais um dia apenas porque seus corpos e mentes ainda não estão debilitados o suficiente para deixá-las tomarem escolhas que retirem sua vida.
Alguns ainda mantêm as brincadeiras de sempre, com semblante determinado ou sorriso caridoso. Mas, por dentro, Eli tem certeza de que todos se sentem da mesma forma, de que todos estão tão amargurados quanto ela.
Ela cerra os olhos, obrigando-se a manter uma postura confiante, ao mesmo tempo que martelava a mesma ideia desde a perda de sua irmã, a mesma frase que Rodrigo a convenceu a aceitar a proposta:
“Eles merecem,
e isso servirá como lição.”
— Olha só quem temos aqui…
Ela vira a cabeça em direção à voz irritante, instintivamente levando a mão até a arma.
Praticamente deitado no banco, mexendo no celular, está Jeff. Seu sorriso relaxado e olhar desinteressado são os mesmos de sempre.
— E aí? Tá dando um passeio pela cidade pra ver como tá mais limpinha? — Ele olha para algumas manchas secas de sangue no banco, o líquido marcado no material. — Não foi um trabalho perfeito, mas já dá pro gasto, né? — diz, arranhando o material com a unha do indicador.
— O que você tá fazendo aqui?
— Te interessa?
Ela bufa e revira os olhos, continuando seu caminho sem dar atenção a ele.
— Ei! Pera aí!
Ela para e olha para ele com desdém, enquanto ele corre até ela, se aproximando para fazer uma pergunta. Jeff dá uma última olhada ao redor e cochicha: — Eles fecharam?
Eli levanta uma sobrancelha, sem saber se Rodrigo tinha contado algo a ele, algo além do que a própria sabia.
— Não faz essa cara de desentendida, Elizabete.
— Primeiro eu falo com o líder da missão. Se você quiser saber, é só perguntar a ele depois.
Ele suspira. — Que chatonilda você, hein? — Senta-se novamente no banco, puxando um gato preto de debaixo do móvel. — Não vai nem me dar um voto de confiança? Os meses que a gente passou juntos naquela merda de colônia não valeram nada? — Questiona com uma falsa inocência, acariciando o gato, que claramente tentava fugir.
— De onde surgiu esse gato?! — Pergunta, incrédula e receosa de se aproximar, temendo que seja algum tipo de armadilha.
— Importa? — Ele responde, tentando ver o nome escrito na coleira. — Ah, que pena, o sangue tá muito seco, não dá pra ver o nome. Parece que seus dias estão contados, amiguinha, se seu dono não aparecer. Isso é, se ele ainda estiver vivo. — Jeff diz com certo sarcasmo.
Eli observa com agonia o garoto "acariciando" o gato; parecia que o adolescente nunca tinha visto uma demonstração de carinho na vida.
— Me dá isso. — Ela toma o gato da mão dele e se senta ao seu lado.
O animal era uma fêmea de pelagem completamente preta e olhos azulados. À primeira vista, não apresentava nenhum sinal de mutação, apenas algumas manchas de sangue seco pelo corpo. Por um momento, Eli considerou puxar a arma por precaução ao sentir a gata tremendo em seus braços, mas logo percebeu que era apenas medo.
— Meu Deus… Olha o que você fez com ela. — Ela acaricia o animal, e, aos poucos, o gato relaxa em seu abraço.
— Eu só tentei fazer carinho. É essa coisinha que é assustada.
— Você tem sorte dela ser tão dócil; caso contrário, estaria todo arranhado.
— Fala isso por experiência?
Eli paralisa por alguns instantes, perdida em memórias da infância.
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— Eu pensei que os animais te amavam!
Eli ri ao ver o pequeno gato albino
tentar arranhar sua irmã,
mesmo enquanto
ela tentava tirá-lo de um buraco.
— Mas acho que esse daí
não gosta de você!
A mais velha sorri,
com uma expressão calculada e medida,
quase sem genuinidade.
O gato já estava em seus braços,
resistindo o máximo possível,
como se a jovem fosse
uma armadilha viva.
Sua irmã a observa, seus olhos
pretos iguais aos dela,
mas sempre observadores.
Sempre minazes.
Sempre...
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— Não. — Eli continua acariciando o pelo sedoso do animal, sua expressão se tornando cada vez mais amarga. — O que você está fazendo aqui, Jeff? — Ela muda de assunto, a desconfiança voltando.
— Esperando algo.
Ela franze o cenho. — Algo…?
— Que não te interessa. — Ele abre um largo sorriso, que logo se desfaz quando recebe um soco no braço.
— Ei!
— Já falei para parar com essas brincadeiras imbecis.
Eli se levanta com o gato em seus braços, sem tirar os olhos de Jeff, que a provoca mostrando a língua.
— Vamos. Pare de ficar vagabundeando e vamos para o hotel, Rodrigo quer conversar com tod-
Ela se sobressalta ao ver uma nova figura à sua frente quando se vira. A um metro dela, estava um jovem um pouco mais alto que Eli, com cabelos castanhos espetados e desgrenhados, pele pálida e olhos quase pretos, que a encaravam.
Olhos que sempre penetravam em sua alma de maneira dolorosa.
Iguais aos dela.
Ela engole em seco e tenta retomar a compostura, sentindo-se uma idiota por ter reagido daquela forma.
— Uh… Oi. — O estranho abaixa o olhar, percebendo só depois o que estava fazendo. — Vamos, Jeff? — Ele olha para o outro, que logo se levanta.
Eli se aproxima de Jeff antes que ele pudesse ficar ao lado do outro, puxando-o pela manga do moletom. — Do que ele tá falando? Quem é esse? — Sussurra em seu ouvido.
Jeff ri levemente. — Não reconhece? É o Oliver, irmão do seu querido Miguelito!
— O quê?! — Eli e Trey exclamam ao mesmo tempo, se encarando com surpresa.
— Irmão? — A jovem analisa Oliver com estranhamento e um certo desconforto, lembrando-se de tê-lo visto no dia do ataque, pensando que era apenas um amigo aleatório de Miguel.
— “Querido Miguelito”? — Trey faz uma careta, sem entender bem o que aquilo significava.
Eli ignora a pergunta, mantendo sua expressão séria. — E o que vocês dois vão fazer juntos, hã? — Ela olha para Jeff. — Desde quando você tem tempo para fazer amiguinhos? Você não está nessa missão para perder tempo com isso.
Jeff fecha a cara, sua expressão tão séria quanto a dela. — Pode apostar que estou fazendo algo útil. Eu sei exatamente o que estou fazendo… E você, Eli? Você sabe o que está fazendo?
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Quando foi que aconteceu?
Antes de acharem a cápsula?
Depois do ataque do metamorfo?
Quando sua irmã havia morrido?
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Ela cerra os punhos, a irritação clara em seu rosto. Eli o larga, sem olhar mais uma vez para o outro, que deixa escapar um sorriso vitorioso.
Seus olhos se concentram apenas no chão, focados nas manchas que estavam presentes por quase toda a cidade. Pinceladas vermelhas impregnadas no ladrilho esbranquiçado, que, mesmo após o efeito do tempo, ainda estavam ali.
E não importava o quanto tentassem eliminar aquela lembrança, ela sempre estaria presente.
Nada poderia apagar o que aconteceu.
Nada poderia apagar o que ela deixou acontecer.
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