Capítulo 26 | [Voltando a normalidade]-parte 2
🔶 4 de abril de 2149
🔸 Segunda-feira | 12:00
O lar dos Johnson's, ou Hunter's, se encontrava da mesma forma que deixaram. Exceto pelo laboratório levemente danificado, mas ainda funcional. Fora isso, tudo se mantinha intocado, sem arranhões e sem rastros de que alguém invadiu, à primeira vista.
Na sala, sentados em poltronas, estavam Érica e Alex, aguardando que os filhotes contassem o que haviam visto quando chegaram na cidade.
Mari se ajeita no sofá, olhando brevemente para seu irmão, que ainda parecia desconfiado com os dois. Érica não poderia julgar, uma cientista e um combatente eram as duas piores coisas com que um metamorfo poderia se deparar.
E o olhar severo de Alex, parado e imóvel, não ajudava em nada a aliviar a tensão. Érica deu-lhe uma cotovelada discreta para suavizar a expressão.
Com um suspiro, ela decidiu quebrar o silêncio e iniciar a conversa de maneira acolhedora.
— Eu sei que vocês estão assustados com tudo que tem acontecido, mas ficar com a Lara nos próximos dias pode ser perigoso para vocês e nós — olha para Alex, agora com uma expressão mais apropriada — não queremos que nada de ruim aconteça com nenhum de vocês dois.
Os dois parecem relaxar.
— Trey contou um pouco sobre a situação de vocês, especialmente a entrada de vocês na cidadela. Poderiam nos informar o que vocês viram?
Eles se entreolham uma última vez, Bruno sendo o primeiro a falar. — Alguém de dentro abriu o grande portão da muralha para os dois metamorfos, alguém todo de preto.
— Vocês não viram nenhum símbolo ou identificação? — Alex questiona.
Ele nega com a cabeça e Mari continua a história. — Pensávamos que eles estavam completamente juntos, mas eles brincaram com aquela pessoa e... Machucaram ela.
Bruno prossegue. — Foi aí que descobrimos que era um humano... Ou humana. Não sabemos dizer ao certo.
— Eles mataram essa pessoa? — Érica pergunta, se mantendo imparcial.
— Não, eles fizeram aquela maldade e depois cada um seguiu seu caminho.— Mari finaliza.
Os adultos trocam um olhar significativo.
— Vocês viram mais alguma coisa?
Eles param por um momento, pensativos, e depois negam com a cabeça, confiando o suficiente no julgamento de Lara para não deletar Trey e os seus hábitos de predador.
— Muito bem. — Ela se levanta ao lado do seu marido. — Eu e Alex teremos uma conversa privada lá embaixo. Vocês podem ir lá para cima e ficar com Miguel e Trey.
Ela faz carinho na cabeça de ambos, que recebem bem o afeto. — Não se preocupem, logo em breve vocês terão uma casa novamente. — Sorri, tentando confortar as crianças. — Eu prometo.
🌕🌕
🔷 01 de setembro de 2139
🔹 Domingo | 23:15
— 46, como estão os outros? — 47 pergunta, enquanto mexia no mapa da base, pontuando com um marcador as áreas que julgava importantes para o seu plano.
Ela suspira. — Todos estão desestabilizados, 4 e 10 aparentam estar melhores que os outros e o 31... Ele retornou novamente para os destroços, foi assistir às fitas.
Todos ficam em silêncio.
47, em um momento de frustração, bate o marcador na mesa com força, fazendo os outros lhe darem um tempo para respirar após horas, dias e meses tentando encontrar uma solução viável. 46 rapidamente se levantou e se aproximou dele, sussurrando palavras reconfortantes em sua língua nativa para acalmá-lo.
Alex olha para a mesa, percebendo que 47 estava tentando montar o plano ideal para destruir o ninho e levar todos para casa. No entanto, ele sabia que isso exigiria sacrifícios; a realidade cruel era que nem todos conseguiriam sobreviver.
Sua última fita, a de despedida para sua família, já havia sido gravada.
Nunca foi um homem desesperançado, pelo contrário, é provável que seja uma das pessoas mais esperançosas entre os cem combatentes lunares que foram escolhidos para a missão atual.
No entanto, aquele pesadelo de missão tomou mais partes de si do que gostaria de admitir.
E, querendo ou não, ele sabia que aquela operação seria seu último ato.
— Eu consigo destruir o ninho sozinho. — 23 se pronuncia ao seu lado, tomando os olhares dos outros três na sala de reunião.
— De forma alguma! — Alex é o primeiro a contrariar. — Você acha mesmo que eu vou deixar um garoto ir lá sozinho?! Você vai ser morto!
O asiático o encara com desprezo. — Pensei que já tivéssemos conversado sobre isso! Fui feito para isso, 22! Minha vida não tem valor algum se eu não fizer algo grandioso nessa missão para honrar minha linhagem! — Diz com orgulho, que escondia uma incerteza subjacente. — E eu não sou mais um garoto! Vou fazer dezoito anos no final do ano.
Alex revira os olhos. — Entendi, senhor crescidinho! Mas isso não tira o fato de que esse será o meu trabalho! Eu não ligo para o que a sua família pensa o que é honra, e nem você deveria ligar! Já tivemos essa conversa! Mas eu não vou deixar você se sacrificar por esse motivo, então se tiver alguém que morrer, vai ser e-
— Já chega, 22! — 47 esbraveja. — Ninguém mais vai morrer!
Alex se levanta, deixando a emoção do momento o levar. — E eu não vou permitir um garoto que está nesse inferno desde os dezesseis anos se matar por isso! Não enquanto eu estiver aqui!
Alex encara seu capitão em desafio.
47 o observa com seriedade, sua expressão inabalável infectada por uma leve melancolia. — Vocês são os melhores para esse serviço e, para que ambos sobrevivam, os dois irão juntos, 22.
— O QUÊ?! — Alex exclama. — Espera, 47! — Ele segura o homem antes que pudesse deixar a sala com sua esposa. — Por favor, pense melhor nisso, eu consigo finalizar o serviço sozinho. O Captor vai atrás de mim e vocês vão estar livres para fugir! A menos que o Controlador e o Impostor entrem nas suas mentes, eles não vão conseguir parar vocês, eles não têm força ou resistência para isso!
Com uma calma que quase o assombrava, 47 diz. — 22, você quer ver sua família de novo?
Mais do que tudo.
— 47...
— Você verá eles de novo, eu prometo.
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🔶 4 de abril de 2149
🔸 Segunda-feira | 11:30
— Alex! Você está me ouvindo?
O homem acorda de sua memória, vendo sua esposa irritada em um dos cantos do laboratório. — Você prestou atenção no que eu falei?
Ele suspira, passando os dedos pela ponte do nariz — Desculpe, Eri. Foram só algumas "lembranças"...
As feições dela se entristecem, mas sem perder muito da sua seriedade.
— Eu estava falando que temos um traidor entre nós. Um humano trabalhando com os metamorfos.
Se ajeita na cadeira. — Não só um.
— Exatamente! É o laboratório de Santiago tudo de novo, mas dessa vez é com uma cidade! Por que você acha que estão fazendo isso?
Alex pensa por alguns instantes, relembrando da missão onde conheceu Érica e como, a partir desse local, ele descobriu que os humanos já não eram mais as vítimas da história havia um bom tempo.
Ainda existiam metamorfos horríveis rondando pela Terra, criando guerras e destruindo civilizações, mas isso não tira o fato do quanto isso ainda poderia estar sendo permeado, ou até reforçado, pelos humanos.
Não sabia ao certo quais eram os motivos que levavam aqueles líderes a agir de forma tão opressiva, mas tinha plena consciência de que o medo conferia poder, e esse poder gerava controle.
Érica pensa alto, andando pelo laboratório, como se isso fosse ajudar a reorganizar seus pensamentos. — A gente está nessa cidade por um motivo: ela não tem controle sobre a população e isso facilita a entrada de infectados e metamorfos.
Isso ele não poderia opinar, ela que havia feito a escolha da cidade quando ele retornou da missão.
— Só que, em todos esses anos, nunca houve um ataque como esse por aqui. — Ela continua.
— Um verdadeiro paraíso... É impossível passar tanto tempo sem ter uma invasão sequer com o quão fraco é o sistema de segurança daqui. — Ele comenta.
Lembra bem que ataques como esse não eram novidades, mesmo nas cidades. Se a segurança não fosse forte o suficiente, esses incidentes se tornavam quase inevitáveis. No entanto, quando a segurança era rígida, as cidades acabavam se assemelhando a uma ditadura militar, com combatentes assumindo o controle e ditando as regras.
— Sim... — Comenta com um sorriso astuto. — Só se não existisse uma colônia de metamorfos próxima!
Reflete por alguns segundos, acompanhando o raciocínio dela. — Então, a colônia pode estar afastando predadores. — Conclui.
— Exato! Mas... Como isso poderia funcionar? É possível que o prefeito tenha um trato?
— Difícil dizer. Qualquer contrato que exista pode ter sido feito muito antes dele assumir o cargo.
Ela faz uma pausa, ponderando. — E é por isso que os filhotes vieram para cá. Os metamorfos dessa colônia podem tanto manter a população humana daqui segura de qualquer ataque quanto transitar por aqui sem serem percebidos, mas a questão é: onde eles estão?
— Receio que para isso precisamos achar o informante primeiro. — Admitiu, chegando à conclusão inevitável.
Por alguns minutos, tudo que eles discutem é sobre quem poderia ser a pessoa infiltrada. Ambos dão sugestões, mas nenhuma parecia confiável o suficiente para eles tentarem conversar.
— Podemos perguntar a Lara também, Trey disse que a garota estava procurando a pessoa desde o início, talvez ela tenha encontrado algo.
Alex franze o cenho, sabendo o que viria logo em seguida.
— Precisamos contar depois também o que está acontecendo para os nossos meninos. Quanto mais perdidos eles ficarem, mais propícios a serem enganados eles estarão.
— Érica, eu não acho que...
Ela o encara, visivelmente irritada, antecipando o que ele ia dizer. — Alex, já conversamos sobre isso, sem mais segredos, e isso serve para ambos os lados. Você quis tanto poupar Miguel disso, e olha só o que aconteceu! — Exclama, gesticulando com os braços, mesmo que tentasse manter a calma.
Alex cruza os braços e se encosta na cadeira, desviando o olhar para a mesa repleta de equipamentos de laboratório.
— Max inscreveu Miguel e Trey para combatentes na Academia, os dois foram ameaçados pelos metamorfos, Trey quase MORREU por isso, Miguel foi infectado por um dos metamorfos e exposto ao... — Ela aponta para o tapa olho dele. — Ele quase te deu um tiro de AL na CABEÇA, e você QUEBROU o pulso dele!
— Isso foi um acidente... — Se justifica, pela milésima vez. — Ele puxou de maneira errada e eu fiz a idiotice de tentar segurar mais. — Confessa com pesar, enquanto massageava a área onde a bala havia raspado, sem mais nenhum traço de cicatrização, como se o dano nunca tivesse ocorrido.
Sabia que sua força, essa maldição, estava longe de ser humana há muito tempo, e que ele deveria evitar de todas as formas possíveis em usá-la com humanos, principalmente seu filho.
— Isso eu consigo entender, mas não a expulsão de Trey!
Alex congela por um segundo. — Eu não i-
— Não ia expulsar? Sei. Mas o bunker no meio do nada do abandonado "Centro de Operações do Rio" não parece ser muito "a casa de um amigo". — Ela acusa. — Você mentiu.
Os dois se encaram, suas mentes fervilhando em busca de respostas.
Tentava entender como ela havia conseguido aquelas informações e como poderia explicar a situação sem revelar mais do que o necessário. Sabia o quão arriscado era adentrar nesse assunto.
Algo podia estar ouvindo eles.
Observando eles.
Zombando da ingenuidade dela.
Gargalhando das tentativas falhas dele.
— Érica, você sabe o que ele é... Seria melhor dessa forma para ambos os lados. — Continua sem perder o ritmo. — Trey está lentamente perdendo controle da sua forma. É possível que até o final do ano ele perca totalmente a forma do Oliver. O ideal seria reverter o efeito do medicamento, de uma maneira que não gerasse prejuízos, e colocá-lo em um meio com outros metamorfos iguais a ele.
A expressão de indignação e horror dela era exatamente o que esperava. Ela já sabia daquilo, só não queria confessar.
— Sim, eu sei muito bem. Fui eu quem analisou cada detalhe dele, eu vi o quão excepcionais eram as habilidades dele, e o motivo delas serem assim. Eu que sugeri enviá-lo para uma colônia de metamorfos no início. — Afirma com seriedade, assumindo parte da responsabilidade. — Mas sabe quem apoiou a adoção dele? Você, com a justificativa de que ele não conseguiria se adaptar ao meio pelo "tipo" de metamorfo que ele era, e eu acreditava na mesma coisa.
Ela suspira. — Nenhum de nós estava bem naquela época, mas fizemos uma escolha consciente.
Alex a encara, ciente de que nem tudo aquilo era totalmente verdadeiro. De forma alguma, eles tinham tido tempo o suficiente para superar a perda de Oliver.
— Talvez nem tudo... — Ela admite, respirando fundo. — Mas você apoiou e prometeu que ele faria parte da nossa família, que ele seria amado, e não seria mais um...
— Morseau. — Responde baixo, memórias de tragédias passadas retornam a eles.
Érica desvia o olhar, parando em frente aos seus equipamentos com apreensão.
— Você acha que é ele mesmo? — Sussurra, com medo de que aquela fosse a realidade, mesmo já especulando desde o princípio. — Que ele sobreviveu?
Alex assente. — Mesmo subtipo, mesmos poderes. Você examinou o fragmento, não foi?
Ela o olha, ansiosa. — Acha que ele quer se vingar?
— Espero que não.
Ambos ficam em silêncio por alguns minutos.
Érica hesita antes de falar novamente. — Alex, por favor... Peça desculpas a Miguel pelo que aconteceu e ajude Trey, ajude os dois. Esteja presente para eles, especialmente agora. Seja o pai que eles precisam...
Ele não retruca.
A voz dela embarga, revelando a dor contida, saindo tão baixa que quase não escuta. — Eu não quero perder outro filho.
Alex permanece em silêncio. A batalha interna que travava parecia visível em seus olhos, que evitavam os dela.
Ele não percebeu quando ela se aproximou, suavemente, como se o silêncio entre eles fosse frágil demais para ser rompido. Érica levanta a mão, hesitante no início, e toca de leve no rosto dele. Alex instintivamente tenta recuar, o medo de que o que estava dentro dele, os restos daquela aberração, pudesse infectá-la era constante, um pensamento sufocante que nunca o abandonava.
— Não, Érica... — Ele começa, a voz rouca de incerteza.
Mas ela não o obedece. Seus dedos firmes permanecem em seu rosto, e ele sentiu o calor da palma dela contra a sua pele fria, quase morta.
— O que aconteceu com você nesses últimos dois anos? — Pergunta, com a voz suave, mas carregada de dor. — Você estava melhorando tanto...
Ela deixou o peso de sua cabeça pousar na clavícula dele, envolvendo-o em um abraço que ele não conseguia retribuir. As mãos de Alex tremiam, perdidas entre a vontade de afastá-la para protegê-la e o desejo desesperado de sentir aquele conforto familiar.
Mesmo com o sufocante nó em sua garganta, ele não contaria a verdade, não contaria o que viu naquele dia.
Aquele ainda não era o momento.
Não era a oportunidade certa.
O fardo continuaria sendo carregado apenas por ele por hora.
— Às vezes — continuou, sua voz apenas um sussurro contra a pele dele —, eu sinto falta do "Lex Hunter", o homem de espírito inabalável, que nunca tirava o sorriso do rosto. — Ela dá uma risada breve, tentando aliviar a tensão, mas a frase era como uma lâmina que cortava direto no coração dele.
— Ele morreu na lua. — Suas palavras saem sem emoção, um eco do que ele realmente sentia.
Érica se afasta dele, seus olhos buscando os azuis esbranquiçados dele, tentando encontrar o homem que ela ainda acreditava estar ali. Alex se recusava a encará-la diretamente, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela o surpreende com um beijo.
— Érica! — Exclama, aturdido.
Ela sorri, levemente, como sempre fazia quando ele se levava a sério demais.
— Isso é o que ele diria. — Ela brinca, se afastando com uma leveza que ele não compreendia mais. — Você acha que eu não sei diferenciar meu marido de um lunar qualquer?
Alex ri, mas a risada veio curta, quase sufocada. Ele não chamaria o Controlador de um lunar qualquer. Passa a mão pelo rosto, tentando evitar que as costuras em seu rosto deixassem escapar algo fora do comum.
— Vou subir para fazer o almoço. — Diz, abrindo a porta, mas, antes de sair, lançou um último olhar para ele, um olhar que o atravessou. — E, por favor, Alex... pense no que falei. Eu também não tenho sido a melhor mãe do mundo, longe disso, mas sinto que se a gente não se intrometer nesse momento, não haverá mais outra oportunidade... Nunca mais...
As palavras dela pairam no ar como uma sentença. Sozinho, no silêncio, ele tenta organizar seus próximos passos.
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