Capítulo 17 | Conheça seu inimigo-[parte 2]
🔶 1 de fevereiro de 2149
🔸Terça-feira | 15:33
— TREY!
O metamorfo acorda, inspirando fundo. Pisca, tentando entender a cena que vivenciou, onde viveu cada sentimento daquele acontecimento.
De novo. De novo ISSO.
Aquelas eram lembranças indesejadas, sentia isso, pois o retorno das suas memórias deveria ser algo como ter uma ideia, apenas. Mas aquilo era invasivo, um evento que o forçava a viver cada sensação que não desejava.
Uma delas a física.
A primeira vez não havia sentido nada, mas essa era como se tivessem afundado seu corpo em lava.
— O que está acontecendo? Isso é normal?
Finalmente, enxerga Lara a sua frente, olhando para os filhotes com uma expressão preocupada, e percebendo que todos estavam de pé ao redor dele.
Se afasta dela, sabendo que precisava sair dali naquele momento.
— Espera! — Ela segura a mão dele a tempo. — Você está bem? Você ficou parado, encarando o nada por um tempo! E nem sequer respirava!
Ele encara ela de volta, sentindo o toque caloroso dela contra sua mão gélida, apreciando por um instante os seus olhos amendoados, recheados de uma preocupação genuína.
— Preciso ir. — Fala por fim, se soltando dela e indo pegar suas coisas.
🌑🌓🌕🌗🌑
"Cada vez mais se aproxima o dia das inscrições. É nessa hora, que se abrirá as portas para os seus sonhos se tornarem realidade.
Então, fique atento e esteja preparado para a sua prova!"
Enquanto fazia a leitura do blog, a caminho de casa para se distrair, outra notificação aparece: a quinta mensagem de Lara.
Ele guarda o celular, ignorando o assunto e feliz que havia chegado em casa.
Sobe rapidamente até o seu quarto e desaba em sua cama. Não querendo pensar em mais nada naquele dia.
— Aham, sim...
Ele vira a cabeça para a esquerda, na direção do quarto de Miguel.
— Você acha que está tranquilo? — Escuta Miguel indo de um lado para o outro.
— Entendi... O quê?! Mas e a Academia na sexta? — Para no lugar.
— Mas ainda assim...
Silêncio.
— Tá, tá bom. Beijo, tchau.
Esse era o sinal para Trey se levantar e ir até Miguel.
Bate na porta trancada, em um ritmo estranho.
— Trey? Que foi?
— Você vai ficar o dia inteiro trancado aí?
— É duas da tarde, isso é o dia inteiro para você?
— Talvez.
Ambos ficam quietos.
— Você não vai abrir?
— Não.
Trey suspira, impaciente, e volta para seu quarto.
Enquanto isso, Miguel continua a olhar para seu celular, cansado. Senta em sua cadeira e passa as mãos no rosto, encarando sem foco a sua pilha de livros de estudo, com exceção de um.
Pega o livro preto, com uma lua sórdida estampada na capa.
"Dois anos no inferno"
Se ajeita em sua cadeira, colocando os papéis de anotações, canetas e lápis para o lado, deixando no centro a obra de capa dura.
Toma um gole da xícara branca, agradecendo pelo café ainda estar quente, e abre o livro onde tinha parado: memorial.
"Dedico estas páginas a todos os que não puderam ver o sucesso de nossa missão, que foram tirados deste mundo muito cedo e mereciam viver a glória dos seus sacrifícios.
Em memória dos 43 Combatentes, que faleceram em prol de dar a vitória para a humanidade, e da única sobrevivente, que não superou os horrores daquela missão, mas que colaborou com as pinturas contidas nesta obra.
E para os que decidiram nos trair, que queimem no fogo mais ardente pelos seus atos."
Logo abaixo, havia uma enorme lista de nomes, codinomes e apelidos dos melhores combatentes de metamorfos do mundo, na época, com uma pequena frase ao lado em homenagem. Sabia que muitos dos combatentes preferiam não dizer seus nomes inteiros, tanto para não haver riscos de um metamorfo se passando por eles, quanto para ter uma vida pessoal privada.
Neste momento, ele buscava por um apelido específico.
Contudo, um barulho o tira de seus pensamentos: o da sua janela se abrindo.
Taca o livro no rosto da criatura que adentrava seu quarto sem pensar duas vezes.
— AI! Tinha que ser no olho?! — Trey termina de entrar no quarto, agora com uma dor latejante em seu olho.
— Caramba, Trey! Você me deu um susto!
— Você não me deu outra escolha...
Miguel suspira, pegando o livro caído em sua cama. — O que você quer?
— Saber de tudo. — Fala sem grandes expressões. Seu irmão estava descalço em cima da sua cama, como uma criança birrenta demandando algo, enquanto o encarava com um olho normal e outro com a esclera vermelha do machucado.
— Você precisa cuidar desse olho, ele tá todo ver-
— Miguel! — Se exalta, abrindo os braços e balançando um pouco na cama.
— Tá, tá! Do que você quer saber? — Se senta na beirada, próximo ao outro, em derrota.
— Por que tá todo mundo agindo estranho? O que foi aquilo com aquele combatente lá?
Miguel fica em silêncio por um tempo. Trey não sabia dizer se era a temperatura mais amena e a ausência do sol, mas ver o seu irmão "acinzentado" o deixava com um estranho desconforto. Miguel chega para o lado, deixando um espaço para Trey se sentar próximo a ele, e abre o livro novamente.
O sarcasmo fica claro em seu tom. — Legal, a gente vai ler então? — Trey se senta com um pulo, afundando nos enormes edredons e balançando os dois com o seu peso.
Ele assiste Miguel passar as páginas, sua curiosidade crescendo cada vez mais. Até o seu irmão parar em uma página específica e entregar o livro para ele. O silêncio atípico de Miguel e a expressão conflituosa em seu rosto só comprovava a estranheza da situação.
— Tá, o que tem esse memorial?
— Os nomes, Trey. Nenhum deles é familiar?
— Sim? Tenho a sensação de ter visto alguns desses, acho que o pessoal falava bastante deles alguns anos atrás... — Trey continua lendo.
J.R, Kat, Al-Saleh, Yuki e...
"Lex Hunter, amado companheiro e extraordinário combatente, seu humor foi essencial para resistirmos até o fim."
— Lex Hunter... Hm, por que a nossa mãe te chamou de "Miguel Hunter" naquele dia? Eu pensei que tivesse sido algum apelido estranho, mas eu nunca vi ela te chamar daquele jeito.
Miguel estava de braços cruzados, com a cabeça encostada na parede. — Entendeu o problema?
— Que ela te chamou pelo segundo nome de um combatente que morreu anos atrás? E que de alguma forma isso tá relacionado com a situação estranha com Max?
Miguel parecia estar morrendo por dentro com as capacidades cognitivas de Trey de conectar A com B.
— Ele é o nosso pai, meu pai. E o Max me reconheceu por conta disso.
— Peraí... O quê?! — Ele encara boquiaberto Miguel, sem conseguir processar a situação. — Eu não entendi.
— Trey, presta atenção! Alexander Johnson e Lex Hunter são a mesma pessoa.
Trey pisca, tentando ainda processar o fato. — Você tá dizendo que o "humor da equipe" é o seu pai? Tem certeza disso? Acho que seria mais fácil acreditar que você é adotado.
Trey sempre soube que seu pai era um combatente extremamente habilidoso, mas ter sido um Combatente Lunar já era outra história.
— Foi uma decisão difícil que nossos pais tomaram na época, mas eles não tinham outra escolha a não ser se esconderem. Ainda que ele fosse conhecido pelo mundo inteiro, a gente teria mais chance se escondendo em outro país que não fosse os Estados Unidos. Acabou que o Brasil foi a melhor opção, minha mãe morou aqui a vida toda e eu, e o Oliver, fomos ensinados a falar português desde cedo... A gente já usava o sobrenome Johnson para algumas ocasiões, mas desta vez seria fixo... — Miguel explica, com uma rara tristeza no seu tom.
Ele continua. — E o "humor" é realmente difícil de acreditar, tanto que Max desistiu de me questionar quando meu pai chegou... Mas você sabe como é, né? Uma infecção pode mudar uma pessoa. — Olha para Trey, com um sorriso meio caído.
O mais novo não sabia o que dizer, mas tinha diversas perguntas sobre isso.
Trey começa a reunir tudo o que sabia sobre Alexander. Lembrava que o homem era americano, por isso o sobrenome diferente e o sotaque quase imperceptível; não recordava de nenhum outro instante em que Alex não fosse, fisicamente, diferente do que ele conhece hoje, ou seja, estava infectado desde que ele foi morar com eles; devido a recente leitura do seu diário, lembrava também que o homem apenas veio morar no Brasil com sua família no ano de...
2139.
— Que ano você veio para o Brasil?
Miguel encara ele com estranheza. — 2139... Por quê?
— Isso significa que, se ele realmente fez parte da missão, ele chegou no ano de 2139, não é?
— Sim, mas isso nã-
— SABIA! Essa é a única informação que eu nunca esqueci! — Trey fala eufórico e prossegue, sem deixar Miguel fazer seu comentário. — Eu já sabia disso? Quero dizer, eu esqueci do seu pai ser isso tudo?
Miguel balança a cabeça em negação. — Eles nunca te contaram, até onde eu sei. Talvez eu tenha falado uma coisa ou outra na época em que a gente se conheceu, tudo estava acontecendo tão rápido, a mudança para o Brasil, das colônias até essa cidade, o sobrenome "fixo" e o... Oliver. É, provavelmente eu devo ter falado bastante.
Trey apenas escuta a história em silêncio, juntando todas as informações. Não se lembrava de nada dessa época, nem de como conheceu Miguel, apesar de no seu diário estar escrito "no trem" e mais nada.
Eu poderia ter deixado um pouquinho mais de detalhes nos diários, né?
— Eles disseram que vão explicar isso melhor pra gente amanhã. Então... Podemos trocar de assunto? Não quero ficar pensando nisso, enquanto ainda estamos aqui...
Antes que Trey questionasse a última fala, Miguel prossegue.
— E ainda temos alguns assuntos a discutir, não é mesmo? — Seu tom se torna acusatório. — Você foi descoberto e não contou para ninguém. O que você estava pensando?!
Trey fica em silêncio, olhando para o seu colo, mas sentindo Miguel fulminando com certa raiva.
— Isso tudo porque eu não te chamei para algo que não ia ter nada a ver com você? — Miguel se levanta, ficando à sua frente e aumentando seu tom. — Você é um metamorfo! Por que eu iria te chamar para estudos sobre matar o que você é?
O semblante de Trey piora, seu sentimento de culpa se transformando em raiva. — Não é sobre isso...
— Como assim? E é sobre o que então? — O outro pergunta com uma confusão genuína.
Trey fica em silêncio, assistindo uma leve tremedeira se iniciar pelas suas mãos. Estava nervoso para contar sobre suas suspeitas de ser expulso, acreditava que, se falasse em voz alta, toda a sua paranoia se tornaria real.
Miguel suspira profundamente. — Olha, eu quero te ajudar. De verdade. Mas você precisa falar comigo o que tá acontecendo!
Trey assiste toda a raiva remanescente de Miguel se dispersar na verdadeira preocupação que havia por trás. O loiro cruza os braços, coçando um dos antebraços em um movimento de espiral, uma ação viciosa que devia ser evitada para não prejudicar ainda mais as...
_______________________________
Gigantes aberturas,
cobertas por um vermelho vivo, preenchiam o braço do seu irmão.
O que tinha feito aquilo?
Que tipo de MONSTRO teria
feito aquilo com seu irmão?
_______________________________
Trey assiste sua tremedeira piorar. Ele fecha suas mãos e sente suas garras penetrarem na sua pele.
— Ou você pode ficar quieto também. — Miguel sussurra, um pouco decepcionado.— Eu vou pegar mais café. — Ele olha mais uma vez para o mais novo, esperando alguma resposta, mas logo prossegue para o andar de baixo.
Com a porta destrancada, Miguel some do quarto, deixando Trey sozinho.
Ele abre suas mãos, suas unhas pintadas de um vermelho vivo e cortes profundos nas duas palmas.
_______________________________
Porém, tudo se torna nítido,
quando avista suas mãos.
Ambas banhadas
no sangue do seu irmão.
_______________________________
Um arrepio sobe pela sua espinha, fazendo-o fechar os olhos e tapar o rosto com as mãos, já regeneradas. Apenas queria dormir neste momento e acordar em um tempo onde tudo era perfeito.
É pedir muito ter um pouco de paz nesses últimos dias?!
Uma xícara se quebra e o som da porcelana se estilhaçando faz Trey ficar de pé no mesmo instante, esquecendo por um segundo todas as memórias traumáticas.
— MIGUEL? — Grita já da escada, um desespero incomum em seu tom.
— O que é isso?! — Escuta a voz abafada de seu irmão, confuso com algo.
Trey pula direto do segundo andar para o primeiro andar. Ignora a dor nas suas pernas e prepara suas garras para se tornarem mais afiadas para a possível ameaça.
Quando chega na sala, na área em frente à porta e a caminho do corredor para a cozinha, se depara com a cena de Miguel de frente para o nada, parado, como se estivesse tentando ver algo no chão.
Trey percebia muito bem que não era "nada" ao sentir que havia algo ali. Agarra as duas figuras pela região do pescoço e as segura no alto, falhando em notar o óbvio, quando as silhuetas revelam sua forma.
Ele arregala os olhos. — Vocês?! — Solta os dois, que caem sentados no chão.
— Esses são... Os filhotes? — Miguel pergunta receoso.
— Sim. — Trey responde com o cenho franzido, ainda tentando entender por que os dois estavam dentro da sua casa.
— Vocês estão bem? — Miguel empurra o metamorfo mais velho e se ajoelha até os menores sem pensar duas vezes.
As crianças se recolhem, com enormes olhos assustados direcionados ao humano e ao metamorfo. Preocupação consumia a expressão de Miguel ao ver cortes recém-formados no pescoço dos dois.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Trey puxa Miguel para longe, à força, recebendo um olhar de reprovação do mais velho.
Mari passa uma mão no seu pescoço com cortes amarelados, onde Trey a agarrou. — Nós viemos checar se estava tudo bem.— Ela sussurra, apreensiva. — A Lara ficou preocupada por você não ter respondido nenhuma mensagem...
A expressão de Trey cai.
Ela ficou... Preocupada?
— Mas dá para ver que você tá ótimo. — Bruno se levanta, ajudando a sua irmã. — Ela confia muito mais do que deveria em você. — Sussurra com raiva.
Os olhos de Trey queimam em vermelho, um mar de sangue preenchendo todo seu olho e deixando apenas a íris negra, e partida, no meio. — E o que você quer dizer com isso? — Um rosnado visceral fica preso em sua garganta.
— Exatamente o que você entendeu. — Os olhos do filhote são preenchidos por completo pela íris atípica, ao mesmo tempo que ferrões se formavam nos seus dois pulsos. — Eu sei muito bem que você tá escondendo algo.
Trey ameaça avançar nele novamente, mas é impedido.
— Trey! — Miguel aumenta o seu tom, se metendo no meio dos metamorfos.
— Sai da mi-
— Sai você daqui. Você tá longe de estar estável para lidar com isso agora. — Olha Trey de cima a baixo.
Ofendido era o mínimo de como estava se sentindo, mas percebe uma parte do problema ao ver a diferença de altura entre os dois, com Miguel tendo que olhar para cima para falar com ele. Olha também para suas mãos, agora avermelhadas e com uma navalha arredondada, do tamanho de um lápis, em cada ponta do seu dedo.
— Vai arranjar um pano e um saco de lixo para arrumar essa bagunça do chão. — Miguel fala por último antes de se virar para os outros dois.
Encara por mais uns instantes os filhotes, que pareciam ter aceitado de bom grado a segurança de Miguel, apesar de ser o humano da história. Trey rosna irritado uma última vez, mas vai fazer o que Miguel mandou.
🌑🌓🌕🌗🌑
Os filhotes estavam sentados no sofá, cada um com uma xícara de água, com sete colheres de açúcar, que Miguel havia dado para eles.
Bebiam em silêncio o líquido açucarado, após Mari ter curado o machucado no pescoço de ambos. Agora, apenas analisavam o espaço ao redor, comparando com sua antiga casa e notando a estranha ausência de retratos da família, ao mesmo tempo que escutavam tensos os adolescentes discutindo logo atrás.
Trey havia terminado de cuidar da sujeira, estando muito mais calmo e estável que antes, diferente de Miguel.
— Você precisava ter feito aquilo? Eles têm o quê? Onze? Doze anos? Não importa, você podia ter machucado gravemente eles! — Miguel se expressa com uma das mãos.
— Você tá falando sério? Eu fui te PROTEGER e você tá me colocando como o monstro da história?! E se fossem as coisas que estão pela cidade caçando a gente? — Sua íris acende em vermelho.
— Eu entendi isso, e agradeço que você tenha vindo no mesmo instante, mas você acha mesmo que eu ficaria parado olhando se fosse realmente um desses metamorfos? — Aumenta seu tom, ainda que tentasse conter a sua raiva. — Normalmente, você é bem menos impulsivo do que isso... — Miguel inclina o corpo para frente, se aproximando. — Você ia matar eles. — Sussurra, com receio de assustar os dois no sofá com o que tinha percebido.
Trey olha para o lado, vendo os dois filhotes. — E você espera que eu converse antes de tomar qualquer ação com metamorfos? — Rosna, com deboche.
— Não, mas que você tenha mais cuidado antes de decidir fazer algo drástico.
Trey fica em silêncio por alguns instantes. Sabia que, por um lado, em circunstâncias como essa, ele nunca poderia pensar demais, um único segundo poderia mudar tudo. Por outrolado, Miguel estava certo, não havia pensado em um plano e em que tipo de metamorfo poderia ser ali, mas estava pronto para decapitar.
Ainda assim, prefere negar o fato.
— Você tá exagerando... — Seu tom diminui.
Miguel respira fundo, olhando os dois no sofá, que disfarçam, fingindo não estarem ouvindo a conversa. Ele encara novamente Trey, que não possuía a mesma confiança de minutos atrás no seu semblante.
— Vem, vamos falar com eles. — Se vira para ir até a sala de estar e Trey apenas o segue.
🌑🌓🌕🌗🌑
— Você é bem corajoso para um humano. — Bruno comenta baixinho, os olhos fixos em Miguel, como se analisando cada detalhe do garoto, ignorando a presença de Trey, que, em sua forma humana, também os encarava, mas com intensidade. O par dos mais velhos estava de pé à frente deles, o clima desconfortável entre os olhares trocados.
Miguel sorri, sem deixar a seriedade escapar. — Você acha? — Ele brinca, tentando aliviar a atmosfera. — Esses dias, quase morri tentando matar um fragmento do metamorfo que tá caçando a gente.
Bruno o observa, um leve sorriso surgindo no canto da boca. Mas antes que pudesse responder, Mari fala primeiro, sua expressão um misto de surpresa e preocupação. Ela olha para o braço de Miguel, que estava parcialmente coberto, e se inclina para ver melhor.
— Ele fez isso no seu braço? — Ela pergunta, a preocupação evidente em seus olhos.
Trey desvia o olhar para a janela, esperando que a visão pacífica do lado de fora nublado tirasse seus pensamentos dali.
Quem dera fosse...
Na esperança de fugir pela centésima vez da explicação de Miguel de que "caiu em um arame farpado e machucou os braços", ele relembra de outro tempo. Trey se perde em seus próprios pensamentos, o olhar fixo no lado de fora, tentando se distanciar da conversa. A ambientação, nublada e tranquila, é um contraste tão grande com o caos em sua mente.
Apesar de suas memórias de certos períodos estarem presas em uma neblina, as desse período ele nunca esqueceu, pois fazia questão de se lembrar todos os dias desse tempo. Quiçá, mais um castigo do que um conforto.
Ele se lembra como Miguel e ele estavam mais unidos, ambos se considerando irmãos de sangue, quando seu pai o olhava com um carinho que Trey ainda tentava entender, como se finalmente estivesse aceitando o metamorfo como seu filho. O mesmo período em que seu pai o olhava como seu filho.
Não como um monstro.
Relembra como até o estado de Alex estava melhor, mais vivo, sempre tentando sorrir na presença deles, no limite que podia.
Até que toda essa felicidade desmoronasse em um piscar de olhos.
E tudo devido a um mal-entendido!
Eu não tinha feito nada. Nada!
Eu só não queria mais usar minhas habilidades. Parecia... natural agir mais como humano do que um metamorfo. Na verdade, tudo era melhor quando eu agia só desse jeito...
Mas Miguel tinha que ser idiota o suficiente para implicar com isso! Além de toda a bobagem de que eu estava agindo igual ao Oliver!
Eu posso até ter obtido uma parte do DNA dele, mas era muito insignificante para coletar quem o Oliver era, servia apenas para aparência... E mesmo que fosse suficiente, isso não faz, e nunca faria, eu agir igual a ele sem eu querer.
A última coisa que eu desejo é ser apenas uma cópia bizarra de alguém que eles amaram tanto...
Alguns poderiam dizer que a ausência de Oliver não fazia falta, pelo tão pouco que Miguel e seus pais o citavam entre eles. Porém, Trey conseguia perceber que as coisas eram muito mais profundas do que pareciam.
Esse era um dos motivos do porquê preferia ficar longe deles quando era o aniversário, ou a data de morte, de Oliver. Reconhecia que sua presença, sua aparência, poderia ser dolorosa para eles nesses dias.
Olha para Miguel, que já havia mudado de assunto e estava totalmente absorvido pelos filhotes à sua frente, os observando com um brilho nos olhos.
— Não imaginei que iria conhecer metamorfos da subespécie de vocês tão cedo! Meu pai costumava dizer que, apesar de passivos, o seu subtipo era bastante "contrário" à presença de humanos em seu território. Em outras palavras, era bem difícil ficar em bons termos com um de vocês. — Ele explica. — Mas vocês parecem bem tranquilos com toda a situação.
— Os que a gente encontrou durante os anos eram contrários à presença de qualquer um. — Mari ri baixinho, seus olhos brilhando com uma lembrança enquanto olha para seu irmão, como se estivesse compartilhando um pensamento íntimo. Ela se recosta no sofá, cruzando os braços.
— Eles eram uns metidos irritantes! — Bruno resmunga, mexendo-se no sofá, visivelmente incomodado, mas com um sorriso irônico no rosto. Ele toma um gole da sua bebida, não conseguindo esconder a expressão de desgosto ao lembrar dos outros metamorfos.
— Talvez eles não estivessem tão errados. Você também não é o metamorfo mais amigável de se falar. — Trey solta a provocação com um sorriso de canto, ainda com os olhos fixos na janela.
O filhote franze o cenho, irritado. — Meu pai que falava com eles... — Ele toma outro gole da sua xícara.
Miguel, que estava mais relaxado, agora se torna um pouco mais sério, com o olhar fixo nos dois filhotes. Ele dá um leve suspiro. — Me contaram um pouco da situação de vocês, que estavam procurando alguém por aqui, mas eu não sabia que vocês estavam com seu pai antes. — A preocupação em sua voz é evidente, a expressão hesitante como se esperasse uma resposta difícil.
Mari, que estava com o olhar distante até então, olha para baixo, seus ombros caindo levemente. — Nós não sabemos onde ele está. — Sua voz é suave, quase como se aquela simples frase carregasse todo o peso da dor que ela sentia.
— E a sua mãe? — O loiro pergunta.
Os dois filhotes ficam em completo silêncio. O ambiente se torna pesado, a tristeza deles pairando no ar como uma nuvem. Até Bruno, que raramente deixava de fazer uma piada ou reclamação, permanece quieto, a testa franzida em um misto de raiva e impotência. A xícara em sua mão treme ligeiramente, e ele a coloca com cuidado na mesa.
Trey estava pronto para questionar sobre isso, mas Miguel dá uma leve cotovelada nele para impedi-lo.
O jovem volta a falar, ignorando Trey o encarando com raiva. — Entendo... Espero conseguir ajudá-los até lá, não sei se Trey comentou, mas nosso pai gostaria de conversar pessoalmente com vocês.
Bruno o encara, receoso.
— Não se preocupem, ele já lidou com situações como essa. Ele vai saber como ajudá-los. — Miguel reafirma com uma confiança que surpreende até Trey.
Os filhotes se entreolham, um pouco esperançosos.
— Quando podemos falar com ele? — Mari pergunta ansiosa.
— Não sei, ele ainda não me deu uma data, mas acredito que depois das inscrições na Academia... — Miguel se mantém em silêncio, pensativo. — Isso se a gente ficar até lá...
Os filhotes, e Trey, o encaram confusos.
— Você vai viajar? — Bruno questiona.
— Talvez... — Miguel devaneia por um momento, os olhos focados em um ponto distante, até que algo o traz de volta à realidade. — Ah, é! O que vocês vieram fazer aqui mesmo? Alguma coisa tinha acontecido com Trey?
— Acho melhor eles irem. Lara deve tá preocupada com eles. — Trey diz, interrompendo rapidamente, a voz grave e séria. Ele faz um gesto com a mão, como se quisesse acabar com a conversa o mais rápido possível.
— Ele apagou, do nada. — Bruno responde com um sorriso travesso, aproveitando claramente a oportunidade para provocar Trey, que o encara com um ódio silencioso, os olhos fixos no sorriso imperturbável do pequeno.
Miguel processa a informação por um instante e logo se lembra de algo crucial. Sua expressão muda para uma mais curiosa e atenta. — E imagino que ele não estava "cansado" quando isso aconteceu, não é? — Ele lança um olhar direto para Trey, a indireta óbvia em sua voz.
Trey, percebendo a intenção por trás da pergunta, dá alguns passos para trás, o corpo tenso e os olhos evitando o contato com Miguel.
— Ele parou de respirar e ficou olhando só para um ponto em uma árvore, parecia que todo o corpo dele tinha parado de funcionar... — Mari continua, sem perceber a tentativa de Bruno de deixar Trey ainda mais desconfortável. Ela se vira para Miguel, tentando explicar, a preocupação evidente em seu rosto. — A gente tentou fazer de tudo, mas ele não "acordava".
— Quanto tempo ele ficou assim? — O loiro pergunta com um falso sorriso no rosto.
— Dois minutos, eu acho. — Mari responde.
Miguel se move rapidamente, sem dar espaço para mais explicações, e segura Trey pelo braço quando o vê tentar correr em direção à porta. — Parece que piorou, né? Da última vez, foi menos que isso. — Ele comenta com seu irmão, a voz repleta de uma amistosidade falsa, sua mão apertando o braço de Trey com um pouco mais de força do que o necessário.
— Vocês sabem o que pode ser isso? — Puxa o mais novo para perto, contendo a sua vontade de esganar Trey por estar escondendo outra coisa muito importante.
— Não, nunca vimos algo do tipo. — Bruno dá de ombros.
— Tá. Se vocês virem isso acontecer de novo, me avisem. — Miguel fala em um tom amigável com os filhotes. — E vocês vão ganhar um doce toda vez que denunciarem ele!
— MIGUEL! — Trey reclama, desacreditado.
Os olhos dos filhotes brilham em sincronia. — OBA!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro