Capítulo 15 | [Animado? Muito mais vem por aí]-parte 2
🔶 28 de janeiro de 2149
🔸 Sexta-feira | 09:47
Às vezes era bizarro como algumas coisas podiam mudar do dia para a noite.
Poucos dias atrás, a cidade estava em "quarentena", com pouquíssimas pessoas nas ruas e diversos guardas espalhados em cada canto.
Hoje, Miguel mal conseguia andar com a quantidade de pessoas reunidas em um único local. É como se qualquer regra sobre manter distância, se quer, tivesse existido.
Se seu pai não estivesse abrindo espaço para eles passarem, e fazendo questão de eles ficarem colados nele, ele já teria se perdido há muito tempo.
A praça estava repleta de um sentimento de expectativa, enquanto os moradores se reuniam para celebrar a inauguração da tão inesperada chegada da Academia. Um palco metálico simples e improvisado, adornado com fitas azuis e amarelas, a marca da Academia, estava no centro, destacando o espaço dos demais. Sendo guardado por diversos guardas na área circular.
Ao redor do palco, barracas de comida exalam aromas tentadores, enquanto filas se estendiam pelas ruas para a compra de simples lembrancinhas do evento.
Enquanto a multidão se "acomodava", conversas animadas sobre o evento podiam ser ouvidas por todos os lugares, como se nenhum dos ataques tivesse acontecido nas últimas semanas. Ele não sabia se o pessoal esqueceu ou se estão só fugindo desse fato.
Pessoalmente, ele queria desfrutar um pouco dessa ignorância também.
Minutos depois, ele consegue, finalmente, respirar. Eles tinham conseguido chegar a uma pequena estação, distante do centro e do pequeno palco que tinha sido montado.
Assim como ele, Trey também parecia aliviado de ter espaço, e apesar do tumulto, ele parecia muito mais tranquilo que no domingo.
Ele vê o mais novo olhar para os lados, parecendo mais focado em encontrar algo do que qualquer outra coisa; e seus olhos se arregalam quando avistam a tal "coisa".
Miguel só não esperava que Trey saísse dali, desrespeitando completamente a regra de todos ficarem juntos.
— Trey! Pra onde você tá indo?! — Ele sussurra, para seus pais não ouvirem, mas Trey o ignora completamente.
De todas as outras vezes, essa será a que Miguel mais se arrependerá de quebrar a regra.
🌕🌕
Érica puxa Alex pela manga, para um canto mais isolado, fazendo-o se curvar bastante para escutá-la. — Você não disse que ia falar com a general? — Ela sussurra no ouvido dele, enquanto acenava, com um leve sorriso, para qualquer conhecido que passasse por eles.
— Eu falei, mas — ele aponta para as pessoas ao redor — aparentemente os superiores priorizaram o "entretenimento".
— É sério isso?
Ele afirma com a cabeça. — O máximo que ela pôde fazer foi enviar reforços para ajeitar essa bagunça.
— Não pode ser verdade! — Ela o puxa mais para perto na emoção. — Tem crianças aqui! Até eles conseguirem organizar todo mundo, a infecção pode se espalhar para a cidade inteira!
A expressão de Alex fica cada vez mais séria. — Sim... Mas não tem nada que possamos fazer.
— Nada que possamos fazer?! O que aconteceu com você? — Ela olha indignada para ele. — O homem que pulou em um lago artificial com um abissal só para causar uma distração!
Ele suspira estressado. — Érica, a situação é outra agora.
Érica observa seu marido de ponta a ponta, checando se seus olhos treinados pudessem notar algo além. Porém, tudo que vê é um cansaço extremo em sua expressão, imaginando ser resultado de incontáveis horas de trabalho.
— Não parece para mim. — Ela o solta e se vira emburrada. — Se você colocasse a mesma energia que coloca no trabalho na criação dos seus filhos...
Ela não olha para ele, não querendo ver aquela expressão estática de sempre, e preferindo imaginar a versão de anos atrás, antes daquilo tudo.
— Eri... — Seu tom quase parte seu coração, mas ela se mantém firme.
— Do jeito que as coisas estão, é capaz que seu próprio filho faça alguma besteira dessas sem querer. Pelo menos ele estaria fazendo algo...
Ela olha para Miguel, pronta para continuar seu comentário. Mas tudo que ela vê é um espaço vazio onde ele deveria estar. Da mesma forma que Trey, que sumiu também.
— Útil... O quê?! Pra onde eles foram? — Érica olha de novo, procurando ao redor.
Alex observa a cena, sem palavras, mas não tão impressionado.
🌕🌕
Aha! Te achei!
Miguel finalmente avista Trey perto da tal pessoa, Lara.
Ele se enfia em meio ao mar de pessoas para chegar mais perto de Trey.
Os dois falavam algo que ele mal conseguia ouvir, a única coisa que ele percebia era a cara irritada de Lara.
Porém, ele conseguia ver nitidamente Trey entregando algo a ela. Uma peça muito familiar.
Antes que ele lembrasse onde ele tinha visto aquilo, Miguel é levado pela multidão animada, quando um anúncio começava a ser feito.
— Cidadãos — um homem, vestido em um belo terno azulado de tom escuro, com listras neons esverdeados circulando as mangas, começa a falar no microfone —, neste momento de grande importância para nossa comunidade, é com alegria, e um profundo senso de dever, que venho até vocês para celebrar a passagem da Academia em nossa cidade.
O público exclama em alegria e Miguel se sentia contagiado pelo ânimo geral naquele instante.
O prefeito sorri, deixando visíveis as linhas em seu rosto. — Como muitos já podem ter visto, este evento é um marco significativo em nossa busca contínua por segurança e unidade, tentando florescer os jovens talentos que temos por aqui. — Ele olha ao redor com seus olhos amadeirados, vendo cada jovem com um sorriso no rosto. — Com a presença de um líder muito experiente e conhecido por muitos de vocês...
Miguel esquece de Trey por completo e foca no palco.
— Max Owen! — O prefeito dá espaço para Max, deixando o palco todo para ele.
Miguel escuta os passos do homem no chão metálico, se aproximando, sua ansiedade crescendo e contagiando aqueles ao redor.
Os olhos de Miguel brilham, pois lá estava ele, uma das suas maiores inspirações e um, ou melhor, o grande ícone brasileiro da década atual dos Combatentes.
A figura com luvas amareladas pega o microfone e um largo sorriso se estende pelo seu rosto ao cumprimentar o prefeito.
Era surreal para Miguel ver Max em carne e osso, saber que a figura descolorida, distorcida em vários píxeis, que aparecia constantemente na sua TV quando criança, era ainda mais vibrante do que ele imaginava. Com sua pele morena e seus cabelos quase pretos, que se destacavam em meio ao seu terno amarelo, repleto de adornos neons excêntricos e chamativos, feito de um tecido de alta qualidade, que reluzia qualquer fonte de luz.
— Hm, esperava uma plateia mais animada. — Ele encena confusão. — Tem algum humano aí ou todos estão infectados?
A plateia parecia estar em um estado catatônico até ele falar isso, e, de uma vez só, todos vibram em alegria.
Um sorriso de lado se forma no rosto de Max. — Agora sim! É isso que eu quero ver!
Conforme o público se acalma, seu semblante, antes vibrante, se torna calmo, virando uma expressão quase entristecida.
Ele caminha pelo palco assistindo todas as pessoas que vieram ver esse acontecimento ficarem em silêncio. — Vocês me veem agora: bem-arrumado, com as melhores peças de proteção do mundo, um armazém cheio de armas da última geração e medalhas que preenchem uma parede inteira. Mas... Não foi sempre assim.
Ele para. — Eu já fui uma dessas crianças bastardas, perdida em uma paisagem hostil, com as costelas visíveis e olhos fundos, sem uma família e sem um lugar para ficar. O resultado das injustiças que sofremos. — Ele olha para a plateia em silêncio.
— Até o dia em que matei o meu primeiro metamorfo. — Um leve sorriso orgulhoso aparece em seu rosto, enquanto vários comentários alegres percorriam pela multidão.
Já a expressão animada de Miguel cai um pouco.
— Era uma criatura miserável, na mesma situação que a minha. Olhava para mim como se eu fosse o seu próximo banquete.— Ele ri. — O que nunca aconteceu.
A plateia ri junto.
Max começa a gesticular com as mãos. — Eu enganei a criatura e montei uma armadilha, tola e desesperada, como era, ela caiu, tendo uma morte bem merecida.
Miguel faz uma careta, em conflito com a história e as reações das pessoas, seu ânimo se dispersando e sua preocupação com Trey voltando.
Droga, cadê Trey?
— A partir desse dia, eu olhei para aquele corpo no chão e vi quem eu realmente era. — Ele encara o microfone em sua mão, como se estivesse vivendo a cena de novo.
Miguel começa a procurar um lugar mais alto para ele poder escalar.
— Onde eu deveria estar. — Max levanta lentamente a cabeça.
O adolescente sobe numa pequena bancada, ganhando uma visão excelente das pessoas, que agora estavam divididas em blocos pelos guardas.
Uma corrente de vento passa por Miguel, fazendo-o perder o seu foco por um instante e olhar para o palco com sua visão privilegiada, onde estavam o prefeito e os seus representantes.
E, bem no meio, Max.
— No topo. — Max diz, encarando Miguel.
Todo o charme e determinação do combatente tinham... Sumido, sua expressão parecia a de alguém que voltou no tempo, a mesma que viu em seu pai muitas vezes.
Uh... Eu fiz alguma coisa errada?
Miguel olha ao redor, achando que iria se encontrar com os dentes de um metamorfo, mas não havia nada. Apenas ele.
— Garoto! Vem cá agora! — Um guarda se aproxima, enquanto algumas pessoas próximas o encaravam, cochichando alguma coisa umas com as outras.
— Pode deixar! — Miguel grita de volta e pula dali, correndo na direção completamente oposta da do guarda.
— EI! — Miguel ignora as chamadas do guarda e apenas continua empurrando todo mundo para fugir dali.
Max limpa a garganta. — I-isso, no topo! E eu vim até aqui para dar essa mesma oportunidade para vocês!
O restante da fala de Max se perde em meio à adrenalina, que percorria pelas suas veias, e o seu único foco naquele momento era despistar o guarda.
Ele avista um ponto de vendas e dá a volta na barraca, encontrando um pequeno espaço próximo ao chão para se esconder.
Os xingamentos do guarda podiam ser ouvidos em alto e bom som, e a sua esperança era que as pessoas que estavam ali não o entregassem. Para sua felicidade, duas pessoas chegam, tampando a entrada de onde estava, fazendo o guarda passar por ali e nem sequer pensar em olhar para baixo, saindo rapidamente dali, e o deixando suspirar aliviado por um bom tempo no seu esconderijo.
— Miguel, isso foi FODA!
— AH! — O garoto se assusta e bate a cabeça no teto do pequeno espaço com a figura que tinha surgido. — Fala mais baixo, Theo! Ele ainda pode tá me procurando. — Ele sussurra, pegando a mão que Iago tinha estendido para ele se levantar.
— Foi mal, foi mal! Mas isso que você fez foi irado demais! Não foi, Iago? O Max te notou, cara! Ele olhou DIRETAMENTE nos seus olhos!
A realidade começa a bater e Theo estava certo, ainda que de forma exagerada. Max tinha notado ele.
Miguel fica sério.
Ele não...? Não, não, é impossível ele ter reconhecido algo. Já faz muito tempo.
— Vocês estão com o resto do pessoal? — Ele troca de assunto.
— Nah, só eu e Iago. — Theo dá de ombros, com um sorriso de desdém. — Meu pai insistiu que "nós temos que ficar unidos para, caso qualquer coisa aconteça." Ele faz uma imitação exagerada de sua voz, zombando. — Ah! Quanta baboseira! Eu já sei muito bem me virar sozinho.
Theo, visivelmente irritado, ajeita a camisa com uma mão, enquanto a outra puxa uma AL da cintura. Ele a ergue com uma precisão quase automática. O metal da arma reflete a luz ambiente por um momento antes de ele girá-la casualmente entre os dedos. O som do gatilho girando preenche o espaço com um leve click metálico. Em seguida, uma luz prateada começa a brilhar da parte circular do gatilho, iluminando seu rosto com um brilho frio. Ele sorri, de olhos fixos na arma, como se o objeto fosse uma extensão natural de sua própria personalidade.
— Theo! Cuidado com isso! — Miguel tira a arma da mão do outro. — Você pode destravar sem querer e atirar em alguém.
— Pfft, tá falando igual Cléber, hein. Eu sei muito bem o que eu tô fazendo. — Ele abre a mão para Miguel devolver a arma. — Confie em mim!
— Por que você tá com uma arma? Seu pai conseguiu permissão pra vocês?
— Só pra ele. — Iago fala com raiva.
Theo se aproxima de Miguel, baixando a voz para cochichar. — Convenhamos, né, que entre nós dois, eu sou o mais habilidoso.
— E o mais provável de atirar em alguém por engano. — Miguel retruca, já imaginando a cena de Theo atirando em Trey por alguma paranoia.
— Tá, tá! Eu vou perguntar ao meu irmãozinho se devo atirar ou não. Melhor assim? — Theo solta um riso sarcástico.
Considerando que ele adora contrariar o que o Iago fala: não.
Mas não tem como eu ficar com a arma dele sem uma autorização...
Miguel revira os olhos e entrega com receio a AL.
Os três se viram, quando um burburinho se inicia em meio à multidão:
— Quem era aquele garoto? Ele fez alguma coisa contra Max?
— Eu já vi ele pela cidade, o nome dele é Miguel! Acho que é o filho daquela cientista!
— Ele estava tão desesperado assim para ver o Max? Esses adolescentes de hoje em dia... Fazem de tudo para chamar atenção!
— Cadê o Max? Ele não vai voltar?
Esses e muitos outros comentários semelhantes rodeiam os três, fazendo Miguel querer se enfiar em um buraco.
De todos esses anos, logo HOJE todo mundo decidiu me notar?!
Theo balança Miguel pelo ombro. — Ah! Olha lá! É a pupila do Max.
— O quê? — Miguel olha confuso para o palco.
Havia uma mulher alta, de pele clara e com ombros largos, usando um terno magenta com uma costura bem delicada no palco. Seu sorriso dava um toque único a sua figura, passando uma energia semelhante ao característico sorriso de Max.
Ela segurava o microfone com certo nervosismo, como se fosse a sua primeira vez naquela situação em específico.
— Bom, como vocês sabem, o senhor Max é um homem bastante ocupado, e distraído, mas vamos continuar com as apresentações. Me chamo Alice Sato, uma das pupilas do senhor Max, e estarei aqui para ajudá-lo a encontrar os mais novos combatentes.
Ela olha para trás e acena para outras pessoas chegarem para frente.
Em ambos os lados de Alice, alguns jovens se alinham em posição ereta e com as mãos atrás das costas, se comportando como os futuros combatentes. Miguel reconhece alguns do tour, outros nunca tinha visto. Ele procurava por Eli, mas não a encontrava em local nenhum.
— Temos diversos planos para os jovens que forem escolhidos após as provas. Testes que irão extrair o melhor de cada um nesses próximos meses, para ser decidido os que irão ingressar na Academia como Combatente!
O discurso continua com mais detalhes sobre a inscrição na área de combatente, e sobre a prova escrita, e assim que é finalizado se iniciam as apresentações das outras áreas de trabalho.
Ele não me reconheceu, né?
Miguel se pergunta novamente. A inauguração tomando todo o seu foco e os seus amigos ficando em segundo plano.
Não, ele pareceu assustado. Ele ficaria no mínimo... Surpreso!
Seus olhos azuis se dirigem até o palco, procurando pela figura de Max.
Ele cruza os braços, agarrando o tecido da sua jaqueta azul-claro, sentindo o início de uma ansiedade se alastrar pelos seus sentidos. Max não estava ali.
Eu preciso sair daqui.
— Miguel, tá tudo bem? — Iago coloca a mão no seu ombro, perguntando com preocupação em sua voz.
O outro o olha incerto. — Eu...
— Garotos! — Poppy acena para eles de uma área com menos pessoas.
— A gente já tá indo, Poppy! — Theo puxa os outros dois da pequena multidão até a adolescente. — Você viu o que o doidão do Miguel fez? Eu tô falando que ele tá querendo a atenção só pra ele!
— Qual era o seu plano fazendo aquilo? — Ela brinca, colocando as mãos na sua cintura.
Ele fica quieto, deixando os três confusos com a quietude anormal do outro.
— Miguel? — Poppy pergunta mais séria. — O que houve?
— Eu preciso ir, eu tenho que achar, meu irmão. — O garoto sussurra, se afastando sem pensar duas vezes.
Os três permanecem em silêncio, olhando uns para os outros com preocupação e confusão.
🌕🌗🌑🌓🌕
Miguel continua pela sua busca, percebendo nem que sua altura privilegiada estava o ajudando a avistar o outro. Ele já tinha voltado para onde viu o garoto pela última vez, porém tanto ele quanto Lara já tinham sumido.
Talvez eles foram para um lugar mais isolado?
Se afasta da multidão, que agora estava muito mais organizada e dividida em blocos pelos guardas para evitar o máximo de contato possível, como deveria ter sido desde o início. Ele começa a procurar pelas áreas mais próximas à mata, avistando a família de Cléber conversando.
— Eu já falei pra você guardar isso, Ayla! — Cléber resmunga, segurando o braço da irmã enquanto ela ainda olha para a câmera.
Ela faz uma cara feia e cruza os braços. — Diferente de você, eu sou muito mais cuidadosa, tá? Então, não venha falar assim comigo! — Com um movimento brusco, ela guarda a câmera na mochila, quase jogando-a dentro.
— Ô sua pirralha, com quem você acha que tá fala-
— Cléber! — Miguel chama e corre até o ruivo, passando a mão nos cabelos como se tentasse organizar os pensamentos. — Você viu o Oliver em algum lugar?
Seu amigo franze o cenho, olhando de Miguel para Ayla, e então solta um suspiro.
— Miguel! Como você tá, filho? — Mauro, o pai de Cléber, se aproxima com um sorriso largo, colocando a mão no ombro do jovem.
— Tá tudo bem? Você parece um pouco pálido, querido. — Vivianne, mãe de Cléber, se aproxima de Mauro, entrelaçando o braço dos dois. Ela olha para Miguel com um olhar atento, preocupado.
— Sim... Eu só estou procurando meu irmão. Vocês viram ele em algum lugar? — Miguel tenta manter seu tom de voz calmo, mas sua ansiedade transparece nos olhos.
— Acho que não... Só vi o Diego passando... — Mauro coça a barba pensativo.
— Que Diego, amor! Era o Oliver sim! Já é a segunda vez no mês que tu não reconhece alguém. Vai ter que usar óculos agora? — Vivianne ri levemente, tirando um sarro do marido com um sorriso afetuoso.
— Deus me livre, mulher! Não fala essas coisas não! — Mauro responde, se afastando dela, um pouco encabulado, mas ainda com um sorriso.
Miguel bufa para o assunto aleatório e olha para Cléber, a espera de uma resposta.
— Ele foi mais para dentro da mata com duas pessoas.
Miguel assente com a cabeça e corre para o local, mas uma mão agarra seu braço.
— Ele foi mais para dentro da mata com duas pessoas. — Cléber diz, finalmente, gesticulando com a cabeça para indicar a direção. Ele parece um pouco mais sério agora.
Miguel assente com a cabeça e começa a correr na direção que Cléber apontou, mas antes que possa se afastar, uma mão agarra seu braço com firmeza.
— Espera! — Cléber o chama, a expressão agora mais grave. Ele respira fundo, olhando fixamente para Miguel.
— O quê? — Miguel vira-se, impaciente, mas vê a seriedade no rosto de Cléber.
— Aconteceu alguma coisa? — Cléber pergunta, seus olhos fixos nos de Miguel, como se estivesse tentando ler o que ele está pensando.
— Não, Cléber, eu só preciso ir pra casa, tá? Tenho muito material pra estudar e... — Miguel começa a falar rapidamente, mas é interrompido.
— Por que Max reagiu daquele jeito? — O ruivo pergunta, com uma expressão de preocupação.
O maior fica em silêncio por um momento, a tensão visível em seu rosto. — Não sei, às vezes ele lembrou de alguma coisa importante.
— Parecia que tinha visto um metamorfo. — Cléber solta o braço de Miguel com um movimento brusco, encarando o loiro com um olhar desafiador, como se estivesse pronto para qualquer coisa.
— Ah, claro, e ele não avisaria pra ninguém isso, né? — O loiro responde, sarcasticamente, cruzando os braços. Ele estava começando a se irritar com a insinuação.
A expressão de Cléber endurece, seus olhos ficando mais frios. — Eles seguem protocolos diferentes.
— Cléber, sério, do que você tá falando? — Miguel pergunta, confuso, com o cenho franzido.
Cléber estava prestes a falar, sua boca já se abrindo para continuar a explicação, quando uma mão enluvada toca o ombro de Miguel. O adolescente olha rapidamente e já volta seu foco para o que Cléber ia falar, Max Owen não era tão importante quanto a confusão do seu amigo.
Ele arregala os olhos e encara novamente a figura.
— Parece que finalmente conheci meu maior fã. — O homem observa Miguel com um sorriso de lado, seus olhos brilhando com uma mistura de divertimento. Ele parece muito mais relaxado agora, como se estivesse entretido com a situação.
— E-eu não fiz aquilo de propósito! Estava só procurando o meu irmão, eu juro! — Se explica de imediato.
Max coloca o braço ao redor do pescoço de Miguel de forma casual, como se fossem velhos amigos, e puxa o garoto para baixo com um sorriso travesso, aproveitando a pequena diferença de altura entre os dois. — Não se preocupe, garoto, eu sou tranquilo. — Ele puxa Miguel ainda mais perto, sem perder o sorriso de canto. — Mas prefiro que isso não se repita.
Miguel sente uma pressão crescente, seu coração acelerando enquanto tenta se soltar, mas antes que possa reagir, Max já olha para Cléber, que observava a cena com uma expressão de surpresa.
— Eu tô interrompendo algo? Porque eu queria muito falar com esse camarada aqui. — Max fala com um tom de voz descontraído, mas carregado de uma tensão quase invisível.
Miguel, claramente desesperado, troca olhares com Cléber, implorando com seus olhos para que ficasse ali e o ajudasse. Mas Cléber não hesita.
— Não, tá tranquilo. Eu já estava de saída. — Cléber responde rapidamente, sem nem olhar para trás, indo até a sua família, que já se afastava para ir até uma das barracas mais distantes.
O quê?! Por que ele...
— Então... — Max se afasta o suficiente para olhar diretamente nos olhos de Miguel, mas sem nunca tirar o sorriso do rosto. — Qual o seu nome mesmo, jovem?
Miguel respira fundo, tentando recompor sua postura. Ele sabe que tem que responder, mas a tensão do momento quase o engole. — Miguel... Miguel Johnson...
Max parece aumentar deliberadamente o volume da sua voz, chamando a atenção das poucas pessoas ao redor. — Miguel! Grande Miguel! — Ele começa a andar ao redor do garoto, como se estivesse observando um troféu raro. — Você tem a cara da futura geração de combatentes. Forte, destemido, fearless...
Miguel faz uma careta com o uso exagerado da palavra. — Não diria "sem medo", — ele fala, tentando aliviar um pouco a tensão com uma risada nervosa, mas Max não parece ligar, apenas continua sua caminhada ao redor dele.
— E bilíngue também! Ou melhor, nasceu no exterior? Quando viajei para os Estados Unidos, vi vários "Johnson's", é tipo "Silva" no Brasil, sabe?
Ótimo, Miguel! Continua falando!
— Mas... — Max dá um passo à frente e sua expressão se torna mais séria, quase hipnotizada. — Quando eu te vi lá do palco, não foram só essas coisas que vi, eu vi também o meu... Passado.
Miguel começa a suar frio. — Sério... ?
O combatente olha para ele com uma intensidade crescente, como se estivesse vendo algo muito além de seu rosto. — Ainda assim, você foi a única memória boa em meio a esse caos que se tornou a minha mente, o único brilho de sol que iluminou minhas terríveis lembranças. — Ele suspira profundamente, parecendo perdido em algum pensamento distante. — Você é a exata imagem dele.
O adolescente começa a dar passos para trás, a sensação de desconforto crescendo ainda mais. — Dele? Quem? — Ele tenta manter a calma, mas a ansiedade transparece na sua voz.
Ele se aproxima ainda mais, agora sussurrando, quase com urgência. — Por favor, Miguel! — Se inclina para frente, seus olhos fixos nos de Miguel. — Lex Hunter!
Era como acordar de um sonho, mas com a capacidade de lembrar de cada detalhe vivido. O nome de Lex parecia ressurgir de uma memória distante, trazendo à tona sentimentos profundos, uma mistura de nostalgia e dor que o tempo só transformou em amargura.
— L-Lex?! Acho que isso seria... Um pouco fora da minha realidade, né? — Miguel se mexe, gesticulando para si e para o ambiente ao redor, como se tentando afastar a ideia.
Max sorri, uma risada curta escapando dos seus lábios, quase como se estivesse se divertindo com a reação do garoto. — Miguel, Miguel... Bem que seu pai havia dito que ele era uma "alma muito pura para saber mentir", parece que você puxou isso dele. — Ele dá uma leve batida no ombro de Miguel, o olhar parecendo perder-se por um instante antes de se fixar novamente. — Mas... você não precisa esconder isso de mim, garoto.
Ele olha ao redor, como se se certificando de que ninguém estava ouvindo, e então se aproxima um pouco mais. — Já vi muitos filhos de combatentes tentarem apagar os rastros de seus pais. Alguns até mesmo retiram o nome e desaparecem, tentando fugir de algum fracasso ou transgressão... É triste, mas é a realidade.
O tom de Max muda, mais sério agora, como se estivesse compartilhando algo pessoal. Ele encara Miguel com um olhar profundo, como se estivesse falando com seu próprio filho. — Sei que a morte dele pode ter abalado sua família, mas o seu pai foi um excelente homem, do começo até o fim. E eu imagino que você possa ser também. — Ele sorri novamente, mas dessa vez, o sorriso é cheio de uma confiança que parece quase contagiante. — Na verdade, eu estava buscando novos alunos... Um novo pupilo. Por acaso, você teria interesse em se tornar combatente, Miguel?
O adolescente fica em silêncio, abismado com as palavras do homem; imagina a princípio que seriam delírios de um homem que passou por situações caóticas, mas com o passar dos segundos, via que aquela era a sabedoria de um herói de confiança, que podia ver muito além do que as pessoas mostravam.
Ele sussurra, comovido pelas palavras do homem. — Eu...
A sombra de uma figura se estende entre os dois, interrompendo a conversa com um peso quase palpável.
— Miguel, precisamos ir. — A voz grave e autoritária do seu pai corta o ar, fazendo Miguel quase pular de susto. Max, por outro lado, parece perder a compostura, ficando visivelmente desconcertado.
Alex encara Max de cima, com os olhos fixos como um gavião vigiando sua presa. Sua postura é imponente, silenciosa, mas carregada de tensão, enquanto Max o encara, a surpresa estampada em seu rosto. — Você é algum parente ou padrasto? — A pergunta sai, hesitante, mas a reação de Alex é imediata e firme.
— Pai.
Max quase se engasga ao falar. — P-pai?! Mas...
— Algum problema, senhor Owen? — Alex interrompe de forma seca, sem dar margem para mais explicações. — Não se preocupe, o que aconteceu aqui não se repetirá.
O tom de Alex é claro e final, como se estivesse impondo um limite a qualquer possível conversa futura. Sem mais palavras, ele coloca a mão firme nas costas de Miguel, conduzindo-o para longe. Eles seguem em direção a Érica e Trey, que os esperavam um pouco mais adiante, não sem que Miguel lançasse um último olhar em direção a Max.
Por um breve instante, o coração de Miguel acelera e ele se permite um momento de fraqueza. Uma parte dele, quase imperceptível, deseja voltar e contar toda a verdade. Colocar para fora o peso que carregava, revelar a mentira que parecia consumir cada pedaço de sua existência.
— Você vai se arrepender se fizer isso. — Alex fala, como se tivesse lido sua mente.— Não esqueça que existem coisas maiores em jogo, se não por mim, faça pela sua mãe e por Trey. — Dizem um tom empático, mas ainda firme.
Miguel fecha sua expressão. Contudo, ele decide continuar seu caminho até o restante da sua família.
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