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01. como num filme de john hughes

Érico ajustou o volume do aparelho auditivo quando Mosca e Nando aumentaram as vozes. A luz da manhã entrava pelas janelas de vidro do bar do Direito e conferia aos salgados e doces do balcão uma aura mágica, como se tudo ali fosse pensado e calculado para fazer os estudantes famintos abrirem as carteiras e puxarem os cartões de crédito sem pensar duas vezes. Apesar de todas as tentativas, a cafeteria despojada e colorida da faculdade de Direito nunca chegaria aos pés do bar da Gastronomia.

Ele suspirou para revista em quadrinhos que lia e deu uma olhadela suspeita no brioche que descansava em sua frente. Apesar da casquinha dourada e do cheiro arrebatador de massa feita na hora, Érico desconfiava que o quitute estaria um pouco mais velho do que aparentava. Por que ainda se davam o trabalho de cruzar o campus para tomar café fraco e comer salgados requentados?

Por causa desses dois, pensou Érico, olhando para os amigos com outro de seus suspiros cansados. Por que Nando e Mosca não se contentavam em caçar as meninas no bar próprio da Gastronomia, onde tudo era fresquinho, saboroso e limpo? Por que era necessário cruzar o campus só para observar gurias que não estavam nem aí para eles? Érico abaixou mais um pouquinho o volume do aparelho auditivo e se concentrou nos balõezinhos que tomavam as páginas da revista.

Mas como a voz potente de Nando não deixava ninguém de fora, mesmo quem estivesse com o volume do aparelho auditivo quase no mínimo, foi impossível ignorar. Com um gesto de cabeça em direção à moça que ficava no caixa, Nando disse:

— Bah, eu dava um trato naquela magrona sem pensar duas vezes.

Érico apertou os olhos. Mosca torceu o nariz. Nando, como sempre, riu. Mesmo após anos de convivência era impossível se acostumar às piadinhas grosseiras e ao jeito expansivo de Nando.

Os três se conheciam há pouco mais de um ano e meio, colegas desde o início do curso de Gastronomia, e não podiam ser mais diferentes. Enquanto Nando parecia um capanga de filme de ação, com a cabeça raspada e braços enormes que indicavam horas intermináveis na academia e muita proteína, Mosca era magro, orelhudo, usava óculos de lentes grossas e tinha o rosto tomado por sardas. Basicamente, um palito de fósforo com sentimentos, um Vin Diesel brasileiro e um surdo de um ouvido só. O trio de ouro.

Nenhum dos três sabia ao certo a origem daquele apelido tão esquisito do amigo e nem o que os mantivera unidos desde a primeira aula, mas sabiam que Nando era especialista em carnes, Mosca era doido por molhos e que Érico gostava de fazer doces. Respectivamente, quando brincavam que no futuro estariam nas cozinhas de Paris, seriam rôtisseurs, sauciers e pâtissiers renomados.

— Tu sabe que isso só faz de ti um nojento, né? — disse Mosca, empurrando o prato vazio para longe. — Depois tu chora porque nenhuma guria quer ficar perto de ti.

— Quem é que tá chorando aqui, tchê?

— Às vezes tu é muito escroto, cara — disse Érico, sem levantar os olhos da revista em quadrinhos. — Dá uma maneirada.

— Tá, chega de me crucificar, Patrulha da Boa Vontade. Só tô dizendo que daria um carinho pra moça. Não é pecado querer dar uns beijos nela, é? — Nando riu outra vez, dando de ombros. — Além do mais, todo mundo quer carinho.

— Ela não me parece fazer o tipo carinhoso — concluiu Mosca, limpando os óculos na camisa. — A moça me parece mais... furiosa do que qualquer outra coisa.

Érico levantou a cabeça para a moça, que registrava o pedido de um asiático gorducho, e concordou em silêncio. Ela faria qualquer tipo, exceto o tipo... carinhoso. Não combinava com aquele perfil sério que, até pouco tempo atrás, metia medo em Érico.

Isabel, como dizia no crachá que ela usava a alça do avental vermelho, não era uma criatura dada a sorrisos faceiros. Alta, de cabelos e olhos castanhos, Isabel seria o objeto de interesse de muita gente se fosse simpática. A moça, que registrava cada empada, brioche, salgado e doce vendido com a concentração de um monge recluso nas montanhas geladas do Tibete, não sorria para nenhuma piadinha ou tentativa ridícula de conversação. Coitado de quem fosse simpático ou alegre o suficiente para comentar o tempo ou qualquer besteira com ela.

Os olhares frios de Isabel não eram facilmente esquecidos. As piadinhas e tentativas de conversação recebiam a encarada fria e vazia de quem tem mais o que fazer, de quem não possui tempo a perder. As encaradas de Isabel sempre deixavam Érico nervoso.

(Ele somente dizia o que queria comer, e sempre deixava o volume do aparelho auditivo no máximo. Apesar de o ouvido direito funcionar como uma maravilha, Érico tinha o mais completo e absoluto terror de receber alguma pergunta de Isabel, algo trivial como: "A empada de palmito ou de frango?", e não ouvir direito. As encaradas frias dela eram demais para os nervos abalados de Érico.)

Ele virou a cabeça quando Nando riu, apoiando uma das mãos no encosto da cadeira de Mosca. Espaçoso, o amigo deu de ombros com o riso ainda preso aos lábios.

— Quer saber? Foda-se — disse ele. — Essas são as melhores. Por baixo dessa fachada de inatingível, aposto que ela é fogosa pra caralho. A magrona deve ser um vulcão na cama!

— Vulcão que nem a Tici, que te deu o pé? — perguntou Mosca.

— Não fala da Tici, meu — retrucou Nando, ficando vermelho. Quando Mosca deu um sorrisinho vitorioso, uma veia saltou no pescoço de Nando. — Na real, ela deve ser um vulcão que nem Bia. Ah, pera! Tu não sabe, porque é um bundão que não tem coragem de falar com a guria.

Corado, Mosca revidou:

— Cala a boca, Nando. Não fala do que tu não sabe.

— Tô mentindo?

Érico suspirou e desligou o aparelho auditivo. A cafeteria pipocava com alunos entrando e saindo, fazendo pedidos e procurando pelos amigos nas mesas, e ele parou de prestar atenção. Ainda com os quadrinhos abertos, Érico puxou o brioche para mais perto, mordiscando a casquinha dourada. Enquanto os dois discutiam do outro lado da mesa, Érico tentava descobrir os ingredientes do brioche.

Além de margarina e ovos, havia um gosto forte de alecrim. Ele devolveu o brioche ao prato. O tempero o lembrou que o aniversário da mãe estava mais próximo do que Érico gostaria. Apesar de amar a mãe, a determinada Dona Daiana — Dona Dai, para os íntimos — não receberia o presente merecido naquele ano. Érico apoiou o cotovelo na mesa.

Porra, eu precisava de um trabalho pra comprar aquele colar, pensou ele. Havia, na joalheria chique do shopping, um colar delicado, folheado a ouro e com um pingente de coração que era a cara da Dona Dai. Érico quase conseguia ver a gargantilha no pescoço da mãe, a alegria dela ao abrir a caixinha de veludo e encontrar a joia ali. Talvez se pedisse ao padrasto uma parte, os dois poderiam...

— ... e tu acha que eu não consigo? — disse Nando, aumentando a voz. Érico apertou os olhos para a revista, ignorando a ladainha dos amigos. — Vai te foder, Mosca. Não preciso provar nada pra ti. Eu conseguiria essa porra num piscar de olhos!

— É óbvio que tu consegue. Sempre vai existir uma porrada de guria burra dando sopa por aí, né? — revidou Mosca. As veias saltaram do pescoço de Nando. Mosca sorriu daquele jeito malicioso. — O que eu queria mesmo ver era o Érico tentando sair com a moça....

Érico levantou a cabeça devagar, a revista em quadrinhos pendendo frouxa de suas mãos. Apesar do aparelho desligado, ele ouvira com clareza cada palavra de Mosca, ainda mais com aquela entonação maliciosa. Ele compreendeu cada palavra do amigo, mas não compreendeu, se é que as ênfases ainda faziam sentido.

A última namorada de Érico terminara com ele há pouco mais de seis meses, e apesar de mentir para os amigos que Lu era história do passado e que já havia até transado com outras gurias, a verdade era um pouco mais azeda do que a ilusão. Érico ainda sentia falta de Lu, da risada alta, dos abraços apertados e dos beijos na ponta do nariz. Não estava pronto para encontros arranjados em aplicativos, sexo casual ou festas lotadas em bares apertados da Cidade Baixa. No fundo, desconfiava que nunca mais estaria.

Érico só queria ficar sozinho, focar nos estudos e tentar não sentir tanto a falta de Lu. Era pedir demais?

Discretamente, ligou o aparelho auditivo e deixou a revista sobre a mesa. Mosca deu um sorrisinho e Nando ficou com aquela cara que Érico abominava, a cara de quem é atingido pela melhor ideia idiota de todos os tempos.

— Vão se foder — retrucou Érico. — Já falei que saí com vá...

— Te pago 50 pila¹ se tu convencer a magrona a sair contigo.

Ele enrijeceu na cadeira. Mosca assoviou.

— Opa! Tô sentindo cheiro de aposta.

— Tu não tem esse dinheiro aqui — disse Érico, abobalhado.

Nando sorriu com o canto dos lábios e fez o que nenhum universitário normal faria: puxou a carteira. Uma nota de 50 paus, tão novinha que chegava a ser clara, ficou entre o brioche meio comido e a empada de frango. Érico engoliu em seco, fechando a revista em quadrinhos.

Havia se esquecido que a família de Nando era rica, dona de uma rede de hamburguerias gourmets espalhadas por Porto Alegre e Florianópolis. Era óbvio que Nando teria a quantia, e era óbvio que teria muito mais, fosse em dinheiro ou em cartão, naquela carteira de couro italiano legítimo.

— E aí, meu bom? — perguntou o amigo, rindo. — Vai domar a megera, ou vai amarelar?

Érico não trabalhava. Não era uma fonte de renda extra em casa porque a mãe insistia que ele deveria estudar. Somente estudar. "Porque tu precisa focar nos estudos, filho", dizia ela, antes de dar um beijo na testa dele. "Se ficar pesado, a mãe te avisa e tu arranja um emprego, ok?", completava a Dona Dai, com um sorriso. Mas ela nunca pedia, mesmo com a situação atingindo estados críticos.

Se aceitasse, estaria 50 paus mais próximo de comprar o colar como presente de aniversário da mãe. Poderia falar com o padrasto, juntar as economias e tentar pagar as prestações. A mãe merecia o colar. Por que não aceitar e acabar logo com aquilo?

Porque tu vai magoar uma pessoa que nunca fez nada pra ti, seu idiota. Érico olhou para Isabel, que contava as notas do caixa com sua habitual expressão séria. Se aquilo nunca terminava bem em filmes, por que funcionaria na vida real, sem a tranquilidade controlada dos sets de filmagem?

É, mas a Dona Dai ia amar aquele colar. Ela sempre dá uma olhadinha nele na vitrine. Ele torceu a boca.

Érico esticou a mão para pegar a nota, mas Nando foi mais rápido.

— Sem essa, tchê — disse ele, sorrindo com o canto dos lábios, os dedos prendendo o dinheiro na mesa. — Primeiro a magrona, depois os pila.

Érico rangeu os dentes, erguendo-se da mesa. Com o estômago embrulhado, as mãos suadas e a certeza de que os olhares curiosos de Mosca e Nando estariam pregados em suas costas, entrou na fila do caixa. A moça que pediu um espresso saiu, guardando a notinha no bolso traseiro do jeans, e Érico aumentou o volume do aparelho auditivo antes de ficar frente a frente com Isabel.

A cafeteria estava mais vazia, mas os zumbidos dos poucos clientes que permaneciam, amplificados pelo aparelho, fervilhavam na cabeça de Érico como o Coliseu na presença do último gladiador do dia. Isabel contou o dinheiro, fechou a gaveta da caixa registradora e levantou os olhos para ele. E o tempo parou na arena.

Érico ficou estaqueado, suando frio diante daquele olhar gelado. Isabel esperou, o rabo de cavalo prendendo os cabelos castanhos de forma tão impecável que nenhum fio saía do lugar. Nervoso pelo porte quase militar dela, Érico pigarreou e voltou a atenção para o cardápio. Os nomes dos lanches se confundiam com os ingredientes, informados entre parênteses. Ele fincou o dedo numa das opções, o estômago pulsando de ansiedade.

— O que... o que vem no... sanduíche de presunto?

Isabel ficou em silêncio, encarando-o como se Érico fosse um cocô de cachorro no meio do tapete da sala. Na voz entediada e sem vida de sempre, ela respondeu:

— Presunto.

Érico levantou a cabeça, recebendo o olhar de Isabel feito uma martelada. Ele corou. Era óbvio que no sanduíche de presunto viria presunto. Com as mãos ainda mais suadas do que antes, perguntou:

— E... nesse aqui? — Ele apontou.

Isabel não demonstrou reação. Uma tábua seria mais expressiva do que a moça que o julgava silenciosamente do outro lado do caixa.

— É só ler o que tá entre parênteses.

— Ah, claro. Me... me desculpa. Não tinha visto. — Ele voltou a ler o cardápio, ciente do olhar inexpressivo de Isabel a cada lanche que passava. Érico deu uma risadinha nervosa. — Nossa. São muitas opções, hein?

Isabel não respondeu. Durante o silêncio, Érico via os 50 reais que usaria para comprar o colar da mãe cada vez mais distantes. Onde estava com a cabeça quando aceitou uma ideia de merda daquelas? Levantou os olhos, encontrando a atenção fixa de Isabel em seu rosto. Sem graça, fechou o cardápio e disse:

— Acho que sou meio... meio indeciso?

— Dá pra notar.

Érico corou. E pigarreou. Agora era a hora.

— Então, na verdade, eu não... não vim pedir nada. É que eu... eu venho sempre aqui.

Nossa, que horror, pensou ele. Ela ficou em silêncio durante um longo tempo. E disse:

— Sinto muito por ti.

Érico enrijeceu no balcão, sentindo coceira onde as gotinhas de suor se formavam entre o aparelho auditivo e a parte de trás da orelha. Isabel o encarava como se ele fosse um saco de batatas que precisa ser descarregado no cais do porto. Érico corou e decidiu ser direto.

— É que eu... eu venho sempre aqui, e pensei que, tipo, a gente... eu e tu, tipo, a gente pudesse, sei lá... tipo, tomar alguma coisa depois... depois do teu expediente.

Isabel ergueu as sobrancelhas bem delineadas, os braços cruzados do outro lado do balcão. Érico engoliu em seco, pedindo ao brioche dormido que ainda não destruísse seu pobre estômago. Isabel não ficou tanto tempo em silêncio, mas para Érico, ouvindo cada detalhe daquele ambiente agora silencioso e assustador, foi como se ela tivesse levado séculos para falar novamente.

— Sério? — perguntou ela. — Esse é o melhor que tu consegue fazer numa aposta?

De início ele pensou não ter escutado direito, o que seria perfeitamente plausível e compreensível em sua condição. Érico não escutava muitas coisas durante o dia, apesar de o aparelho auditivo funcionar feito um relógio suíço. Ser surdo de um ouvido só, como ele descobriu desde criança, depois de um acidente de carro, mudava a percepção dos sons. Apesar das consultas e dos aparelhos, todo som era uma incógnita, uma pergunta insistente. Tudo era ambíguo, mesmo com o aparelho auditivo no volume máximo.

Menos as palavras de Isabel. Ela havia mesmo dito aquilo, sem rodeios. Érico controlou a vontade assassina de vomitar o brioche.

— Me desculpa, acho que eu não enten...

— Quanto tu apostou com os teus amigos?

— Eu não...

— Quanto?

Érico ficou em silêncio.

— Como tu... como tu ouviu o que nós...?

— Tenho uma boa audição. — Ela encarou o aparelhinho no ouvido de Érico, esboçando um quarto de sorriso assustador. — E teu amigo malhado não conhece exatamente o conceito de "falar baixo".

Ele piscou, outro nó crescendo por toda a extensão de sua garganta. Que diabo de resposta ela esperava? Em silêncio, Érico decidiu que merecia aquilo. Merecia passar vergonha por usar outra pessoa daquele jeito, por cair no papo furado do Nando, por se deixar levar pela provocação primária de Mosca.

Isabel ficou séria outra vez.

— Quanto vocês apostaram pra tu "sair com a megera"?

— Olha, me desculpa. Não era pra...

— Quanto?

Ele corou.

— A gente apostou 50 reais.

— Só isso? — A expressão nula de Isabel se transformou numa careta de nojo. — Volta lá e dobra esse valor, aí eu saio contigo.

Érico ficou parado.

— Como...?

— Tu acha que eu vou sair contigo de graça? — perguntou ela, entediada. — Eu tenho mais o que fazer. Além disso, 25 reais é muito pouco. Não vou perder o meu tempo por míseros 25 reais. Dobra o valor, volta aqui e me convida de novo.

E ela abaixou a cabeça para a caixa registradora, abriu a gaveta e recomeçou a contar o troco, dando a conversa por encerrada. Érico ficou apoiado no balcão, mais ciente do zumbido nos ouvidos do que nunca. Sabia, só de olhar, que Isabel não diria mais nada. Era pegar ou largar.

Ele voltou para a mesa com o passo leve, meio sem saber como interpretar o que havia acontecido. Isabel falou sério, ou não passava de brincadeira? Por que com ela tudo precisava ser tão... esquisito?

Nando e Mosca riram quando Érico sentou à mesa, o olhar perdido na fórmica que cobria o tampo.

— Tomou toco, cara? — perguntou Nando, rindo.

— O sonho acabou, amigos — brincou Mosca.

Érico não respondeu. Se Isabel estava falando sério, por que não? Ele encarou os amigos, que ainda riam de sua desgraça, e disse:

— Vocês dobram o valor se eu tentar de novo?

Os dois ficaram em silêncio. Mosca cruzou os braços, deixando um ronco sarcástico escapar. Nando desmanchou o sorriso.

— Meu, ela não te quis — disse ele. — Sei que é uma merda tomar um fora, mas...

— Dobram ou não? — insistiu Érico, cada vez mais incomodado com as gotinhas de suor escorrendo por sua orelha.

— Tu tá falando sério? — perguntou Mosca.

— Tô. Dobram ou não?

Mosca riu, atraindo a atenção de um Nando embasbacado.

— Bah, se tu tiver a cara de pau voltar lá, eu faço questão de dobrar.

— Cadê o dinheiro?

— Ei, não sou um playboy que nem o Nando — disse ele. Nando revirou os olhos. — Preciso pegar no banco, mas te dou minha palavra que dobro essa merda. Cenzinho na tua mão.

Na verdade, só cinquentinha, pensou Érico, mas nada disse. Talvez aquilo configurasse uma trapaça na porcaria da aposta, e ele não podia correr riscos.

— Quero esse dinheiro hoje e sem falta — disse ele.

— Como tu quiser — respondeu Mosca, sorrindo. — Vai lá, Don Juan.

Os dois riram, mas Érico ignorou e foi ao caixa. Isabel mal ergueu os olhos do troco.

— Olha, acho que antes rolou um pequeno mal entendido sobre... — começou ele.

— Conseguiu dobrar? — interrompeu ela.

— Consegui, mas é que... — Érico suspirou. — Sei lá. Me desculpa por antes. Eu só queria mesmo pegar o dinheiro pra comprar o...

— Não me interessa. — Isabel se inclinou para a frente, como se fosse contar uma fofoca a Érico. Sem pensar, ele fez o mesmo. — Me encontra amanhã, depois do expediente, naquele café metido perto da biblioteca. E nem pensa em ir sem o dinheiro, entendeu?

— Isso quer dizer que tu... aceita? — perguntou ele, um pouquinho mais alto para os amigos ouvirem. — Tu quer... sair comigo?

Isabel confirmou com um meneio de cabeça. Érico sorriu, dando uma batidinha no balcão de granito claro. Ela, como esperado, não demonstrou reação. Isabel virou as costas e, sem olhar para trás, enfiou-se na cozinha.

— Que bruxaria foi essa? — perguntou Mosca, quando Érico voltou à mesa. — Tu drogou a guria. Não é possível.

— É o mel — brincou ele, rindo de nervoso. — O mel do surdinho.

— Puta merda, cara! — Nando deu um tapa na mesa, fazendo o saleiro tremer sobre a fórmica. — Eu não tô acreditando que tu vai faturar a magrona!

Érico riu, mas não respondeu. A história inteira flutuava em sua cabeça feito um navio em mares turbulentos, exatamente como no quadro barato na sala de espera do consultório dentário onde a Dona Dai trabalhava como recepcionista. Tudo entrava e saía de foco muito rápido; o dinheiro dos amigos, Isabel e o acordo entre os dois parecia saído de um filme adolescente dos anos 1980.

Mas não importava. Em breve estaria 50 reais mais rico e poderia contribuir, mesmo que um pouquinho, com o presente de aniversário da mãe. Érico sorriu, mas Nando não demorou para acabar com sua alegria.

— Quero só ver, hein? — disse o amigo. — Se ela desistir, a gente não vai pagar um cen...

— Calem a boca e guardem o meu dinheiro — retrucou ele, diminuindo o volume do aparelho auditivo. — Vocês são uns merdas.

Nando e Mosca riram, balançando a cabeça. Érico voltou a atenção para Isabel, que atendia uma menina magricela com a habitual ausência de expressão. Todos os filmes idiotas sobre apostas, com a garota deslocada que serve de joguete na mão dos caras, só existia porque nenhum dos roteiristas conhecia uma moça como Isabel.

Combinando certinho, todo mundo ganhava dinheiro e ficava feliz. Como é que ninguém havia pensado naquilo antes? Tudo bem que Érico levaria apenas metade do valor, mas ainda assim era algum dinheiro.

Quem diria que 50 reais seriam tão fáceis de conseguir? 


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¹ "Pila" é a moeda corrente aqui em Porto Alegre (e em algumas outras partes do sul). Ela é sempre no singular, mesmo que o valor seja plural: 1 pila, 10 pila, 200 pila. Não sei quem começou, mas enfim. É a famosa Coisa de Gaúcho™ hahahaha!

Espero que tenham gostado! Nos vemos na quarta com o segundo capítulo! ♥

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