Parte 3
— A Kathleen deu entrada com uma faca nas costas. — O médico começou a falar assim que Claus se apresentou como acompanhante da agente Milner, depois de quase três horas de cirurgia. — Pela história que você contou aos socorristas, ela passou muito tempo ativa depois de ser atingida. Estava em ação e a adrenalina diminuiu os efeitos imediatos, mas depois que se passaram os momentos de tensão pura, o corpo começou a reagir.
Claus estava ouvindo a tudo atentamente. Já havia sido atendido por uma enfermeira e devidamente medicado, e passara todo o tempo restante pensando em Kathleen e culpando a si mesmo por ter permitido que aquilo acontecesse.
— Pela quantidade de esforços e movimentos bruscos que fez, além de uma situação de agravamento da lesão, ela perdeu muito sangue e a temperatura do corpo caiu rapidamente, complicando ainda mais a cirurgia e nossa tentativa de não deixar nenhuma sequela crônica. — O médico continuava dando as informações em um tom de voz tranquilo e inalterável, mas dentro de Claus o desespero aumentava com mais intensidade a cada nova frase do doutor. Ele estava com medo do que iria ouvir em seguida. E mal conseguia aceitar o fato de que sua parceira estava completamente bem há algumas horas atrás e agora estava naquela situação.
— Mas não quero lhe deixar mais preocupado do que provavelmente já está! Só quis mesmo lhe explicar o quadro clínico da paciente. — O doutor olhou para a ficha em suas mãos. — O senhor é o marido dela?
Claus sentiu um frio percorrer sua espinha. Era uma mistura de medo, ansiedade e déjà vu. Ele já ouvira aquela pergunta anos atrás. E a notícia que viera em seguida havia destruído parte dele. Será que agora ele teria o resto de si destruído também?
Respirou fundo.
Mas dessa vez sua resposta seria diferente.
— Não. — Respondeu depois de uns segundos, lembrando de cenas do passado. — Nós somos só... — Titubeou. Queria dizer que eram colegas de trabalho, mas diante de tudo o que ele estava sentindo, parecia não ser suficiente. — Amigos.
— Ah, perdão! — O médico abriu um pequeno sorriso constrangido e prosseguiu. — Nós conseguimos tratar o ferimento da sua amiga, tanto as lesões internas quanto as externas, assim como os níveis sanguíneos, pressão e temperatura. Apesar de algumas recaídas preocupantes durante a cirurgia, ela já está fora de perigo. É uma mulher forte! Pode respirar! — Ele ainda brincou, e Claus realmente suspirou depois de ouvir aquela boa notícia. — Está no quarto 42 do segundo andar. Provavelmente um pouco sonolenta, mas você já pode vê-la, se quiser.
— Nossa! — Claus esfregou uma das mãos na testa, fechando os olhos por alguns segundos. O alívio que sentira era maior do que ele poderia mensurar. — Obrigado, doutor! — Agradeceu. — E quando ela vai poder sair?
— Bem... Vamos fazer a visita pós-operatória amanhã pela manhã. Se nada estiver fora dos trilhos, ela receberá alta e poderá ir pra casa. Mas com repouso, ein!
Claus assentiu. — Pode deixar, doutor. — E em seguida marchou ansioso até o quarto de Kathleen.
Quando abriu a porta, a viu deitada na cama, já limpa, corada e bem melhor do que algumas horas atrás, quando ele pensou que também a perderia. Se aproximou dela, colocou as mãos no protetor de ferro do leito e ficou observando-a por alguns minutos.
— Se tivesse aceitado meu café não estaria tão sonolenta agora. — Claus brincou em um sussurro, mas não esperava que fosse vê-la esboçar um sorriso depois disso. — Ah, então está acordada?!
— Achei que eu... Tivesse morrido. — Kathleen respondeu com a voz baixa e os olhos fechados.
— Até que você é bem forte... — Tentou provocá-la e se segurou para não fazer uma carícia em seu rosto. — Como você está? — Perguntou. Apesar da cor que ganhara depois das bolsas de sangue que recebera, Kathleen ainda estava fraca e debilitada, e um desejo crescente de cuidar dela estava se formando dentro de Claus.
— Meu corpo está dormente e... Está um pouco difícil falar. — Kathleen respondia de olhos fechados, fazendo pausas entre as palavras arrastadas nos lábios que quase não se moviam. — Sorte sua eu reconhecer... Sua voz.
Claus abriu um sorriso de compaixão. Ou carinho. Ou talvez algo mais.
— Então acho melhor eu não encher muito o saco agora! — Brincou. — Pelo menos você vai ter uma folga!
Kathleen tentou sorrir.
— Posso só... Ficar te ouvindo? — Perguntou com a voz completamente sonolenta. Desde o momento em que Claus chegara, ela ainda não havia sequer aberto os olhos.
— Deve. — Claus respondeu apertando as mãos na frente do corpo. Não queria fazer nem um movimento invasivo. Ainda mais em Kathleen, que sempre se resguardara tanto. — Mas eu tenho que ir... Não estou de folga como você. — Sorriu.
— Você também... Está ferido. — Kathleen soltou um suspiro. — E não... Temos mais... Chefe.
— Por isso mesmo eu tenho que ir. — Claus prendeu os lábios, encarando-a. — Não se preocupe, você vai ficar bem. — Queria pelo menos dar-lhe um beijo na testa. — Boa noite, Kathleen. — Mas não o fez.
E saiu do quarto.
Mesmo contra o que seu próprio coração o mandava fazer, Claus voltou para o carro e seguiu viagem para Towny City, indo direto para o laboratório do Departamento assim que chegou, aliás, existiam coisas mais importantes naquela hora do que tomar um banho.
E foi assim que descobriu que o sangue da seringa era de ninguém mais, ninguém menos que Lisbela Bentrano, a última vítima que encontraram. Kathleen não estava errada, afinal. O assassino era mesmo o tatuador.
Horas depois, após uma água bem gelada e longos e árduos minutos analisando cada resultado dos exames feitos, Claus acabou adormecendo. Porém, quando abriu os olhos, já não estava mais no Departamento e, totalmente desorientado, finalmente se atentou para a voz grave à sua frente que ele já conhecia bem. Infelizmente.
— Ora, ora... Se não é o famoso Claus... — A voz monstruosa de Ricardo ecoou pela sala vazia e escura.
— O que você quer, seu...
— Sem enrolações, não é, Claus?! — Ricardo o cortou com um sorriso debochado, o que já era sua marca registrada, se podemos assim dizer. — Quero que trabalhe para mim.
— Eu nun...
— Calma! — Ricardo o cortou novamente. — Eu ainda não terminei.
Claus estava amarrado a uma cadeira de ferro e as cordas o apertavam tanto que ele sentia latejar seu ferimento de bala adquirido horas atrás.
— Juntos nós podemos ganhar bilhões de dólares... E você nunca mais vai precisar ficar se matando de trabalhar para ganhar essa mer...
— O que quer que eu faça? — Dessa vez foi Claus quem o cortou. Ele só queria sair logo dali.
— Muito bem! — Ricardo o "elogiou". — Gosto da sua eficiência, Claus! Olhe só... Acompanhei toda a sua carreira dentro do Departamento. Até porque eu tinha um acesso muito facilitado a tudo que queria, como você já sabe... — Ele sorriu, se referindo à traição de Robert, e Claus apertou a mandíbula com força. — A questão é que você é um excelente agente... Tem exatamente o perfil de quem precisamos!
— Fala logo. — Claus revirou os olhos.
— Mas... — Ricardo enfatizou. — No último ano, Claus... Seu rendimento tem caído... E você sabe por que, Gramt?
— Chega de enrolações, Ricardo!
— Ok, ok... Você tem trabalhado com uma novata, Claus... Uma mulher. E você sabe... Mulheres são frágeis e emotivas... Elas não foram feitas para esse tipo de trabalho, meu caro...
Claus sentiu seu sangue ferver, gota por gota.
— Fique longe dela! — Ameaçou com um ódio crescente, mas Ricardo apenas sorriu, inabalável.
— Eu vou ficar longe, sim... — Balançou a cabeça em negativa, sem tirar o sorriso cínico dos lábios em nenhum momento. — Você, por outro lado...
— Eu estou aqui. Não é a mim que você quer?! — Seu coração batia acelerado. Ele só não sabia explicar exatamente o motivo, afinal, eram inúmeros.
— Escuta, Claus... — Ricardo finalmente se empertigou em seu lugar e ficou sério. — Eu gosto do seu trabalho. Você é ágil, esperto, inteligente, rápido e o principal: fiel. E a proposta é a seguinte: você vai trabalhar comigo e ganhar três vezes mais do que ganhava, aliás, agora oficialmente sem chefe, vocês nem teriam mais dinheiro suficiente para chamar de salário! Ou seja, enquanto todos os seus ex-colegas de trabalho estarão à beira da falência em uma Organização fadada à extinção, você terá um emprego garantido com um salário digno do que você realmente merece. E não aceito não como resposta!
Claus nem sequer ponderou a proposta que recebera, mas queria sair logo dali, nem que para isso precisasse dizer sim.
— Por que essa proposta agora? — Perguntou.
— Porque precisamos de eficiência. Agora mais do que nunca. E é você quem pode nos dar isso. — Respondeu. Mas naquela hora Claus não estava pensando direito. Ele só queria sair dali, e por conta disso poderia se envolver em uma situação muito maior do que conseguiria controlar.
— Não posso fazer algo que não sei pra que serve. — Foi o que respondeu, depois de dar um solavanco em sua consciência.
— É o seguinte, Claus... Vou contar a você, mas ainda lembra de sua esposa, não é? Ou melhor... De sua ex-esposa... — O encarou com um olhar demoníaco. — Se falhar conosco, você sofrerá mais uma perda.
Era uma ameaça. Claus sabia disso. Sabia que ele era capaz disso. E sabia perfeitamente a quem ele estava se referindo.
Era uma outra parte de si começando a se quebrar. Mais mortes por sua causa?! Não. Isso ele não poderia permitir. E foi então que finalmente pensou em aceitar de fato a proposta de Ricardo. Kathleen já era uma parte muito grande dele, mesmo que não soubesse ao certo explicar como ou quando isso aconteceu. E ele não poderia permitir que ela fosse machucada assim.
— Você acha que nós realizamos tráfico de órgãos, mas ultimamente estamos produzindo uma nova droga que irá revolucionar o mercado! Vamos ganhar muito dinheiro com ela! — Sorriu. — Porém os testes são feitos apenas em mulheres, pois se demonstram mais ativas quando entram em contato com o estrogênio e assim podemos observar com mais clareza a intensidade dela.
Claus respirava bem fundo a cada nova frase que saía da boca de Ricardo. Talvez porque, na realidade, ele queria ser o super-homem, sair daquela cadeira e quebrar o pescoço daquele monstro à sua frente.
— E nós só queremos que você nos proteja de pessoas que possam frustrar nossos planos, assim como você e sua amiguinha estavam tentando fazer. — Disse, por fim, com o olhar mais cínico do mundo. — Além do mais, quero que a deixe o mais distante possível deste caso ou... Ela vai acabar sofrendo as consequências. E você não vai gostar nada disso, Claus...
Depois de ouvir tudo aquilo, Claus tinha apenas mais certeza do quanto queria pegar Ricardo e levá-lo para apodrecer na prisão; mas ali ele estava sozinho e sem opções. Ninguém sabia em que local encontrá-lo — nem mesmo ele — e Claus também não tinha arma e nem uma espécie de gravador. Ele precisava ser esperto.
Ricardo queria um infiltrado na Organização para passar as informações de lá para os Redemptorists e também para manusear as novas informações sobre eles e fazê-las chegarem à Organização de forma que apenas atrapalhasse e atrasasse a investigação. Além do mais, ele queria Kathleen longe do caso e isso, especialmente, deixou Claus intrigado. O que ele sabia sobre ela para que fizesse questão de enfatizar que a queria fora?! O que ela poderia ter contra ele que ninguém mais tinha?! E o principal: por que Ricardo confiaria nele para lhe dar esse tipo de missão?!
Claus não sabia a resposta para nenhuma dessas perguntas, mas estava determinado a descobrir. E como era esperto, sabia exatamente como deixar a situação a seu favor, mesmo estando sozinho ali.
Depois de várias perguntas, informações e explicações, Claus concordou com a proposta e até mesmo assinou um contrato. Ele sabia que corria riscos, mas era claro que iria blefar. Além do mais, não é como se tivesse outra alternativa.
Mas ele também pensava em Kathleen, e em como iria protegê-la dali para frente.
Com certeza iria fazer algum plano, afinal, talvez agora ele finalmente estivesse partilhando do mesmo sentimento de determinação que fizera Kathleen quase morrer apenas para prender um bandido. E isso o levaria para longe, sem dúvidas.
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