Capítulo 8
Os dedos longos de Apolo acariciavam preguiçosamente o apoio para braço de seu trono translucido. Os olhos do rei encontravam-se perdidos, entediados enquanto aguardava pacientemente atualizações relacionadas a suas ordens, mas até lá, mantinha-se distraído mapeando novamente a sala do trono. Enormes vitrais coloridos cobriam a lateral esquerda de Apolo do piso ao teto, as imagens em vidro colorido mostravam cada um dos reis de Arcade antes de Apolo, contavam suas respectivas histórias ao longo da sala retangular exageradamente longa. A luz fraca da lua que atravessara os vitrais ganhava cor, pintando o chão de mármore com um milhão de cores, incluindo o trono onde Apolo descansava. As cores o transpassavam em diferentes tons conforme amanhecia e entardecia, fazendo assim, o trono brilhar e consequentemente, quem sentava-se nele. Às costas do trono, uma enorme tapeçaria ostentando o símbolo da guilda real, bordado em dourado, branco e preto. O símbolo assemelhava-se com um coração cortado por uma espada onde o cabo imitava um degrau e no final dele, espirais surgiam do cabo e da ponta da espada. Apesar do brasão ser preto e o fundo dourado, era possível ver detalhes sutis de branco quase imperceptíveis. O símbolo do amor fatal da realeza Eskyer, título dado aos reis nefilin que agora é representado por Apolo. O pensamento de que Sigel agora também carregava o poder daquele nome colocou um sorriso no rosto do rei de Arcade.
Antes que pudesse repassar as outras partes da sala, ele sente o palácio tremer. Como se atingido por um choque, Apolo ergue-se do trono. Ela chegou.
O barulho dos passos no corredor antecede o ranger da grande porta e Apolo pode jurar ouvir todo o castelo prender a respiração assim que ela pisou na sala do trono. Trajando um luxuoso vestido verde musgo com um decote até o umbigo, mangas cumpridas à ponto de arrastar no chão igualmente à calda, a peça era feita de camurça do início ao fim, sem joias ou bordados, apenas o tecido puro justo ao corpo escultural da dona que caminhava com tanta graciosidade que poderia facilmente estar caminhando em nuvens. Ela exibia uma fenda generosa que chegava até sua coxa direita. Os cabelos claros, apenas um tom mais escuro que os de Apolo presos em um penteado que prendia por completo em uma complexa trança decorada com pendentes feitos de jade em formato de gota. Em suas orelhas, grandes brincos imitavam cascatas feitas de jade e ouro pendiam conforme ela caminhava em saltos pretos. A beleza impecável da mulher que adentrava a sala do trono com um sorriso assassino em lábios carnudos pintados de vermelho ostentando um olhar astuto da cor da morte. Lá estava ela, a mulher mais poderosa de Arcade. A rainha veneno.
- A que devo a honra de ser convocada pelo magnifico rei dos céus? - Disse a voz doce quase sibilando em ironia enquanto fazia reverencia há poucos metros do trono. Às suas costas, os mesmos guardas que abriram as portas para ela agora a fechavam em um silencio fatal.
- Cuidado com o deboche Vênus, algum dia cortarão sua língua. - Apolo a respondeu no mesmo tom, olhando-a de cima, mas ao se levantar da reverencia, ela apenas sorriu viperinamente de orelha a orelha.
- Talvez, mas não será pela sua espada. - Dando uma pausa para analisa-lo, Vênus também o observa da cabeça aos pés, mas logo volta a encarar seus olhos. - Majestade. - Apolo não estava diferente do normal, o longo cabelo branco sem detalhe algum além da coroa de chifres negra, os olhos vermelhos, roupas em branco, dourado e preto casuais. Caras o suficiente para matar a fome de um vilarejo inteiro, reparou.
- Por mais que me divirta com seus joguinhos infernais, não é hora para isso. - Com um revirar de olhos, Apolo começa a descer os poucos degraus que elevam o trono do resto da sala. - Tenho certeza que já sabe porque está aqui.
- Espero que me informe o sucesso da maldição, afinal, eu expliquei tudo perfeitamente e sei que vossa majestade o fez com a mesma perfeição. - O sorriso sumira do rosto da rainha, as sobrancelhas loiras arqueadas a faziam parecer uma estátua. Apolo sabia qual seria a reação de Vênus e estava se preparando para lidar com ela.
- Sei que já sabe a maioria das fofocas, seu sistema de informações é famoso pela rapidez, mas aqui vão as informações de uma fonte interna; eu. - Por um segundo, Apolo acreditou ter visto o rosto da rainha se contorcer em nojo, não que tal comportamento o surpreendesse. - Minha primogênita não nasceu só uma hibrida como você havia dito, mas uma Deusa, e se vale de algo, seus olhos eram constantemente brancos. - Apolo já estava ao lado dela naquele momento, pôde sentir sua respiração falhar. - Mas então, antes do sacrifício dela, meu fiel sacerdote a sequestrou e a levou para sabe-se lá os Deuses onde.
Os olhos de Vênus tornaram-se opacos, contendo sua raiva de forma transparente. Ela até preparou-se para iniciar seu discurso, mas antes que a mesma pensasse em abrir a boca, Apolo ergueu a palma da mão fazendo sinal para que se calasse.
- Agora, momentos antes de sua chegada, fui informado de uma estranha movimentação em Filgord, uma vila afastada de Iona, a cidadezinha fica cercada de florestas e montanhas. Segundo Azariel, uma mulher feita de pó trajando uma capa vermelha sabia de toda a verdade e a revelou para todos na praça. A notícia está se espalhando, tivemos relatos de outras províncias que viraram as costas para o comunicado como protesto por já saberiam a história de quem chamam de "profetisa vermelha". Meus homens interrogaram alguns moradores da área, não abriram a boca, mas pareciam estar protegendo alguém, sua função seria descobrir o paradeiro dela. Agora, pode fazer suas observações, rainha de Onrew.
- Um dia Apolo, vai me pagar cada ruga de estresse que me causa. - Mesmo respirando fundo, as bochechas ruborizadas de raiva ficavam cada vez mais visíveis. - Primeira pergunta, como selou a maldita maldição se não estava com a querida criança!? - A voz da rainha saia mais alta que de comum, prestes a cravar a própria espada de Apolo nele mesmo.
- Selei com meu sangue, usei o de Magnólia para me fortalecer, mas eu sou o que mantém a maldição viva. - Apesar de tentar parecer despreocupado, não tirou os olhos de Vênus que dedilhava a pele de sua coxa exposta com suas enormes unhas pretas em dedos decorados com inúmeros anéis. Apolo precisava de respostas, precisava entender o que aconteceria ao seu corpo ou que consequências esse erro o traria.
- De todos os males, pelo menos a maldição está de pé, isto é, por enquanto. - Os olhos amendoados da rainha não encaravam Apolo, estavam perdidos no horizonte enquanto recalculava o plano. Era por esse motivo que estava lá, a mente brilhante e perversa de alguém que surgiu do nada e domou o mundo. Vênus não era oficialmente considerada a conselheira do rei já que tal cargo não podia pertencer a mulheres, mas de fato era a estrategista dos sonhos de qualquer império, dona de um raciocínio invejável e um sorriso cativante. Mas o que a realmente a tornava tão perigosa era o fato de que sabia ser tudo isso. - Mas devo alerta-lo, a maldição o consumirá pouco a pouco, drenando tudo em você até que reste apenas os ossos. Para mim será uma visão divertida, mas para você, será lembrado como o único rei nefilim a durar menos de um século.
- É sempre uma honra ouvir seu senso de humor, mas seja direta, o que preciso fazer?
Com um sorriso felino, a rainha desvencilhou-se de Apolo. Caminhou calmamente até ficar frente a frente com os tantos vitrais, a luz fraca pintava seu rosto de outras tantas cores, mas ela parecia engoli-las com sua escuridão densa.
- Olhe para o céu Apolo, quanto tempo faz desde que o ritual foi feito? - Frustrado, o rei suspirou, Vênus não o daria respostas, nunca deu, ela fazia joguinhos e o entregava migalhas de seu raciocínio para que ele o montasse sozinho. Ele certamente odiava isso. Entretanto, naquele momento sua espinha gelou, não amanhecera desde então, como se o tempo estivesse congelado. Não podia ser isso ele se recusava.
- Eu não sou Cronos, Vênus. Agora você pode me dizer aonde quer chegar, é a terceira vez que foge do assunto. Pelos Deuses, não teste minha paciência. - As sobrancelhas louríssimas arqueadas de Apolo acompanhavam uma expressão de nojo enquanto o mesmo soltava as palavras pausadamente. Precisava disfarçar a surpresa, não iria se precipitar.
Com um suspiro longo e decepcionado. - Deveria prestar mais atenção ao seu redor, vossa majestade. Faz horas que não amanhece, onde você estava para não perceber isso? - Apolo abriu a boca, mas Vênus não o deixou continuar. - Eu entrei em seu palácio sabendo de tudo que me diria, mas ainda assim esperava que você me desse mais que sua falta de responsabilidade. Nós planejamos isso há muito tempo para você agir como uma criança inconsequente e egocêntrica, brincando de gato e rato com seu sacerdote medíocre. - As palavras da rainha faziam as paredes do castelo tremer, Vênus manteve o queixo erguido e um olhar superior enquanto andava até parar cara a cara com Apolo. - Nós apostamos o mundo, não ouse perder a aposta que eu fiz.
- E o que sugere, Alexa? - Vênus estava passando dos limites permitidos à sua posição e o rei precisava devolve-la ao seu lugar. O rosto perfeito deu lugar a uma carranca inconformada e um sorriso viperino enquanto balançava a cabeça.
- Não ouse me chamar assim novamente. - A ameaça da rainha foi direta.
- Então não ouse quebrar o decoro em minha corte. - Sibilou de volta. - Agora diga-me e seja franca, como resolvemos o incidente?
Vênus ergueu seu queixo, relaxando as sobrancelhas e tomando de volta sua postura perfeita. Pronta para fazê-lo provar do pior de si, a libertando por um segundo deste ciclo dependente que a cercava, afinal, sabia que não podia contra ele. Ela não era capaz de derruba-lo, mas sem ela, ele estaria desestabilizado e seria questão de tempo até todos perceberem. Pobre Apolo, ela pensou, seu "incidente" custaria sua coroa, mesmo que a culpa fosse dele por colocar um alvo nas próprias costas, e Vênus desejava ser aquela que atiraria a primeira flecha.
Uma mudança irracional em seus planos iniciais, mas ainda assim sairia satisfeita, se o preço de sua liberdade era a traição, ela adoraria o prazer de ser uma traidora. Pelos Deuses, como ela desejava que isso fosse possível. Ao abrir a boca para se recusar a ajuda-lo, Vênus sentiu sua mente balançar e o peso de seu corpo aumentar, a postura perfeita se desfez enquanto o ar era roubado de seus pulmões, ela não conseguia acreditar o quão baixo Apolo desceu.
- Você conhece apenas o básico de meu poder Alexa. Agora diga-me, ó grande rainha de Onrew, já está disposta a falar? - O rosto de Apolo permaneceu o mesmo, sequer aparentava estar se esforçando, poderia ser um blefe se Vênus não sentisse as mãos do rei em sua mente, mas não só em sua cabeça, era como se ele controlasse seus batimentos ou segurasse seu ar.
Com o pouco de fôlego e força que lhe restava no peito, Vênus responde. - Covarde!
Apolo parecia ter o dobro do tamanho naquele momento, sua presença tomava conta de toda a sala e parecia que a engoliria por completo. Virando-se em direção a ela, Apolo fez questão de segurar seu queixo, assim como fez com Zefat. - Uma última vez, Alexa, não irei repetir. - Suavizando a força de seu poder, ele afetou a audição da rainha, jogou seu queixo para esquerda evitando aqueles olhos assassinos, e então falou claramente fora do alcance de sua visão: - Você é mais esperta que isso. - Já Vênus, Vênus acreditou cegamente que aquela voz vinha de dentro de sua cabeça.
Ela foi ao chão, afastou-se em desespero, suas defesas já haviam sido erguidas, as sombras em volta de toda a sala estavam a seu comando.
- Sabe que não pode me matar, não se desejar manter seu trono! - Gritou com todo seu espirito e orgulho destruídos.
- Não posso matá-la. - Apolo virou as costas para ela em uma nítida provocação. - Assim como você sabe que não pode fazer o mesmo comigo. - Ele continuou andando até estar de frente para seu trono, só então se voltou para encara-la. - Mas não quer dizer que não posso destitui-la de seu cargo e torna-la o que sempre foi, uma bruxa sem um pingo de classe. Você é muito mais esperta que isso, olhe para você agora. - Disse apontando. - Decadente.
A rainha ainda estava no chão não era medo que a paralisava, era ódio, ela desejava explodir a cabeça de Apolo e o faria se não fosse pelo acordo entre eles, mas Apolo ameaçara uma aliança de décadas e ela jamais o perdoaria. Quando ele se sentou novamente ao trono ela ergueu-se do chão com auxílio de suas sombras. A mente da rainha voltou a trabalhar, traçou outros diversos planos e possibilidades, tantas que nada poderia ser imprevisível, isso é se não fosse por Apolo, se ele realmente fosse capaz de entrar em sua mente, não adiantaria plano algum que não fosse a verdade. E ela não arriscou.
- Os ingredientes eram claros, uma hibrida, não um anjo. Não preciso repetir que a maldição o irá consumir aos poucos e que seu efeito não será permanente, além do efeito colateral que certamente você não notou. Você congelou os astros no céu, não apenas impediu de a noite chegar ao Sul, mas impediu o dia de chegar ao Norte, você foi irresponsável e agora todo o continente está preso em um horário diferente, a partir daí, as consequências são praticamente imprevisíveis.
- E isso não pode ser revertido de algum jeito? - Perguntou soberbo sem ao menos se dar o trabalho de encara-la.
- O que pode fazer é capturar Selene e tomar o poder dela para si, alimentar-se dele e torcer para que ele seja o suficiente para você segurar os astros parados onde estão, porque a partir do momento em que eles saírem de seus devidos lugares isso atingirá você com a mesma quantidade de força. O que você fez Apolo, foi tapar um vulcão com uma rocha, uma hora ou outra irá transbordar e você e toda a Arcade irá queimar. - A rainha realmente se sentia uma traidora, mas trair a si própria era diferente de trair Apolo, que até o momento ainda mantinha em silencio.
Como se as peças se encaixassem em sua cabeça, a ficha de Vênus caiu a atingindo com um ataque de riso histérico. A união de todas aquelas emoções reprimidas, o medo, a raiva, a ansiedade pulsante em seu sangue, ela não conseguiu segurar, não era uma estátua como Apolo, era humana, apesar de tudo ainda era humana. Então gargalhou até ver a cara de Apolo se contorcer de ódio.
- Isso também afeta a você e seu reino, não vejo o porquê de estar rindo.
- Ora, não está claro? - Sua risada atrapalhava suas palavras, mas isso a agradou. - Você tinha tudo em mãos para vencer, mas perdeu pelo próprio ego e incompetência. E agora sua última chance é matar Selene e torcer para que a profetisa vermelha esteja errada. Ah meu querido, de onde eu enxergo é tão lindo vê-lo desmoronar. - O veneno escorria de suas palavras, finalmente estava de volta a seu estado natural.
- Não diga asneiras, Vênus. Selene será encontrada e morta quantas vezes forem necessárias. Enquanto estiver jogando meu jogo, eu sempre venço, não pode negar isso. Ninguém pode me parar agora! - Quanto mais Apolo esbravejava, mais alto Vênus fazia questão de sorrir.
- Pare de se enganar, majestade. Mal conseguiu destrui-la enquanto era um bebê, imagine quando ela se tornar uma Deusa completa? Pobre Apolo, é bom aproveitar o peso da coroa em sua cabeça, afinal, ela está prestes a cair. - As risadas se acalmaram deixando apenas um sorriso cruel nos lábios da rainha. - A menos que...
- Se veio aqui destruir minha paz, conseguiu! - Gritou Apolo com tanta força que os lustres balançaram sobre suas cabeças. - Se não tem mais nada útil a dizer, vá. Agora. Não é como se tivesse outra opção além de trabalhar para mim.
- Você me dá pena as vezes. Não estou ao seu lado por falta de opção, Apolo, estou ao seu lado por ter mais chance de ganhar se estiver aqui. Mas agora, a única coisa que me prende a você é nosso contrato e que você seja eternamente grato a ele. Todas as chances estão contra você e eu serei obrigada a lutar ao seu lado, então escute. Eu não cairei, mas se cair, farei questão de leva-lo junto. - Antes que o rei pudesse agir centenas de pássaros voaram contra os vitrais quebrando cada cubículo em um barulho ensurdecedor. As paredes perfeitamente brancas agora estavam pintadas de escarlate, até mesmo Apolo estava sujo com o sangue dos pássaros, surpreso demais para agir.
Vênus o observou com o queixo erguido, ele não podia esquecer com quem lidava, nunca mais daria as costas a ela, nunca mais a subestimaria, ela iria ataca-lo assim que aparecesse a chance e por mais que odiasse admitir, ele poderia perder para ela, não era uma disputa de força, e sim de estabilidade, ela esperaria pacientemente para ver qual deles cairia primeiro. Se fosse ele, e precisava ser ele, era hora de planejar o que faria para não cair junto. Antes de partir, Vênus fez uma reverencia demorada.
- Leve isso como um lembrete, jamais ouse usar seus poderes em mim novamente. E por último, fique tranquilo, da profetisa cuido eu. - Foi sua vez de virar as costas e sair, deixando Apolo e toda sua loucura para trás, estava livre e acima de tudo, pronta para atacar. Ela sabia de todos seus triunfos e vantagens, sabia que só havia chegado ali por parecer fraca e manipulável, uma menina indefesa com um tesouro em mãos, Alexa era como uma rosa sem espinhos, porém a bela e rara rosa possuía um veneno amargo e letal. Assim era Vênus, graciosa e venenosa. E todos logo notaram que sua reputação a procedia, seus atos tornavam história, seu nome guardado e temido. A eterna rainha veneno.
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