Capítulo 2
O fechar da porta sucedida a saída de Zefat. Com passos lentos, o sacerdote atravessava os corredores do castelo de prata, observando e lembrando de Magnólia, cada cuidadoso e simplório detalhe o fazia recordar de um momento junto a ela, desde o vaso repleto de girassóis, as flores favoritas dela, a gigantesca porta de entrada do castelo, onde ele conheceu sua melhor amiga. A dor das lembranças embaçava seus olhos em forma de lágrimas, mas ele não iria chorar, se recusava a aceitar que Magnólia havia partido, se recusava a acreditar que Apolo havia vencido novamente, o sorriso de Magnólia estava perdido. Apolo finalmente conseguiu apaga-lo, assim como faz com qualquer um que cruza seu caminho, ele destrói. E como se Magnólia não fosse o suficiente, a jovem Deusa seria a próxima. Zefat era um homem velho, já havia presenciado muitos outros impérios caírem, tendo todos eles algo em comum, um homem com sede de poder em sua liderança. Apolo não era diferente, mas qual poder o rei de um continente poderia desejar?
Apesar de toda a situação, o que mais perturbava o sacerdote em relação a ele mesmo, era o fato de que normalmente ele seguiria a ordem de Apolo sem se questionar por um segundo que fosse. Escolhendo a alienação a consciência da natureza cruel de seu rei. Por esse motivo se surpreendeu ao questionar Apolo momentos atrás, e aparentemente o rei também. A confusão dominava a mente do sacerdote, ele jamais se perdoaria se não fizesse nada para salvar a pobre criança, mas a custo de quê? O quanto vale uma consciência limpa? Questionava-se ele internamente, agradecendo por seus pensamentos pertencerem somente a ele, caso contrário, sua cabeça já estaria no chão, isso na melhor das hipóteses. Zefat não era tolo ao ponto de subestimar a criatividade cruel de Apolo, mas não podia aceitar o destino injusto determinado para a jovem Deusa, não como sacerdote, não como humano. Pela primeira vez, ele não negaria seus princípios, ir contra a ordem Apolo seria perigoso, mas ele não sujaria suas mãos com o sangue de outro inocente. Zefat não conseguiu fazer nada para salvar Magnólia, e tudo que podia fazer por sua filha era adiar sua morte. Mesmo com uma conclusão em mente, o sacerdote continuou ponderando durante todo o caminho, do castelo até o templo, respirando fundo na tentativa de acalmar-se. Mesmo com o mundo desmoronando em sua mente, ele se permitiu apreciar novamente a beleza arquitetônica do templo, ele podia dizer com tranquilidade que aquele lugar era inigualável a qualquer outro que o mesmo já tenha visto. O templo era composto por uma escadaria frontal, cujo cada degrau possuía o nome de um dos Deuses esculpido a mão em letras gregas, não muito próximo a escadaria, dois enormes pilares de mármore em formato de gigantes cobertos por vinhas seguravam o teto, sendo o mesmo também feito de mármore, sem detalhe algum, o que tornava as vinhas ainda mais vividas sobre as esculturas pálidas. Sem nem mesmo perceber, Zefat já havia chegado ao pé da escadaria. O sacerdote sequer pisou no primeiro degrau da escadaria quando uma brisa quente o assolou trazendo consigo um poder ancestral. O paradoxo da situação confundia Zefat, como uma fraca brisa teria o impedido de subir um degrau? Além de tudo era inverno, como a brisa seria quente, principalmente à noite? Foi então que o sacerdote percebeu que aquela noite não era comum, sem nem o presentear com uma pausa para organizar seus pensamentos, a brisa passou novamente por Zefat, dessa vez, fazendo-o arrepiar os pelos de seus braços.
- O que está acontecendo? - O sacerdote acabou deixando escapar um praguejo pela surpresa, mas esse é apenas o começo. Involuntariamente ele nota que está olhando para cima, presenciando algo que jamais seria capaz de imaginar, mesmo em seu mais belo sonho. O céu infinito continha um brilho imaculado, imerso na escuridão azulada da noite majestosa, aquele céu gritava magia e perigo, principalmente o toque final, o mais belo eclipse que aqueles olhos sábios e velhos já presenciaram.
O vento soprou mais forte, desta vez fazendo o manto púrpura de Zefat levantar, dando voltas e voltas ao redor dele, como uma criança sapeca o convidando para brincar. O sacerdote não sabia como reagir a tudo aquilo, mas por pouco tempo que fosse, aquela noite mágica o trouxe paz. Ele não demorou a subir os degraus, mesmo insatisfeito, Zefat sorriu em agradecimento a paz momentânea antes de entrar no templo, deixando para trás a noite mágica e o vento travesso.
Tentando manter-se concentrado em seu trabalho, Zefat preparou cada mínimo detalhe do funeral de Magnólia, escolheu cuidadosamente desde o incenso às flores, tornando cada detalhe de seu funeral digno da rainha que era, mesmo que uma última vez, ela iluminaria Arcade. As lágrimas ainda se recusavam a cair mesmo que Zefat estivesse imerso em suas memorias. Ele lembrava-se do dia em que realmente perdeu sua amiga, o dia em que a assistiu adentrar no templo, minuciosamente decorado com enfeites e velas brancas, vestida de noiva, acorrentada, não correntes de ferro presas ao punho, mas correntes de sangue pregadas a sua alma, sendo ela prisioneira dentro de si mesma, e a única pessoa capaz de livra-la de suas amarras, estava morta, felizmente ou infelizmente, ela não sabia disso. Naquela noite Zefat estava organizando o funeral do corpo, não da alma, a essência de Magnólia estava morta desde seu casamento, e ele não fez nada para impedir. O sacerdote não sabia o que pensar, a morte física da rainha significava misericórdia ou punição? Seria esse o melhor final para ambas as princesas? A morte rápida sem o conhecimento da dor ou maldade, ou uma vida onde morrerão aos poucos sem direito de escolha, submissas a um destino imposto a elas. Perguntava-se Zefat o que Magnólia teria escolhido. Recusando-se a preparar qualquer detalhe do ritual de sacrifício.
O sacerdote sente sua boca amargar com o gosto da culpa, ele dirigiu o casamento, ele assistiu as lágrimas de Magnólia escorrerem de seus olhos silenciosamente, ele lembra perfeitamente do momento em que seus olhos pararam de brilhar azuis, tornando-se cinza opaco, o olhar de alguém incapaz de lutar, incapaz de resistir, alguém sem esperança ou desejo algum. Zefat sabia que ela precisava de ajuda, ela o pediu ajuda, e ainda assim, ele foi fraco demais para arriscar seu pescoço, covarde demais para tomar uma atitude, impotente demais para salva-la. As memórias doíam como chicotadas, como se a porta para a felicidade estivesse à sua frente e ele tivesse deixado a chave cair durante sua jornada. Lágrimas escorriam por sua pele morena enrugada, era tarde demais para lamentos, culpa, era tarde demais para lutar. Então o sacerdote entregou-se a um choro estridente e trêmulo, deixando toda a dor por trás de sua omissão fluir por seu corpo, lutando para libertar-se de seus pecados, desejando ter sido forte quando foi preciso, perguntando-se como não havia notado antes. Se ele soubesse o peso de suas ações e as ramificações de suas escolhas, ele teria salvado a rainha? Ele morreria sem essa certeza. Morrer. Apenas pensar na palavra gelou o corpo de Zefat, sua morte daria mais tempo de vida a pequena Deusa, mas ninguém a iria salvar, demoraria no máximo três dias até outro sacerdote ocupar seu posto. Três dias eram o suficiente para redimir-se de sua culpa? O sacerdote abraçou seu corpo trêmulo e caiu de joelhos ao chão. Não seria suficiente, mas era tudo que estava ao seu alcance. Com os olhos fechados e as lágrimas incessantes, ele tentou levantar-se, mas foi impedido pelo susto, o vento abriu as portas do templo, envolvendo e rodopiando em volta do sacerdote, até a forte ventania tornar-se um sussurro familiar, tão solido que podia sentir a respiração roçar em sua nuca.
- Pequeno pecador que renega seu reino falho.
Finalmente a oportunidade bate à porta.
Pois o bom filho obedece a ordens.
Mas o herói faz o certo.
Cabe a você a escolha que mudará o futuro.
É com júbilo que o damos a escolha, pois de todos os homens, és o mais digno.
Clame pelo vento vermelho e deleite-se nesta noite mágica.
Pois hoje caro amigo, finalmente serás livre!
Os calafrios o atingiam o corpo de como ondas atingem as pedras no oceano. A voz de Magnólia, o conforto nas palavras dela, a paz em sua voz, era como se ela estivesse em paz. Agora o sacerdote tinha a resposta para um de seus muitos questionamentos, Magnólia escolheria viver. Ele salvaria a jovem Deusa, a qualquer custo, ela iria viver. Essa decisão repentinamente o deixou atordoado, ele não sabia como cumprir sua promessa, mas seu corpo parecia mover-se magneticamente e como uma nevasca apaga os rastros na neve, as palavras de Magnólia apagaram as inseguranças de Zefat, clareando sua mente e o oferecendo coragem o suficiente para o sacerdote sentir-se determinado. Ele salvaria a jovem Deusa a todo custo.
Uma ideia veio à mente de Zefat, ele não demorou ponderando sobre a mesma, afinal, intuitivamente já a havia tomado como plano, aparentemente impulsivo, mas suficientemente seguro. Já de pé, o sacerdote caminhou rapidamente até a estufa em busca de ingredientes específicos. Saindo de seu templo, novamente em contato com a noite mágica, cada passo o proporcionava uma dose mais forte de adrenalina, acelerando seu coração e tomando conta de seu corpo, fazendo-o sentir um certo poder crescer em seu coração, alimentando o amago de seu ser, proporcionando-o uma mistura de sensações que jamais conheceu, medo, euforia, coragem, revolta e apesar de tudo, acima de tudo; esperança.
Zefat não demorou na estufa, pois conhecia o espaço ocupado por cada flor, erva ou raiz lá presente. Escolheu discretamente os ingredientes que precisaria e voltou ao templo rapidamente. Zefat era um sacerdote imagen, logo não possuía uma fonte vital de magia como Apolo, Magnólia ou outros magiecs, sua magia vinha de outros seres mágicos, sejam esses seres vivos ou não, qualquer objeto ou ser com uma energia mágica eram utilizados por pessoas compactuastes com o estilo de magia de Zefat, conhecida como magia de conhecimento. O plano do sacerdote estava diretamente ligado à sua magia, afinal, magiecs como Apolo subestimam a magia de conhecimento, chegando ao ponto de vê-la como inferior ou inofensiva, e nisso escondia-se o triunfo de Zefat, contando que o orgulho de Apolo o cegasse. Deixando de lado as ações fora de seu controle, o sacerdote inicia os preparos de sua primeira poção, iniciando com a de duplicação. Abrindo uma das gavetas de sua escrivaninha, ele retira de lá um cálice transparente e já adiciona o primeiro ingrediente, mirra seca para purificar, alecrim para banir e proteger, sem contar que geralmente é utilizado para demonstrar gratidão, por esse motivo, fez questão de mentalizar Magnólia, agradecendo a sua amiga de todo seu coração e desejando ser digno de seu perdão. Para o próximo passo, o sacerdote caminhou até um cômodo separado do templo, para chegar até ele, Zefat precisava descer até um porão escondido debaixo do templo, escondendo uma pequena caverna, em seu centro, as águas mágicas de Sora caiam entre as pedras. A cascata de Sora, conhecida por seu alto poder de cura e de acordo com algumas lendas, guardava a imortalidade. Zefat se desfez das botas que calçava, fez o mesmo com o manto que cobria seus ombros e levantou as barras de sua calça. Com o cálice em mãos, ele entrou aos poucos na água rasa, sentindo o toque fresco da água subir até seus joelhos, ele seguiu andando até estar perto o suficiente da cascata, esticou os braços deixando a água encher boa parte do cálice. A sensação daquele lugar era hipnotizante, quase esmagando Zefat com seu poder ancestral escondido por gerações, exclusivos da realiza angelical mesmo podendo salvar vilarejos completos com apenas um cálice como aquele que o sacerdote segurava, assim era a magia de Arcade, monopolizada, mal distribuída, injusta, mas não para sempre. Zefat saiu da água, mas não sem antes retirar um pequeno cristal da lua do fundo do riacho, adicionando-o na mistura. Voltar a superfície do templo foi um pouco complicado, pois a mesma energia que antes sobrecarregava Zefat, agora parecia enfraquece-lo, magia de todo tipo tem um preço, geralmente fadiga ou cansaço, mas nesse caso, era a energia vital do sacerdote que estava sendo cobrada. Ao chegar de volta a sua escrivaninha, era a hora de ativar a poção. Todas poções, sem exceções, precisavam ser ativadas com uma flor chamada alumaloura, conhecida como flor de bruxa. Com a poção ativada, o sacerdote seguiu o último passo. De outra gaveta retirou um retalho de tecido, com giz, ele desenhou cuidadosamente um nó infinito e com ele cobriu o cálice, significando que enquanto ele estivesse vivo, sua ligação com a poção não teria fim. Já preparado, o sacerdote conjurou o feitiço.
- Ut illis qui doloris causa, ut reddere in sanguine est et infirmi facti sunt fortes, et clamate ad divinam veniam, laetissimus iustitia est vindicta. ostendere virtute molli pars iniuriae et iniustitiam. (Á aqueles que causam dor, pagarão com sangue, os fracos se tornarão fortes, e os senhores chorarão por perdão divino, a justiça mais feliz é a vingança. Mostre poder da justiça dos brandos injustiçados.) - Ao fim de suas palavras, o desenho no tecido brilhou lilás, indicando que a poção estava pronta para ser usada. Orgulhoso de seu latim, o sacerdote seguiu para aproxima poção. Para sua sorte, o processo seria mais simples que o anterior, entretanto, mais arriscado.
Zefat pretendia criar uma réplica ilusória da jovem Deusa, mas para isso, precisaria de um pouco de sua essência, fosse uma gota de sangue ou um fio de cabelo, era indispensável para tornar a ilusão sólida, palpável. Mesmo determinado, o medo de falhar com o dito "vento vermelho" o cercava, mas era tarde demais para ter medo. Novamente a imagem de Magnólia surgiu em sua mente, afastando os pensamentos indesejados e trazendo um pouco de conforto para o sacerdote. Voltando a clareza, supôs Zefat que Apolo nunca o negaria um fio de cabelo, o rei não possuía conhecimento mágico o suficiente para buscar em sua memória todos os ingredientes necessários para um ritual de sacrifício. Ou ele contaria com isso. Subestimar Apolo era uma sentença de morte, mas ele tinha a certeza que o rei não negaria um fio de cabelo ao homem que o serviu cegamente por mais de 30 anos, e isso era um fato. Desde que Zefat era apenas um aprendiz, Apolo nunca o disse "não", desde materiais para seus estudos mágicos até acesso a locais restritos a todos além da realeza, mas Zefat não era diferente, ele não se recordava de outro momento em sua vida em que negou algo a Apolo, talvez por ele ser um rei, mas Zefat não achava que fosse isso. Querendo ou não os anos de convivência criaram em Apolo um sentimento de confiança relacionado a Zefat, e ele pretendia usar isso ao seu favor. Se as circunstâncias fossem diferentes, se eles fossem pessoas diferentes, talvez um dia poderiam ser amigos. Um sorriso de escarnio aparece no rosto do sacerdote diante a ideia irreal.
Já mais confiante, o sacerdote toma seu rumo de volta ao palácio, novamente, ignorando a noite agitada, provavelmente até mais agitada que ele próprio. Cada passo rápido, cada simples segundo, cada ato seria capaz de mudar todo o futuro, e ele sabia que tudo estava dependendo dele. A corrida até o castelo foi rápida. Mantendo o ritmo de seus passos até chegar ao quarto onde as princesas dormiam. Frente a frente com a maçaneta da porta e ainda assim hesitante, seu medo impedia sua mão de abrir a porta, por outro lado, chamava a si mesmo de covarde, forçando sua coragem aparecer a todo custo, empurrando a porta furiosamente. Suas mãos suavam frio ao encontrar Apolo a poucos passos de distância dele, analisando cada movimento do sacerdote com um olhar curioso. Zefat não havia se preparado para aquele momento devidamente, simplesmente agiu por impulso e agora lutava para assumir uma postura implacável se quisesse convencer Apolo. Vagarosamente ele puxou o ar andando em direção ao rei, tentando parecer o mais natural possível, permitindo-se tocar o ombro de Apolo. O rei levou sua atenção até onde a mão de Zefat repousava, essa foi a oportunidade perfeita para o sacerdote conferir ao redor do quarto, para sua sorte as princesas permaneciam no quarto, mas o corpo de Magnólia já havia sido levado, não havia resquício algum de sua presença ali, como se tivesse sido apagada do palácio em poucas horas, trincando a mandíbula, Zefat tenta prevenir uma carranca na frente de Apolo.
- Eu sou incapaz de entender o quanto está sendo difícil para vossa majestade. - O sacerdote abaixou a cabeça enquanto falava quase entredentes. Apolo é um homem exageradamente alto, mas curiosamente as palavras de Zefat fizeram o rei curvar sua postura perfeita, como se estivesse acuado, assustado? Não, isso não combinava com o impiedoso Apolo. Ou era isso que o sacerdote pensava. - A perda dela, mesmo que recente, é sufocante.
- Chega a ser irônico dizer que sua ausência ocupa um grande espaço. - Apolo leva seus olhos de seu ombro até o rosto moreno de Zefat, fazendo o sacerdote solta-lo imediatamente, não por medo, mas por perceber que o seu toque não mudaria nada, nenhum toque, nenhuma pessoa seria capaz de curar Apolo e o próprio rei, no fundo, sabia disso. - Mas não acredito que tristeza seja a o que estou sentindo.
- Posso perguntar qual sentimento vossa majestade está sentindo então? - A pergunta de Zefat foi tudo o que Apolo precisava para voltar a si, o sorriso falso e o olhar pétreo voltaram a ser sua máscara.
- Arrependimento. - Um calafrio atingiu Zefat assim que a resposta de Apolo chegou aos seus ouvidos. O que o rei queria dizer com isso? Ele teria descoberto o plano de Zefat? Mas como isso teria acontecido? Milhares de perguntas percorriam a mente do sacerdote que lutava para manter o teatro armado, fingindo confusão e lutando contra o extinto que gritava para que ele corresse para longe dali. - Eu já esperava que ficasse surpreso. Entenda Zefat, você serviu a mim por bastante tempo, sendo completamente leal a coroa, sem questionar a mim, cumprindo cada ordem sem pestanejar. Eu admiro isso, essa fé que você possui em mim e em minhas decisões ao ponto de obedecer tão devotamente, mesmo assim, hoje você pela primeira vez não agiu como eu estava acostumado. Me arrependo de não ter sido capaz de fazê-lo confiar em minha decisão e obedece-la como sempre.
- Isso não é verdade, meu rei. - Nada nas palavras de Apolo eram verdade, e Zefat queria gritar isso para o rei. Ele nunca obedeceu por confiança ou lealdade, tudo que ele se submeteu a fazer foi por medo, medo de morrer, era mais seguro agir como o fantoche fiel do rei, muito melhor que se tornar um rebelde decapitado. - Eu ainda confio em suas decisões, mas isso é demais para mim, sacrificar a filha de uma querida amiga. Não nego que me sinto desconfortável, mas ainda assim cumprirei meu dever, assim como vossa majestade espera de mim. - O sacerdote curvou-se respeitosamente, tentando convencer Apolo o máximo possível.
- Sua devoção me alegra Zefat, por isso estou disposto a dispensa-lo de seus serviços quanto sacerdote, isto é, após um último pedido. Sinto muito faze-lo ultrapassar seu limite, então aceite isso como um agradecimento por todos esses anos. - Apolo levantou Zefat de sua reverencia e segurou seu queixo com uma de suas mãos, encarando os olhos cor de ônix do sacerdote, com a outra mão, o rei tirou de seu manto um pergaminho de cor preta e o estendeu para Zefat. Dessa vez foi o sacerdote que fugiu do toque gelado de Apolo, analisando o pergaminho enquanto suas mãos suavam frio. Não demorou muito até uma onda de poder atingir o sacerdote, poder vindo do pergaminho, ele sabia que tipo de magia aquele papel guardava, magia dos deuses, magia ancestral, magia proibida.
- Eu não entendo. - Nada ali parecia certo, a começar pela "gratidão" de Apolo, o rei não era um exemplo de pessoa afetuosa, e então aquele pergaminho nitidamente perigoso. No fim, as palavras de Zefat não podiam ser mais espontâneas, ele realmente não conseguia compreender a intenção de Apolo por trás dessa jogada, como se estivessem sobre um tabuleiro de xadrez, Zefat acabara de fazer um roque tentando avançar, mas Apolo apenas moveu um peão para frente e desprotegeu sua rainha, uma jogada sem sentido, feita por um tolo ou um gênio e era isso que Zefat temia, pois Apolo estava longe de ser um tolo.
- Após realizar esse feitiço meu caro amigo, finalmente serás livre. - A semelhança das palavras de Apolo e Magnólia gelaram o sangue do sacerdote que engoliu o nó que se formou em sua garganta. - É simples, um último favor para um velho amigo, garanto que o máximo que te acontecerá é um pequeno corte.- As pernas do sacerdote tremiam escondidas pelo tecido pesado, algo nitidamente ruim vinha de Apolo, mas era tarde para mudar sua estratégia. O rei havia mostrado a Zefat uma abertura para um xeque-mate, desafiando o sacerdote a tentar, estava nas mãos dele arriscar ou não.
- Eu aprecio imensamente sua atitude, meu rei. - Mas se esse era o jogo que Apolo queria jogar, Zefat não facilitaria a partida para ele, movendo-se de forma tão imprevisível quanto ele. Juntando todo cinismo dentro dele, o sacerdote sorriu e deu continuidade ao seu plano. - Mas antes que eu me esqueça, o verdadeiro motivo de minha visita aos aposentos das princesas. - Inconscientemente, Apolo arqueou as sobrancelhas surpreso e naquele momento Zefat finalmente entendera o propósito da mensagem entregue por Magnólia, por uma noite, mesmo que apenas dessa vez, ele não seria a vítima. Estava pronto para desfrutar de sua liberdade.
- Pois então prossiga. - O rei apenas desdenhou sutilmente do comportamento imprevisto de Zefat. O sacerdote por sua vez, sorriu discretamente enquanto guardava o pergaminho dentro de seu manto púrpura.
- Não acho que a jovem Deusa deva ser sacrificada de modo tão modesto. Por esse motivo, quero no mínimo purifica-la antes de seu sacrifício, mesmo que sua passagem pela terra seja curta, não acha justo que ela tenha direito as regalias de uma rainha, tal qual nasceu para ser? - Zefat parecia metódico aos olhos de Apolo, quase ensaiado, mas o rei apenas ignorou a comoção desnecessária de seu servo. Para a alegria do sacerdote, Apolo assentiu com a cabeça, mas logo inclinou as sobrancelhas e voltou seus olhos para Zefat.
- Mas esse não é seu pedido, ou é? - A tom de Apolo pode ter sido de pergunta, mas o rei já havia percebido que existia algo a mais por trás da comoção do sacerdote. Se essa mesma situação ocorresse horas atrás, Zefat provavelmente teria perdido o equilíbrio sobre suas pernas, caindo de joelhos perante a ideia de ter sido descoberto, mas por algum motivo desconhecido por ele mesmo, o sacerdote sentia-se confiante com seu plano. Falsa ou não, ele tinha certeza que Apolo não suspeitava de nada, em seu amago, o sacerdote se permitiu comemorar antecipadamente.
- Não espero que entenda, mas para o processo de purificação preciso levar a jovem Deusa para o templo, de lá, eu mesmo a levarei para o salão superior, onde eu presumo que acontecerá o ritual de sacrifício. - Apolo analisou as justificativas de Zefat seriamente, como se procurasse mentiras ou contradições em suas palavras, mas o sacerdote permaneceu firme até o fim de sua análise.
- Muito bem. - Disse respirando fundo. - Pode leva-la, como você mesmo disse, não sou um grande estudioso das artes ocultas praticadas por você. Você tem a minha confiança Zefat, faça como achar melhor. Há sim, antes que eu esqueça, Soren irá acompanha-lo até o salão superior quando a hora chegar, até lá, faça um bom trabalho como de costume. - O rei então se dirige até a porta, pousa sua mão sobre uma das maçanetas douradas, mas antes de sair, vira o rosto olhando para Zefat por cima do ombro. - E sem mais surpresas sacerdote. - Apolo sai do quarto antes mesmo de Zefat conseguir entender a clara ameaça do rei, "não tente nada". As pernas do sacerdote podiam tremer agora, mas ele não permitiu, assim como podia soltar o ar que prendera desde que entrou naquele quarto, e ainda assim não o fez. Por que? Porque o aviso de Apolo entrou em seus ouvidos como uma mensagem clara, porem diferente da original, marcando as palavras em sua pele "não baixe a guarda", "aguente um pouco mais". E assim ele faria, movendo despretensiosamente suas peças no tabuleiro de xadrez criado por Apolo, jogando cada peça numa dança mortal, desviando da derrota, buscando qualquer que seja o prêmio após a vitória. O sacerdote apenas respirou fundo desejando que o prêmio não custe sua vida.
Voltando a seu objetivo, Zefat vai até o berço dourado onde a jovem Deusa descansa quieta como uma boneca. Deitando seu tronco por cima do berço, cuidadosamente esticando seus braços e envolvendo a menina em com eles, a seda fina roçava nos dedos do sacerdote, escorregando como água de suas mãos e indo ao chão com a leveza de uma pena. Mas antes mesmo que Zefat pudesse tentar alcançar o tecido fino aos seus pés, o som de um bater de asas chamou sua atenção. Adentrando o quarto pela varanda, uma ave Nyctibius pousa na cabeceira da cama, concidentemente, o mesmo lado onde descansava o corpo falecido de Magnólia. Apesar de pequena, a ave era majestosa, dona de grandes olhos amarelos e penas acinzentadas banhadas pela luz fraca das velas em volta do quarto, tornando uma parte suas penas ocultas nas sombras, enquanto a outra resplandecia pela claridade das velas. O sacerdote não conseguiu deixar de sorrir, aquela ave possuía tantos significados, todos eles carregando a presença de Magnólia, mesmo que minimamente. A ave era protagonista de muitas superstição antigas do povo imagen, uma antiga canção esquecida no passado cantava a lenda de uma linda mulher grávida que perdeu seu amor para a morte, de acordo com a canção, ao descobrir sua morte, ela correu para dentro da floresta e gritou tão alto quanto sua dor, gritos estridentes e cheios de tristeza, que duraram por dias até sua voz sumir, mas mesmo sem voz ela se forçava a gritar preces para os Deuses, pedindo que trouxessem de volta o seu amor, a mulher passou dias na floresta e não saiu de lá, nem mesmo na noite quando percebeu que seu filho iria nascer, e para sua surpresa nasceu um pássaro cinzento de olhos esbugalhados com um canto tão choroso e melancólico quanto o dela. Após dias de agonia pela perda de seu amado, a mulher não possuía mais forças para continuar viva e morreu após o nascimento do pássaro, mas antes de morrer, ela deu ao filho a missão de alertar aos vivos quando a morte se aproxima de pessoas queridas. A ave recebeu o nome de sua mãe, que significa "mãe da lua" e vive destinado a alertar os vivos sobre a morte no intuito de impedi-la, a lenda também diz que no dia que conseguir cumprir seu propósito, será presenteado com sua forma humana e o desejo de sua mãe de reencontrar seu amado seria realizado. Assim como Nyctibius, Magnólia perdeu seu amor, mas ao contrário de Nyctibius, Magnólia gritava silenciosamente para ninguém além de si mesma, ela se rendeu aos poucos e como Nyctibius, perdeu a voz, morrendo ao dar luz a lua. Era isso que a jovem Deusa era, a lua. Mas qual seria a missão dada a ela por sua mãe?
- Adeus Nyctibius, adeus Magnólia.
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