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Capítulo 17

   Vlaches

Elizabeth retornou ao seu corpo em um espasmo desastrado, ficando de pé assim que seus olhos abriram, o mundo ao redor girava ao ponto de ela mal conseguir focar sua visão, ainda assim, ela continuou andando. O sacerdote disse algo direcionado a ela, mas seus ouvidos ainda estavam se acostumando ao eco daquela sala quase vazia. Desavisada, a rainha sentiu mãos calejadas segurarem seus ombros, Victor a impedia de seguir em frente, mas os acontecimentos frenéticos em sua cabeça custavam a se organizar, justo naquele momento, o qual tempo não era algo que ela podia se dar ao luxo de perder.

— As propostas foram entregues? Se não as assinem e enviem agora. Quero uma cópia de ambas enviadas especificamente para Sunna D'luna. — Ordenou a rainha em alto e bom som, ainda que as piscadelas fortes não oferecessem muita credibilidade.

— O que Haven disse? — Elizabeth não sabia dizer se era preocupação ou desconfiança que pintara o rosto de seu irmão, mas no fundo não importava, não quando tudo que ela tinha para entregá-lo eram mentiras e meias verdades desesperadas. Se eles tivessem mais tempo a situação seria diferente, mas a rainha já havia liderado pelotões o suficiente para saber que ninguém deve saber mais que o necessário para realizar sua função.

— Nós temos uma chance, Victor. — Mesmo com os sentidos afetados, ela sentiu o irmão inflar os pulmões, podendo jurar ver um sorriso fraco aparecer em seus lábios. Lá estava, a fraca esperança acesa num dos membros mais pessimistas do concelho, em seu íntimo, a rainha desejou que aquela centelha também acendesse nela.

— Estávamos esperando a resposta de Haven para enviar. Eu mesmo me encarrego disso. — Com cuidado, Victor soltou seus ombros e limpou a poeira da própria roupa, ainda um pouco ofegante, mas antes que vampiro desaparecesse corredor a fora, Elizabeth pediu:

— Faça isso, e avise para que o concelho me encontre na Sala de Guerra. —Seu irmão assentiu, partindo sem mais qualquer ressalva.

Ela permaneceu parada até que os calafrios de enjoo passassem, o que não demorou. Suor grudava os fios de cabelo em sua testa fria quando finalmente conseguiu caminhar propriamente. O sacerdote tentou ajudá-la, mas Elizabeth o dispensou educadamente, ela precisava fazer aquilo sozinha e o fez, sentindo os passos curtos se tornarem cada vez mais rápidos ao longo do corredor movimentado, cabeças se curvavam em respeito à rainha que a cada passo abandonava a coroa pela armadura. Enquanto subia as escadas para a Sala de Guerra, uma pontada de nostalgia a atingiu, lembrando-a que no fundo ela jamais havia abandonado sua espada, entretanto, naquele momento sua arma mais poderosa eram mentiras frágeis que logo seu marido desvendaria. Elizabeth acendeu cada vela e desembalou cada mapa enquanto vinho e sangue era trazido para a sala, nenhum membro do concelho havia aparecido quando ela percebeu que Vlad desvendar sua farsa não faria diferença uma vez que as propostas já houvessem sido enviadas. Sem cerimônia, a rainha ocupou seu lugar à cabeceira da mesa e rezou para que sua dor de cabeça esperasse mais algumas horas antes de a enlouquecer.

Filgord

— Quem é Elijah? — As risadas cessaram e silencio engoliu o chalé sobre a colina. Na sala, três pares de olhos assustados encaravam a figura fantasmagórica no topo da escada, Minerva parecia qualquer coisa menos ela, a pele pálida demais, os soluços de choro, a voz esganiçada e os olhos completamente brancos eram a face de um pesadelo, Minerva que há meia hora atrás se parecia com qualquer garotinha, mas agora deixara três adultos paralisados em choque.

Sunna tentou olhar para Rence e Demétria, mas seu pescoço não moveu qualquer milímetro na direção deles, que pareciam tão capazes de mover-se quanto ela. O nome dele nos lábios de Minerva soava como uma maldição que há muito ela não era capaz de pronunciar, Sunna tinha certeza de nunca mencionar a existência dele para Minerva, mas ele voltou, ele nunca realmente desaparece. Ela sente seus lábios se mexerem, mas nada sai. O calafrio fantasmagórico permanecia na sala silenciosa, percorrendo a distância entre eles e os olhos brancos da garota tão assustada quanto assustadora. Em algum lugar, Sunna soube que não poderia ter escolhido um apelido melhor para sua "monstrinha".

Segundos que pareciam horas se passaram, marcados pela respiração ofegante do fantasma na pele de Minerva, ali eles teriam permanecido até acostumarem-se com nova versão da garota, mas nenhum teve tempo suficiente para isso. Um engasgo gutural precedeu as tossidas fortes, transformando medo em preocupação.

— Minerva. — Rence foi o primeiro a agir, cambaleando em direção à escada, seguido por Sunna, mas nenhum chegou a tempo. A última tossida manchou a camisola branca de vermelho, respingando na madeira do corrimão, o rosto pálido de Rence foi a última coisa que ela viu antes de desmaiar. O corpinho pequeno e leve caiu quase que diretamente nos braços do antigo rei que não se deu ao trabalho de olhar para trás. Suas mãos tremiam, mas ele segurou firme até que a tensão no corpo de Minerva cessasse.

As costas de Rence desapareceram corredor adentro para Demétria, mas Sunna assistiu estatelada até que ele a colocasse de volta em seu quarto. Assustada, a profetisa sentia seu corpo atônito com a confusão apressada que deixava mais perguntas que respostas em aberto por tempo, quase, indeterminado, já que a maioria das respostas para elas só podiam ser respondidas por sua filha. Exaustão caia sobre os ombros de Sunna que já havia aceitado continuar isso amanhã, a papelada poderia esperar, seu passado precisava esperar e Elijah poderia voltar para cova. Descendo os poucos degraus que chegou a subir, sua atenção caiu sobre Demétria, que desviou o olhar assim que notou. Um estalo de clareza atingiu a ruiva tão rápido quanto chamas em palha, o medo, preocupação a surpresa não eram de repente tão misteriosos assim.

A ideia de Demétria ter feito isso, de todas as pessoas, era inconcebível. Não quando foi a única a que Sunna confiou contar aquela história, não quando Demétria sabia quem Elijah foi para ela, não quando sabia que seu passado nunca permaneceu enterrado.

— Você não; você? — Sunna agarrou-se ao corrimão, cravando as unhas na madeira gasta. O gosto amargo do passado em sua boca piorava cada vez mais com a relutância da druida em olhá-la ou sequer negar o que estava diante delas. Precisava haver uma explicação, algo que ela havia deixado passar e Demétria daria sentido para isentá-la da culpa que Sunna já havia começado a derramar sobre ela.

— Eu não sei como aconteceu. — Demétria parecia tão confusa quanto Sunna, se não mais. Ela repassava seu dia com Minerva repetidamente, procurando por aquele nome e quanto menos menção dele recordava, mais o desespero a controlava. E então o olhar acusatório de Sunna, prestes a incendiar todo o chalé à simples menção de uma palavra equivocada, a cercava como uma presa sem saída. Ela não tinha uma resposta.

— Contou a ela. Não acredito que fez isso, não há qualquer motivo para que você tenha contado isso. O que estava pensando? Você não tinha o direito de tratar um dos piores acontecimentos da minha vida com a minha filha. — Largando o corrimão em um empurrão, Sunna se aproximou de Demétria, que permaneceu imóvel ainda que surpresa.

— Eu não disse o nome dele. — As palavras da druida saíram disfarçadamente duras, sérias, perdidas, mas a profetiza bufou diante de uma resposta tão estupida vinda de alguém tão inteligente quanto sua Demétria.

— Eu não consigo olhar para você. — O cheiro de lama marejou os olhos de Sunna, ela tinha certeza de que em algum lugar podia ouvir o assobiar das ventanias do verão mais ao Sul da floresta. A amargura da tristeza mascarada pela raiva descia pela garganta de Sunna, engolida com suas palavras mordidas e a ira crescente cada vez mais incontrolável. — Vai embora.

— Eu não disse o nome dele, Sunna. Ela sequer sabe que tratava de você, é impossível. — Explicações fugiam do alcance de Demétria que se recusava a mover-se dali. A mágoa em Sunna, as sobrancelhas franzidas, a boca torcida e a relutância em se aproximar dela coroavam seu próprio desespero, ela jamais esperara magoar Sunna.

— Então você realmente contou? Pelos deuses, Demétria, por que faria isso? — Em seus olhos frios e voz tremula estava a súplica de uma descrente, Demétria desejou desaparecer, mas em vez disso desviou o olhar para longe de Sunna.

— Ela pediu uma história diferente do convencional. — Seu suspiro saiu pesado, um folego desesperado e silencioso. — E ela precisa saber a verdade, Sunna. Não de uma vez, mas aos poucos, parecia uma boa oportunidade para começar. Só não consigo entender como ela descobriu o nome dele e por que de estar assustada sobre ele.

Demétria arrependia-se de erro que levou Minerva a descobrir o nome de Elijah, se arrependia de não ter conversado com Sunna anteriormente, de ver a decepção em seus olhos, pela primeira vez, direcionada a ela. Ela deveria ser sua fortaleza, o soldado mais leal de seu exército, ela deveria ser infalível pelo menos para Sunna. Entretanto, agora ela assistia as fortalezas meticulosamente construídas por sua profetisa desabarem uma a uma à menção do nome dele, os olhos azuis marejados tremiam com a força de sua mandíbula trancada, Sunna estava desabando e Demétria havia aberto sua guarda para o primeiro ataque. Dentro dela, raiva ocupou um lugar junto a percepção que isso era sobre Sunna ser incapaz de deixar Elijah ir.

— Ela é uma criança, não precisa saber de verdade alguma. Você deve ter deixado algo escapar. — A profetisa jogava as mechas soltas para trás e em seguida puxava o couro cabeludo. Fora de sua atenção, alguém bateu à porta.

— Não Sunna, eu não deixei. E sim ela precisa, ou como acha que ela vai reagir quando descobrir que tudo que conhece é uma mentira? — Cansada, Demétria desabou de volta ao seu lugar no sofá, cobrindo o rosto com as mãos. — Ela não é só uma criança, você não pode esquecer disso. — O peso da atenção de Sunna a atingiu novamente, mas dessa vez a druida a encarou de volta e o que encontrou não a tranquilizou. O cansaço e mágoa permaneciam os mesmos, mas Demétria havia tocado em uma ferida não intencionalmente, céus, ela estava cansada de piorar a própria situação.

As batidas na porta se fizeram audíveis, mas ambas escolheram ignorar.

— A vida dela precisa ser uma mentira para que esteja segura, mas graças a você e sua necessidade de se intrometer no que não é da sua competência ela está desmaiada há poucos degraus sobre nós. — As palavras de Sunna saiam mais rápido que seus pensamentos, mas ela não se arrependeu de nenhuma delas, nem mesmo de seu medo implícito nelas. — Eu sequer consigo esquecer o que minha filha é.

— Você não pretende contá-la nunca, não é? — Um sussurro abraçou seu discurso capcioso, mas todas as respostas que buscava foram reveladas pelo olhar surpreso da profetisa. — Acredita que conseguirá encontrar algo para livrá-la do destino escrito para ela. — A língua astuta de Sunna permaneceu guardada em sua boca por mais tempo que de costume.

— Você só pode estar enlouquecendo. — Os passos de Sunna para longe dela eram pesados e uma resposta clara da qual Demétria já sabia: Sunna nunca soube aceitar verdades cruéis. — Vá embora Demétria.

Ambas estavam distraídas demais uma com a outra para notar a porta do chalé sendo aberta, porém o pigarro de Willian as alertou de sua presença, junto a ele, outros oficiais da Lótus.

— Desculpe interromper, Sunna, mas é urgente. — Disse o garoto nitidamente desconfortável.

— Seja o que for, Willian eu não consigo lidar hoje. Tenho certeza de que poderemos acertar o que for necessário amanhã. — Sunna ainda parecia ríspida, mas ele parecia não se importar com isso.

— Não, senhora, não podemos. — Dessa vez, quem falou foi um dos oficiais, claramente sem tanta sutileza quanto Willian, que por sinal, o repreendeu com uma careta, mas foi ignorado. — Vlaches e Tártaro enviaram um acordo de aliança com uma única condição. Eles estão se aliando a nós.

Os olhos de Demétria se esbugalharam em surpresa, incrédula com as palavras de Ghoul. Apressada, ela abriu as correspondências recebidas há poucas horas rezando para que não se tratasse de algo tão importante quanto isso. Seus olhos passavam pela caligrafia perfeita da rainha Tepes com Sunna ao seu lado, olhando por cima de seu ombro, mas sem encostar nela, sem olhar para ela, curiosa, mas ainda enraivecida. Os papeis eram claros quanto a urgência, mas isso não significa que vê-los aceitar seus clausulas sem qualquer relutância não as surpreendeu tanto quanto.

— Não se anime, D'luna. As majestades exigem que lutemos por Vlaches, detalhe importante, contra nefilins. — O homem à porta parecia tão animado quanto apático com a informação enquanto Sunna e Demétria buscavam palavras para o que estava diante de seus olhos.

— Sim. — Intercedeu Willian, esperançoso com a vitória improvável—Mas veja quanta vantagem nós podemos conquistar para a Lótus com Haven Bartels ao nosso lado.

— Não aceitaremos o acordo. — Disse Rence ao pé da escada, atraindo a atenção de todos para si. Ghoul soltou um grunhido frustrado.

— Não é você que decide, reizinho, a assembleia está se amontoando na Taverna, D'Luna., estão esperando por você. — O homem desviou seu olhar de Rence, encarando Sunna com uma solenidade que poucos da Lótus a dirigiam

— Por que estariam esperando por mim? Meu voto tem tanto peso quanto os seus. — Willian preparou-se para respondê-la, mas parou assim que Demétria tapou a boca boquiaberta. Rence aproximou-se tomando os papeis das mãos da druida e empalidecendo logo em seguida. — O que diz ai?

— Eles não querem só o apoio da Lótus. Querem você, Sunna. Essa é a condição inegociável. — As palavras de Rence saíram trêmulas conforme seu olhar encarava cada rosto na sala.

— A sede já aceitou a proposta, estamos todos aguardando você para partir. — Willian agia com um cuidado excessivo graças ao temperamento tenso entre eles, mas Sunna sentia que ele quebraria antes que qualquer um ali.

— Obrigada, aos dois. — Os homens assentiram com a cabeça, mas Rence retrocedeu, os olhos nitidamente marejados variavam dela para Demétria. — Podem ir na frente, chego à taverna em cinco minutos.

Willian a ofereceu uma reverencia tímida antes de se retirara rapidamente, deixando-a com as últimas pessoas que a profetisa gostaria de discutir e que, por sinal, já estavam chateadas com ela.

— Eu preciso aceitar Rence, você sabe que preciso. — O antigo rei não diz nada. — Vou á taverna e assumirei essa missão, mas jamais pedirei que participe disso.

— Quanta bondade, lady D'Luna — A druida parecia tão indignada quanto Rence, mas ao contrário dele, ela não se apoiava a quem estava ao seu lado para demonstrar sua indignação.

— Não me venha com seus ataques sarcásticos, Demétria, não é o momento.

— Eu não precisaria disso se você pudesse cumprir suas promessas. — Sunna sentiu a cobrança de oito anos atrás e odiou como Demétria a usou contra ela. Ela não tinha esse direito quando Sunna precisava fazer aquilo, não quando há poucos minutos havia se intrometido onde não deveria e definitivamente não como uma arma contra ela.

— Isso não é sobre você. — Disse ríspida prestes a deixá-los para trás. — Estou indo.

Rence e Demétria assistiram a profetisa vermelha deixar o chalé enquanto rezavam para que ela não tenha levado Sunna D'Luna com ela.

Todos os membros da Lótus reunidos em Filgord agora se espremiam dentro da taverna aguardando a palavra final que definiria se partiriam ou não para Vlaches. Burburinhos sobre a repentina decisão dos Bartels e Tepes preenchiam todo o lugar, cada um com uma conspiração mais inviável que a outra e ainda assim dispostos a lutar, o porquê? Sunna não sabia e não importaria enquanto continuassem seguindo-a.

Dentro da sala do concelho, Barnett, estrategista e comissário de Yona, a oferece todas as informações, resumidas para seu posicionamento, mas sem deixar qualquer espaço para rejeição.

— Os outros não irão perdoá-la se deixar essa oportunidade passar por sua afeição a um companheiro. Seja esperta. — A verdade é que por mais apresso que Sunna tivesse por Rence seus sentimentos não eram negociáveis quando colocados na balança com essa proposta. Isso não significava que ela não sentisse muito, mas poderia tranquilizá-lo depois.

— Sei o que estou fazendo, emissário.

— Então que assim seja. — Disse ele abrindo a porta para a multidão impaciente. Sunna saiu primeiro, Barnett veio em seu encalço e os outros presentes em seguida.

Olhares acompanhavam o grupo, mas nenhum tão intimidante quanto os de Demétria e Rence. Sunna engoliu em seco assim que Barnett a indicou para subir em uma das mesas, para ser vista, ser ouvida, para que todos olhassem para ela.

— Acredito que a maioria de vocês já saiba do que se trata todo esse tumulto, mas para os desavisados, Vlaches será atacada pela guarda de Apolo a qualquer momento e nos ofereceram aliança com a condição de lutarmos ao seu lado. — Os murmúrios se intensificaram em confirmação do boato. — Por sorte, os Tepes são os aliados mais próximos da rainha Haven Bartels, que também oferece seu apoio à Lótus Negra. Antes de pedir que lutem esta batalha, preciso avisá-los dos riscos que encontrarão e que nem eu e nem qualquer um presente nessa sala podem evitar; falo da presença de nefilins no campo de batalha, sem os infernais estaremos perdidos e é por isso que nosso objetivo será ganhar tempo e não os enfrentar diretamente. As demais explicações acerca da batalha deixarei para os nossos estrategistas, porém nós lutaremos por Vlaches como se estivéssemos defendendo nossa própria casa, porque se vencemos será. — Alguns membros começavam a se animar para a carnificina que os esperava, não por ausência de medo, mas por costume. — Preparem-se, partiremos em duas horas, seus comandantes os passarão todas as informações que precisarem, sobre os armamentos, esvaziaremos o estoque de Filgord, mas há mais vindo de Yona para Vlaches. Agradecemos por sua bravura e comprometimento em reescrever a história, eu e meu concelho lutaremos ao lado de vocês, não por prova de convicção em nossa vitória ou incentivo, mas porque somos brotos.

— Há um paço de desabrochar. — O unísmo das vozes entoando o lema da Lótus Negra ecoou por toda a taverna, mesmo o discurso da profetisa não tenha sido inspirador ou elaborado. Eles poderiam não enxergar Sunna como sua líder ou uma amiga, mas ao menos a respeitavam enquanto guerreira, e uma vez que estivesse ao lado deles em Vlaches eles reconheceriam seu valor para a causa e lutariam com ela.

De todos os presentes naquele muquifo lotado, as únicas pessoas a quem Sunna gostaria de encontrar conforto na presença não olhavam para ela. Rence e Demétria conversavam entre si, ambos nitidamente desconfortáveis com o que quer que fosse o assunto. Sunna estava irada com Demétria e devia a Rence uma conversa e provavelmente um pedido de desculpas, mas ela estava exausta, exausta da viagem, da responsabilidade, de ser um símbolo mal-visto, de descutir, mentir, lutar, de dever, de ser...

Um dos comandantes de Yona alojados em Filgord tocou seu ombro. O homem iniciou uma série de perguntas sobre inventários de armas e transporte que Sunna respondeu mecanicamente mal recordando os números em seus relatórios e assim, pouco a pouco, conversa a conversa, burocracia a burocracia a taverna se esvaziava. Tirada de suas angústias pela preparação, a profetisa sequer notou como chegou ao deposito de suprimentos. O galpão se passava por uma casa qualquer do vilarejo, mas sem qualquer parede divisória em seu interior amarrotado de sacos e caixotes, Sunna havia se encarregado, quase automaticamente, de cumprir a função mais distante o possível de sua casa.

As prateleiras eram a única coisa nova no lugar que parecia capaz de soltar uma viga a qualquer ventania forte, o que era quase tão ruim quanto a humidade e o cheiro de mofo impregnado às paredes de madeira. Mesmo que aquele ambiente insalubre parecesse o ultimo capaz de oferecer conforto ela o encontrou ali. Em seu íntimo, ela se convenceu de que não estava fugindo. De que fugiria? Da batalha repentina que bateu à sua porta sequer esperando que ela descansasse, ou da sua filha revirando um passado que se fosse escolha dela seria banido de sua existência, ou até mesmo as responsabilidades que acumulou ao longo dos anos finalmente começando a exauri-la. Não, ela não estava fugindo, estava descansando, precisava disso, quem a culparia por estar estressada numa situação como essa afinal? Ela. Ela mesma culparia.

Um barulho repentino a tirou de sua bolha de humidade e poeira. À porta, Rence adentra no armazem.

— Pelos deuses. Quase me mata de susto. — Pragueja ela.

— Nós dois sabemos que é preciso muito mais que isso para te matar. — Ele tenta, mas o pouco de humor que há em suas palavras morre gradativamente. — O que foi aquilo hoje?

— Estou cansada da viajem, muita coisa aconteceu em um período curtíssimo. Entendo que reagi mal, mas não é hora para isso, não é? — "Eu não sei" pairava por sua cabeça, mas essa não era o tipo de resposta que traria conforto para qualquer um dos dois, talvez nenhuma trouxesse.

— Nós. — Ele pigarreia. — Eu, acreditava que você já havia superado seu passado. Demétria sempre disse que ele foi o grande amor da sua vida mesmo que você nunca tivesse usado tais palavras, mas já falamos sobre Elijah outras vezes sem que você fosse tão... relutante. Tem certeza de que foi apenas pega de surpresa?

— Achei que havia vindo lutar sua própria batalha, Rence. Demétria já é crescida, você não precisa defendê-la como sua dama-de-companhia. — Sua inquietação tornou impossível ficar ali parada, o encarando à porta. Abruptamente, ela começa a fazer a contagem do inventário. Em parte, ela não acreditava ter agido rudemente, mas o suspiro cansado de Rence que a alertou de não ser sarcástica demais.

— Sunna, não me leve a mal, querida, mas você precisa decidir o que quer. Há poucos minutos atras estava olhando para nós desolada, então eu venho te oferecer conforto e você me afasta. — Não havia sinal de raiva no antigo rei, mas claramente havia amargura em cada trejeito seu. Ele caminhou até sua frente, mesmo que ela não o olhasse, lá estava ele em seu campo de visão. Para se redimir ela o ofereceu a atenção exigida.

— Está tudo bem comigo, Rence. Não posso negar que minha discussão com Demétria me abalou, mas com todo respeito, isso não tem nada a ver com você. — A mandíbula trincada e o nariz franzido eram a maior prova de que quase não restara nada de sua época de majestade em Rence. Uma vez que ele sequer se dava ao trabalho de esconder o que sentia. — Eu o prometi que conversaríamos sobre o seu caso, não o de Demétria, então se estiver disposto sou toda ouvidos.

— Você se recusa a dividir o que te aflige. Eu achava que podia lidar com isso porque durante as missões éramos só nós dois e eu sempre pude contar com você, e, do seu jeito, mesmo que velado e orgulhoso, você também contava comigo. — O vento chicoteava as portas velhas do deposito, fazendo-as ranger. De repente aquele som repetitivo a salvaram do barulho crescente dentro de si. — Eu não queria falar sobre isso, muito menos cogitar a chance de estar certo, mas é por situações como essa que se torna difícil não cogitar o quanto você se esforça para fugir de Filgord. O que te aflige tanto nesse lugar afinal? Me recuso a acreditar que seja sobre Demétria ou Minerva, principalmente quando você as ama com todo seu ser. Você se recusa a partir, mas não consegue ficar. No fim, só me resta cogitar que está fugindo de quem escolheu ser.

Um sorriso incrédulo decorou o rosto corado de Sunna, lembrando-a que Rence podia ser mais astuto que ela gostaria de admitir. Ela sentia-se stava dura, inflexível em suas palavras e ações enquanto seu amigo parecia em meio a uma epifania, trasbordando palavras que só faziam sentido para ele, por isso, ela o interrompeu.

— Não ouse. — Um aviso. Uma súplica. — Rence, não diga coisas que não pode retirar. — Ele se retraiu instantaneamente.

— Eu não estou ofendendo você, me perdoe se foi o que pareceu. — Seu tom tornou-se rapidamente ameno, como se estivesse acalmando uma fera de espetáculos. — Mas há coisas que você não pode fugir e, definitivamente, evitá-las não as impedirá de acontecerem, Sunna. Ser honesta consigo e conosco não deveria ser um sacrifico tão grande que te consome à mínima bifurcação no caminho que você obcessivamente traça.

— O que você sabe sobre sacrifício, Rence? — A humidade fria do armazém dava lugar a um calor crescente, Sunna não parecia afetada por isso. — Deixe-me dizer algo, como sua amiga. Não espero ou desejo qualquer concelho genérico seu. Se não veio aqui discutir suas questões, ótimo, fico feliz que não tenha ressalvas quanto a minha decisão, assim, se tudo que tem para me dizer é isso eu agradeço a boa vontade, mas pode ir. — A profetisa apontava com o dedo pálido tremulo para a porta, torcendo para que aquele em sua frente não notasse sua postura pétrea ou quão embargada sua voz se tornara no fim.

Como resposta, não foi raiva que ela enxergou nele, Rence sequer parecia ofendido. Bile subiu à sua garganta ao notar que ele adotara a mesma postura fria e estoica de Demétria. Ela até se preparou para dizer algo, mas as palavras morreram antes de sair de seus lábios, restando-a uma boca entreaberta e uma face pálida. Tanto ela como Rence engoliram em seco.

— Há algo mais. — Disse ele por fim. Sunna não abaixou a guarda. — Não lutarei com vocês em Vlachs. Não defenderei as terras daquele homem e sua família, honestamente, estou desejando que os nefilins os destruam.

Sunna não o culpou por isso e muito menos se surpreendeu. Rence havia guardado às sete chaves dentro de si a ira nutrida contra os Tepes e jogou o baú em um mar de raios de sol e recomeços. Para ele, ela assentiu em concordância.

— Um de nós precisa aceitar a decisão alheia afinal. — O comentário ácido não passou despercebido. Quando Rence engoliu suas palavras e saiu batendo a porta ela soube que se arrependeria disso, mas não agora.

O frio voltou ao armazém, e com ele o silencio que Sunna perseguiu, mas por algum motivo ele parecia pesado, intragável como uma pedra presa em sua garganta. Certo ou errado, Rence havia acertado um nervo. Certa ou errada, Sunna engoliu a pedra, expos o peito orgulhoso ao frio e deu um passo maior que a sua bengala podia acompanhar até os próximos caixotes. 



  O vinho barato descia rançoso demais para o paladar de Demétria, mas não era sabor que ela buscava no fim da garrafa, mas sim conforto, para sua tristeza, percebeu em sua segunda caneca que não encontraria. Estava difícil diferenciar se o calor que corava suas bochechas venha exclusivamente do álcool quando a vergonha e a frustração batalhavam arduamente dentro dela. Onde estava com a cabeça em arruinar um dia como aquele? Uma parte dele se culpava por não prever o incidente com Minerva, mas Deuses, ela precisava ter uma visão, ou seja lá o que fosse, com aquilo? De tudo que ela sabia ou foi preparada para enfrentar sua magia escolheu a única capaz de fazer Sunna reagir como reagiu? Uma parte da druida entendia o lado de sua amiga, em seu lugar não teria agido diferente, mas não era como se Demétria tivesse lhe dito os detalhes sórdidos ou exposto Sunna, não, ela pouparia Minerva do que crianças não estão prontas para ouvir. Era responsabilidade de Sunna contar-lhe a verdade, sobre si mesma, sobre o mundo fora de Filgord, sobre quem ela realmente era e sua missão. E Demétria estava disposta a respeitar o tempo de ambas, ou ela acreditava estar a até Sunna abandonar a criação de sua filha e sequer se preocupar em preparar Minerva minimamente para o destino que vinha busca-la a galope.

Do lado de fora da taverna o mundo continuava, homens indo e vindo, buscando e armazenando o que quer que fosse necessário para sua jornada até o outro lado do país. À essa altura todas as montarias já deviam estar preparadas e os soldados equipados, pelos cálculos otimistas de Demétria, Filgord contava com pouco mais de mil soldados aptos para combate, desses mil menos da metade era magiec e entre os magiec quase nenhum possuía poderes indispensáveis a uma linha de frente. Claro, eram fortes entre homens humanos, mas em uma luta contra a guarda real eles seriam pouco mais que uma pedra no caminho. O relógio ao topo da parede soou doze badaladas, com sorte eles já estariam partindo antes do auge da madrugada e Demétria sequer estava pronta para se juntar a eles, quanto mais partir.

Os dedos da druida estavam prestes a afundar suas têmporas quando ouviu a cadeira à sua frente ser puxada. Ela se esforçou para se recompor e parecer menos patética que um bêbado apaixonado escanteado em um bar. Mas logo suas preocupações se revelaram irrelevantes, à sua frente, Beatrix exibia um sorriso acolhedor e uma garrafa de vinho decente.

— Acho que esse lhe será mais agradável, minha lady. — Bea as serviu com o vinho tinto fazendo o favor de não a encarar enquanto o fazia. Demétria não gostava de ser tratada daquela forma, ela não era uma "lady" há bastante tempo e definitivamente não planejava voltar a ser. — Posso saber por que está bebendo sozinha enquanto uma batalha está sendo preparada?

— Não lido bem com a calmaria preparando a tempestade, mesmo que não tenha certeza se acabarei como parte desse dilúvio. — Ela era um misto de tensão e exaustão em um espartilho, de repente, apertado demais para seus pulmões.

— Pelos deuses, não consigo sequer imaginar a tensão do campo de batalha. Admiro você e seus companheiros por tanta bravura, mas se me permite, algo mais parece te incomodar. — Bea, como de costume, se mostrava amigavelmente solicita, e assim como anteriormente, a druida não sentia vontade de compartilhar seus pensamentos com ela.

— Agradeço o vinho e a companhia, Bea. Estou cansada apenas, um dia cheio de emoções. — Mudou o assunto, logo direcionando sua atenção ao sabor do novo vinho, que por sua vez acentuou ainda mais o gosto do anterior, sua maior antítese. Esse era suave, delicado, o tipo de vinho que se oferece àqueles sem costume de beber, era saboroso, cativante, doce, enjoativo.

— Imagino. Vi que seus amigos retornaram hoje, a pequena Minerva deve ter custado a dormir. — Os olhos atentos da druida varreram o rosto arredondado de Bea, se demorando em seus olhos azuis celeste, vivos, vibrantes, jovens. Não havia má intenção neles, mas curiosidade.

— Você ficaria surpresa. Minha aluna costuma dormir com mais facilidade no aconchego de sua mãe, a profetisa. — Demétria assistiu dúvida aparecer nas feições daquela que parecia tão atenta ao seu rosto quanto ela ao dela. Bea era o tipo de pessoa que sempre parecia mais jovem do que a idade que tinha, mesmo já sendo uma mulher adulta, e pelo círculo de aço em seu dedo anelar, noiva.

— Desculpe parecer indiscreta, mas acha mesmo que a menina fica mais confortável com ela? Não me leve a mal, mas não me lembro das duas parecerem tão próximas, não tanto quanto Minerva parecer ser com você. Lembro-me de achar que a garota era sua filha uns anos atrás. — Não havia hostilidade nela, mas algo em Demétria se retorceu com suas palavras.

— Você deve saber que Sunna D'luna é uma mulher ocupada. Infelizmente ela costuma ser bastante requisitada fora de Filgord e para mim é uma honra poder ser útil para a família, principalmente quando posso formar um laço tão visível assim com sua herdeira. Agradeço o elogio, mas nós duas sabemos que a ligação entre mães e filhos é algo além de aparência e nesse caso, presença. — Havia algo sobre ser polida a todo custo que fazia a druida se sentir no controle, se não de seu correspondente de si mesma. O problema, era quando o controle se esvaia de suas mãos. Bea colocou o cabelo castanho para trás da orelha evitando contato visual. Demétria se serviu de mais vinho, o amargo rançoso. De canto de olho, viu Bea tomar fôlego.

— Crianças são carentes, estão sempre buscando atenção e vão idolatrar qualquer um que puderem oferecer isso a elas, independente do custo. Não quis ser rude antes e não pretendo ser agora, mas não há laço que suporte a indiferença. — A clareza da resposta de Bea a embaçou a mente e revirou seu estômago momentaneamente, fazendo-a agarrar-se a qualquer outro sinal dela. O julgamento de Demétria sobre a garota pendeu pesadamente, mudando da água para o vinho. Admirando a astucia de uma resposta veloz e sábia era o tipo de qualidade admirável aos olhos da druida. E de qualquer formo, era melhor se sentir instigada pela pessoa que pelo peso de sua resposta.

— Permita que eu lhe sirva, Bea. — Ofereceu com um sorriso falso.

— Agradeço, minha lady. — A fachada inocente e jovial voltou ao mesmo lugar, como um gato escondendo as garras. Demétria sorriu diretamente para ela.

— Estou interrompendo algo? — Sem qualquer anuncio, protocolo ou até mesmo ruido Sunna assume um lugar às costas de Demétria.

— De forma alguma. Quer se juntar a nós? — Sem demonstrar qualquer surpresa ou insegurança, Bea sorri para Sunna como se fossem velhas amigas se reencontrando num bar. Demétria gostaria de estar em sua posição, já que mesmo ocupando o lugar da tal amiga por pouco não se eriçou em sua cadeira com o susto.

— Agradeço o convite, mas estamos em guerra e deveríamos estar nos preparando para isso, não é Demétria? — A presença de Sunna costumava ser sempre bem-vinda para a druida, mas naquele momento ela não conseguia lidar com ela. Por sorte, ainda havia vinho.

— Bea, foi um prazer. Muito obrigada pelo vinho e principalmente pela conversa, mas você se incomodaria em deixar-nos a sós? — As costas de Demétria queimavam, provavelmente o peso do olhar da profetisa. Ela entortou o restante do vinho.

— Não há o que agradecer, querida lady. E de qualquer forma, nossa conversa já havia terminado. — Bea ofereceu uma breve reverencia à Demétria e em seguia a Sunna.— Senhora D'luna.

As portas da taverna se fecharam com Bea já não mais entre elas. O silencio desconfortável do não dito permeou o espaço entre elas, como uma névoa invisivel. Demétria ouviu a respiração de Sunna se tornar mais alta, mas se recusou o olhar para trás.

— O que quer, Sunna?— Questionou pétria.

—Talvez pedir que olhe para mim seja um começo. —A profetisa se calou após sua ordem disfarçada de pedido, um aviso de que não continuaria se não fosse acatada. Relutante, presunçosa e envergonhada, Demétria o fez. — Rence me informou que não pretende lutar em Vlaches e eu não o culpo, mas preciso dele. Acha que há uma chance de ele reconsiderar se você tentar convence-lo?

— Honestamente? Nem eu sei se pretendo marchar até Vlaches, Sunna.— Em parte o que dizia era verdade, de fato ela cogitara não se juntar a essa batalha que prometia ser um fracasso idealista dos Tepes. Entretanto, foi o pedido sorrateiro de Sunna que fez a druida hesitar.

— O que? Como? Não. Fora de cogitação, precisamos de vocês. — A profetisa afastou-se da porta, caminhando até a cadeira antes ocupada por Bea, mas não sentara nela, apenas agarrou-se às costas dela. Demétria a acompanhou com os olhos.

— Alguém além de Willian precisa ficar com Minerva, alguém de confiança. — As unhas curtas de Sunna arranhavam a madeira discretamente. Um pouco de imaginação e Demétria seria capaz de ver os pensamentos rodopiando a cabeça ruiva da profetisa. Em outras circunstancias, seria divertido vê-la buscar soluções rápidas de convencimento, mas não ali, Demétria queria honestidade e se não fosse muito, um pouco de gratidão. — Principalmente após o incidente

— Incidente que você causou. — Uma risada nasal foi a resposta da druida para si mesma diante de sua ingenuidade, mas Sunna não interpretara dessa forma. — E agora acredita que pode redimir sua culpa.

Ela encarou a mulher à sua frente, aquela a quem jurara sua lealdade e arriscara sua vida por. A única capaz de faze-la se colocar de joelhos e renegar a própria verdade por pura confiança. Demétria se agarrou à própria cadeira quando encontrou uma muralha de gelo nos olhos de Sunna. Aquela mulher simplesmente não estava mais lá.

— Alguém precisa preparar a sua filha para a verdade dentro de seu círculo e fora dele já que sua querida mãe não dá a mínima para isso. — Sua filha. De Sunna. Dela para decidir e reivindicar sempre que conveniente apenas para devolve-la aos braços de Demétria e partir em seguida.

Sunna chegou mais perto, afastando a cadeira e se apoiando no topo da mesa. Demétria não moveu um musculo, ela assistiu como uma expectadora na própria mente, estatelada. A profetisa tinha sobrancelhas curvadas, narinas dilatadas e um maxilar trincado esperando por mais alguma palavra de Demétria, mas ela não veio.

— Inacreditável. Quer que ela veja a realidade do mundo? Quer que eu prepare uma criança para a crueldade? — A voz baixa e fria da ruiva lembrou a druida de si mesma, do seu desejo de ser ouvida amarrado à sua incapacidade de exigir. O problema de Sunna era tão igual quanto diferente, o desejo de ajuda e a incapacidade de pedir.

— Você sabe que ela não é uma criança. — Demétria tinha ciência de seu tom impassível, tal qual de suas feições, mas a custou a sensação de engolir uma adaga cometer tal traição a si mesma, traição à sua brilhante menininha. —Ela é a porra de uma Deusa e você sabe disso melhor que ninguém.

Sunna parecia tão surpresa quanto Demétria com suas palavras, mas era necessário, ou era o que a druida dizia para si mesma enquanto seu coração se partia em silêncio.

— Isso não significa que não tem direito a uma infância, à inocência, esperança que seja. — Como se essa fosse a primeira vez que tal cogitação viesse até ela, Sunna a encarou com incredulidade. Calada, Demétria a retribuiu um olhar de confirmação e torceu para que ele fosse resposta o suficiente, porque não, Minerva não tinha esse direito. Negação queimava dentro da profetisa.

— Não sabemos quanto tempo. Não podemos nos dar ao luxo. —Com cuidado, Demétria se permitiu uma postura mais acolhedora entre palavras pausadas e acalanto antes de fechar a tampa do próprio caixão. —Você, não pode se dar ao luxo.

Como se suas palavras a tivessem queimado, Sunna se afasta da mesa com um solavanco cambaleante. Demétria também levantou para ajudá-la, mas a profetisa recuperou o equilíbrio com sua bengala e ergueu a mão para que Demétria se afastasse. Assim ela fez.

— O mundo sabe exatamente o que vê quando olha para mim. Minerva pode ser minha filha, mas não exceção. Ela terá razões suficientes para me odiar quando entender o peso do legado que passarei para ela e não vou muni-la com mais razões para isso.

Sunna soava como louças quebrando em cadeia, uma após a outra, sem parar, aos ouvidos de Demétria. Quinquilharias estimadas e preciosas se desfazendo em pedaços despencando de cristaleiras empurradas de escadaria abaixo. Era necessário, repetia a druida para si mesma enquanto sentia as próprias louças serem empurradas para acompanharem as de Sunna. Escada abaixo, ninguém conseguiria definir qual pedaço pertencia a quem.

— Ela vai odiá-la ainda mais quando descobrir que sua vida é uma fraude. — Um passo para frente no limite do penhasco, pisando em cacos, era hora de pular ou cortar as solas dos pés.

Algo lá fora chiou, mas dentro da taverna isso não importaria mesmo que fosse um pedaço de céu sendo arrancado. Demétria esperava por uma reação além das trevas no rosto de sua amiga, mas ela não veio. Como se a noite chegasse finalmente completa em Filgord e as emergisse na penumbra, gelo assolou os ossos da druida como um mal pressagio.

— Quer mostrar o mundo para ela? Então que assim seja. — O queixo de Sunna se ergueu e tal como Demétria fazia, se livrou das emoções explicitas em sua face. Os olhos azuis impenetráveis seriam idênticos a vidro se não fosse pelas lagrimas presas às córneas. Demétria abriu a boca, ela queria alertar Sunna, prepara-la para o inevitável, mas ao invés disso sua voz entalou na garganta. A profetisa arrumou a postura com ajuda da bengala, ela concluiu. — Peça para que Willian prepare as bagagens dela; Minerva vai para Vlaches conosco.

Demétria foi deixada com seu protesto para trás, Sunna saiu cambaleante da taverna ignorando qualquer protesto indignado da druida. Uma decisão havia sido tomada e que os deuses tivessem piedade delas quando as consequências batessem à porta. Ali, Demétria calou sua voz, momentaneamente inerte na taverna vazia ouvindo o mundo seguir enquanto ela se perguntava como fazer o mesmo.

Do lado de dentro, a druida se prendera tanto às expectativas de futuros destrutivos incertos levados com Sunna e suas escolhas porta a fora que esqueceu do mundo ao redor. Em parte, ninguém poderia culpa-la, ela não era uma guerreira, não podia prever o que viria, mas em um futuro próximo, ela descobriria um desejo insaciável de ter olhos em sua nuca. Na porta dos fundos, a sombra de alguém permanecia imóvel. Na porta dos fundos, alguém sabia mais do que devia.

A druida abandonou a taverna, cega ao alguém às suas costas.





O barulho fino das dobradiças ressecas de seu guarda roupas sendo aberto e os passos apressados foram a trilha sonora do despertar de Minerva. Com os olhos ainda trabalhando para focalizar sua visão, ela percebe Willian procurando algo entre suas roupas com uma pressa fora do comum. O garoto tremia, parecendo translucido de tão pálido, suor se acumulava em seu buço apesar do frio e seus olhos estavam arregalados. Minerva não precisava tocar nele para sentir que ele estaria gelado.

— Graças a deus você está acordada. Venha — Ele a atirou uma muda de roupas sobre as pernas. — Se vista rápido, vou levar o restante dos seus pertences para a carroça. Com um baque surdo, Willian a deixou com sua cabeça nevoada repleta de informações e partiu escada abaixo com uma trouxa de roupas e o quer mais que tenha considerado necessário para ela.

Já pronta, calça, camiseta e colete, e no andar de baixo silencio esperava por ela. A casa vazia permanecia iluminada ainda que sem qualquer vela e um tempo nublado, a luz parecia vir da cidade, essa, estava movimentada demais para a hora mostrada pelo relógio em pedaços no canto da lareira. Deixar a curiosidade vencer a hesitação foi tão difícil quando deixar a exaustão vencer o medo horas antes, assim, caminhar até o centro da agitação sozinha e evitando encarar a floresta às suas costas foi apenas mais um obstáculo a ignorar. Caminhar doía sua cabeça, como se ela estivesse esquecendo algo importante ou tivesse levado uma pancada, mas o que a incomodava de verdade era a sensação de seus olhos, eles pareciam apertados demais em sua cabeça, talvez estivesse cansada demais, ou estava ficando doente.

O céu normalmente alaranjado estava cada vez mais cinza, mas de certa forma aquela agitação tinha uma coloração quente, fosse pelas roupas de couro ou pelas tochas que se preparavam para acender. Ordens vinham de todas as partes e ninguém estava parado. Conforme Minerva se aproximava maior parecia a quantidade de pessoas, de carroças, de cavalos, de armas. Ela nunca vira tantas pessoas juntas.

Parada ao pé do morro de onde veio, a garota sentia algo em seu coração pulsar mais forte. O chão sob seus pés parecia tremer de tantos passos ligeiros e o tilintar do metal de repente parecia chamar seu nome, mas ao mesmo tempo um nó amarrava suas entranhas e a nausea se fazia tão presente quanto a admiração. Ela sabia o que significava aquele amontoado de gente, sua mãe e Rence estavam de partida, talvez Demétria fosse com eles. Mas se esse fosse o caso, para que Willian precisaria de suas roupas?

Às suas costas um cavalo galopou a toda velocidade até o centro da cidade e Minerva tomou isso como um incentivo para segui-lo mesmo com o desconforto latejante de seus olhos ao encarar a luminosidade das tochas acesas ali. O homem sobre a montaria trazia consigo novidades, um mensageiro, provavelmente de Filgord pelas roupas idênticas às dos outros homens.

— As carroças vão conseguir passar pela floresta, mas vão nos atrasar. — Avisou entre os homens sem rodeios.

— Os batedores vão na frente e os suprimentos por último. Sunna D'Luna irá com vocês, é ela que desejam afinal. — O homem tratava de suas verdades e estratégias com uma certeza irredutível, um capitão, pensou ela.

Ao longe daquele grupo, Willian entregava a Demétria um cavalo pelas rédeas, ele permanecia pálido e assustado, mas agora Minerva entendia o porquê. Com cuidado para não ser percebida entre os soldados, ela foi até sua tia. Não demorou até que os dois notassem sua presença se aproximando. Ao contrário dos outros soldados, Demétria optara por outra de suas saias longas e se parecia exatamente como sempre, com exceção do cabelo completamente trançado e preso. Não demorou até que os dois notassem sua presença se aproximando.

— Minerva, você não deveria vir sem supervisão, eu estava indo até lá. — O garoto estava prestes a dizer mais quando foi interrompido por uma voz ás suas costas. Sunna.

— Ela fez bem, não temos tempo. — Sobre uma égua malhada, Sunna parecia deslocada em roupas de couro escuro, idêntica ao dos outros homens se não fosse pela capa vermelha presa ao seu pescoço.

Demétria virou o rosto para encarar a profetisa, agora, muito mais alta que o comum, Minerva não sabia que olhar era aquele, mas de repente sua tia não se parecia consigo mesma.

— Ainda há tempo de engolir seu orgulho. — Disse com a voz fria. Sunna a ignorou completamente.

— Willian, querido. Ajude Minerva a subir no meu cavalo. — Houve um momento de pausa, Willian olhando de Sunna, para Demétria e para Minerva, como se isso pudesse lhe oferecer respostas. Minerva fez o mesmo. Quando a estratégia não se provou eficaz ele se contentou a seguir a ordem de Sunna.

— Mula teimosa. — Praguejou Demétria.

— Burguesa prepotente. — Devolveu Sunna.

Tão surpresa quanto Willian, as palavras de Minerva entalaram em sua garganta e antes que ela pudesse perguntar algo sua mãe guiou a éguao ao que parecia ser o ponto de partida deles.

O homem confiante estava à frente deles, acompanhado por três cavaleiros às suas costas enquanto observava os demais se amontoarem em sua frente. A praça central de Filgord estava repleta de cavaleiros em trajes de couro, talvez trezentos apenas ali, ouvindo as instruções do capitão, ou seja lá qual fosse sua posição.

— Não pretendemos levantar acampamento, a viagem é longa e nosso tempo curto, ao invés disso apenas breves pausas para os cavalos se recuperarem e descansarmos. Será um desafio chegar a tempo, por isso estaremos divididos em grupos menores para que as forças essências cheguem ao nosso destino primeiro. Esse grupo cavalga comigo e Sunna floresta a dentro e se divide assim que pisarmos em Yona, Metade de vocês segue com ela e a outra acompanhará o exército do príncipe. — Uma pausa e silencio imaculado preencheu o ambiente. — Por fim, nossos mantimentos não nos acompanharão, por isso alguns cavalos estão ocupados com o essencial e a maioria de vocês foi escolhida para essa tarefa, são caçadores não são?

Alguns homens riram, animados com o que parecia uma piada incompreensível para Minerva, mas sua mãe não riu, talvez também não tenha entendido.

— É dessa animação que precisamos. Somos brotos. — O sorriso do capitão terminou de encorajar seus homens que o acompanharam no lema, uma prece e uma esperança.

— Há um passo de desabrochar. — Entoou a multidão.

Os cavalos começaram a trotar floresta a dentro em um ritmo desorganizado e individual, aos poucos sumindo no escuro entre as arvores. Sunna preparou as rédeas para acompanha-los e Minerva sentiu um frio na barriga com antecipação, mas a expectativa de ambas foi frustrada por um cavalo parando em frente ao delas de forma repentina. Sobre ele, estava Rence.

— Isso está indo longe demais. Não pode leva-la — Sua voz estava baixa, mas raiva pintava o rosto normalmente amigável de Rence em uma carranca repleta de sombras e ira. — Ela estará em perigo. Não posso deixar que faça isso.

— Se está tão preocupado então cuide dela você mesmo. Lá, em Vlaches. — Sunna estava estática como uma pedra, as palavras vorazes sem qualquer emoção além de monótoniedade. Mas para Rence, aquilo soou como um soco.

— Como tem coragem de me pedir isso. Depois de tudo isso é o que sou para você? — Clareza tomava conta do homem aos poucos, como veneno se espalhando em suas veias. Ele não parecia suplicante, mas arrasado, traído.

—Eu estou cumprindo o meu dever, essa luta não é sobre você. — Algo pareceu mais ameno nas palavras da profetiza, mas isso foi ignorado pelo seu leal soldado, agora, relutante.

— Não, não é.— Recostada no peito de sua mãe, Minerva pode senti-la prender a respiração quando os olhos frios de Rence deixaram os dela para encontrar Minerva sentada a sua frente.— É por ela. — Sunna permaneceu em silêncio.

— Diga quem é o pai dela. Ou eu direi. — De repente o mundo voltou a ser o que era, sem a nevoa da exaustão, o medo da floresta ou a fascinação, Minerva recordou do sonho, de Elijah, sua mãe matando uma besta. Angustia voltou a apertar sua garganta e as lágrimas voltaram aos olhos. Ela se agarrava à capa da mãe, amassando o tecido com as mãos nervosas e frias. Ela se lembrava de tudo.

Como se o cavalo de Rence sequer estivesse ali, Sunna trotou com sua égua rumo a floresta. 

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