Entre Lobos - Capítulo 23 - Em Família
"POSSO SER A SOLUÇÃO DOS SEUS PROBLEMAS. OU O COMEÇO DELES."
À noite, a família toda se reuniu na grande sala de jantar e, com a ajuda de mesas auxiliares, os trinta e três integrantes tiveram sua última refeição naquelas terras.
Amora escolheu um lugar perto dos pais e antes de sentar abraçou Slade com ternura e o beijou na testa.
— Eu o amo muito, papai! — Sussurrou para ele. — E estou orgulhosa de ser sua filha.
Comovido, Slade esperou todos se acomodarem e então pediu silêncio.
— Quero lhes dizer algumas palavras nesse instante. — Ele anunciou, e todos se voltaram para ele. — Sou um humano, um dono de terras produtivas e não um sacerdote, por isso serei breve. Eu... eu não poderia deixar passar esta ocasião sem lhes dizer uma coisa que há uma semana venho pensando.
Amora nunca vira o pai nervoso, mas percebeu que naquele momento o velho Slade Lushton não conseguia disfarçar suas emoções.
— Esta casa e estas terras... — Ele prosseguiu procurando manter-se calmo — Pertencem a nossa família há mais de um século. Aqui passamos períodos de abastança e penúria, o que significa muito para mim. Porém há algo bem mais importante do que estas terras ou esta casa: são vocês, meus filhos. Cada um de vocês na verdade... — Ele frisou com a voz trêmula e ficou em silêncio alguns segundos. — Nenhum mísero alqueire destas terras vale a memória que tenho da nossa família, e não importa o que aconteça amanhã, ainda seremos uma família unida e próspera.
Ele fez uma pausa como se tivesse terminado e Amora notou que, como ela, todos tinham os olhos cheios de lágrimas.
— Em todo o país, fazendeiros humanos e Lycans têm sido forçados a venderem suas propriedades e mudarem-se para outros lugares. — Ele continuou, solene. — Não é apenas uma questão de homens e Lupinos perderem seus empregos e, sim, um estilo de vida que está morrendo com o passar do tempo. A mãe de vocês e eu os ensinamos que o trabalho árduo e a perseverança conduzem ao sucesso, e eu não quero que deixem de acreditar nesta verdade. Podemos perder nossas terras mas, ainda assim, temos nossos valores e nossa crença na solidariedade humana e na justiça de um povo que fizemos tanto mal com nossos pensamentos e preconceitos. Lembrem-se sempre disto. — Ele ensaiou um sorriso. — E agora é melhor tomarmos a sopa senão ela esfria.
Amora enxugou as lágrimas e olhou para o pai, que havia sentado. A sala continuava em completo silêncio. Ela limpou a garganta, pegou o copo de vinho e levantou-se.
— Quero propor um brinde à nossa família. — Falou, procurando não trair suas emoções. — Um brinde a um homem e a uma mulher que eu tenho certeza se sentem orgulhosos da maneira como educaram seus filhos. A Slade e Eldora Lushton, os melhores pais e as pessoas mais maravilhosas que conheço!
Entre risos, beijos e abraços o tilintar dos copos trouxe de volta a atmosfera alegre dos velhos tempos.
Só mais tarde, quando pousou a cabeça no travesseiro, Amora deixou as lágrimas rolarem em abundância.
Todos já haviam se deitado e ela podia ouvir o ressonar das sobrinhas na cama ao lado. Os raios da lua fluíam através da janela e em algum lugar lá fora um lobo solitário e triste começava a uivar.
Amora chorou pelos mistérios da natureza. Pelos sons familiares que costumavam embalá-la. Chorou pelo que perderia no dia seguinte e pelo que ganhara naquela noite.
Seu pranto também foi pelo herdeiro Ethan Dimitrescu!
Durante todas aquelas semanas, desde que jogara o vinho na tela que ele pintara, nem por uma vez se permitira outra emoção senão o rancor e a raiva. Só agora, junto com a recente descoberta que fizera de si mesma, percebia quantos sentimentos tinha sufocado sob a mágoa guardada de Ethan.
"Como ele fazia falta!" pensou. — Sentia saudades daquela voz macia, do sorriso perturbador que a deixava sempre com as pernas trêmulas... da forma como Ethan lhe falava, parecendo compreendê-la bem melhor do que ela mesma. Das mãos ternas que acariciavam seu rosto, dos lábios macios que a beijavam... Ah, como sentia falta dos momentos de paixão que haviam partilhado... Momentos que jamais se repetiriam. Momentos destinados apenas às recordações...
Todas essas lembranças não se encaixavam com a imagem que formara de Ethan; entretanto, não havia meios de apagá-las. Elas eram reais!
Raramente errava ao julgar as criaturas a sua volta e, mesmo suspeitando desde o início da posição dele dentro da Fundação Lupina, não havia conseguido evitar de se apaixonar por ele.
Atordoada, Amora deu-se conta, entre lágrimas, que a perda fora bem maior do que pensara. Que deixara morrer um sentimento muito precioso sem ao menos tentar salvá-lo. "Por que não ouvira as explicações dele, em vez de se contentar com suas próprias respostas? Por que não procurar saber o que o havia levado a proceder daquela forma?", questionou-se. Agora era tarde demais para voltar atrás. Nem uma simples conversa seria possível entre eles.
O herdeiro Ethan Dimitrescu tinha saído de sua vida como as terras de sua família sairia no dia seguinte. Havia lutado por aquelas terras, no entanto, ela não movera uma palha sequer para salvar seu amor!
Vencida pelo cansaço, Amora finalmente adormeceu, mergulhando num terrível pesadelo. Estava se afogando e, a distância, viu um Lycan lutando contra diversos lobos ferozes tentando se aproximar para socorrê-la. Quando despertou, tinha o nome de Ethan nos lábios.
O leilão estava marcado para o fim da tarde mas, às quatro horas, o gramado à frente da sede se encontrava cheio de gente. Amora conhecia a maioria das pessoas, fazendeiros locais, parentes e amigos. Todos haviam ido a fim de demonstrar solidariedade ao velho Slade Lushton, e qualquer um podia ver que não estavam felizes com os acontecimentos daquela manhã.
Quinze minutos antes do programado, Tristan Dimitrescu chegou. Um murmúrio tomou conta da multidão e Amora começou a ouvir aqui e ali comentários hostis referentes ao atual diretor da Fundação Lupina.
Havia prometido à mãe que não causaria confusões e pretendia comportar-se. No íntimo, porém, seu lado rebelde ansiava para que alguém no meio de toda aquela gente tomasse a iniciativa por ela. Romper o leilão podia não ser uma solução definitiva, mas era um ato de protesto e certamente abriria os olhos de outras pessoas. Se todos lutassem, um dia talvez a própria política do governo Lupino em relação aos humanos mudasse.
Amora consultou o relógio de pulso e percebeu que estava quase na hora. Num gesto instintivo, começou a procurar Ethan no meio da multidão e constatou desapontada que ele não viera. Precisava vê-lo. Queria avaliar suas próprias reações quando o olhasse e certificar-se que não havia cometido um erro. Mas, infelizmente, não teria esta chance. Tanto ela como os pais pretendiam sair do condado assim que tudo se resolvesse.
— Amora? — Sabine a chamou e ela virou-se distraída. — Venha comigo um instante.
As duas afastaram-se para um local sossegado e Sabine pousou a mão no ombro de sua irmã Amora.
— Preciso de sua colaboração, porém, antes quero que me prometa fazer o que eu lhe pedir.
Amora a fitou curiosa.
— Primeiro conte do que se trata, Sabine.
— Não!... — A irmã insistiu, categórica. — Antes, a sua promessa.
— Mas...
— É tão difícil assim confiar em mim, Amora? Pelos deuses somos da mesma família, temos o mesmo sangue. Por que não pode confiar?...
Ela pensou alguns instantes e, lembrando-se de sua decisão na noite anterior, concordou. Afinal, quem, dentre todas as suas irmãs, merecia um crédito maior de confiança que a doce Sabine?
— Está bem. O que é, Sabine?
— Sei como é duro para você perder estas terras, meu bem. E sei também o quanto você lutou por elas. Estamos todos muito orgulhosos com sua mudança de atitude e principalmente com o brinde que fez ontem a papai. Ambos provam que está amadurecendo.
— É, mas não tem sido fácil.
— Concordo, querida. Entretanto hoje preciso de um favor especial seu. Há muitas coisas que ainda não sabe mas que logo vai descobrir.
— O quê, por exemplo?
— No momento certo você vai saber.
— Isto não é justo! — Amora falou inconformada.
— Amora Lushton!
— Está bem, Sabine. — Amora esforçou-se para manter a calma. — Continue, por favor e esqueça o que acabei de fazer a pouco.
— Ninguém quer magoar você, Amora, lembre-se disto. Se não lhe contamos nada é porque melhor do que todos nós você sabe como é difícil manter-se de boca fechada, não é mesmo?
Amora concordou com um gesto de cabeça e olhou impaciente para a irmã.
— Estou cada vez mais confusa, Sabine.
— Não importa. Logo tudo vai ficar esclarecido, Pimentinha. Mas é preciso que você não crie confusão. Promete ficar quietinha?
Amora não respondeu de imediato. Sabine lhe escondia alguma coisa o que aliás ela já suspeitava desde que a irmã e o cunhado haviam chegado ao contado na manhã anterior. Mas decidira colaborar e, mesmo magoada, aquiesceu.
— Pode contar comigo, Sabine. Mamãe já havia me pedido e eu não pretendia mesmo armar confusão.
— Você é maravilhosa, Pimentinha. — Sabine abraçou-a com ternura e afastou-se, perdendo-se no meio da multidão.
Naquele instante, uma voz no alto-falante anunciou o início do leilão. O povo aproximou-se da varanda e Amora juntou-se a ele sentindo um nó na garganta. O locutor descrevia a casa e a propriedade, explicando que apenas elas seriam leiloadas. Os móveis, assim como a caminhonete e o trator, continuariam de posse da família. Finalmente ele anunciou uma quantia que lhe pareceu razoável e aguardou alguns instantes pela primeira oferta. Mas ninguém se manifestou e Amora buscou o rosto do pai, notando com espanto que Slade Lushton parecia tranquilo e despreocupado.
Depois de alguns segundos de silêncio geral, alguém gritou perto dela oferecendo um preço muito inferior ao inicial. Amora olhou para trás e no mesmo instante reconheceu o candidato como um dos guarda-costas que acompanhavam Lúcius no dia do outro leilão.
O homem do alto-falante aceitou a oferta dele e propôs um novo lance. Todos permaneceram mudos até que uma voz soou bem alto. Era Max, o dono da Casa de Rações.
— Ofereço o dobro! — Ele gritou erguendo as mãos.
— Você não pode aumentar o lance tanto assim! — O leiloeiro protestou irritado.
— Não? — Max indagou irônico. — Quem é que vai me proibir de valorizar a propriedade da família Lushton?
Antes que o leiloeiro respondesse, a multidão aplaudiu e alguém gritou lá de trás.
— Ei, Max! A sua oferta mais vinte mil de ouro!
— Parem com isso! — O locutor berrou com o rosto vermelho. — É contra a lei fazerem lances maiores do que suas posses!
— Triplico a última oferta! — Um outro fazendeiro Lycan disse, ignorando as palavras do leiloeiro, cada vez mais exaltado.
Amora reconheceu todas aquelas pessoas como amigos da família Dimitrescu e de seu próprio convívio, e ao perceber que tumultuavam de propósito, sorriu exultante olhando para o pai. Os olhos do velho Slade brilhavam tanto quanto os dela embora ele não sorrisse.
Em poucos instantes uma confusão crescente tomou conta do local e a cada minuto um lance bem maior era feito, deixando o locutor sem ação. Finalmente derrotado, ele passou o microfone a Tristan Dimitrescu, que parecia mais irritado ainda vendo alguns Lycans de seu próprio clã indo contra as leis e regras impostas.
— Vocês vão se dar mal se continuarem agindo dessa forma. Mandarei relatores ao governante dessa nação!
— Ninguém aqui tem medo de você, Tristan Dimitrescu! E quer saber você não manda em nada aqui, esse direito pertence ao seu irmão mais velho. Por isso, é melhor enfiar esse seu rabo peludo entre as suas pernas de lobo e vazar daqui rapidinho. — Max falou e soltou uma gargalhada.
— Pois deveriam!
A ameaça foi a gota d'água. A multidão avançou para cima dele e se não fosse por Slade Lushton certamente teriam dado uma boa surra no Lupino ganancioso.
— Afastem-se todos! — O velho Slade ordenou, colocando-se à frente de Tristan. — Ninguém vem à minha propriedade para dizer ofensas! Nem mesmo a um verme como Tristan Dimitrescu e que o seu irmão me perdoe, mas você não honra o seu próprio clã!... — Todos pararam instantaneamente e ele continuou. — Assim está melhor, pessoal. Vocês são os melhores amigos que tenho e quero agradecê-los pelo que fizeram aqui hoje.
— Eles não fizeram nada! — Tristan Dimitrescu objetou. — Este leilão irá até o fim, você pode apostar, Slade Lushton.
O som de uma sirene desviou a atenção de todos para uma comitiva de carros blindados com o selo real que acabava de chegar. Amora ficou na ponta dos pés, todavia não conseguiu ver o que se passava.
— Ainda bem que eles chegaram!... — Comentou uma Lycan ao lado dela.
— O que está acontecendo? — Amora perguntou-lhe.
— Diversos Lycans desceram do carro e junto com ele há mais alguém. Espere. Era Ethan Dimitrescu!
2136 Palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro