Capítulo 14: Eu faço parte da família margarina
~ Ana ~
É óbvio, que eu saí do internato. Depois do que aconteceu, Lana não mediu esforços, processou o local, e agora os advogados vivem me dizendo que preciso ficar longe de Theo. Como se isso fosse necessário. Ele já sumiu mesmo. Ignora minhas mensagens, minhas ligações.
Theo já é coisa do passado.
Meu convívio com Lana e Daniel? Mudou da água para o vinho. Eu achava que eles me toleravam por obrigação, mas, surpreendentemente, parece que eles realmente gostam de mim. Talvez fosse coisa da minha cabeça, afinal.
Hoje acordei mal. De novo. É um daqueles dias em que o peso de tudo parece esmagador. Lana percebe, como sempre, e vêm conversar comigo. Entre seus conselhos e palavras de conforto, uma frase fica martelando na minha cabeça:
"Irmã, eu entendo o que você está passando. Quando eu engravidei de Nina, foi algo parecido. Você não lembra porque era só uma criança, mas entre fugir e ficar, eu escolhi a opção que julguei mais fácil. Faça diferente. Fique. Lute pelo que é seu, pelo seu espaço."
Essa frase ecoa dentro de mim enquanto tento fingir que estou bem.
Daniel me traz chocolates, Lourdes faz meu prato preferido, Gael e Nina se revezam nas histórias e nos cuidados exagerados. Sempre perguntam:
—Você está bem, titia?
—Quer água, titia?
—Não chora, titia.
E pensar que eu já briguei por ser chamada de "titia". Pois é, pasmem: agora eu até gosto.
Apesar de todo esse carinho ao meu redor, há um vazio dentro de mim que não sei como preencher. Podem dizer que é drama, mas é como eu me sinto. Talvez seja esse vazio que me leva a fazer tudo que o médico disse para eu evitar. Quem sabe, assim, as coisas não se resolvam sozinhas.
—Nada de fumar. Nada de beber. Skate nem pensar, e, se for andar, evite manobras radicais — ele havia dito.
E aqui estou eu, saindo de casa, acendendo um cigarro assim que piso na calçada. Lana não pode ver, então aproveito enquanto estou sozinha. Estou a caminho da pista de skate.
Quando chego, encontro Maike, Luna e Fred. Eles não sabem sobre a gravidez. Passamos horas conversando, rindo, compartilhando tragos e algumas ervas. É o tipo de tarde que me faz esquecer por um tempo, mas, no fundo, a sensação de estar sendo seguida não me abandona.
No fim da tarde, cada um segue seu rumo. Maike e Luna, claro, vão se pegar em algum canto. Eu brinco, com ironia:
—Se protejam, hein. Ninguém quer um bebê no nosso meio agora.
Fred também vai embora, mas desconfio que ele está de olho na Ester. Dizem que ela já teve uma quedinha por mim, mas nunca passou de amizade. Talvez Fred tenha uma chance com ela agora.
Caminho sem rumo, sozinha. E a sensação de estar sendo seguida ainda está lá, como uma sombra incômoda. Minha mente, como sempre, começa a divagar. Penso que, se tivesse namorado Fred, talvez tudo fosse diferente. Talvez eu não estivesse tão perdida.
Paro numa loja de conveniência e compro um fardo de cerveja. O médico disse "não beba". Pois bem, vou beber.
O dia vai escurecendo enquanto eu caminho. Acabo na ponte abandonada, meu lugar de sempre. Sentada ali, bebendo, imagino que quem me vê de longe deve pensar que estou prestes a me jogar. Mas não, fiquem tranquilos. Eu venho aqui sempre, porque, na minha cabeça, quanto mais alto, mais fácil é para que meus pais me ouçam.
Entre goles e palavras dirigidas a ninguém em particular, começo a chorar. Um choro profundo, daqueles que saem da alma. Tento me ajeitar na posição, mas, de repente, sinto uma mão me puxar.
—Socorro! Me solta! Ladrão! — grito, desesperada, sem nem olhar quem é.
Minha voz se mistura com outra.
—Não faz isso... Eu te amo...
A frase ecoa nos meus ouvidos. A familiaridade me atinge antes mesmo de eu abrir os olhos. Quando percebo, estou caída no chão, com os olhos castanhos que conheço tão bem me encarando.
—Theo.
~ Theo ~
Faz dias que estou me perguntando como devo agir, e agora estou aqui, no lugar que nunca imaginei — enfrentando Ana. Depois do que aconteceu na ponte, minha cabeça está um caos. Eu deveria ter falado antes, mas... como? E com que coragem?
Ana está sentada na minha frente, encostada na parede do pequeno quarto que Lana arranjou para ela. Seus olhos me encaram com desconfiança, mas também há cansaço neles, como se estivesse cansada de lutar sozinha.
—Você me seguiu até a ponte, não foi? — ela quebra o silêncio, a voz baixa, quase uma acusação.
Eu respiro fundo. Não é fácil admitir, mas ela merece a verdade.
—Sim, eu segui. Desde que você saiu do internato, eu... não consegui ficar longe.
Ela solta uma risada amarga.
—Então ficou me espiando como um covarde em vez de, sei lá, responder uma mensagem?
Ela tem razão, e as palavras dela cortam fundo. Não tenho desculpas, mas preciso explicar.
—Ana, eu estava com medo... de tudo. Do que você ia me dizer, do que eu tinha feito, de como chegamos até aqui.
Ela cruza os braços, me analisando como se estivesse tentando decidir se vale a pena me ouvir.
—Você sabe, não sabe? — ela pergunta de repente, sua voz carregada de emoção. — Sobre o bebê.
Minha garganta fica seca, mas eu apenas balanço a cabeça.
—Eu sei.
Por um momento, tudo parece parar. Ela desvia o olhar, mexendo nas unhas como se quisesse fugir da conversa, mas sei que não há como fugir disso.
—E o que você quer, Theo? — ela finalmente pergunta, ainda sem me encarar. — Porque eu não sei o que fazer.
As palavras dela são diretas, mas cheias de dor. Tento escolher as minhas com cuidado.
—Eu quero estar aqui, Ana. Eu sei que errei em sumir, mas eu quero ajudar. Quero ser o pai desse bebê.
Ela ri, mas é uma risada amarga.
—Você acha que só porque apareceu aqui e falou isso, as coisas vão se resolver?
—Não — admito, segurando meu impulso de me defender. — Mas eu quero que você saiba que não está sozinha.
Ela finalmente me olha, os olhos brilhando com lágrimas que ela se recusa a derramar.
—Eu pensei em dar o bebê para adoção.
As palavras dela caem como uma bomba. Meu peito aperta, mas tento não reagir de forma impulsiva.
—Por quê?
Ela suspira, desviando o olhar novamente.
—Porque eu não sei se consigo, Theo. Eu não quero que essa criança sofra. Olha pra gente. Você tem uma namorada. Eu não tenho nada. O que eu vou oferecer?
—Namorada? — pergunto, confuso.
—Bia — ela diz, seca, como se o nome fosse veneno.
Demoro um segundo para entender do que ela está falando.
—Bia não é minha namorada, Ana. Ela voltou do intercâmbio e tentou reatar comigo, mas eu... eu terminei com ela antes de tudo isso. Antes de você.
Ela parece surpresa, mas não alivia o olhar desconfiado.
—Então por que você sumiu?
Suspiro.
—Porque eu sou um idiota. Porque eu me apavorei quando percebi que sentia algo por você. Porque eu não sabia lidar com nada disso.
Ana balança a cabeça, como se estivesse tentando processar tudo.
—Isso não muda nada, Theo.
—Muda, sim. Porque eu quero estar aqui. Eu quero que a gente decida isso juntos.
Ela me encara novamente, e por um momento vejo algo que não sei identificar — esperança? Dúvida? Talvez os dois.
—E se eu decidir pela adoção? — ela pergunta, séria.
Meu coração aperta, mas sei que essa decisão não é só minha.
—Então eu vou respeitar, mas eu quero que você saiba que eu estou disposto a fazer isso funcionar.
Ela suspira e olha para a janela, perdida em pensamentos.
—Eu não sei, Theo. Eu só... preciso de tempo.
—Tudo bem — digo, tentando manter minha voz firme. — Mas você não precisa passar por isso sozinha, Ana.
Ela não responde, mas pela primeira vez desde que nos reencontramos, vejo seus ombros relaxarem um pouco. Talvez, só talvez, esse seja o começo de algo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro