Um: Corpos Opostos
Agosto
Atlanta, Georgia.
69,8 F (21ºC)
Maya se levantou mais uma manhã desejando fielmente permanecer debaixo dos seus lençóis por mais cinco minutos. A garota se olhou no espelho, e se assustou com o volume que o seu cabelo apresentava naquele dia.
Ela pensou seriamente em desistir de arrumá-lo, mas lembrou-se de se saísse daquela forma, provavelmente o seu namorado Scoot não a olharia com os seus belos olhos verdes a brilhar.
Ela tinha que ficar bonita. Era o primeiro dia do último semestre do terceiro ano no Ensino Médio, o que significava que também era o primeiro encontro que ela tanto aguardava desde as longas e entediantes férias de verão. Maya despejou praticamente todas as roupas de seu armário, e decidiu que não adiantava olhar para ele por mais de cinquenta vezes seguidas.
Nenhuma roupa nova apareceria ali pela força de seu olhar.
Após um banho preguiçoso, frustrada, Maya pegou uma blusa branca que havia ganhado de sua tia Ruth em seu aniversário de 17 anos (que por sinal havia sido a três dias e contou apenas com a presença de seu pai, seu gato e um cupcake) e amarrou uma fita azul no cabelo. Azul era a sua cor preferida.
Será que fitas ainda eram legais? Ela se perguntou enquanto terminava de vestir uma saia e calçar a bota, que era marrom com borboletas cor de rosa customizado por sua versão mais jovem de quatro anos atrás.
Certo, ela não causaria tão boa impressão assim. A garota descobriu tal fato quando se olhou no espelho e percebeu que não dava para mostrar toda a extensão de sua beleza com uma blusa branca sem graça, a saia azul xadrez rodada do uniforme e botas quase infantis.
Ela revirou os olhos observando os raios de sol invadirem a janela, e pensou em como seria mais fácil se estivesse pelo menos um pouco mais frio. Ela poderia colocar seu cachecol descolado e suas axilas não suariam tanto por dentro das roupas.
Maya detestava o calor.
O único lado positivo do clima quente era, sem dúvidas, o céu aberto. O céu coberto de nuvens espessas impedindo a visão noturna dos astros celestes, para a garota, era como uma facada em seu coração. Ela começou a pensar sobre isso quando o grito do seu pai ecoou do andar de baixo.
Parecendo ter acordado para a vida, a garota saiu correndo desistindo de mudar o visual, e passou um rímel rápido nos olhos. Ela tinha olhos bonitos, pelo menos era o que seu pai dizia. Sua pele morena estava um pouco ressecada, mas Scoot não se importaria com isso. Ele não ligava para a aparência. Talvez ela devesse passar um pouco de pó e um delineador, ou colocar uns acessórios....
— Maya Rose Olsen! — seu pai gritou. Ela sabia que quando ele a chamasse pela terceira vez, ela seria uma adolescente morta.
— Já vou! — ela respondeu, se ajoelhando rápido para uma oração.
"Deus, obrigada por tudo, amém" — foi o que ela conseguiu dizer antes de sair tropeçando em seus próprios pés. Das escadas, ela já conseguiu sentir o cheiro de café e torradas preencher o ambiente. Seu pai sem dúvidas, era o melhor cozinheiro do mundo (não que ela conhecesse muitos).
— Atrasada, Maya! Você está atrasada! O que eu sempre digo?
— Pontualidade é importante, eu sei pai. — ela responde com a voz ainda sonolenta e sentindo o gato passar o rabo em suas pernas.
— Pois é, por causa disso irá sair sem tomar o seu café. O carro já está pronto na garagem, fiz sua lancheirinha pra você não passar fome mais tarde.
— Pai, ninguém mais leva lancheira pra escola. Eu estou no ensino médio! — ela arregala os olhos e ajeita a mochila nas costas que estava pesada. Sempre pesada.
— No ensino médio vocês são obrigados a passar fome? — ele a encara incrédulo com seus grandes olhos castanhos e coloca a lancheira cor de rosa em sua mão. Inacreditável. — Vai levar sim! Agora vamos, não quero que você leve reclamação.
A velha picape vermelha do pai já estava à espera. O motor rugiu depois da sexta tentativa, e ao som de Lionel Richie, o pai dirigiu durante todo o caminho, como sempre, na velocidade mínima. Samuel Olsen era, aos olhos da filha, como o Julius do seriado Todo Mundo Odeia o Chris. Gigante em tamanho e um grande coração derretido.
Depois que sua esposa foi embora e saiu de casa, ele resolveu erguer a cabeça e se empenhar ao máximo para ser o melhor pai do mundo para a sua garotinha de olhos cor de mel.
Maya sempre fora o seu maior orgulho.
O grande Sam (era como todos os chamavam, "big Sam"), possuía o título de melhor mecânico do pequeno bairro de Atlanta.
A pequena oficina rendia dinheiro suficiente para que ele pudesse, todo mês, poupar dinheiro no banco para a faculdade da filha. Ela teria um futuro melhor, ele orava todos os dias. Por trás de sua música ele pensou ter ouvido a voz da garota atrapalhar os seus pensamentos.
— Pai, eu estou atrasada! Dá pra ir um pouco mais rápido?
— Culpa sua, não minha. Eu não estou com pressa. — ele diminuiu ainda mais a velocidade e aumentou o volume do velho som, sorrindo contente por dentro ao ver a expressão chocada da filha. Era assim que ela iria aprender a sair mais cedo de casa, ele pensou.
Após mais longos minutos de satisfação em deixar a filha irritada, Samuel deu seu toque final. Parou exatamente em frente à escola. Em frente a todos os outros adolescentes metidos a besta que olhavam todos os dias para a sua picape antiga e soltavam um sorrisinho pensando que podiam intimidá-los pelo dinheiro que tinham.
Lado negativo de colocar a filha em uma escolha de ricos, Samuel ponderou. A educação, no entanto, era boa, e era isso o que importava.
— Pai! Quantas vezes eu tenho que dizer que detesto quando o senhor para em frente a todo mundo? É vergonhoso! — ela colocou o rosto entre as mãos.
— Estou te ensinando a ser forte, Maya. Desça de cabeça erguida, e mostre que você é uma Olsen. — ele fecha os dedos em punho, e depois de receber dois olhos cor de mel revirados, a garota soca a mão do pai de volta e sorri.
— Certo, te amo pai.
— Também te amo filha, boa aula. Não esquece sua lancheira. — ele se vira e pega a lancheira cor de rosa no banco, sabendo que ela queria esquecer de propósito. Ela apenas sorri e fecha a porta.
— Como esquecer?
— Amigaaaaaaaaaaaaaa! — Rebecca gritou fazendo Maya pular do armário. A garota quase derrubou os livros de física no chão, o que seria um enorme desastre. Livros de física, para a garota, eram valiosos.
— Becca! Quer me matar do coração?
— Feliz aniversário! — ela grita, chamando atenção dos outros alunos. Maya sentiu suas bochechas arderem de vergonha.
— Bec, fale mais baixo! — ela sussurra, fechando o armário e recebendo um abraço de urso. — Inclusive, está atrasada a três dias.
— Eu sei, e por isso trouxe um presente para você me desculpar. Eu estava sem sinal na fazenda. Minha avó me levou para o Texas para visitar os parentes antigos dela. Pisei em cocô de vaca, fui picada por mosquitos, corri de uma galinha, foi um horror! Pra piorar, nem apareceu um cowboy gatinho que me fizesse gostar de fazenda igual nos livros de romance. Porque a realidade tem que ser tão decepcionante? — ela solta os ombros e expira, revirando os olhos.
— Não sei, mas tenho certeza que esse cabelo rosa não foi ideia da vovó Nancy. — Maya pega uma mecha do cabelo curto da amiga e arqueia as sobrancelhas. Rebecca ajeita os óculos de grau no rosto que possuíam uma armação estilo Harry Potter, e ergue a cabeça.
— Gostou? Essa é a nova versão de Rebecca Sullivan! Até comprei uma base nova para esconder as minhas espinhas. Esse ano alguém irá me notar, ou melhor, nos notar. Chega de sermos as nerds esquisitas. Será o nosso ano May, pode apostar nisso! — ela se vira e abre a bolsa, tirando um papel de presente embrulhado. — Seu presente.
— Bec, não precisava...
— Ah então se não precisa eu devolvo a edição única e limitada do seu livro favorito...
— QUE? — Maya sorri e abre o presente eufórica. A garota quase chora ao ver uma edição única e de capa dura de O Peregrino. — Aaaa eu te amo.
— Eu sei. Não olha agora, mas olha quem chegou.
Lá estava, Scoot Parker! Maya não conseguiu cumprir a sugestão da amiga de não olhar. Seu coração já se acelerava. Era o encontro com o garoto da sua vida. O menino dos seus sonhos. O último biscoito do pacote. A coca-cola do deserto. O príncipe do seu diário, desde que ela tinha 8 anos.
Scoot era tudo o que ela sempre sonhou: estudioso, inteligente, bonito, cheiroso, e o melhor de tudo: era o filho do pastor. Era o destino deles ficarem juntos. Ninguém poderia ser mais perfeito.
Seu uniforme, sempre arrumado, estava impecável naquela manhã, bem como o gel em seu cabelo loiro. Como em uma cena clichê de comercial, seus passos lentos pelo corredor do colégio atraíram os olhares de todas as garotas que estavam em volta.
Quando os seus olhos verde-oliva encontraram os dela, ela sentiu suas mãos suarem. Em êxtase, a câmera lenta da garota havia desaparecido e ele já havia se aproximado. Scoot sorriu olhando para ela, e escorou no armário ao seu lado.
— Oi May.
— O-oi Scoot. — ela respondeu, tentando não babar.
— Como foram as férias? — ele mantém o sorriso e coloca as mãos no bolso.
— Foram ótimas, esplêndidas, estupefatas! — ela atropela as palavras e começa a sentir vergonha de si mesma. Estupefatas? Quem diz isso hoje em dia?
— Você é uma graça, May. Bom, te vejo na aula de física.
— T-tá. — ela responde sorrindo de orelha a orelha, e vê o amor da sua vida sair e desaparecer pelos corredores. Ela suspirou. Aquele havia sido um ótimo primeiro encontro.
— Amiga, ele já foi. Pode voltar à realidade agora. Terra chamando Maya. — Becca estrala os dedos em frente aos olhos apaixonados da amiga, e solta a respiração revirando os olhos.
— Você não tem jeito. Quando vai perceber que vocês dois não são namorados?
— Nós somos. — ela aperta os livros sob o corpo, e suspira apaixonada. — Ele só não sabe disso ainda.
— Ei, olhem só! A chokito pintou o cabelo de rosa. — um dos garotos grita do corredor, e o outro grupo de meninos caem na risada. Rebecca não precisava virar o rosto para reconhecer a voz de Jim, o garoto ruivo que a infernizava desde o maternal. Ela odiava ser chamada de chokito. Suas espinhas já a incomodavam o suficiente ao espelho sem precisar ter alguém para lembra-la delas a cada manhã.
— Não liga pra eles, Bec. — Maya segurou os braços da amiga antes que ela lançasse a sua arma mortífera (seu estojo laranja) na direção deles. Ela encarou o garoto também estressada, e expandiu sua fúria até o seu melhor amigo, que sentava ao lado na escada com uma garota no colo. Nicholas Campbell.
Se para Rebecca, Jim era um babaca, para Maya, Nicholas era o rei do castelo dos imbecis. Não se tratava apenas de um grupo dos idiotas populares de todo clássico filme americano, mas de uma rixa pessoal. Nicholas e Maya eram como corpos opostos da física, que definitivamente, se atraíam apenas para se chocar.
Quando ela tinha 6 anos, ele colocou um chiclete no cabelo cacheado dela. A garota passou um mês chorando porque o corte dos seus fios ficara semelhante a um caminho de rato. Quando ela fez 10, ele derrubou o seu bolo de aniversário no único ano em que seu pai resolvera fazer a festa na escola. Quando ela fez 12, e menstruou pela primeira vez (o que resultou em uma calça suja), ele espalhou a famosa frase que marcara ela pelos próximos 4 anos: Maya do Mar vermelho.
Nicholas Campbell era, para a garota, um ser desprezível. Era de se notar que com o passar dos anos, ele ganhara corpo e conquistara o olhar das outras garotas com os seus olhos azuis e o seu cabelo preto hidratado que realçava com o tom pálido de sua pele, mas para ela, ele sempre seria o garoto mais feio e insuportável da terra. Assim como o Jim.
— Eu juro que se Deus não morasse em meu coração, eu afogava aquele garoto. — Becca fecha o armário com força, e sente Maya puxar seu braço e a guiar para fora dali.
— Eles não valem a pena. Vem, vamos para a aula de física. Esse será o nosso ano, esqueceu? Nada pode piorar.
— Senhorita Olsen? — o professor de física sorri para Maya a parando na porta, e ela assente para Rebecca, que entra e caminha para guardar as suas cadeiras.
— Sim, senhor Jones.
— Eu gostaria de dizer que você é uma aluna exemplar. A melhor da turma, sem dúvidas. Ano passado muito me impressionou com suas opiniões, e sei que neste não será diferente. Eu gostaria de oferecer a você um curso extra de física avançada, que iria lhe dar uma ótima carga horária e contar muito para o seu currículo para ingressar na faculdade no ano que vem.
— Senhor... — a garota sentiu seus olhos marejarem. — E-eu... é o meu sonho.
— Eu sei, minha querida. — ele sorri gentilmente realçando as suas rugas, e toca em seu ombro. — Mas como você bem sabe, tem um custo adicional que eu imagino que, por sua situação de bolsista, você não conseguiria arcar. Por isso, conversei com a diretoria do colégio e encontrei uma alternativa para que você consiga que a escola pague isso para você.
— E qual seria?
— Monitorias.
— Eu aceito! — ela respondeu, sem precisar pensar. — Farei o que for preciso para conseguir esse curso. Quando eu começo?
— Quando você quiser. — ele sorri orgulhoso, e ajeita a boina cinza sob o seu ralo cabelo branco. — Considere-se sortuda, porque já tem seu primeiro aluno.
— E quem seria? — ela sorri animada e o senhor abre a porta da sala, estendendo a mão até o garoto que, pela primeira vez na vida, estava sentado na primeira fileira da classe.
Pobre Maya! Porque o destino tinha que ser tão irônico? O garoto arregalou os olhos azuis em sua direção, e enfiou o rosto entre as mãos parecendo ter a mesma reação de desgosto que ela. O velho professor Jones quebrou o silêncio fulcral, e sorriu, como uma criança que não sabia que estava prestes a juntar fogo e pólvora.
— Nicholas Campbell.
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