Quinze: Ar expandido
Depois do hospital, Nicholas deixou Maya em casa, e ambos não conversaram mais. A garota sorriu e se despediu, pedindo perdão novamente pelo amassado no carro, e entrando em casa com os passos mais rápidos que podia. Os dois pensaram nas crianças, cada um à sua forma.
Nick repassou a fala de Ben, que perguntou se o seu irmão era o seu melhor amigo. Depois de pegar o celular na casa de Jim, ele resolveu tentar esquecer. Ele não visitaria Dylan, não importava quantas vezes ele repassasse a fala do garotinho. Eram situações diferentes.
Maya, por outro lado, se ajoelhou em frente a cama e orou por cada um deles, de forma específica. Se ela não podia mais acompanhar ambos de perto com a mesma frequência, ela faria a única coisa que ela podia fazer a distância: ter fé.
Mais tarde, Becca a mandou uma foto dela com o gatinho. Ele já tinha feito cocô na sua cama e sua avó já havia gritado algumas vezes pelas roupas que haviam ficado com pêlos, mas estava tudo bem. Segundo suas palavras, Deus não poderia a ter dado uma amiga melhor.
Ambos passaram quase a madrugada inteira acordados, por motivos diferentes. Nicholas não conseguiu dormir com o barulho da briga noturna dos pais, que se estendeu quando viram o carro amassado.
Se fosse a alguns atrás, ele estaria se culpando pela discussão, e passaria semanas se martirizando por pensar que era por motivo desse, como um carro amassado, que os dois se atacavam. Hoje, ele sabia que não era.
Gregory e Evelyn já haviam feito de tudo para salvar o casamento, mas nenhum dos dois tinha certeza se, em alguma dessas tentativas, eles realmente queriam continuar juntos.
Qualquer coisa era motivo suficiente para que eles gastassem metade do dia culpando um ao outro por coisas do passado.
Evelyn nunca se esqueceu da traição do marido com a babá, e Gregory nunca a perdoou quando ela não foi ao velório no dia em que a mãe dele morreu.
Nicholas, em meio a isso tudo, cresceu sem acreditar em casamentos, ou amor. Ele sempre havia colocado na cabeça que jamais se casaria se fosse para correr o risco de acabar daquela maneira.
Colocando os fones de ouvido novamente para evitar escutar mais palavrões, Nick resolve mexer no celular. Havia duas mensagens, uma de Bright que ele nem se deu ao trabalho de abrir, e uma de Scoot.
— "Ei cara, deu certo. Marquei de encontrar a Maya no cinema depois de amanhã. Vocês têm passado muito tempo juntos, então tem alguma dica para me dar? Do que ela gosta."
Nicholas suspirou. Só faltava essa. Sem saber o que responder, ele abriu o chat com a pessoa na qual nunca havia mandado uma única mensagem de texto antes.
— "Do que você gosta?" — ele enviou e esperou. Mensagem visualizada às 02:15.
— "Quem é?"
— "Você sabe quem é"
— "Se soubesse não estaria perguntando." — Maya revira os olhos pausando o filme no notebook.
Seguindo a ordem da Marvel, depois de Capitão América (que ela achou relativamente bom e apelativo com o Chris Evans malhado e sem camisa), ela ainda estava no primeiro filme do Homem de Ferro. Só faltavam 20 filmes segundo a lista do Google até ela chegar ao último Vingadores e assistir o tal da Viúva Negra no cinema. E ela só tinha dois dias.
— "Você realmente nunca salvou o meu número?"
— "Não, psicopata"
— "Pare de me dar trabalho" — Nicholas digitou, revirando os olhos e tirando o fone. A gritaria havia parado.
— "O que você quer, Campbell?"
— "Sabia que você tinha salvado" — Ele sorriu satisfeito.
— "Você realmente veio me encher às 2 da manhã? Eu estou ocupada"
— "Com o que?"
— "Não te interessa!"
— "Scoot está me perguntando do que você gosta. O que você quer que eu responda?"
— "Como assim?" — Maya digitou, sentindo seu coração acelerar. Será que ele queria dar algum presente a ela?
— "Se soubesse não estaria perguntando"
— "Imbecil".
— "Responde logo"
— "Eu não sei, fala para ele não se preocupar com isso. Vai dormir, Campbell. Eu estou em um trabalho árduo aqui."
— "Você está estudando?"
— "Não. Estou assistindo os filmes da Marvel. Scoot parece ser fã."
— "E?"
— "E que eu preciso entender alguma coisa no filme sábado. Eu só sei que a viúva negra é uma mulher ruiva com uma roupa colada! Mais nada."
— "E você acha mesmo que vai dar tempo ver todos os filmes de uma vez só? Pare de ser louca, Olsen. Eu te conto."
Assim, Nicholas ligou para Maya. Sem saber se atendia ou não por literalmente detestar ligações, a garota deixou o celular tocar umas duas vezes. Na terceira, ela desistiu e atendeu. De forma inexplicável para ela, não foi nada estranho.
Nick contou, com paciência e de forma resumida, um pouco de cada um dos filmes. Maya morreu de rir achando que ele havia exagerado em algumas partes, e os dois, sem perceber, passaram mais de duas horas na ligação.
Quando o relógio marcou 4:35 da manhã, os dois dormiram sorrindo, com o celular no travesseiro.
— Será possível que eu estou na série The Walking Dead? Maya, acorde! Você está parecendo um zumbi! — Becca chacoalhou a amiga, que estava bocejando no meio do corredor.
— Bec, não grite tão cedo, agora não. — a garota abriu o armário e pegou os livros.
— Esses são os livros de Matemática, May! A próxima aula é de Filosofia. — ela tira os livros da mão da amiga e troca, fechando o armário dela. — Que horas você dormiu ontem?
— Tar... — Maya bocejou. — ...de.
— Bom dia chokito. Nasceu uma nova espinha hoje? — Jim aparece no meio das duas e franze os olhos para a testa de Rebecca. — Cara, essa está horrenda! Vou até dar um nome para ela: Bernadette!
— Melhor ter uma espinha no rosto do que cara de idiota. — Becca abre a garrafinha de água que segurava e joga no rosto do ruivo. Maya, que estava com os olhos quase fechados de sono até acordou. — Me esquece, James!
Os gritos dos outros alunos que estavam ao redor urgiram, estressando Jim. Bec segurou no braço de Maya e saiu, sem se dar ao trabalho de olhar para trás.
— Caramba Bec! Você sempre aguentou as provocações de Jim calada. Eu estou impressionada.
— Ele sempre me irritou May, mas agora está saindo dos limites! Acredita que a dois dias atrás ele colocou uma perereca na minha mochila?
— Credo, Bec! — a morena fez uma expressão de nojo, sentindo cada parte do corpo se estremecer. — Como você não me contou isso?
— Porque eu joguei de volta no armário dele. — ela dá de ombros, vendo a amiga arquear as sobrancelhas. — Minha avó tem a roça no Texas, até parece que eu vou ter medo de uma rã.
Maya gargalhou.
— Por essa eu não esperava.
— Minha psicóloga disse que eu tenho que resolver meus problemas e, bom, ele é um deles. — a garota ajeitou o cabelo rosa e sorriu quando Kevin passou ao seu lado.
— Oi. — ele tocou no braço, e colocou um bombom na mão dela. — Comprei para você. Fiquei sabendo que era seu preferido.
— Oh... — Becca mordeu o lábio inferior, sorrindo completamente impressionada. Como ele poderia ser tão fofo? — Obrigada, Kev.
— Oi Maya, tudo bem? — ele se virou para a garota, parecendo perceber só naquele instante que ela estava ali.
— Tudo ótimo. — Maya fez um sinal de positivo com os dedos, sem saber como agir em meio à vela de um flerte.
— Então Bec... — ele sorriu, colocando as mãos no bolso da calça. — Eu vou jogar amanhã, sabe, vai ter um campeonato final de basquete e é bem importante. Eu gostaria que você fosse.
— Eu adoraria. — a garota sorri, jogando o cabelo na frente do rosto. Será que a espinha da testa estava tão grande assim como Jim havia falado? Na dúvida, ela precisava esconder. Se a base nova não estava dando certo, ela acharia outra alternativa! Maya estranha a atitude da amiga, e Kevin franze o rosto também tentando entender.
— Nós podemos sair depois... — ele vira o rosto de lado, e retira uma parte do cabelo dela do rosto. — Você... está bem?
— É a claridade! Gosto de colocar o meu cabelo na frente do rosto, sabe, para não me chocar contra o sol. Vamos amiga. — Becca sorri de nervoso, puxando Maya para sair dali. — Estamos atrasadas, te encontro no jogo, Kev!
— Tá. — ele sorriu e voltou a andar confuso. O moreno suspirou. Mulheres eram estranhas.
— Eu tirei um B! — Nicholas coloca a prova na frente de Maya e sorri, apoiando os braços na mesa.
Os dois marcaram de se encontrar na biblioteca, ou melhor dizendo, Campbell mandou uma mensagem pedindo para ela encontra-lo lá no intervalo e dar a grande notícia. A aula de Filosofia havia sido tão maçante que tanto ele quanto ela cochilaram quando o professor falou Platão pela milionésima vez.
— Não foi a nota que você esperava. — Maya sorriu fraco.
— Para uma primeira vez, está bom Olsen, muito bom. Obrigada de novo.
— Estudaremos mais nessa unidade! Você irá conseguir um A. Inclusive, podemos começar agora.
— Agora nem se eu quisesse, estou morrendo de sono e você também. — ele admite e guarda a prova de volta na mochila, vendo Maya balançar a perna sem parar na cadeira. — Porque está ansiosa assim?
— Eu... eu não estou ansiosa. — ela bate com os dedos na mesa, e quando percebe a ação involuntária da própria perna e dos dedos, para ao encarar as sobrancelhas erguidas do garoto à sua frente. — Tá, talvez só um pouco.
— Por...?
— É... que o encontro... já é amanhã!
— E?
— Eu não vou falar com você sobre isso. — ela pega a mochila e se levanta da mesa, empilhando os livros da próxima aula.
— Do que você tem medo, Olsen? — Nicholas pergunta, estranhando a reação inquieta dela. — Você realmente gosta do Scoot?
— É claro que eu gosto! — ela diz, se virando indignada pela pergunta. — Mas...
— Mas o que? O máximo que irá acontecer depois do filme é ele te beijar e te trazer de volta para casa. O que tem demais nisso? — Ele solta confuso e então vê os olhos da garota arregalados, como se ele estivesse acertado demais na própria pergunta. — A não ser que... Ah não! Não me diga que você nunca beijou. Não pode estar falando sério.
— Isso não é da sua conta. Tenho aula de geografia agora, vou chegar atrasada. — ela pega seus livros e coloca a mochila nas costas, saindo da biblioteca.
Maya não conseguia mentir. Esse era um grande defeito, segundo Rebecca, que ela possuía, mas não era pior do que também não conseguir omitir qualquer informação sem parecer uma completa desesperada. Nicholas a puxa pelo braço e eles entram em um dos corredores de livros, que estava vazio.
— Você tem 17 anos Olsen, isso é sério? — ele diz completamente surpreso. Maya não era nem perto de ser feia ao ponto de nunca ter havido um garoto que quisesse beijá-la.
— Não ria de mim.
— Eu não estou rindo de você.
— Não espero que você entenda.
— Tente. — ele a olhou curioso. Percebendo que ela queria fugir de novo, ele resolveu tentar uma nova tática que a faria falar. — A não ser que a explicação seja que ninguém nunca quis ficar com você.
— Três garotos já pediram para ficar comigo, ok? — ela soltou de forma impulsiva, se sentindo uma adolescente idiota. Três. Grande número. E ela tinha contado. — Eu... eu nunca quis.
— Porque?
— Porque eu sempre quis que meu primeiro beijo fosse especial. — ela confessou, olhando para os próprios pés. — Queria que fosse com um garoto que valesse a pena. Com alguém que eu realmente estivesse apaixonada.
— Isso é clichê demais, Olsen. Até para você. — ele disse na defensiva, tentando responder o que ele achava que deveria ser respondido. No fundo, ele havia ficado surpreso com a resposta.
— Vai ser uma vergonha! Eu não sei como agir...
— Não tem uma receita de bolo! É natural, ainda mais agora que vocês ainda não se conhecem...
— Nós nos conhecemos! — Maya o interrompeu, sentindo como se estivesse acabado de levar um tapa.
— Não estou dizendo nesse sentido, de forma superficial. Você nunca foi realmente próxima do Scoot, ou amigos. Vocês sempre foram colegas, sabem o básico um do outro e...
— Você está errado. — ela o interrompe de novo, ficando magoada com a fala. Maya passou os últimos anos da vida dela conhecendo e se apaixonando por Scoot. Nicholas não sabia de nada.
— Tudo bem, se você diz, mas isso não é ruim, Olsen. Não tem que ter pressão alguma.
— Para você é fácil falar, Campbell! Já beijou metade das bocas do colégio.
— Eu não beijei metade das bocas do colégio! Namorei quatro garotas.
— Você conta ficar por uma semana como namoro?
— Isso indica que eu sou um cara sério, não? — ele arqueou as sobrancelhas e ela revirou os olhos, tentando sair. Ele entrou na frente dela.
— Tá, talvez eu não seja um grande exemplo, mas você realmente não tem motivo para ficar nervosa.
— Ah é? E como vai ser? — Maya cruza os braços, demonstrando uma expressão impaciente.
— Ele vai se aproximar... — Nicholas diz dando dois passos na direção dela e lutando mentalmente de novo contra a voz que alertava o limite de distância que não devia ser ultrapassado. É para ajudá-la, ele se auto justificou. — E sorrir um pouco.
— E o que eu faço nesse momento? — ela engole uma saliva, apertando forte a alça da mochila contra o ombro.
— Sorri de volta.
— Esquece Nick, será um desastre. Eu não sei fazer essas coisas... — ela tenta sair novamente, mas ele segura seu braço, a parando no mesmo lugar.
— Você consegue Maya. É simples. Se concentra.
— Você está mesmo me ensinando a flertar? Os planetas devem estar mesmo prestes a se colidir...
— Bom, se eu estou realmente me esforçando para passar na prova de física conseguindo te aturar a mais de dois meses, os planetas já deveriam ter se colidido. Agora fique parada, e olhe para mim.
— Estou olhando.
— Não dessa forma. Imagine que eu sou o Scoot. — Nicholas diz e se aproxima de novo, continuando com a mão no braço dela que se transformou em um toque mais leve, e levando à outra ao seu rosto. Com o polegar, ele acariciou a bochecha dela e percebeu o quanto a pele dela era macia.
— Ok. — ela sussurrou, olhando de verdade desta vez para o azul dos olhos de Nicholas. Ela percebeu que jamais os vira de tão perto. A garota tentou substituir em sua mente aqueles olhos pelos verdes de Scoot, mas, de alguma forma que ela não entendeu, ela não conseguiu.
— Ele vai te dar boa noite. — ele se aproxima ainda mais, sentindo o perfume dela. — E vai dizer o quanto você está linda.
— Você... tem que dizer, digo, na primeira pessoa. — ela sussurrou sem pensar, sentindo seu corpo petrificado.
— Boa noite, Maya. — ele disse baixo e rouco, descendo devagar a mão que estava no braço, ainda com carícia, até entrelaçar os dedos aos dela. Os centímetros de distância que separavam os seus rostos pareciam cada vez mais diminuírem, e sem Nicholas conseguir mais distinguir se era atuação ou realidade, ele não conseguiu não olhar para os lábios carnudos da garota. Maya estava paralisada, sem conseguir respirar. — Você é a garota mais linda que eu já vi. — ele sussurrou e sentiu o corpo colar ao dela. Em uma espécie de transe, a respiração dos dois se tornou uma só, e como um balde de água fria Nicholas se afasta no impulso. — Bom, esse é o momento que ele te beija.
Nicholas diz de costas, tentando entender que droga havia acabado de acontecer ali. O ar dos dois se expandiu. Maya se virou para a estante de livros sem conseguir encará-lo, pensando a mesma coisa. Seu cérebro gritava em alto e bom som: O QUE FOI ISSO?
— Vamos chegar atrasados mesmo na aula, já vou indo. — Nick diz nervoso.
— Te vejo depois, obrigada. — ela respondeu ainda de costas, sentindo seu coração bater mais forte.
Os dois saíram, um para cada lado da biblioteca, tentando repassar se aquela situação havia sido normal.
Maya tentou focar em qualquer outra coisa que não fosse a cena que havia acabado de acontecer, e Nicholas tomou uma decisão. Ele nunca mais deveria se aproximar dela daquela forma. Que espécie de amigo ele estava sendo?
Scoot era como um irmão para ele, e ele estava prestes a estragar isso por uma garota.
Não era qualquer garota, o cérebro dele o alertou, mas não importava. Não era como se ele estivesse apaixonado. Foi só uma atração de momento, e mesmo se fosse algo a mais, Maya era boa demais para alguém como ele. O certo a fazer, tanto por ela quanto pelo melhor amigo, era se afastar.
Mesmo que depois daquele momento, essa era a última coisa que ele queria fazer.
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