Nove: O timbre da sua voz
Maya se levantou mais cedo naquela manhã. Depois do dia anterior no hospital, ela havia chegado exausta e dormido cedo, exatamente como tinha planejado. Descansar para acordar bem para a apresentação do coral da igreja.
O que ela não tinha planejado foi ter dado aquele abraço em Nicholas. Depois daquilo, ela se sentiu estranha. Completamente estranha. Ela nunca havia abraçado garoto algum antes. Não tão perto, e não daquela forma. Ela havia sido invasiva demais?
Seu rosto ardeu de vergonha ao pensar em vê-lo novamente. E se ele tivesse interpretado aquele abraço de forma errada? E se ele achasse que ela estava dando em cima dele? Deus, que ele não pensasse isso!
Seu gato passou pelas suas pernas e ela o pegou no colo, sentindo o bichano dar um leve cheirinho em seu nariz, como se dissesse: eu te amo mamãe. Bom, pelo menos isso é o que Maya pensava que o gato diria.
Depois de uma boa dose de carinho enquanto ensaiava novamente o louvor, a garota abriu o guarda-roupa e encarou o vestido mais bonito que possuía. Havia sido presente da sua mãe, antes dela ir embora de casa. Ela nunca havia o usado. Segundo a mãe, era para quando ela fizesse 15 anos e tivesse sua festa de debutante. A festa nunca aconteceu.
Ela pegou a peça do cabide, e colocou em frente ao corpo no espelho, refletindo no quanto ela ficava bonita naquele tom de verde água. Ele possuía rendas nas mangas longas e após afinar a cintura, descia em uma saia rodada, alcançando até o final dos joelhos. Era um evento especial da igreja, ela queria ir bonita...
— Filha? — o barulho do pai batendo na porta interrompeu os pensamentos de Maya. Ela gritou um "pode entrar", e viu o pai observar o vestido que ela segurava.
— Eu não vou usar. — ela disse logo, colocando o vestido de volta no cabide.
— Oh querida... — Samuel pegou o vestido de volta, e colocou nas mãos da filha. — Eu não me importo. É apenas um vestido.
— Mas foi ela que me deu...
— Não se deve guardar raiva da sua mãe. — ele tocou o rosto da filha e sentiu seu peito se entristecer, ao pensar em quanto dor a sua garotinha já havia carregado pelo abandono.
— Eu não tenho raiva, pai. Eu só... — ela ficou sem palavras, engolindo uma saliva e olhando para baixo. Samuel a abraçou e beijou o topo da sua cabeça.
— Eu entendo. Agora tente não pensar nisso, e coloque o vestido. Não se atrase, estou esperando lá embaixo.
— Tudo bem... — ela sorriu e abraçou o vestido. — Pai?
— Oi. — ele parou na porta, pensando se havia esquecido alguma coisa.
— O senhor é o melhor pai do mundo. Obrigada por tudo. Eu te amo. — ela soltou, pensando que deveria dizer isso mais vezes.
Samuel havia sacrificado muita coisa durante os últimos anos tentando ocupar o lugar de mãe e pai de Maya ao mesmo tempo. Teve um dia das mães em que ele vestiu um vestido da avó da garota e fez chá com biscoitos, tirando um dia inteiro de gargalhadas da filha. Ao ouvir a fala dela, Samuel sorriu e agradeceu mentalmente a Deus por ter conseguido cria-la bem.
— Eu também te amo, minha estrelinha.
A igreja estava lotada. Maya inspirou e expirou várias vezes, tentando encontrar Rebecca com o olhar. A amiga não estava lá. Ela mandou diversas mensagens perguntando se ela havia se esquecido do culto especial daquela manhã, mas não obteve resposta.
Ela ligou, e deu caixa postal. Decidindo deixar um recado, Maya perguntou se o domingo do sorvete pelo menos ainda estava de pé para mais tarde. Becca deve estar dormindo, depois aparece, ela pensou.
O pai acenou para a filha de longe, se sentando na primeira fileira, e o pastor John veio dar um abraço na garota, dizendo o quanto ela estava bonita. Ela sim seria uma nora e tanto para o meu filho, ele pensou enquanto saía em direção ao púlpito para começar o culto da manhã.
Maya se sentou no piano, e observou todo o grupo do coral se dirigir a frente após a apresentação do pastor. Ela iria tocar, e depois cantaria o final do refrão sozinha. A garota fechou os olhos e fez uma oração rápida. Pelo menos ela estaria de costas.
Quando o sinal foi dado, Maya começou a tocar Amazing Grace. O coral começou a cantar, e os seus dedos tocaram cada tecla com o seu próprio coração. Era um dos louvores preferidos dela, e a letra conseguia tocar ao mais profundo de sua alma. Quando sua parte chegou, a garota fechou os olhos, e cantou com todos os sentimentos que possuía, entregando cada um daqueles versos a Deus.
— Amazing grace, how sweet the sound, that saved a wretch like me. I once was lost, But now I'm found, was blind but now I see... Oh I can see you now... oh I can see the love in your eyes... Laying yourself down... Raising up the broken to life. *
Os últimos acordes do piano foram cessando, e depois de uns minutos de silêncio, as palmas começaram. Maya criou coragem e se levantou, se juntando ao grupo do coral. Quando ela olhou para a frente, um par de olhos azuis se encontraram aos dela no último banco da igreja.
A garota prendeu o ar, e pensou o que ele estava fazendo ali. Ela nunca havia visto os olhos de alguém brilharem tanto ao olhar para ela, e não imaginava que seriam logo os dele.
Nicholas Campbell.
A última coisa que Nick esperava ao ir para a igreja, era encontrar Maya cantando. Ele havia se sentado na última fileira da forma mais escondida que podia, torcendo para aquilo acabar logo. No entanto, quando uma voz começou a cantar, algo que ele não sabia explicar mexeu com o seu coração.
Era a voz mais linda que ele já havia escutado em toda a sua vida. O timbre era perfeito, e a cada letra da canção, ele pensou em como era pecador e o quanto ele realmente precisava da graça de Cristo. Ele se arrependeu de ter sentado atrás de tantas pessoas, e começou a tentar se inclinar e procurar enxergar de onde estava vindo aquela voz.
Era a pianista, que estava de costas. Ele conseguiu ver apenas um pouco do cabelo preso em um coque baixo, e um vestido quase azul claro. Era como se ele estivesse ouvindo um anjo cantar. Sem conseguir enxergar mais além daquilo, ele desistiu de encarar a careca de um idoso à sua frente e fechou os olhos, focando apenas naquela voz.
Quando o último toque do piano cessou, todos se levantaram e aplaudiram. Ele permaneceu parado, esperando para ver quem era a garota que havia mexido com ele só de ouvi-la cantar. Quando ela se virou e ele descobriu que era a Maya, nenhuma parte do seu corpo conseguiu se mover. Não era possível que ela cantasse daquela forma. Não era possível que era a voz dela, esse tempo todo.
E ela estava linda.
Os dois se olharam por tempo demais, e Nicholas resolveu ir embora dali. Sem entender o que ele havia sentido, ele se sentou no banco do jardim da igreja e enfiou as mãos entre o rosto. Ele só precisava esperar o culto acabar para pegar carona com tio John e ir ao hospital ver o irmão. Depois de alguns minutos, Scoot apareceu e sentou ao seu lado.
— Ei cara, o que está fazendo aqui fora? A pregação vai começar agora.
— Eu estou bem aqui, tomando um ar, sabe como é. — ele sorriu fraco.
— Nada disso, bora entrar. — o loiro puxou Nick, que se levantou contra a sua vontade e foi andando de volta para dentro. — Sabe, eu andei pensando naquilo que você me disse ontem.
— Sobre o quê? — Nicholas sussurrou enquanto eles se sentaram em outro lugar no fundo. Pastor John havia começado a falar.
— Sobre a Maya. Acho que vou começar a conversar com ela. — Scoot sorriu e abriu a bíblia, sem fazer a mínima ideia de qual capítulo era para abrir já que ele não havia escutado.
— Que bom. — Nick respondeu secamente, cruzando as mãos e apoiando os braços nas pernas.
— Cara, você tinha total razão. Quer dizer, como eu não havia reparado nela antes? — o loiro diz ainda sorrindo, como se não tivesse percebido que Nicholas estava incomodado. — Você viu como estava linda hoje? Ela cantou no fim do coral, estava no piano, não sei se você já tinha saído lá para fora...
— Eu já tinha. — Nicholas mente, sorrindo fraco. — Não vi.
— Então espera aí, deixa eu procurar aonde ela está sentada...
— O culto. Vamos prestar atenção no culto, Scoot. — Nicholas disse olhando para a frente se odiando por não entender o motivo da sua própria reação. Scoot estranhou a fala do próprio amigo, mas assentiu.
— Ok cara, foi mal.
Pastor John começou a pregar sobre a fidelidade de Deus, e o amor de Cristo. Nicholas olhava para frente mas não conseguiu prestar atenção em muita coisa, já que se sentir um idiota estava ocupando todo o seu tempo.
Maya, do outro lado da fileira também falhou em ouvir a palavra do culto daquele dia. Porque raios o Campbell estava ali? Ele não costumava frequentar a igreja. A garota folheou a bíblia tentando pensar em outra coisa, mas não conseguiu.
Quando o culto acabou, Scoot pediu alguns minutos para Nick, e andou em direção a Maya. Ao ver o loiro se aproximando, seu coração quase entrou em colapso. Ela até olhou para trás, conferindo se ele não estava sorrindo para outra menina ao invés dela. Às suas costas só havia uma velhinha fofa, e uma criança de 5 anos. Ele realmente estava andando até ela.
— May? Oi. — Scoot sorriu ainda mais, parando em frente a ela. — Eu só queria dizer... sua voz é linda.
— Obrigada. — ela respondeu, sentindo suas mãos suarem. — Eu não costumo cantar... seu pai, na verdade, que me convenceu. Ele disse que precisava de alguém no piano, e se lembrou que eu tocava quando criança.
— Você foi incrível. — ele diz, dando um passo ainda mais perto. Maya achou que naquele momento iria desmaiar. — Escuta, você gostaria de sair comigo qualquer dia desses? Podemos tomar um sorvete...
— C-c-claro! — ela gaguejou, se martirizando mentalmente. Ela estava parecendo fácil demais. — Quer dizer, eu preciso ver...
— Não tem problema, eu sei que você é muito ocupada e tem tirado muito tempo ultimamente para ajudar o Nick em física. — ele diz de forma natural e o olhar de Maya encontra o de Nicholas por trás de Scoot. Sem saber porque olhar para ele havia se tornado algo tão estranho, ela desviou rápido o olhar e voltou a encarar Scoot. Os belos olhos verdes de Scoot. — ... Então, você tem meu número. Me manda uma mensagem me dizendo que dia fica melhor para você.
— Mando sim. — ela sorriu e passou a mão no vestido, tentando retirar um pouco o suor. Scoot assentiu e saiu, feliz pela dica do amigo. Maya realmente era uma garota interessante.
— Podemos ir? — Nicholas diz a Scoot, querendo imediatamente sair daquele lugar e tentar não olhar novamente para Maya.
— Claro, vou chamar meu pai e já vamos. — o loiro saiu à procura de John, e Nick andou de um lado para o outro decidindo esperar lá fora. Ele andou até o estacionamento, e quis se explodir quando viu Maya andando em sua direção. Droga!
— Oi. Estou feliz que tenha visitado a nossa igreja. — ela diz como uma fala pronta quando se dirige a qualquer visitante, e se sente completamente ridícula ao ter ouvido a própria fala. Sério que ela havia falado isso para Nicholas?
— Não se preocupe, não pretendo voltar. — ele solta nervoso e em segundos percebe a burrada que fez. Se lembrando de tê-la feito chorar no hospital, ele passou as mãos no rosto e tentou consertar a fala o mais rápido que podia. — Olha, eu queria te pedir perdão. Por ontem. Eu não queria ter gritado com você daquela forma.
— Tudo bem... — Maya assente, pensando se havia mesmo escutado um pedido de perdão de Nicholas. — Quanto ao abraço, foi sem pensar, não quero que você pense que...
— Eu não estou pensando nada. — ele a interrompeu e pensou no quanto ela havia ficado bonita envergonhada. — Obrigada por ele. Eu estava mesmo precisando.
— Eu posso perguntar o que aconteceu com o seu irmão? — ela olhou no fundo dos olhos dele e antes que Nicholas respondesse, a voz do pastor John e de Scoot o interrompeu.
— Nick? Terminei filho, desculpa a demora. Vamos? — John aperta o ombro do garoto e se vira para Maya. — Você foi perfeita hoje, os irmãos estavam comentando que foi o coral mais belo que já assistiram.
— Obrigada, pastor. — ela sorriu envergonhada e apertou a bolsa de lado. — Eu já vou, meu pai deve estar me esperando. Vejo vocês no colégio. — ela disse olhando para Scoot e Nicholas, e saiu a passos rápidos dali.
Maya respirou fundo conforme andava, e olhou para o céu.
— Que dia estranho, Deus.
*Tradução:
Maravilhosa graça, quão doce o som
Que salvou um miserável como eu
Eu estava perdido, mas agora fui encontrado
Era cego, mas agora eu vejo
Oh, eu posso Te ver agora
Oh, eu posso ver o amor em seus olhos
Descendo sobre nós
Levantando o quebrado para a vida
🤍
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