Dez: Cargas elétricas
Nicholas se levantou na manhã de segunda feira decidido a aparecer na escola como se nada tivesse acontecido. Os pais dele haviam concordado em internar Dylan em uma clínica de reabilitação, e ninguém se opôs, nem mesmo o próprio Dylan, que estava passando pelos piores pesadelos todos os dias ao relembrar que o melhor amigo havia morrido por sua culpa.
Sendo assim, Nick pegou uma carona com Scoot e entrou no colégio Warren determinado a continuar a sua vida como um garoto normal faria. Suas noites mal dormidas não fariam com que ele também perdesse os dias.
Ele precisava viver, e a partir daquele dia, não olharia mais na cara do irmão. Dylan pagaria pelos seus próprios erros sozinhos, e ele não pisaria os pés na tal clínica. Assim como Maycon, Dylan também havia morrido para ele.
Maya, por outro lado, passava pelos corredores do colégio pensando em como raios agiria quando visse Scoot novamente. Em seu total desespero, ela ainda não havia conseguido conversar com Rebecca e contar as novidades.
A amiga havia desaparecido no fim de semana, e isso já estava começando a deixá-la preocupada. Abrindo a porta do seu armário e colocando a combinação da data de aniversário de Albert Einstein, ela pegou o seu trabalho de História pensando em revisar e planejou correr até a sala de aula para ver se encontrava Becca antes da professora começar.
Quando a garota se virou, no entanto, alguém esbarrou nela com toda a força que podia, derrubando seu caderno, o estojo, e pior: o trabalho. Maya se virou e encontrou o olhar frio de Bright, que imediatamente fez questão de terminar o serviço jogando Coca-Cola em cima do trabalho que já estava no chão.
— O que... porque... — Maya tentou perguntar se abaixando com lágrimas nos olhos. Ela tentou reunir as folhas encharcadas de refrigerante, e falhou miseravelmente quando elas se desfizeram em suas próprias mãos.
— Não se faça de sonsa, você sabe o porquê! — Bright quase cuspiu as palavras em Maya, ajeitando a franjinha escura. Ela pisou no estojo antes que a menina o pegasse com sua bota coturno preta, e se abaixou falando perto do rosto da garota: — Fique longe do Nicholas.
Do outro lado do corredor, Nick e Scoot presenciaram a cena. O loiro correu em direção à Bright indo tirar satisfação do que droga ela havia acabado de fazer, e Campbell andou em direção a Maya.
Ele se abaixou ajudando a catar todas as canetas que haviam se espalhado da queda do estojo que havia caído meio aberto, e sentiu algo dentro dele se apertar ao vê-la com os olhos cheios de água.
— Eu não preciso da sua pena. — Maya disse, engolindo uma saliva e tentando não chorar diante do garoto. Os olhos azuis dele a encaravam de uma forma tão profunda, que ela se sentiu a garota mais humilhada do universo.
— Eu não estou com pena, estou com raiva. — Nick ponderou, andando até o outro lado para pegar uma borracha.
Um grupo de colegas deles deram risada ao canto, cochichando e criando teorias do porquê Nicholas estava ajudando Maya, a garota a quem ele havia ajudado metade do colégio a ignorar.
— Eu não preciso da sua raiva também. — ela andou até o lado dele, tomando a borracha da sua mão.
Quando ela fez isso, por algum motivo que nem ele entendeu, Nicholas segurou a sua mão e literalmente, um choque atingiu os dois. Foi uma das poucas situações na vida onde os dois haviam sentido eletricidade passar por um toque impensado. Ambos se assustaram e puxaram as mãos, tentando ignorar o que havia acabado de acontecer.
— Vou arranjar outro trabalho para você.
— Não dá, Nicholas! — Maya reuniu a lama que havia se tornado os seus papéis, e jogou no lixo. Nem uma letra ali era visível mais após uma lata quase inteira de refrigerante. — Era o trabalho do semestre, foram 60 páginas escritas a mão. A data de entrega é amanhã!
— May, você está bem? — Scoot chegou, olhando realmente preocupado para a garota. Nicholas olhou para ela, e disse com firmeza antes de sair:
— Eu vou resolver.
— Esse aqui é o seu trabalho? — diz Nicholas, abrindo a mochila de Bright e pegando o que parecia ser no máximo 20 folhas grampeadas e digitadas em fonte Calibri Light: Primeira Guerra. — A propósito, esqueceu de acrescentar o Mundial.
— Nick, o que você está fazendo? — a garota engole uma saliva e tenta tomar as folhas da mão do ex, que logo segura o trabalho para cima.
— Se a Maya não vai ganhar nota, você também não vai. — ele disse e rasgou os papéis em miseráveis pedacinhos, levando ao lixo da sala logo depois.
— Porque você está fazendo isso? Desde quando começou a defender aquela garota insignificante? — ela segurou com raiva o braço do garoto e deu um passo para trás quando viu os seus olhos azuis cobertos de raiva.
— A única insignificante aqui é você, Bright. Cresça! Se fez aquilo por minha causa, não se dê mais o trabalho. Não vou voltar com você.
— Você está interessado nela!
— Não, não estou.
— Prove.
— Não preciso provar nada. — ele se vira para sair e vê Amber entrando na sala brigando com Jim. Bright parece não se importar com a presença dos dois e grita, chamando atenção:
— E o meu trabalho seu idiota?
— A data de entrega é amanhã. Eu te fiz um favor, tenho certeza que esse seu estava uma droga. A propósito, era manuscrito, e deve precisar de, no mínimo, mais que o dobro das folhas que você fez. — ele dá de ombros e ajeita a mochila nas costas. — Você nunca estudou direito antes, acho bom começar.
— O que você está fazendo aqui? — Maya abre a porta de casa olhando no celular e vendo que eram exatamente 15:16 da tarde.
Ela havia passado a manhã inteira preocupada com a melhor amiga e havia decidido ir à casa dela, que por acaso ficava do outro lado de Atlanta, para saber o que aconteceu. Seus planos, no entanto, foram frustrados quando ela se lembrou que tinha 60 páginas para copiar à mão até o dia seguinte.
Nem com Scoot ela havia conseguido conversar direito, de tão abalada que estava. Ela quase correu depois que Nicholas foi embora com fúria nos olhos.
Maya decidiu que adiaria a visita à casa de Rebecca para a próxima manhã, e foi embora para casa cedo, o mais rápido que podia, para começar a fazer seus dedos trabalharem. Ela só esperava encontrar Nicholas na porta da sua casa naquele horário.
— Vim te ajudar a refazer o trabalho que a Bright estragou. — Nick diz de forma direta, retirando os sapatos e colocando ao lado do tapete da varanda. — Posso entrar?
— Você não precisa fazer isso...
— Eu sei que ela fez isso por minha causa, Olsen, então sim, eu preciso.
— Olha, eu não quero mais problemas com a sua ex namorada e meu pai não está em casa, você não pode entrar. — ela disse já de forma direta, encostando a porta atrás de si.
— Ela não vai te incomodar, e quanto ao fato de eu não poder entrar, você me esperou tirar os sapatos para dizer isso? — ele abre os braços com expressão de raiva, tirando um sorriso da garota.
— Ainda é divertido te irritar, Campbell. — ela se vira pegando uma mochila que estava em cima da mesa da sala de estar e coloca um casaco no braço com medo de que fizesse frio mais tarde. — Eu cansei de copiar aqui, se realmente quer me ajudar tudo bem. Estava indo para a biblioteca, você quer ir comigo?
— Você pretende ir a pé? — ele franze o cenho.
— Bom, em minha grande riqueza como você pode observar eu ainda não ganhei um carro. Eu gostaria de ir voando, mas não tenho asas, então...
— Muito engraçada. — ele sorri em ironia para ela, e a acompanha enquanto ela tranca a porta de casa.
— A propósito, o que aconteceu com o seu carro? — ela pergunta se lembrando de que havia visto o garoto pegar carona com Scoot nos últimos dias e logo se arrepende ao vê-lo ignorá-la. — Você não vai me responder, não sei porque eu perguntei.
— Eu peço outro uber para irmos até a biblioteca. — ele digita no celular e Maya retira o aparelho da sua mão, o olhando incrédula.
— A biblioteca só fica a duas quadras daqui, Campbell!
— Porque eu perderia meu tempo andando se eu posso ir de carro? — ele a olhou com raiva, se lembrando o quanto Maya era irritante. A garota o devolvou o celular e o ignorou, andando na frente.
Naquele momento ele se esqueceu de tudo o que havia se passado, e se lembrou do porque a detestava. Fechando o aplicativo, ele desistiu andando atrás da garota. Se ela acabasse sendo atropelada com toda a teimosia que possuía, ele não queria que a culpa fosse dele. Somente por isso.
— Droga garota, espere!
— Eu não acredito que você está realmente copiando um trabalho para mim. — Maya disse incrédula ao observar Nicholas passar para a página 29.
— Você copiou 30, eu copio 30. É justo. — ele pontuou, sentindo os dedos doerem. Nunca em toda a sua vida ele havia copiando tanto.
— O professor não vai deixar...
— Ele vai, já disse que irei explicar a ele que a culpa foi minha por você ter perdido seu trabalho. Todo mundo sabe que você estuda, Olsen, é uma história inteiramente verídica de se acreditar. Provavelmente seria uma coisa que eu faria com você no passado. — ele confessa, virando a folha e passando para a última página. Ele esfregou os olhos que quase ardiam com a luz ruim da biblioteca.
— Eu nunca te perguntei o porquê. — Maya disse baixo, colocando o ponto final na sua última página. — Digo, porquê você sempre me odiou e fez de tudo para acabar comigo no colégio desde que tínhamos 6 anos...
— 6? — O garoto franziu os olhos. — O que raios eu fiz com você quando tínhamos 6 anos?
— Você grudou chiclete no meu cabelo!
— Eu? Está maluca? Não lembro de ter grudado chiclete no seu cabelo! Na verdade, quem lembra de alguma coisa com 6 anos? Eu não sei nem o que almocei hoje!
— Impossível você não se lembrar que eu fiquei com um buraco no meio do cabelo quando era criança, Nicholas!
— Disso eu me lembro, mas achei que você tinha cortado por moda!
— Moda? — Maya abre a boca em estado de choque e ele soltou uma risada, se lembrando se como ele havia achado engaçado o cabelo dela no jardim de infância. — Ok, esquece o chiclete. Agora sobre o meu aniversário de 10 anos não tem explicação! Você derrubou o meu bolo.
— Aquilo foi sem querer. — ele justificou, parando de escrever e olhando para ela. — Eu estava correndo atrás de uma bola que Jim havia jogado, não tive culpa!
— E o apelido Maya do Mar Vermelho? — ela bateu com as duas mãos na mesa, furiosa por ter repetido o apelido que tanto odiava.
— Não fui eu que inventei, eu só ouvi e espalhei. — ele a olha incrédulo. Ela realmente achava que ele era o culpado por tudo aquilo ao longo de todos aqueles anos?
— Então porque raios você me odeia? — ela o encara em completo estado de choque.
— Porque você sempre pareceu me odiar!
— Eu não acredito que te odiei por nada durante todos esses anos!
— Bom, eu acredito. Você sempre foi muito metida.
— Metida? Eu? — Maya levanta da mesa se sentindo ofendida e pega a mochila.
— Aonde você pensa que vai?
— Embora. Sou metida demais para ficar no mesmo lugar que você. — ela diz com tom irônico e anda estressada até a porta de saída, se surpreendendo ao ver que já havia escurecido.
— Espera! — Nicholas grita com raiva, catando todas as outras coisas da mesa às pressas e andando a passos largos atrás da garota. Pela segunda vez no dia. — Você é metida sim, Olsen! Sempre se achou melhor do que os outros porque tirava as melhores notas. Todo mundo te detestava porque você era a garota irritante que respondia as perguntas dos professores e fazia os outros parecerem burros.
— Eu nunca fiz isso! — ela se vira estressada.
— Você sabe que fez.
— Eu não me acho melhor do que os outros, a culpa não é minha se eu sempre tive facilidade com contas mais difíceis...
— Não importa, Olsen, que droga! Você está estressada porque acabou de perceber que nunca teve motivos para me odiar.
— Você acabou de admitir que ajudou a espalhar o apelido de Maya do Mar Vermelho!
— Era engraçado! — ele segurou uma risada e ela se virou, querendo ir embora. Nicholas segurou seu braço e fez a garota parar. Pela segunda vez no dia, eles haviam se tocado. A estranheza do ato fez novamente ele a soltar. — Olha, não tem motivo para não sermos amigos. As ruas estão escuras, eu te acompanho até sua casa.
— Eu sei muito bem me defender sozinha!
— Não estou te dando uma escolha, estou dizendo que vou te acompanhar.
— Então converse sozinho, porque eu não estou mais falando com você!
— Você falou agora. — ele a olhou e quase sorriu ao ver ela grunhir baixo de raiva, como uma criança birrenta de 5 anos.
Assim, sabendo que ambos não tinham mais motivos para se detestar e insistindo no orgulho da mesma forma, os dois andaram em silêncio um ao lado do outro, fingindo que não eram amigos mesmo sabendo que já eram, pelas próximas duas quadras seguintes.
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