Capítulo 9
POV da Aspen
Ela estava adiantada.
E, embora Aspen tentasse se convencer de que não era porque ela estava ansiosa ou nervosa sobre conversar com J.V. novamente depois do dia anterior... nem muito menos porque ela estava hesitante sobre a sua nova aula...
O motivo era, muito provavelmente, um misto dessas duas coisas.
Mas ela tinha se preparado para isso. Ela tinha respondido todas as perguntas por si só, adicionando várias anotações e referências aos livros, para o caso de esquecer alguma coisa na hora de explicar para ele. Também tinha trazido o livro de literatura, suas anotações da aula, além dos resumos que costumava fazer para estudar para as provas.
E sobre o seu nervosismo com a carta, bem... não tinha muito que ela pudesse fazer além de ignorar e torcer pelo melhor.
Ela odiava não ter nenhuma forma de controlar essa situação, mas...
— Melhor não pensar nisso. — concluiu, respirando fundo e olhando ao redor do parque com curiosidade. — Hm. Até que ele escolheu um lugar agradável.
Aspen estava se aproximando do local onde havia combinado de se encontrar com J.V. quando uma melodia suave chamou a sua atenção.
— Peraí, eu conheço essa música... — murmurou, fechando os olhos por um momento e cantarolando a música baixinho, tentando se lembrar do nome.
Foi apenas quando chegou no refrão que ela descobriu, abrindo os olhos e dando um sorriso vitorioso. Era "Meu Abrigo" da banda Melim, uma das suas músicas prediletas.
Por que tinha demorado tanto para reconhecê-la?, pensou, voltando a caminhar na direção do ponto de encontro, ouvia essa música pelo menos umas cinco vezes por dia...
Provavelmente era porque o artista a estava tocando num ritmo um pouco mais lento do que a versão original... e também não havia a voz feminina acompanhando, algo que ela sempre havia gostado... porém, não conseguia deixar de apreciar essa versão mais acústica da melodia, a voz masculina era suave e um pouco rouca, como se o cantor tivesse acabado de acordar.
Era... relaxante, de certa forma.
Ela não conseguiu evitar a curiosidade que floresceu no seu peito. Quem seria a pessoa por trás da música? Era definitivamente alguém que sabia o que estava fazendo, provavelmente alguém que frequentava as aulas de música do Centro Cultural... Será que ela não conseguiria descobrir por lá? O rapaz tinha uma voz marcante, não devia ser tão difícil assim...
Ainda estava pensando sobre isso quando se deu conta de que estava quase chegando no lugar combinado com J.V. e, surpreendentemente, a música estava se tornando cada vez mais alta.
Bem, mas isso seria ainda melhor, pensou, voltando a caminhar, agora poderia pelo menos pegar o nome e o instagram do artista. Talvez até mesmo convencê-lo a participar do show de talentos, caso não fosse. Talento assim merecia ser reconhecido, pensou, cerrando os punhos.
Virou à esquerda para chegar ao lugar combinado e, para a sua surpresa, se deparou com J.V. que, de costas para ela, não a viu e continuou a tocar o seu violão.
Huh, quem diria que ele realmente leva jeito, pensou Aspen, levando um momento para admirar a cena. O rapaz parecia alheio ao mundo, sentado sozinho naquele banco do parque que já fora branco algum dia, mas que a tinta já havia descascado tanto que agora se aproximava mais de um triste tom de cinza.
As árvores ao redor balançavam gentilmente, quase como se dançassem acompanhando a melodia que ele produzia e, a alguns passos, o pequeno lago cortado pela ponte lhe dava a nítida impressão de ter sido transportada para o passado. Por alguns minutos, Aspen se questionou quantas pessoas não teriam se reunido naquele parque através dos anos para admirar o pequeno lago e, quem sabe, ouvir uma boa música e conversar.
Ela foi despertada de seus devaneios tão logo a música chegou a fim, e se apressou para bater palmas tão logo a música.
J.V. deu um pulo, se virando em direção ao som e arregalando os olhos ao notar que Aspen estava lhe assistindo, mas logo deu um sorriso sem graça e desviou o olhar, se inclinando para colocar o violão ao seu lado, no chão.
— Ah, oi. — ele cumprimentou, pegando a mochila e tirando de lá um grande caderno. — Eu fiz as questões que você me pediu.
*
— Você se saiu bem. — Aspen sorriu, revisando as suas anotações mais uma vez para se certificar de que não havia esquecido de nada — Conseguiu diferenciar bem todas as fases do romantismo... e analisou muito bem o poema "Se eu morresse amanhã", de Álvares de Azevedo, embora 'depressivo para caramba' provavelmente não seja um comentário aprovado para a prova discursiva do vestibular.
— Bem, mas ele é depressivo para caramba. — comentou, passando a mão pelos cabelos. — O cara fez um poema inteiro dedicado à própria morte.
— Bem, ele é um escritor do romantismo, a segunda fase do romantismo é marcada por esse pessimismo mesmo. Quero dizer, tem que pensar na cultura da época, certo? Arte é muito ligada à cultura. — explicou Aspen, devolvendo os papéis à J.V. — O que estava acontecendo naquela época do romantismo? Tinha muitas pessoas morrendo devido à tuberculose, uma doença que não tinha cura, então era normal que todos estivessem muito pessimistas, sem esperanças para o futuro.
— Sim, o próprio Álvares morreu cedo né?
— Exatamente, aos vinte anos. — Aspen ergueu os olhos e deu um sorriso triste. — A maioria das suas obras foram publicadas após a sua morte... muito triste, pensar que ele foi imortalizado por suas palavras e nunca chegou a saber.
— Parece a história de Van Gogh, né? O cara é um baita pintor, mas as pessoas o tratavam como louco... Era tão pobre que tinha que reaproveitar as suas telas, já que não podia ficar comprando novas para pintar. Foi apenas anos após a sua morte que realizariam que o cara era um gênio, duvido que ele tenha visto em toda a sua vida o dinheiro que custa apenas um dos seus quadros.
Aspen assentiu.
— É triste de pensar mesmo. — Erguendo o olhar para encará-lo, disse veementemente. — É por isso que você não pode deixar passar a oportunidade de mostrar o seu talento, J.V.. É sério, — repetiu, quando viu o rapaz menear a cabeça. — você tem um dom. Seria muito triste se ele só for descoberto depois da sua morte.
— Dona Aspen, dona Aspen, vou ter que incluir você no mesmo grupo da Nath e da minha mãe, vocês exageram demais. — ele riu, meneando a cabeça e dando uns pequenos tapinhas no ombro de Aspen. — Mas, obrigado, sabe? Acho que é a primeira vez em muito tempo que não tenho vontade de vomitar quando ouço a palavra 'talento'.
— Bem, se você não quiser usar essa palavra, vamos dizer que você é... habilidoso? Genial? Brilhante? — Aspen deu de ombros. — Sério, eu assistiria a show inteiro com você cantando. Sua voz é tão... calmante.
— Que jeito educado de dizer que eu tenho uma voz chata, — com um brilho divertido nos seus olhos, J.V. alargou o sorriso enquanto Aspen sentia o seu rosto ficar mais e mais quente. — mas tudo bem, contando que os jurados não caiam no sono, eu 'tô satisfeito...
—N-não foi i-isso que eu quis dizer! — Aspen se defendeu, ficando de pé subitamente. — Só que você tem uma voz relaxante, é só isso!
— Bem, então sinta-se à vontade para me ligar quando não puder dormir. Eu conheço algumas canções de ninar... já que a minha voz é relaxante e calmante. — J.V. soltou uma gargalhada. — Só uma dica, Aspen, se você algum dia quiser elogiar a voz de algum cara, diga que ele tem a voz sexy, tá bom?
— Mas eu a-achei, quero dizer, s-sua voz é bonita, eu quis dizer que ela é –
— Eu sei, eu entendi, não me senti ofendido. — rindo, e Aspen se sentiu furiosa.
— Se entendeu, por que ficou falando isso! — Aspen deu uns tapinhas contrariados no seu braço. — Achei que eu tinha te ofendido!
— Eu sei, desculpa. — J.V. riu, meneando a cabeça e erguendo as mãos como se para formar um escudo para proteger o rosto. — Mas é que você fica muito linda com raiva!
*
Com o rosto ainda pegando fogo, Aspen saiu do parque pensando pela primeira vez na vida que queria aprender artes marciais. Como ela odiava quando as pessoas a provocavam apenas para obter algum tipo de reação sua!
Era algo que a perseguia desde que se dava por gente, uma vez que o seu cabelo vermelho parecia ser chamariz para todo o tipo de interação estranha — de crianças que tentavam 'apagar' seu cabelo jogando água nele a um estranho que a parou na rua para contar que era 'colecionador' e se ela poderia, por favor, dar uma mecha do seu cabelo.
Aquele dia tinha sido particularmente traumatizante.
Chegou ao Centro Cultural bem antes do que ela havia programado, mas Olívia já estava a sua espera, escrevendo algo em seu caderno.
— Desculpe a demora, Olívia. — sorriu, ajeitando a bolsa no ombro. — Quer pedir uma sala de reunião emprestada?
Olívia sorriu e assentiu, se levantando do banco e recolhendo o seu material.
— Já rascunhei a primeira parte da história. — explicou, acompanhando Aspen em direção a secretaria. — Queria que você desse uma olhada e me dissesse o que acha.
Aspen deu um sorriso e assentiu, uma onda de culpa e insegurança a fazendo engolir em seco. A verdade era que sempre acho que Olívia era uma grande escritora e o tinha certeza de que a amiga era o único motivo dela ter passado para a segunda fase. Aspen reconhecia que as suas habilidades enquanto artista eram medianas, já que lhe faltava a sensibilidade para criar arte.
Os verdadeiros gênios eram pessoas como Olívia e... surpreendentemente, J.V.. Pessoas como ela existiam para reconhecer e admirar a sua genialidade, para bater palmas na plateia, e não subir com eles no palco.
— Claro, Olívia. Mas você sabe que eu provavelmente vou achar maravilhoso, né?
Olívia deu uma risadinha.
— E você vai fazer com que fique ainda mais maravilhoso. Aspen, nós somos uma equipe e funcionamos assim: eu crio a argila e você molda. É por isso que funcionamos bem como dupla, sabe? Porque você é boa no que eu não sou e eu sou boa no que você não é.
*
Eram quase onze da noite quando Aspen finalmente soltou um bocejo e se espreguiçou na mesa. Tinha acabado de revisar o trabalho de J.V. — surpreendentemente bom para alguém que estava quase sendo reprovado por causa da matéria. — e o pedaço do conto de Olívia — que estava excelente, o que não era exatamente uma surpresa. Aspen tinha sentido uma dor quase física de ter que sinalizar para cortar algumas partes, mas elas tinham um limite de palavras e ainda tinha muita coisa para colocar.
Escreveria mais no dia seguinte, já que seria um abençoado sábado e ela não teria compromissos. Considerando onde Olívia tinha parado de escrever, Aspen já havia feito uma lista de 'coisas que ela queria inserir' para colocar na sua parte. Com um sorriso largo no rosto e o coração batendo rápido no peito, Aspen mal podia esperar para continuar a escrever o seu conto.
Mas já era tarde e ela estava cansada, então isso teria que esperar o dia seguinte. Soltando um bocejo, Aspen pegou o celular e começou a navegar pelas redes sociais, procurando alguma coisa divertida para relaxar antes de se preparar para dormir.
Como se alguém tivesse lido os seus pensamentos, o seu telefone vibrou anunciando que ela havia recebido uma mensagem no What's App. Clicando para ver, notou que J.V. havia lhe enviado um vídeo.
Era ele tocando "I don't wanna miss a thing" do Aerosmith no seu violão, o ritmo lento e a voz suave dele imediatamente fizeram com que os seus ombros se relaxassem e ela soltou um suspiro.
Ela estava a ponto de elogiar o seu vídeo quando outra mensagem de texto apareceu.
Achei que você poderia apreciar algo relaxante antes de dormir.
Sentindo o seu rosto queimar mais uma vez, Aspen imediatamente começou a digitar rapidamente no seu telefone.
Era um elogio, um e-lo-gi-o, pelo amor de Deus!
Antes que ele pudesse responder, ela acrescentou.
E eu achei o vídeo ótimo, parabéns.
Sentindo suas bochechas queimarem, Aspen levantou da sua escrivaninha e se jogou na sua cama, celular ainda em punho.
Quando ele tremeu mais uma vez, ela quase gritou de frustração.
Ela tão não queria ver o que estava escrito...
Incapaz de conter a sua curiosidade, porém, Aspen virou o rosto na direção do telefone e apertou para ler a mensagem.
Obrigado, esse é o vídeo que vou enviar para a seleção do show de talentos, a Nath (que me ajudou a gravar) disse que tinha ficado bom, mas eu me senti tão idiota gravando isso, que tive certeza de que ela estava mentindo, então... obrigado pela força.
Idiota? Por que se sentiu idiota? — Aspen imediatamente enviou em resposta. — Achei muito legal.
Obrigado. — Ele respondeu, e Aspen estava prestes a fechar o aplicativo quando ele acrescentou. — Ei, o que você gosta de ouvir?
Hm. Bem, sou bem eclética... mas gosto de Ed Sheeran.
Ed Sheeran? Ok, tá anotado. Depois me manda umas músicas dele para eu ver.
Arregalando os olhos, Aspen imediatamente respondeu.
Você não conhece Ed Sheeran?
Não é isso, é só que eu quero saber quais músicas dele você gosta. Preciso de ideias para o meu repertório.
Ah, ok, vou te enviar algumas coisas. — Aspen disse, indo ao YouTube e escolhendo alguns vídeos dos clipes para compartilhar com J.V., mas antes que ela pudesse fazê-lo, J.V. a respondeu.
Isso, obrigado. Ah, e sabe aquela carta? A Nath me disse que vai perguntar para as pessoas da escola se eles conhecem a letra. A autora deve ser irmã de alguém de lá, não acha?
Aspen prendeu a respiração por alguns instantes.
Mas por que você faz tanta questão de encontrar a autora da carta?
Bem, primeiro porque, eu queria agradecer. Depois, bem, você não acha que essa menina deve estar procurando a carta? Ela pode estar morrendo de medo dela cair em mãos erradas, sabe? Crianças podem ser bem cruéis... Então... eu queria devolver para ela em segurança.
Aspen soltou um suspiro.
Isso é... — Aspen hesitou, segurando o celular em suas mãos por alguns instantes antes de voltar a digitar. — legal da sua parte.
Ah bem, eu tento. — ele respondeu e Aspen não conseguiu conter um sorriso tímido. — mas ei, acho que acabei anulando o efeito do vídeo né? Você não me parece estar com sono.
Aspen soltou um bocejo.
É impressão sua, eu estou muito cansada.
Tá bom. — ele respondeu, enviando logo em seguida um novo vídeo.
Clicando para abrir o vídeo, Aspen conseguiu ver o que parecia ser o teto de um quarto e, subitamente, ouviu a voz sussurrada de J.V.. Ela se sentiu surpresa ao reconhecer a música que ele estava cantando baixinho como uma das suas favoritas de Ed Sheeran "All of the Stars". A voz relaxante dele a fez esquecer, por alguns minutos, a história das cartas, a empolgação de escrever uma nova parte da sua história e, até mesmo, de que tinha que preparar uma nova aula para J.V. e escrever um relatório com suas observações sobre o desempenho dele para a professora Karla.
— Ele realmente canta muito bem, — murmurou, fechando os olhos para apreciar melhor a música. — mesmo sem o violão, é uma voz muito relaxante.
E, antes que pudesse perceber, Aspen adormeceu ainda ouvindo o vídeo que o rapaz havia gravado.
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