Capítulo 4
POV do J.V.
O sinal tocou avisando o início da aula de educação física, mas nem a aula preferida de J.V. era o suficiente para animá-lo naquele dia.
Somado à notícia de que ele teria que ter aulas de reforço se quisesse continuar no clube — algo que ele nem queria muito, para falar a verdade. — ainda sentia o corpo pesado e dolorido, e até mesmo abrir os olhos parecia ser um grande esforço.
Ele estava tão cansado.
Mas não adiantava reclamar, como diria o seu pai "atletas precisam ter disciplina até mesmo nos piores dias", então soltando um bocejo, ele se levantou e se espreguiçou, começando a se preparar para seguir os colegas para a quadra.
Deu alguns passos e cambaleou, suas pernas protestando a necessidade de movimento. Cerrou os dentes e respirou fundo, se apoiando na sua carteira até que o mundo parasse de girar.
Deus, não me permita desmaiar na frente de todo mundo... porque se isso acontecer eu acho que o meu pai vai me matar.
Fechou os olhos e respirou fundo, contando de um até dez até que sentiu suas pernas ficarem ligeiramente mais firmes. Soltou um suspiro e começou a soltar da mesa quando uma mão gentilmente encostou no seu ombro.
— ... Você tá bem?
A voz era suave, bem baixinha, quase inaudível. Se virando, reconheceu a menina como sendo Olívia, e deu um sorriso sem graça.
— Ah, eu tô bem sim... Mas foi até bom você me parar, eu estava querendo pedir desculpas por ontem. É que eu não estava tendo um bom dia e... bem, é claro que isso não torna certo o que eu fiz, mas mesmo assim... é, bem, eu só queria me desculpar mesmo.
Olívia ficou em silêncio por alguns minutos e gesticulou para que J.V. a esperasse enquanto ela ia até a sua mochila, mexia por alguns minutos dentro dela e retornava para ficar na frente dele.
— Toma. — Olívia esticou o braço e colocou algo na mão de J.V., antes de se afastar acrescentando. — Vamos. A aula já começou.
— Ah, sim, claro. — J.V. concordou, olhando para sua mão para ver que Olívia havia colocado uma barra de cereal nela. — Ah, obrigado!
A menina assentiu, permanecendo em silêncio por alguns minutos enquanto andava ao lado dele.
— A minha pressão baixa muito, então sempre carrego comida. — Olívia disse depois de um tempo, olhando para J.V. em confusão. — Mas se você não comer, ela não ajuda.
Foi só então que J.V. entendeu que Olívia provavelmente achou que ele estava com a pressão baixa e era por isso que estava passando mal. Se sentindo estranhamente tocado pela gentileza da menina que ele tinha ofendido no dia anterior, J.V. comeu a barrinha e, para sua surpresa, se sentiu um pouco melhor.
— Obrigado Olívia, — repetiu e, notando que a menina ainda o observava com cautela, forçou um sorriso. — não, sério. Eu acho que realmente precisava comer.
Olívia o observou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, antes de assentir.
— Tudo bem. Boa aula. — disse e, claramente decidindo que ele provavelmente não iria mais morrer, apressou o passo e logo se juntou a suas amigas no canto da quadra.
Nem cinco segundos depois, Liam deu um tapa no seu ombro.
— Cara, você deu sorte que o Eduardo não fez a chamada ainda, se não ia ouvir mais tarde. — sorrindo, ele guiou o amigo para onde o grupo deles estava reunido. — O que você estava conversando com a Olívia?
— Ah, sabe. Pedindo desculpas por ontem. — respondeu, tentando esconder o riso. — Ela realmente parece ser uma pessoa bem legal.
Liam estreitou os olhos.
— É, só não esquece que você já tem namorada e que a Olívia não está disponível. — disse, arrancando uma risada ainda maior de J.V..
— A Olívia sabe que ela não está disponível, Liam?
— É um trabalho em progresso, tá? — se defendeu, subitamente desviando o olhar. — Mas não desconversa, cara, sobre o que vocês estavam conversando?
— Ah bem... não me sinto muito à vontade falando sobre isso com você.
— Oopa, segredo? Sobre o que estamos conversando?
J.V. instantaneamente sorriu ao reconhecer o rosto de Natália Simas, sua melhor amiga e, atualmente, falsa namorada. Não que Liam ou qualquer pessoa além dele mesmo, de Nath e de Ângela soubessem da palavra 'falsa'. Não, para a grande maioria das pessoas os dois realmente estavam juntos e 'faziam um excelente casal'.
Isso sempre o fazia rir.
Mas o boato que no início havia surgido porque ele e Nath estavam sempre juntos, tinha eventualmente salvado não só a sua vida como também a de Nath.
Mais de uma vez.
Então os dois continuaram com a história, é claro, mas ambos sabiam que o laço que existia entre os dois, embora puramente platônico, era simplesmente inquebrável.
Como se estivesse a acompanhar os pensamentos de J.V., Nath abriu um sorriso ainda mais largo e jogou os braços nos ombros dos dois amigos.
— Ah, oii Nath. — J.V. cumprimentou, revirando os olhos. — Não é nada não, só o Liam que virou um baita fofoqueiro assim, meio do nada.
— Eita, espera aí, fofoqueiro também não né? Eu só estou querendo informações que são claramente ligadas a mim e portanto do meu interesse.
— E que informações seriam essas? — Nath perguntou rindo e meneando a cabeça.
— Ah, bem... — Liam gaguejou, mas antes que pudesse concluir o seu pensamento, Nath voltou a interrompê-lo.
— Deixa eu adivinhar...Por acaso teria a ver com a senhorita Olívia, a protagonista feminina da maior novela aqui do nosso colégio? Bem, talvez não novela, né Liam, já que essa história de vocês dois já dava para ser até série né amigo, de tão longa... A gente já deve estar o quê, na milésima temporada?
— Ah, cruz credo, viu? Vocês dois se merecem! — Liam disse, saindo batendo os pés com raiva em direção ao professor.
Em contraste, ao lado de J.V., Nath se acabava de rir.
— Esse Liam é uma figura!
— Você realmente não tem dó, né, Nath?
— Ah meu amigo... Mas ninguém tem dó de mim, né? Por que é que eu vou ter dos outros? — Limpando uma lágrima dos olhos, Nath deu de ombros. — Ah, mas deixa isso para lá! Agora me conta, por que é que você tá com essa cara de quem foi atropelado por um trator?
— Atropelado por um trator? Um trator? Você já viu um trator na vida, Nath? Ou alguém que foi atropelado por um? Que metáfora mais estranha!
— Ah, que seja! Vamos direto ao ponto? O que raios aconteceu com você?
— Ah, bem... — J.V. desviou o olhar e coçou a cabeça. — Você sabe... — soltou um bocejo. — Só o meu pai sendo...bem, o meu pai.
A expressão alegre de Nath imediatamente se fechou, os seus punhos se cerrando de raiva.
— Ah, era de se esperar! — murmurou, meneando a cabeça. — Mas você tá bem?
— Bom... — J.V. suspirou, tentando decidir o que poderia contar a amiga. Nath provavelmente ficaria louca de raiva se soubesse sobre o treino na noite anterior até altas horas da madrugada, na chuva... Era definitivamente melhor contar a história por alto. — Bem, tirando tudo, eu tô vivo. — Resumiu, dando de ombros.
Como sempre entendendo bem mais do que ele queria, Nath se virou para ver o professor pedir para alguém ir pegar a bola de vôlei. Vendo um dos alunos se afastar em direção a secretaria, ela soltou um suspiro.
— E eu achando que tava na fossa porque briguei com a Ângela.
— Você brigou com a Ângela? De novo?
— É, você sabe. Somos o perfeito casal ioiô. — Embora a voz de Nath estivesse carregada de ironia, o brilho que estava frequentemente presente nos olhos dela estava subitamente ausente. Era quase como se ela estivesse falando de outra pessoa, e não dela mesma.
Mas isso era muito comum com Nath.
— Ah, Nath. Eu sinto muito.
— Não é culpa sua, na verdade, não é culpa de ninguém. A Ângela quer que eu diga para todo mundo que nós duas estamos juntas e, assim, eu também quero isso. Só que eu moro com os meus pais e a companhia de balé que eu faço parte é da igreja. Você acha mesmo que eles vão me aceitar se eu 'sair do armário'? Não, não vão. — soltando um suspiro, Nath baixou a cabeça. — Admiro o jeito que a Ângela mora sozinha e é autossuficiente, mas eu ainda não sou assim. Não quero que a minha família me odeie, que nem a dela, que nem mesmo liga desejando feliz aniversário.
— Ah, Nath..---
— E não é como se eu estivesse planejando ficar no armário para sempre também... Só que eu quero que as coisas aconteçam com calma, no meu tempo e no tempo deles. Eu sinto que, se eu for de mansinho, tudo vai dar certo no final... e a Ângela simplesmente não entende. Ela acha que eu tô com vergonha dela ou algo do tipo... e não é nada disso, é só que... eu amo a Ângela, mas também amo os meus pais, minha companhia de balé, meus amigos... Será que é um crime eu tentar organizar as coisas antes de contar para eles?
— Nath, eu já te disse isso, mas aqui vai de novo: você não tem obrigação de nada, sabe? Não posso falar pelos seus pais, ou pela Ângela ou pelos seus outros amigos, mas... para mim, você pode levar o tempo que quiser levar, porque eu sei que faça chuva ou faça sol, no final dessa história, você ainda vai ser minha melhor amiga... Independente se gosta de meninos, meninas, balé, ETs ou seja lá o que for.
— Aw, J.V... — Nath abriu um sorriso. — Como é que você ainda tá solteiro?
— Porque eu não tô, lembra? — J.V. arqueou uma sobrancelha. — A gente tá namorando, sua louca.
— Ah, é. — Nath soltou uma gargalhada. — Ainda tem gente acreditando nisso? Quero dizer, não é como se a gente se esforce para que eles acreditem, sabe?— Com os olhos subitamente repletos de brilho mais uma vez, Nath mexeu as sobrancelhas sugestivamente.
— Bem, contando que meu pai acredite e não fique me enchendo para que eu aproveite os meus anos de "garanhão", eu tô satisfeito. — soltando outro bocejo, J.V. quase chorou quando viu que o professor estava chamando eles dois para o centro da quadra. — É, tá na hora de ir.
— Vamos lá, campeão. — Nath zombou, puxando J.V. pela mão. — Vamos provar que a gente arrasa!
*
Uma partida de vôlei e dois tempos de matemática depois, era finalmente a hora de ir embora e J.V. mal podia esperar para ir para seu quarto encontrar uma cama quentinha.
Ainda assim, hesitou em ir para casa, sabendo que por mais que hoje não fosse dia de treino no clube seu pai o colocaria para treinar mais uma vez, já que "atletas precisam de uma rotina rígida e descanso era para fracos."
Era nessas horas que ele agradecia a Deus por Nath, a sua única aliada naquela loucura que era a sua convivência com o seu pai.
— Tudo bem mesmo se eu for para sua casa hoje, Nath?
— É, claro, tudo bem sim. — Ela respondeu, prendendo o cabelo num rabo de cavalo. — Hoje não vai ter ensaio de balé mesmo e você sabe que tem muito tempo que você não vai lá em casa. Minha mãe tava falando isso comigo esses dias, perguntando se a gente tinha terminado e tudo mais.
J.V. deu um sorriso sem graça. A verdade era que ele se sentia culpado por enganar os pais de Nath, já que eles sempre o trataram como se fosse da família, mas ele realmente não tinha alternativa.
Sem contar que, teoricamente, ele também estava ajudando a Nath.
— É, a minha mãe estava me perguntando a mesma coisa esses dias — Admitiu, coçando a cabeça. — Acho que ela sente a sua falta.
O que não era surpreendente, na verdade. Sua mãe era uma pessoa bem frágil e não gostava de confrontos ou brigas. Nath era corajosa, viva, e provavelmente a única pessoa no universo de quem o seu pai realmente gostava.
O dia em que Nath visitava era um dos poucos nos quais J.V. sentia que realmente podia relaxar dentro da sua própria casa.
— Sabe, eu tava brincando hoje de manhã, mas se a gente não se cuidar daqui a pouco ninguém mais vai acreditar que a gente tá junto.
— Mas a gente não tá. — J.V. disse, soltando um suspiro. — Além do que, essa história tá causando problemas com a Ângela não tá? Talvez seja a hora da gente parar com essa mentira...
— Como eu disse, a gente está num período meio complicado. A Ângela tem ciúmes de você e eu não a culpo, acho que, no lugar dela, também teria... Mas você é meu melhor amigo desde o jardim de infância, J.V.. Além disso, você foi a primeira pessoa para quem eu me assumi e eu nunca vou me esquecer de toda a força que você me deu. Muito menos vou me esquecer de que, se não fosse por você, a Ângela e eu não íamos ter tido nem o nosso primeiro encontro, muito menos ter começado a namorar... — Dando um sorriso, Nath colocou as mãos nos bolsos da calça e começou a caminhar em direção ao portão da escola. — Eu não posso simplesmente te abandonar agora só porque tá dando uns probleminhas no meu namoro, até porque se eu for ser honesta com você, bem, se não fosse por você eu provavelmente já teria terminado com a Ângela, já que não tenho coragem para me assumir... ainda.
— Eu sinto muito, Nath. Queria poder te ajudar mais...
— É, bem, não é sua culpa eu ser uma covarde... Além disso, eu também queria poder te ajudar mais... — Abraçando o amigo com força, Nath o segurou por alguns minutos antes de pegar a sua mão e começar a arrastá-lo com ela. — Vamos, vamos logo que a gente tem que parar em algum médico no caminho de casa, porque ou eu estou muito enganada, ou o senhor está com febre.
Com um sorriso amarelo, J.V. se permitiu ser arrastado na direção do posto de saúde por Nath, algo que ele sabia ser inevitável desde o momento em que ele acordou de manhã desejando ardentemente voltar a dormir.
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Meus amores, muito obrigada por lerem até aqui!
Em breve, devo ter uma rotina de atualização mais organizadinha hahaha Quem puder comentar e votar na história vai me fazer ainda mais feliz!
Muito obrigada :D
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