Capítulo 32
** Alerta de gatilho **
Esse capítulo pode trazer sentimentos/memórias ruins para pessoas que sofreram abuso, em especial abuso verbal. Caso esse seja seu caso, talvez seja melhor você evitar esse capítulo!
POV do J.V.
Se tinha uma coisa da qual J.V. tinha certeza era de que ele estava exausto.
A combinação de exercício físico em exagero e pouco tempo de sono certamente não estavam lhe fazendo bem.
Para a maioria dos adolescentes da sua idade, as férias do meio do ano significariam poder dormir até tarde, descansar e poder fazer o que quiser.
Para J.V., sua vida apenas havia se tornado um inferno de treinos sem fim, enquanto virava madrugadas tentando se preparar para a próxima apresentação do Show de Talentos.
Mas apesar de tudo — e das duas xícaras de café que ele teve que pegar sorrateiramente da cozinha. – as coisas estavam caminhando bem.
Estava republicando os vídeos que as pessoas tinham feito da sua apresentação e reciclando algumas fotos antigas, além de ter gasto algum tempo respondendo aos fãs. Suas redes sociais estavam, finalmente, prontas para aguentar por pelo menos umas duas semanas.
Enzo provavelmente está se contorcendo pela qualidade dos conteúdos ter caído, J.V. suspirou, soltando um largo bocejo. mas é o melhor que eu consegui fazer.
J.V. se espreguiçou e soltou um grande bocejo enquanto olhava para o relógio.
Eram quase quatro horas da manhã.
Considerou por alguns minutos se valia mais a pena dormir pelas duas horas que ainda tinha ou se devia aproveitar que seu pai estava dormindo profundamente em seu quarto para adiantar mais alguma coisa e, com sorte, dormir na noite seguinte.
Decidindo continuar a jornada de trabalho, pensou que mais uma xícara de café era necessária e saiu do quarto rumo a cozinha. Na tentativa de fazer a menor quantidade de barulho possível, J.V. deixou os chinelos no quarto e fez seu caminho nas pontas dos pés, apenas de meia.
Se sentindo como se estivesse prestes a roubar um banco de prestígio, foi com cuidado até a cozinha até chegar na preciosa garrafa térmica.
Ansioso para beber a sua xícara de café, J.V. quase chorou ao notar que ela estava vazia.
– Maravilha, – resmungou, colocando a mão em frente a sua boca imediatamente, tentando silenciar o bocejo. – o que eu faço agora?
Fazer café na cafeteira estava fora de cogitação – a máquina era antiga e fazia muito barulho, acordaria a vizinhança inteira... e procurar se ainda tinha sobrado café instantâneo exigiria que ele abrisse os armários - os antigos armários de madeira da cozinha, que nunca tinham sofrido uma manuntençãozinha sequer.
As portas rangiam alto demais...
Soltando um suspiro, J.V. tentou se conformar com a sua (falta de) sorte e voltou para o quarto. Sua cama o tentava como o canto de uma sereia chamava os marinheiros nas lendas, mas ele teria que encher as orelhas de cera e seguir firme.
Se dormisse agora, nada o acordaria às seis horas. Não do jeito que estava cansado...
E o que seu pai faria com sua mãe caso ele não estivesse sorridente e bem disposto para seu treino matinal?
Seriam apenas os gritos? As ameaças, que vinham se tornando mais e mais frequentes? Talvez as ofensas? Ou será que ele finalmente cruzaria a barreira, a última linha do que J.V. se considerava capaz de perdoar?
– Melhor não arriscar. – murmurou, pegando o celular que ele havia colocado para carregar atrás de sua mochila e checando as mensagens de seus amigos.
Liam estava bem – bem até demais, se ele estava mandando figurinhas de gatos fazendo reverências e agradecendo a ele no What'sApp. O que é que aquele idiota tinha na cabeça?, J.V. pensou, mal contendo o sorriso.
Mas bem, pelo menos ele não me odeia. considerou, soltando um suspiro enquanto respondia ao amigo para se cuidar e que ele estimava as suas melhoras.
Nath estava preocupada e perguntando se ele precisava de algo e, embora J.V. considerou seriamente responder que precisava desesperadamente de uma xícara de café, tentou tranquilizar Nath e recusou sua ajuda.
Mesmo que seu pai gostasse dela... era melhor que ela ficasse bem longe daqui.
Estava quase fechando o aplicativo de mensagens quando a tela piscou mais uma vez, o nome de Aspen piscando em sua tela.
— Aspen...— murmurou, soltando um suspiro antes de clicar na mensagem e dar um pequeno sorriso. — que bom que está tudo bem.
Já faziam duas semanas desde aquela noite que Aspen havia aparecido em seu quintal, mas às vezes parecia que já tinha muito, muito mais tempo. Sentia falta de poder conversar com ela, ouvir sua voz tranquila e calma, que parecia estar sempre no controle de toda e qualquer situação.
Como ele a invejava nesse ponto...
Soltando um suspiro conformado, J.V. leu o resumo do que estava acontecendo em seu grupo — era um tanto engraçado ler os resumos informativos de Aspen sobre algo que não era literatura, mais ainda, sobre algo que era real e que estava acontecendo.
Liam já está podendo fazer caminhadas leves e está muito bem, a menos, é claro, que Olívia esteja por perto... Aí ele faz um drama digno de novela das oito. Enzo e Érica discutiram de novo. Não entendi sobre o que foi dessa vez. Camila chamou o Fábio pra sair — achei que ele fosse infartar. Mas ele recusou, muito educadamente, é claro, mas recusou, sabe Deus por quê. Seriam um bom casal. Olívia tem andado meio sumida, estou preocupada com ela, mas ela me garantiu que vai estar presente para a entrega de prêmios do concurso; vai ser no mesmo dia da próxima etapa do seu Show de Talentos. Vou te enviar uma foto.
Vendo a foto, J.V. fez uma anotação mental do dia da apresentação, e respondeu Aspen rapidamente. Lá fora, os raios de sol já começavam a tingir o céu timidamente de rosa e roxo, o que queria dizer que J.V. não tinha muito mais tempo.
Escondeu o celular o melhor que pode e checou o relógio — eram quase seis da manhã. Incrível como o tempo passava rápido de madrugada mas se arrastava pelo resto do dia.
***
Vivendo nesse ritmo, a vida de J.V. se arrastou pelas próximas semanas.
Por mais que seus resultados em campo fossem satisfatórios, nada parecia ser o bastante para seu pai. Sem poder contatar os amigos diretamente, tinha de se satisfazer com mensagens trocadas pela madrugada e pequenos vislumbres aqui e ali que conseguia pela cidade.
Mas o cansaço, o stress, a falta de sono... nada incomodava mais J.V. do que a forma como sua mãe estava reagindo a tudo aquilo.
Pálida, raramente com fome e já excessivamente magra, J.V. temia que ela ficasse doente... e parecia que, a cada vez que seu pai notava sua preocupação com sua mãe, sua raiva direcionada a esposa aumentava consideravelmente.
Isolada, sua mãe parecia com uma flor que murchava dia após dia... e J.V. se sentia preso, amarrado, incapaz de fazer alguma coisa para animá-la.
O que fazer, o que fazer....
Mordendo o lábio em frustração, J.V. fingiu estar prestando atenção em sua comida. Ao seu lado, seu pai estava falando com alguém no telefone, sua voz alta preenchendo o silêncio tenso do ambiente.
Sua mãe também estava sentada na mesa, empurrando uma folha de alface com o garfo. Não parecia estar muito disposta a se alimentar hoje, também, pensou J.V., preocupado. Preciso fazer alguma coisa.
J.V. tinha aberto a boca para encorajar sua mãe a comer um pouco do rosbife, mas seu pai bateu com força a mão na mesa.
— Termina de comer logo, filho, para a digestão acabar em breve e ainda dar tempo de treinar hoje, — ele aconselhou e J.V. soltou um suspiro, fazendo menção de abrir a boca mais uma vez quando ele acrescentou — somos homens ocupados, não podemos nos dar o luxo de ser lerdos igual a inútil da sua mãe.
Ouvindo o marido, sua mãe apenas deu um sorriso triste, sem nem mesmo erguer os olhos do prato. J.V. queria gritar — será que ele não via que a estava magoando? Que não precisava se comportar daquela forma? Que estava fazendo sua mãe ficar doente?
Mas como se não visse — ou não se importasse, — seu pai apenas se ergueu da mesa e soltou um suspiro.
— Termina logo isso aí para podermos a voltar a treinar, só quando você for famoso é que vamos ter comida boa de verdade nessa casa.
E saiu, sem nem mesmo olhar para trás.
Aproveitando a saída do pai, J.V. serviu rosbife para sua mãe mesmo quando ela começou a recusar.
— AH, mas mãe, tá tão bom! Você tem que provar... Nem que seja só um pouquinho... — pediu, soltando um suspiro de alívio quando sua mãe pareceu acatar seu pedido.
— Você é muito bonzinho filho... seu pai tá certo. Eu não sei cozinhar do jeito que ele gosta mesmo... — ela disse, sua voz baixa e derrotada. J.V. queria gritar.
Ele respirou fundo. Engoliu o choro. E deu um sorriso.
— Bem, o que a gente pode fazer se ele tem mau gosto né? — J.V. disse, comendo mais uma garfada generosa de comida. — A sua comida é a melhor do mundo mãe. Prova só esse feijão, tá uma delícia!
E, embora a situação estivesse cada vez mais difícil para ele e sua mãe, J.V. se permitiu sentir o gostinho de vitória ao ver sua mãe comer dois pedaços de rosbife, um pouco de arroz e feijão, além da costumeira salada de alface. Podia não ser muito, mas para ele era uma vitória...
Mas as coisas não podem continuar assim., J.V. pensou, a angústia crescendo em seu peito. Eu preciso fazer alguma coisa...
E vivendo assim, dia após dia, a data da semi-final do Show de Talentos ia se aproximando...
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