Capítulo 26
POV do J.V.
Dizem que quanto mais alto você está, mais alto a queda.
E J.V. estava andando nas nuvens naquela noite.
Ter chegado em casa com a sua mãe, o sorriso estampado em seu rosto suado, e ter encontrado o pai dormindo no sofá foi apenas a cereja no topo de um sundae muito, mas muito bom.
Era natural, então, que a queda fosse tão violenta quanto a subida.
O primeiro momento no qual J.V. se deu conta de que havia alguma coisa errada, foi quando chegou na escola no dia seguinte e não encontrou nenhum de seus amigos estava lá.
Nenhum deles.
Isso era realmente muito estranho. Até que alguém estivesse atrasado, ou cansado, ou pego uma gripe, o que fosse... isso seria normal. Agora todos eles? No mesmo dia?
Muito estranho.
Seu primeiro pensamento foi, é claro, preciso descobrir o que aconteceu, logo seguido por alguém deve ter falado alguma coisa no grupo. E foi nesse momento, é claro, que ele teve a sua segunda surpresa ruim do dia.
Infelizmente, uma combinação de euforia e cansaço tinham sido o suficiente para que ele literalmente pulasse em sua cama no instante que havia entrado em seu quarto no dia anterior e ter adormecido quase instantaneamente.
O que significava que, é claro, no instante em que ele abriu o telefone dentro da mochila durante o intervalo para checá-lo discretamente... ele estava sem bateria.
Mas esse é o cúmulo da sorte, com certeza.
O misto de curiosidade e pavor em seu peito foi quase o suficiente para ele perguntar aos seus colegas se alguém tinha um carregador de telefone e se eles podiam emprestá-lo... mas o medo de alguém acabar deixando escapar para seu pai que ele estava com um telefone foi o suficiente para fazê-lo respirar fundo e contar até dez.
Tudo bem, está tudo bem, repetia para si mesmo, enquanto tentava controlar as respirações.
Ele só tinha que esperar até a aula acabar e ele chegar em casa, aí ele podia colocar o celular para carregar discretamente e, alguns minutos depois, o celular ligaria e ele poderia finalmente descobrir o que raios estava acontecendo.
Só mais algumas poucas horas e...--
Hoje era segunda-feira.
J.V. não conseguiu evitar soltar um palavrão quando se deu conta de que hoje era dia de treino, atraindo alguns olhares confusos em sua direção.
Seu coração batendo acelerado no peito, ele sentiu uma onda de náusea súbita trazer um sabor ácido a sua boca. Respira fundo, se aconselhou, fechando os olhos e abaixando a cabeça na mesa, como se fosse tirar um cochilo. Está tudo bem.
Demorou alguns minutos até que sentisse o seu coração voltar a bater em um ritmo razoavelmente normal, e só então J.V. se sentiu seguro o bastante para erguer a cabeça e abrir os olhos.
Talvez ele devesse ter continuado a fingir que estava dormindo.
É claro que ele quase tendo um ataque de pânico no meio da sala de aula teria atraído olhares para si, pensou, forçando um sorriso que ele esperava parecesse confiante e relaxado antes de fingir um longo bocejo e abaixar a cabeça novamente.
Se o seu pai ouvisse algo sobre esse incidente, ele de certo teria algo a dizer, pensou, e isso tornaria a sua preocupação ainda mais difícil de responder.
Tentando se conformar com o fato de que ele não descobriria o que raios estava acontecendo até o início da noite, na melhor hipótese, J.V. decidiu que fingir estar cochilando podia ser a melhor saída, no fim das contas.
Qualquer coisa, podia apenas dizer ao pai que estava cansado, o que faria seu pai reorganizar toda a sua dieta e a sua rotina de treinos para melhorar a sua estâmina, de certo, mas pelo menos... ele não o criticaria muito por isso.
*
Se concentrar nas aulas, naquele dia, era uma tarefa impossível.
Se ele poderia agradecer por uma coisa era o fato de que, por ser a última semana de aulas antes das férias de meio de ano, os professores também não pareciam muito dispostos a ensinar alguma coisa.
Em meio a correções de provas da semana anterior e revisões, J.V. só conseguia pensar, todo o seu mundo estava concentrado em um pequeno aparelho eletrônico que, naquele instante, estava sem bateria.
E em se criticar por ter esquecido de colocá-lo para carregar no dia anterior.
Realmente, somos muito dependentes da tecnologia, Aspen. J.V. pensou, lamentando que não pudesse enviar essa mensagem para a menina... e depois lamentando ainda mais que não fosse telecinético, porque se fosse, não precisaria de um telefone, J.V. se esforçou mais uma vez para tentar prestar atenção na aula de matemática.
Não que tenha dado certo.
*
Se concentrar no treino, então seria ainda mais impossível.
O treinador decidiu começar o treino com um longo discurso parabenizando a equipe pela atuação no sábado, e depois os forçou a ficar sentado e assistindo à gravação que ele havia feito - de uma forma tão amadora que, se Enzo estivesse ali, ele teria provavelmente infartado - para analisar cada um dos acertos e dos erros de ambas as equipes.
Em algum momento no início do vídeo - provavelmente no momento onde o vídeo tremera tanto que J.V. se sentiu enjoado. - seu cérebro simplesmente desligou e o treinador podia estar falando em árabe por tudo o que ele estava entendendo.
Assentindo quando os outros assentiam, resmungando quando os outros resmungavam, J.V. só se deu conta de que a reunião havia acabado quando uma dor aguda na panturrilha esquerda lhe chamou atenção para o fato de que ele estava alongando de forma errada.
E ele nem sabia como tinha chegado ali.
Fingindo que não estava surpreso com a situação, porém, voltou a alongar - agora determinado a prestar mais atenção ao que estava fazendo - quando se deu conta de que Liam ainda não havia aparecido no treino.
O sentimento de pavor em seu peito continuou crescendo bem devagarzinho conforme o tempo foi passando, até que explodiu com toda a violência de uma tempestade quando o rapaz se deu conta de que o treino havia acabado e Liam ainda não havia chegado.
*
No segundo em que o treinador apitou sinalizando que o treino havia terminado, J.V. correu na direção ao vestiário.
Mal se despedindo de seus colegas de time, J.V. guardou as chuteiras de qualquer jeito em seu armário e nem ao menos se preocupou em tomar um banho e em trocar o uniforme de treino suado, apenas calçou os tênis rapidamente, pegou a sua mochila, e saiu do vestiário como quem foge do próprio demônio.
Ele estava tão distraído que nem ao menos reconheceu a Angela até quase atropelá-la.
Não que Angela fosse difícil de reconhecer.
Com os cabelos negros e ondulados e as roupas estilo gótico no melhor estilo Wandinha Adams, Angela definitivamente se destacava da multidão, em especial considerando que ela morava em uma cidade pequena e razoavelmente tradicional, como Felicidade.
Era também parte do motivo pelo qual os pais de Nath, firmes frequentadores da Igreja, não gostavam de Angela e a achavam 'má companhia' para a filha.
Se soubessem que as duas eram mais do que amigas, J.V. não queria nem imaginar a confusão que isso podia dar...
Mas J.V. nunca tivera problemas com Angela, geralmente era Angela que tinha problemas com J.V... E esses problemas geralmente nasciam do fato de que ela morria de ciúmes de Nath, e ela e J.V. eram amigos de infância.
Ainda com um mau pressentimento fazendo seu coração bater mais rápido, J.V. deu um sorriso amarelo para Angela, não querendo causar problemas para Nath.
– Oi, Angela! Desculpa, não te vi. – cumprimentou, se preparando para começar a correr novamente quando Angela o parou, segurando-o pelas costas da camisa.
– Ei, ei ei calma aí, campeão. Pode me dizer onde vai com tanta pressa?
Respirando fundo, J.V. deu um sorriso sem graça.
– É que as coisas estão muito estranhas hoje e-- J.V. fez uma pausa, lembrando-se subitamente que Angela provavelmente teria notícias de Nath e que, se ele estivesse disposto a correr o risco de irritá-la, talvez conseguisse algumas respostas – na verdade, – começou timidamente – você tem algum tipo de notícia da Natália? Tô preocupado com ela.
Soltando um suspiro, Angela soltou J.V. e revirou os olhos.
– E por que é que você não atende o telefone, heim?
– Ah! – sem graça, J.V. coçou a cabeça e desviou o olhar – Sabe o que é... é que eu cheguei muito cansado em casa ontem e eu fui direto para a cama, sabe? Então--
– J.V., eu quero saber o que aconteceu, não quero ouvir a sua história de vida, – Angela retorquiu enquanto digitava alguma coisa em seu celular, soando claramente impaciente.
– Hm, bem. – J.V. engoliu em seco quando recebeu o olhar irritado de Angela. – Desculpa... é que eu esqueci de carregar ele ontem.
– Entendi, – Angela soltou um suspiro e meneou a cabeça, fazendo com que J.V. subitamente se sentisse como sendo o maior idiota do mundo, o que era algo razoavelmente normal para ele quando conversava com Angela. – isso explica muita coisa. Bem, você tem que vir comigo.
– Oi? Mas o que é que--
– Só vem comigo que eu te explico no caminho, tá bom?
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