Capítulo 18
POV do J.V.
— E agora eu vou falar os jogadores escolhidos para o jogo deste sábado contra o Foguete Azul FC. É o primeiro jogo dessa temporada, e eu não preciso lembrar a vocês o quão importante é para o Felicidade FC começar com o pé direito nesse ano, não é mesmo? — o treinador Hernando encarou cada um dos seus jogadores com uma expressão séria e J.V. soltou um suspiro. Era sempre a mesma fala, toda última semana antes de jogo, pensou, os seus olhos encontrando os de Liam, que fez um grande show de revirar os olhos lentamente. J.V. segurou o riso. — Muito bem. Para aqueles que não conseguiram entrar no time como titulares dessa vez, não se preocupem. O campeonato é grande, e se vocês se dedicarem, tenho certeza de que todos terão o seu momento de brilhar. Somos um time, não é mesmo, pessoal?
Alguns muxoxos de confirmação dos outros jogadores e J.V. solta um suspiro. Não é que não gostassem do treinador, mas era difícil levar as suas falas de motivação a sério quando ele fazia exatamente o mesmo discurso todo pré-jogo.
— Então vamos começar, — o treinador pegou a sua prancheta e colocou os seus óculos no rosto, pegando uma caneta azul para marcar os nomes de cada jogador presente conforme o seu nome e a sua posição ia sendo anunciado.
J.V. não se sentiu minimamente surpreso quando o seu nome foi anunciado, apenas soltou um suspiro conformado e sorriu sem graça quando os seus colegas de time o cumprimentaram. Sempre se sentia mal quando o seu nome era chamado em situações como essa.
Era justo que ele fosse escolhido quando tantos outros que sonhavam com essa posição não conseguiam?
De certa forma, se sentia culpado. Se, em parte, se esforçava muito para que seu nome fosse escolhido, em outra, o fazia por obrigação, não por vontade própria. Era justo ele ser escolhido quando alguns outros de seus colegas que sonhavam com a posição não conseguiam?
Difícil dizer.
O treino daquele dia estava concluído, então J.V. saiu em direção ao vestiário. Deu uma olhada em sua mochila, sua curiosidade implorando para que ele pudesse verificar o seu novo telefone, mas se forçou a ignorá-lo e a se preparar para retornar para casa.
Alguém estava reportando seus movimentos para seu pai.
Não podia arriscar o seu novo telefone sendo encontrado, então tinha que tomar cuidado.
— Ei, esse final de semana vai ser movimentado, hm? — Liam cumprimentou, e J.V. assentiu, entendendo imediatamente o que o seu amigo queria dizer.
Jogo no sábado e apresentação no domingo.
— Pois é, — respondeu, soltando um suspiro. — tá... tudo certo com você? — perguntou, querendo, no fundo, questionar a Liam se estava tudo certo com o plano.
— Ah, sim, tudo certo. — Liam deu um sorriso confiante, como quem diz 'não se preocupa com isso', mas J.V. não conseguia evitar o sentimento de nervosismo fazendo cócegas no seu estômago. — Vai ser cansativo, mas a gente dá conta.
— Ah, sim, claro. — J.V. respondeu, engolindo em seco e desejando ter um terço da autoconfiança de Liam. Olhando ao redor e checando para ter certeza de que os dois estavam sozinhos, J.V. se inclinou na direção de Liam para acrescentar, em voz baixa.— E você sabe quando vão sair as notas das provas?
— Provavelmente sexta ou segunda que vem. — Concluiu Liam no mesmo tom de voz, enquanto J.V. soltou um suspiro.
Essa semana vai ser daquelas, pensou, soltando um suspiro. Preocupação com tudo o que podia dar errado no jogo, na apresentação e, para adoçar ainda mais, com as notas das provas. Em especial, literatura.
Não queria prejudicar Aspen de nenhuma forma.
E, claro, não queria reprovar também. Por mais que o seu pai continuasse a dizer o contrário, a ideia de fazer uma prova "só para passar" ou de usar outras pessoas para conseguir nota era algo extremamente revoltante para J.V.
Ele tinha um certo senso de perfecionismo, uma certa necessidade de fazer as coisas bem-feitas e triunfar através do seu próprio esforço que ele simplesmente não conseguia explicar... De certa forma, era como se ao se destacar academicamente conseguisse esfregar na cara do pai que ele era mais do que apenas um atleta, que os seus talentos se estendiam para além do campo e que ele não estava, necessariamente, preso a ele.
Não que o seu pai jamais houvesse notado ou dado valor a qualquer uma das suas habilidades em qualquer outro campo que não o de futebol, mas J.V não conseguia deixar de sonhar.
*
Tão logo saiu do clube encontrou o seu pai, que estava esperando por ele enquanto conversava com o treinador.
—... Mas é claro que o J.V. vai ser a estrela do jogo mais uma vez, Jorge, dá para ver de longe quando a pessoa tem talento. — comentou o treinador, colocando uma caneta no bolso da sua surrada jaqueta esportiva — e o olheiro vai estar presente mesmo?
Seu pai deu uma alta gargalhada.
— É claro, meu amigo! Você sabe que eu não prometo nada sem cumprir, — disse, gesticulando para que J.V. se aproximasse dele. — o Ademar Santos já se comprometeu a assistir algumas partidas, e eu estou negociando com o Juan Rodriguez. Gente de alto calibre!
— Nem acredito que pessoas tão famosas estariam dispostas a vir até aqui só para assistir uma partida de futebol de um time tão pequeno quanto o nosso! — o treinador pareceu estufar o peito de orgulho. — É claro, eu sei que estou fazendo um excelente trabalho, mas mesmo assim--
— Eles estão sempre de olho Hernando, são de times assim que se descobrem os verdadeiros talentos! E, é claro, já falei para eles do meu J.V.. Com todos os meus anos de experiência como empresário de grandes atletas, é claro que eu reconheço talento quando eu vejo talento. Eles vão me ouvir, — com um sorriso arrogante, seu pai bagunçou os cabelos do filho. — e, se vocês colocarem um bom show, quem sabe? Eles estão sempre procurando bons treinadores também. Pode ser a sua chance!
Soltando um suspiro, J.V. revirou os olhos. É claro, seu treinador provavelmente era um dos espiões do seu pai... Hernando era um bom treinador, mas ambicioso, e claramente a oportunidade de treinar grandes times de futebol pelo mundo tinha sido tentadora demais para ele.
Sem contar, J.V. pensou com um suspiro de cansaço, que ele provavelmente não acha que está fazendo alguma coisa errada.
Afinal de contas, o que há de errado em contar para alguém que é responsável legal de um menor de idade que ele faltou a um treino?
Teoricamente, nada. Muito pelo contrário.
Recebendo alguns tapinhas do seu pai no seu ombro, J.V. deu um sorriso forçado enquanto seu pai se despedia do treinador e o guiava em direção aonde o seu carro estava estacionado.
Entrou no carro seguido pelo pai, que logo deu partida e começou a sair da vaga enquanto falava, entusiasmado.
— Muito bem, filho! Que bom que conseguiu uma posição de destaque no time mais uma vez, tenho certeza de que você vai brilhar ainda mais no próximo jogo!
Com um sorriso cansado, J.V. abraçou a mochila com força e encostou a cabeça no vidro da janela do carro e assentiu, piscando os olhos lentamente.
Estava tão cansado...
Sentindo os músculos pulsando e lentamente, lentamente, relaxando, J.V. começou a notar os seus olhos cada vez mais pesados, suas piscadas durando mais e mais tempo enquanto a voz do seu pai ficava cada vez mais distante.
Soltando um suspiro, J.V. assentiu para alguma coisa que o seu pai havia dito, apertou a mochila mais uma vez e bocejou.
Não parecendo notar, o seu pai continuou falando sobre alguma coisa enquanto J.V. caía mais profundamente no mundo dos sonhos.
*
Levou um baita susto quando o carro parou de súbito na porta de casa, mas deu um sorriso para o pai que o encarava como se esperasse que o filho descesse do veículo.
— Vamos logo, J.V., eu já te disse que não tenho tempo para perder hoje.
— Ah, claro pai, — J.V. disse vagamente, não fazendo a menor ideia ao que o pai estava se referindo. — Desculpa, você realmente disse que não tinha tempo já que tinha que fazer aquilo né? — enrolou, esperando que o pai se justificasse, o que geralmente acontecia.
— Pois é, aposto que essa cidade nem nunca viu gente tão importante quanto o Ademar! É uma honra poder recebê-lo, e ele me disse que vai trazer os sobrinhos dele, grandes jogadores também, J.V.. Certeza de que vão ser bons amigos para você.
Sorte minha que o seu Jorge gosta muito de se vangloriar, pensou, forçando um sorriso compreensivo.
— Ah, sim, claro. — J.V. assentiu, juntando as peças do quebra-cabeça. — Ademar, seu grande amigo treinador né?
— Mais do que amigo, nós somos praticamente família, — se vangloriou, um largo sorriso arrogante em seu rosto. — é por isso que ele está vindo para esse fim de mundo que nem ao menos tem um aeroporto, sabe? Vou buscá-lo no aeroporto de Águas Santas, que é a algumas horas daqui, mas não se preocupe. Ainda volto a tempo de assistir o seu jogo no final de semana.
Conhecendo o seu pai, não seria uma surpresa para J.V. se o treinador nem ao menos o considerasse como amigo, mas sabendo que era melhor não tentar discutir com o seu pai e o seu ego inflado, J.V. apenas assentiu com um sorriso sem graça.
— Vai com cuidado tá? — pediu, embora soubesse que provavelmente não adiantaria muito.
— Você se preocupa como uma garotinha. — disse em tom ofensivo, mas bagunçou os cabelos do filho com claro afeto. — seu velho sabe se cuidar. Agora vai.
J.V. saiu do carro e assistiu seu pai partir com sentimentos confusos, mais uma vez, amor e irritação se misturavam em uma batalha sem aparente fim em seu peito.
Eu só espero que tudo termine bem.
*
Por mais que isso o fizesse se sentir o pior filho do mundo, J.V. não conseguia negar a paz que reinava na casa quando o seu pai não estava presente.
Era divertido ouvir sua mãe cantarolando enquanto ele fazia o seu dever de casa na mesa da cozinha, era maravilhoso assistir filmes com ela enquanto comiam pipoca, e ele até mesmo gostava de lavar a louça do jantar por mais que ela insistisse que não precisava.
Foi com uma grande sensação de paz que J.V. entrou em seu quarto e se largou na cama, pensando em mexer no celular que Nath havia lhe dado sem medo de ser descoberto por seu pai. Com isso em mente, esticou o braço para fora da cama e começou a tatear por sua mochila, a qual ele tinha certeza de que tinha largado ali.
Quando não a achou, soltou um muxoxo de desagrado e se levantou da cama.
— Mas onde...?
Não levou nem ao menos cinco minutos para encontrá-la - provavelmente enquanto estava procurando a mochila, ele a tinha empurrado para debaixo da cama. Revirando os olhos para si mesmo, J.V. pegou a mochila e a abriu, arregalando os olhos quando a sua mão entrou em contato com papel.
Puxando-o gentilmente para fora da bolsa, J.V. imediatamente encontrou a misteriosa carta. Era estranho que o objeto havia se tornado uma espécie de talismã para ele, um amuleto que ele sentia que precisava carregar para todo o lado ao ponto que, de certa forma, ele não queria mais encontrar a verdadeira dona da carta para que não tivesse que devolver a carta para ela.
Esse sentimento, de certa forma, lutava contra a sensação profunda de curiosidade que ele tinha para saber a história por trás da carta, assim como também saber o que mais estava escrito.
Esquecendo por completo do telefone, J.V. colocou a mochila de volta no chão e caminhou de volta para a cama, decidindo ler mais uma vez as palavras escritas na carta.
Era estúpido, pensou, rindo um pouco de si mesmo. Nesse ponto, ele quase que já sabia as palavras de cor... mas ainda assim, havia algo naquela carta, alguma coisa que simplesmente o confortava.
Estava lendo quando, contrário a todas as possibilidades, algo lhe chamou a atenção. Algo que ele não havia notado antes.
Ele realmente era muito lerdo às vezes, pensou, rindo para si mesmo enquanto meneava a cabeça.
Alguém chamado Enzo havia colocado fogo no cabelo da garotinha?
Enzo? Quantos Enzo existiam em Felicidade — não, quantas garotinhas ruivas existiam na cidade?
Garotinhas ruivas que conheciam um Enzo que tinha colocado fogo em seu cabelo.
Como é que ele não tinha pensado nisso antes?
Juntando isso à reação de Aspen ao saber que ele tinha encontrado a carta, bem, ele realmente devia ter notado.
Talvez Nath estivesse certa todas as vezes nas quais o chamou de cego.
Não que ele jamais fosse dar razão a amiga, é claro. Mas realmente como é que ele não havia notado?
Aspen ficou sem graça, meneou a cabeça, rindo sozinho no quarto, logo ela, que raramente fica sem graça...
Mas como comprovar tudo aquilo?
Só tem um jeito, pensou J.V., colocando a carta de volta na mochila cuidadosamente, vou ter que investigar.
N/A: Muito obrigada a todos vocês por lerem até aqui!
Sem o apoio de vocês nada seria possível :) Sou muito grata a cada um de vocês que gastou um pouquinho do seu tempo lendo, comentando e votando nessa história! Vocês são demaaais! <3
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