Capítulo 1
POV da Aspen
– Eu ainda não acredito que a gente ganhou! – Aspen tentou controlar seu tom de voz, sabendo que sua amiga Olívia odiaria a atenção. – E primeiro lugar, Olívia! Isso quer dizer que a gente realmente tem uma chance!
O céu começava a ganhar tons de laranja e roxo, comuns do fim de tarde, quando Aspen e Olívia finalmente saíram do Centro Cultural, mas a felicidade estampada no rosto das duas parecia esconder qualquer cansaço.
De fato, Aspen se sentia com tanta energia que acreditava piamente que poderia correr pela cidade inteira. Nada podia apagar sua euforia.
Ao seu lado, Olívia também tinha um pequeno sorriso estampado no rosto.
– É claro que a gente tem uma chance, Aspen. Você tem um futuro maravilhoso como escritora, eu já te disse isso.
– E você também! Você é brilhante, Olívia!
Ainda tomada por uma alegria incontrolável, Aspen abraçou Olívia com força – levando alguns minutos para perceber que a amiga parecia ter congelado.
– Ah, Olívia, desculpa. – pediu, se afastando da menina para observá-la com atenção. – Tá tudo bem?
Embora Olívia fosse muito afetuosa, a menina tinha dificuldade com demonstrações públicas de afeto. Dando um sorriso tímido, ela assentiu rapidamente.
– Não, eu é que tenho que pedir desculpas. Não tem problema, é só um abraço.
– Olívia, se você não se sente confortável, você não se sente confortável. – Aspen soltou um suspiro e entregou o documento em suas mãos para Olívia enquanto procurava por algo nos seus bolsos. – Eu já te disse que não vou te amar menos por causa disso. E eu devia prestar mais atenção nessas coisas, é que fiquei tão feliz com o prêmio que eu só esqueci. Desculpa.
– Mas ninguém se importa, – Olívia soltou um suspiro. – Eu tô cansada de ser sempre a esquisita.
– Ah, você não é esquisita amiga. – Sorrindo vitoriosa quando encontrou um prendedor, Aspen começou a colocar o cabelo em um rabo de cavalo. – Isso só torna cada abraço que você dá na gente ainda mais precioso.
– Sem contar que essa questão de abraços e beijos o tempo todo não é comum em toda cultura. Meus avós, quando se mudaram para cá, tiveram muita dificuldade de se acostumar.
As duas meninas deram um pulo de susto, mas logo riram ao reconhecer o rapaz de cabelos negros e sorriso tímido. Fábio Yukimura era da mesma turma delas na escola e era, de fato, a pessoa que havia avisado as duas amigas sobre o concurso da Editora Amaro.
Além do seu amor pela literatura e do seu talento com o desenho, Aspen não conhecia Fábio muito bem, mas seu olhar calmo e sensível e a sua grande amizade com Olívia faziam com que ela já o considerasse como um amigo também.
– Ah, e desculpa por ter ouvido a conversa de vocês. Eu queria parabenizá-las pelo primeiro lugar e acabei dando uma de enxerido.
– Sem problemas, Fábio. – Aspen sorriu, rindo internamente quando viu Olívia assentir. – Ainda mais porque você tá certo.
– Sua história ficou ótima! – Olívia disse entusiasmadamente, parecendo muito a vontade na presença de Fábio – Adorei como você misturou os mitos brasileiros com os japoneses, queria ler mais coisas assim.
– Na verdade, usei um universo que estou criando a um tempo. Quero fazer uma série sobre ele. – explicou, parecendo meio sem graça.
– Nossa, eu leria com certeza! Parece interessante, quase como se um anime acontecesse aqui no Brasil. E tenho certeza também que não sou a única que pensa assim, segundo lugar é para poucos!
Ainda mais sem graça, Fábio baixou os olhos para os pés e começou a arrastá-los no chão.
– Bem, a próxima rodada é que vai dizer, não é mesmo? Já sabem o que vão escrever?
– Ah, bem, eu e a Aspen ainda não conversamos sobre isso, mas acho que alguma coisa com fantasia seria legal para a próxima rodada, já que dessa vez o limite de palavras é bem maior. E eu adorei o fato de que vai ser por voto popular, quero dizer, o público é que vai decidir né? Então se a gente passar, já vai ter um público esperando o que a gente for escrever.
Aspen sorriu. Era difícil ver Olívia tão animada, mas Fábio geralmente conseguia arrancar o lado mais extrovertido da amiga – e quando ela ficava animada, Olívia podia falar sem parar por horas sobre o mesmo assunto.
Vendo que o papo sobre fantasia ali ia longe, e que o verão parecia se recusar a sair de Felicidade, Aspen olhou ao redor em busca do moço que geralmente ficava na porta do clube de futebol vendendo bebidas geladas para aliviar o calor... E foi só por isso que ela os viu.
Não era apenas porque ele era irmão gêmeo de Érica, mas Liam Pontine era impossível de não se conhecer. Ele era bonito, sem dúvida, mas o que mais chamava a atenção em Liam não era o seu sorriso simpático, os olhos cor de chocolate ou a pele bronzeada.
Não.
Liam era uma boa pessoa. Mais do que isso, ele gostava de ser uma boa pessoa. Sempre ajudando os colegas na sala, oferecendo para ajudar com mutirões de limpeza ou de construção no bairro, sempre sorridente, sempre de bom humor.
Era incrível.
Então era impossível não reconhecer o rosto sorridente de Liam que estava saindo do clube conversando animadamente com J.V. Azevedo, o idiota da escola. Amigável do jeito que era, não era uma surpresa para Aspen que Liam tivesse feito amizade até mesmo com um dos caras mais intragáveis da escola.
Se você o deixasse sozinho por muito tempo, Liam faria amizade até com uma pedra.
Mas até mesmo um cara legal e gente boa como o Liam tinha um calcanhar de Aquiles. Uma única coisinha, pequenininha, que o deixava de mau humor.
Só uma coisa.
E essa coisa era Olívia Magalhães.
Na típica história de 'Os opostos se atraem', era natural que o cara mais extrovertido e sociável do mundo fosse gostar de uma das pessoas mais tímidas e introvertidas do universo.
Quais os sentimentos de Olívia por Liam?
Ninguém sabia.
Ninguém mesmo, nem a própria Olívia fazia ideia e disso Aspen tinha certeza. Liam a intimidava demais para a menina entender algum sentimento que ela pudesse ter por ele...
Segurando o riso, Aspen contou internamente os minutos até que Liam notasse que ela e Olívia estavam ali, mais especificamente Olívia, e que ela estava conversando com Fábio.
Se Liam gostava de Olívia, ele odiava Fábio. Era puramente devido a ciúmes, é claro, mas não deixava de ser algo extremamente engraçado de assistir.
Nessa altura da conversa, Olívia e Fábio estavam discutindo a possibilidade do Saci-Pererê ser considerado um youkai entusiasticamente e não haviam notado a presença de Liam, não ainda.
Mas não demoraria muito.
Como se fosse um míssil, Liam encontrou seu alvo e imediatamente foi na direção dele, deixando o coitado do J.V. falando com o ar.
Bem, Aspen se corrigiu, coitado não porque ele até que merece.
J.V. era conhecido na escola inteira como o astro do futebol, só porque era parte do maior time de Felicidade, a cidadezinha do interior do Rio de Janeiro onde eles moravam, e tinha gente dizendo que ele ia ser contratado pelo flamengo no final do próximo ano.
O cara tinha talento?
Pelo que ela entendia de futebol – e, admitidamente, ela não entendia de futebol. – o cara nem era tão ruim assim. Não, ele até era bom.
Mas ter talento para alguma coisa não te dava o direito de tratar todas as outras pessoas como se elas fossem inferiores a você e, na opinião de Aspen, isso era exatamente o que ele fazia.
– Olívia! – A voz alta de Liam interrompeu seus pensamentos. – Aspen! Era hoje o dia em que saía o resultado do concurso de vocês?
Como se alguém apertasse o botão de 'pause', Olívia imediatamente ficou em silêncio, abraçando o documento atestando que ela tinha ganho primeiro lugar, seus olhos castanhos bem arregalados.
Com medo de que o documento fosse destruído por Olívia em seu nervosismo, Aspen abriu sua mochila e pegou a pasta onde ela havia guardado o conto que as duas haviam inscrito no concurso. Pegando o documento, Aspen o guardou cuidadosamente antes de se virar para Liam.
– Sim, foi sim. E, ei, Liam cadê a sua educação? – gesticulando para Fábio, Aspen ignorou quando o rapaz sacudiu a cabeça imediatamente, como se pedindo para Aspen para que ela deixasse Liam esquecê-lo, mas pedindo desculpas para ele com um sorriso, Aspen prosseguiu – O Fábio também tá aqui. E vocês se conhecem, certo? Da escola.
Afinal de contas, uma garota precisa se divertir. E quem é que não gosta de assistir uma boa treta?
– Ah, sim, é claro, o Fábio. – Liam disse, olhando para Fábio como Aspen normalmente olhava para moscas que ousavam fazer barulho enquanto ela estava lendo. – Tudo bom Fábio?
Segurando o riso, Aspen lamentou não ter trazido um pacote de pipocas.
– Ah, sim, tudo bem. Mas eu tenho que ir agora. – Fábio deu um sorriso sem graça para Olívia. – A gente conversa mais depois. Ah, e parabéns mais uma vez, meninas.
Olívia acenou para Fábio, claramente desapontada que o amigo tinha ido embora. Enquanto isso, Liam olhava para Olívia como se quisesse encontrar alguma coisa que pudesse dizer para chamar sua atenção e Aspen assistia a tudo, segurando o riso.
J.V. finalmente alcançara seu amigo.
– Cara, cê é louco? Você deixou sua mochila para trás!
– Ah, sério? Eu esqueci. Valeu cara, – Liam disse, pegando a mochila e se virando de volta para Olívia. – Mas parabéns por que? O resultado já saiu?
– Ah, sim. Eu e Olívia pegamos o primeiro lugar. – Aspen respondeu, um largo sorriso se desenhando em seu rosto. – Eu ainda nem acredito! Olívia, já pensou? Se a gente passar na próxima fase do concurso podemos ganhar um contrato assinado com uma editora!
– Ah, sério? Parabéns, meninas! Isso é o máximo!– Liam abriu um largo sorriso. – Não é o máximo, J.V.?
– Hm, é, eu acho. – ele deu de ombros, enquanto respondia a alguma coisa em seu celular – Se você não se importa em perder tempo...
Liam bateu com a mão na testa ao mesmo tempo que Aspen sentiu seu sangue ferver.
– Oi? Desculpa, acho que não entendi o que você disse?
– Ele disse que nós temos que ir em algum lugar para comemorar, certo J. V.? – Liam parecia estar quase implorando para o amigo.
– Tem uma lanchonete aqui perto, tem um combo de coxinha e refrigerante muito bom lá-
– Eu disse que acho uma perda de tempo. Se você gastasse menos tempo escrevendo e mais tempo fazendo algum esporte, certamente não ia ter o rosto tão rechonchudo.
– E que tal um picolé? Tá um calorzão e um picolézinho caía bem, não? – Liam tentou interromper, mas, na verdade, a situação já tinha saído do controle.
– E se você gastasse mais tempo fazendo alguma coisa que estimulasse os seus neurônios não ia ser tão idiota, mas você não me vê querendo controlar a sua vida.
– Olha aqui, eu acabei de ganhar o prêmio de melhor artilheiro da temporada. – Ele disse, bagunçando os cabelos e estufando o peito, como se estivesse extremamente orgulhoso do seu feito. – Meu pai me disse que vão ter olheiros de fora nas nossas próximas partidas, se bobear eu vou sair direto do ensino médio para a Europa. Não preciso dos seus conselhos.
– Então, gente. Vocês tão nervosos, tenho certeza de que isso é fome. Quem topa uma coxinha? – Liam tentou mais uma vez, mas novamente foi ignorado.
– Como se eu fosse gastar meu precioso tempo dando conselhos para uma pessoa que nem ao menos parece ter neurônios o suficiente para atravessar a rua sem ajuda. Você ficou o quê? Uns cinco minutos esperando o Liam voltar? Como uma criança que perdeu a mãe de vista?
– Eu estava esperando esse idiota voltar para pegar a mochila dele, porque Liam é meu amigo, e eu sou um excelente amigo.
– Nossa, e nem se acha né? Deixa eu te dizer, qualquer animal bem treinado consegue tomar conta de uma mochila e entregar para o dono, sabe? E eu tenho certeza de que esses animais vão ser mais empáticos do que você!
– Empatia? Quem tá falando de empatia? Eu só falei que era uma perda de tempo, só isso! O que tem a ver com empatia?
– Eu acho que ela tá tentando dizer que se alguém te dissesse que futebol é perda de tempo, você não ia gostar. – Olívia respondeu baixinho, seus olhos faiscando com raiva.
– Então. Empada? Pizza? Sorvete? Qualquer coisa menos ir parar na DP por brigar no meio da rua? – Liam claramente estava quase implorando, então Aspen decidiu ter pena do amigo.
– Claro, até porque já tá na hora da gente ir embora mesmo, Olívia. Vamos. Liam, a pizza fica para outro dia... quando você estiver em melhor companhia...
E, com toda a calma e a elegância que ela conseguiu juntar, Aspen saiu em direção ao ponto de ônibus, Olívia andando apressadamente para acompanhá-la.
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