|11| caminho de volta para casa
Lembra quando eu te disse
Não importa onde eu vá
Eu nunca vou sair do seu lado
Você nunca estará sozinho
— Way back home, Shaun ft. Conor Maynard
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Song Mingi acompanhou os passos altos que ecoavam junto aos dele pelo longo corredor de ladrilhos. Conseguia ouvir as crianças animadas em seus últimos momentos de aprendizado nas salas coloridas, apesar de estar dois andares acima delas. As paredes cheias de colagens de desenhos e atividades criativas pareciam pouco para conterem os diálogos altos e desconexos que faziam parte daquele ambiente.
A mulher então parou de andar e Mingi logo após ela. A porta branca foi aberta, revelando o que escondia a sala da diretoria.
Mingi só estivera ali uma vez, quando fez a matrícula de Minsoo, mas ainda se lembrava bem de como era. Troféus e certificados enfeitavam as prateleiras ao oeste e fundo tais como livros didáticos, fotos de conferências e outros objetos, peixes coloridos nadavam no enorme aquário da parede leste, embaixo do ar-condicionado no mínimo. Definitivamente, uma elite da educação infantil. Era bom que a pequena Song estivesse ali, recebendo uma orientação de qualidade. Valia a pena seu esforço.
A mulher acenou para que o Song maior se sentasse e também fez o mesmo, na cadeira giratória em frente a Mingi. Ela tinha uma pose imponente, como se quisesse fazer a questão de o lembrar que ela dirigia aquele lugar e que talvez gente como ele não era bem-vindo. Mingi entendia bem disso. A cadeira macia ao qual se repousava não tornavam as coisas confortáveis entre eles. Minsoo ainda seria lembrada como uma bolsista, como alguém que estaria roubando a vaga de outro que poderia pagar por ela. Mingi com certeza entendia bem disso.
— Imagino que não saiba o porquê de ter sido chamado aqui — ela começou dizendo. Os enormes anéis batucando na mesa de madeira, acompanhando os tic-tacs do relógio de ponteiros ao lado.
— Não, senhora Han — ele respondeu.
A mulher deu um estalar de língua e se recostou na cadeira.
— Fui reportada sobre problemas com sua irmã. Os professores tem notado uma expressiva mudança no comportamento da senhorita Song — ela relatou, como se fosse algo sem importância. Mas Mingi se mantinha atento a cada palavra, cada uma reverberando em sua mente. Sua Soo, havia algo de errado.
— Mudança de comportamento?
— Retraimento, isolamento, queixas de que ela tem participado pouco dos exercícios em grupo.
Mingi ficou pensativo. Se havia observado bem nos últimos dias...
— Há algo que queira me contar, senhor Song? — Questionou. O tom dela não era nada acolhedor.
— Sim — Song respondeu, o tom de voz firme. Han Hyunbam não trazia qualquer amabilidade no olhar, mas era uma mulher de bons princípios e formada em pedagogia e psicologia infantil. Ainda que Mingi a sentisse desdenhando de si – como boa parte das pessoas que frequentavam aquela instituição faziam com pessoas como ele – Hyunbam continuava sendo responsável e de grande ajuda caso estivesse mesmo acontecendo algo com Minsoo. — Ultimamente Minsoo tem tido pesadelos, todos seguindo o mesmo formato: abandono — o olhar dela pareceu mais concentrado. — Não sei o que está acontecendo, mas posso afirmar que não é por criação de nossa família, que sempre se manteve bem unida. Ensinamos bons valores para Minsoo.
Han pareceu considerar aquela resposta, ainda que no fundo as palavras de Mingi não lhe passassem confiança ou total seguridade. Mingi também não poderia julgar sua posição.
— Houve mais algum transtorno além de sonhos?
— Nenhum. Ela age da mesma forma conosco, com carinho e liberdade, como sempre agiu — Song reafirmou. — Por isso acho estranho que se mostre retraída aqui.
— Compreendo — Hyunbam deu aquilo como suficiente. — Bom, já pedi para o coordenador Kang ficar de olho durante os intervalos. Qualquer diferença será retratada ao senhor. E, por favor, nos informe se ela apresentar algum comportamento estranho em sua residência.
— Obrigado, senhora Han — ele se levantou.
— Disponha.
Mingi desceu sozinho o lance de escadas pouco antes do soar do sinal e dos gritos animados e infantis tomarem conta dos enormes corredores e pátios. Quando chegou ao térreo, começou a procurar por sua menina, que também deveria ter saído e não fazia ideia de que o irmão já a esperava. Mingi costumava chegar nos portões da escola em no máximo cinco minutos após a liberação, senhorita Estrela Cadente costumava não ser muito paciente e por vezes havia lhe dado sermões sobre isso – e uma criança de seis anos pode ser bem cruel com as palavras. Ele era feliz por isso.
Song andou pelo pátio, passos rápidos e os olhos atentos por um par de maria-chiquinhas saltitantes e uma mochila marrom um pouco gasta. Observou algumas crianças que se divertiam no parquinho, outras que conversavam entre si, outras que corriam animadas; Minsoo não era nenhuma delas. Mas a encontrou. Estava sentada em um murinho, as pernas balançando e as mãozinhas segurando sua mochila enquanto via seus colegas enturmados. Mingi sentiu que realmente havia algo de errado. Se aproximou.
— Capitão Minnie pronto para a missão de embarque, senhorita!
— Hyung! — a garotinha pulou em seus braços, dispersando qualquer sinal de desânimo. Talvez a raiz do problema estivesse na própria instituição. Ainda não poderia concluir isso.
Mingi deixou para se inquietar por isso em outro momento. Minsoo estava ali, com ele, e feliz por ele estar ali com ela. Era o bastante, por agora.
— Vamos para casa? — A pequena Song sorriu.
— Sim, sim, sim!
Minsoo estendeu a mão e Mingi a segurou, tão pequena. Algumas pessoas olhavam desconfiadas. Minsoo estava feliz demais para se preocupar com elas e somente cantarolava alguma música que havia aprendido. E, apesar de sério, o garoto tentava a acompanhar, ainda que isso significasse pular com ela pelos ladrilhos coloridos, evitando as linhas e divisões que poderiam despertar um enorme monstro de lava ao qual eles não estavam preparados para lutar contra.
Pessoas e mais pessoas circulavam por aquelas mesmas ruas, a maioria alunos de escolas dos arredores. Jongho nesse momento também deveria estar liberado, Mingi pensou, e correndo para casa, para seu outro afazer. Ele sentia pelos esforços do garoto. Também apertou o passo, junto a Minsoo, surpreendendo um pouco a menina distraída; nada que a mente dela não compensasse trazendo outras realidades com dragões coloridos e guerreiros brilhantes usando arco e flecha os perseguindo, e então corria.
— Mingi-ah?
Minsoo sentiu seu braço ser puxado pela parada repentina. Não entendeu de imediato, mas tendo também escutado alguém chamando por seu hyung, a garotinha se virou para onde Mingi olhava, estagnado.
Os cabelos azuis logo chamaram a atenção da menina, tal como o quanto ele era grande e tinha bochechas fofinhas como pãezinhos doces. Apesar do calor, usava uma blusa branca de mangas longas e algumas sacolas pesavam em suas mãos, contudo, não parecia ser um problema para ele. Por conta disso, ele parecia um grande urso polar que teria abraços confortáveis.
Minsoo cutucou Mingi, curiosa, mas este ainda não havia se movido. Ele apenas encarava o garoto, agora parado em sua frente.
Yunho.
Era uma surpresa que se encontrassem assim, principalmente para Mingi. Há alguns dias não tinha quaisquer notícias de Jeong, qualquer ligação, qualquer notificação. Dias em que preocupações rondaram o coração de Song durante as longas madrugadas, ainda que tentasse não pensar nisso. Mingi foi o último a enviar uma mensagem, perguntando se estava tudo bem. Era inevitável. Era inevitável depois de tentar entender aquele som. Jeong era uma música triste que não temia o fim, e mesmo que não fosse responsável, Mingi não queria ver essa música terminar.
Mas Yunho sabia o que fazia, ou pelo menos Mingi achava que sim. De qualquer forma, não deveria ser da sua conta, como as coisas estavam se tornando. Yunho havia dito uma vez que era um problema, Mingi também sabia disso. E continuava. Mas seus olhos ávidos e preocupados não evitaram de percorrer aquele corpo em busca de certezas, de penetrar os orbes escuros temendo o que encontraria. Yunho usava uma blusa de frio, sabia o que ele queria esconder. Não pendiam brincos de suas orelhas. Se assemelhava ao primeiro Yunho que havia encontrado, aquele que havia dançado consigo, aquele havia aprendido a não confiar, aquele que se derramou em desespero. Quem ele sabia ser o Yunho não-verdadeiro.
— O que faz aqui? — Mingi perguntou, simplesmente.
— Também fico feliz em ver você — Yunho sorriu e abaixou o olhar, era aquele sorriso que costumava usar para se esconder. Mingi deveria imaginar. — Eu ia passar no trabalho de Yeosang hyung, mas ele me ligou dizendo que teria uma reunião, então decidi ir ao mercado.
— Entendo.
— Essa cidade é realmente pequena demais para nós dois, não acha? — Jeong arqueou as sobrancelhas, o tom brincalhão mascarando seus reais sentimentos.
— Acredito que não seja — Mingi suspirou. — Se sente bem?
— O melhor que posso no momento. Espero que também esteja bem — e então, vislumbrando a garotinha de maria-chiquinhas que agora se mantinha bem próxima ao Song, Yunho se abaixou à altura dela. — E você deve ser a Senhorita Estrela Cadente, estou correto?
Minsoo se retraiu um pouco. Ainda era estranho.
— O senhor sabe quem eu sou?
— Claro que sei! Capitão Sombra-elástica, a seu dispor, senhorita — disse, cordialmente.
— Oh! O Capitão Sombra-elástica? É ele, hyung? — A garotinha olhou para Mingi.
— É ele sim — Mingi o viu se levantar, sorrindo. — O amigo do hyung. Yunho.
— Ele é mais grandão que o irmão grandão!
— Se diz maior, Soonye — Mingi corrigiu.
— Eu gosto desse título — Yunho se manifestou. — O hyung mais grandão que o irmão grandão, pode me chamar assim também.
— O senhor tem cabelo de algodão doce — Minsoo observou e se virou para Mingi, animada. — Hyung, você pode ter cabelo de algodão doce também?
Mingi olhou para Yunho, que ainda sorria. Um ponto de convencimento era nítido nele. Suspirou mais uma vez.
— Não posso, Soonye. Esse superpoder pertence somente ao Yunho — o Song maior proferiu, recebendo um muxoxo de sua irmã. Jeong sentiu por ela, e por si, por imaginar Mingi de cabelo colorido um dia. Seria incrível se acontecesse.
— E por favor, me chame de hyung também — ele disse. — Yun hyung.
— Eu posso? — Minsoo arregalou os olhos.
— Claro! Eu ficaria honrado — Yunho se animou. — Se Mingi hyung não se importar — ele mirou no garoto de cabelos escuros. — Está tudo bem por você?
Mingi alternou seu olhar entre Minsoo e Yunho.
— Sim.
Apesar de estranhamente gostar da companhia caótica de Yunho, Song ainda não poderia dizer aquilo com toda sinceridade. Temia por Minsoo, por si mesmo e por Yunho também. As palavras ditas naquela noite, naquele bar, ainda ressoavam, as ligações trocadas nas madrugadas, as marcas vermelhas que coloriam dolorosamente a pele de Jeong, o silêncio das últimas semanas, essas coisas indicavam algo. Havia algo de errado, ele sentia. Ainda que Yunho fosse cercado por aquela aura rebelde e problemática de um simples adolescente, havia algo que o fazia se tornar como uma criança com medo, havia algo naquele sorriso que também não soava verdadeiro. Ainda que Yunho fosse grande e propriamente forte, Mingi enxergava além daquele olhar. Um socorro silencioso.
— Bom, sendo coincidência ou não, meu carro está logo ali — disse Yunho, despertando Mingi. — Querem uma carona?
Minsoo logo se entusiasmou, mas Mingi hesitou. Haviam muitos motivos para que recusasse aquela oferta e a maioria deles envolvia a segurança de Minsoo, de Mingi e a do próprio Yunho. Ele não deveria voltar àquele lugar, pessoas como Jeong não eram bem-vindas, não precisavam ser, sequer se envolviam com gente como Mingi.
Mas Soonye estava cansada de andar e o dia estava realmente quente. Ele via o pedido no olhar dela. Não havia como fingir não ter visto, e ainda seria frio de sua parte ousar fazer tal coisa com sua pequena irmã.
Mingi soltou o ar que prendia. Ele poderia fazer isso por ela. Estava tudo bem, era dia, não significava perigo. Ele resolveria se significasse.
— Tudo bem. Direi o caminho.
Não foram precisos muitos passos até chegarem onde o carro de Jeong estava estacionado. Um trio relativamente estranho aos olhos alheios. Minsoo entretida em narrar suas aventuras intergaláticas a seu mais novo tripulante que sorria descontraído, Mingi os observando silenciosamente, mantendo sua irmã entre eles. Logo, entraram, a pequena no banco traseiro, o Song mais velho no carona.
— É diferente do que vi da última vez — Mingi comentou com Yunho assim que ele entrou, após ter colocado as compras que carregava no bagageiro. — O carro.
— Última vez?
— Você me ofereceu uma carona — ele disse — quando nos conhecemos. Era um carro diferente. Soo, o cinto de segurança.
— Sim, hyung! — Minsoo atendeu o chamado quando o ouviu.
Yunho não se lembrava bem daquele dia. As coisas haviam saído de controle e ele deixou a residência da forma que estava, o coração despejando ódio e ressentimento, porém... Sim, era um veículo diferente. Era o seu, o que havia adquirido de Dongpyo, ou melhor, o que havia afastado daquela família. O que estava agora também o pertencia, mas não era o mesmo. Nada que viesse deles era realmente seu.
— As vezes sua boa memória me assusta — Jeong comentou, evitando o olhar do garoto.
— A mim também — e da mesma forma disse Mingi, quase como um sussurro. Jeong quase não pode o ouvir.
— Bom, mas acontece. Na verdade, eu quase não uso ele — Yunho deu de ombros, observando o céu antes de girar a chave na ignição. Mingi se sentia um pouco tenso. — Eu gosto mais de andar ao ar livre, praticar exercícios, sabe?
— Você não parece gostar disso.
— Pois é, eu odeio — ele riu. — Na verdade, estou só arrumando desculpa para dar uma escapada, as coisas estão tensas lá em casa — ao olhar para o Song, Yunho percebeu que ele parecia preocupado. Se era com Minsoo ou consigo, não saberia ainda dizer. — Hongjoong hyung não gostou muito da ideia de ter uma galinha de estimação.
— Uma galinha?
— Pois é, agora temos uma galinha de estimação, — Mingi ainda parecia não acreditar, e era compreensível. Yunho continuou: — ela se chama Deuki e é uma máquina de ataque.
— Uma galinha é tão legal! — Minsoo exclamou do bando de trás.
— É sim, pequena! — Yunho olhou a menina pelo retrovisor.
— Melhor entrar à esquerda — Jeong sequer oscilou em seguir o que lhe foi pedido. — E ao que parece, seu hyung não ficou muito contente com isso — Mingi vislumbrou o garoto rapidamente. Seus olhos se encontraram por um instante.
— Tá brincando? Ele surtou! — Yunho sorriu, lembrar de como Hongjoong reagiu a uma nova integrante na família trazia uma sensação incrível de satisfação. — Faltou colocar eu e Sang hyung na rua, mas ele não faria isso porque ama demais a gente. Ao contrário da galinha, que parece querer me matar.
— Não acho que ela faria isso.
— Você não a conhece como eu a conheço, meu caro — Jeong apontou.
— Minnie hyung, podemos adotar uma galinha? — Soonye cutucou os ombros de Mingi.
— Acho que não será uma boa ideia, Soonye — ele respondeu.
— Por favor, eu prometo que faço todos os deveres antes do jantar e nunca mais bagunço o quarto do Jjong hyung e se o papai quiser eu também ajudo com as comidinhas! Por favor!
Minsoo proferiu tão rapidamente que muitas de suas palavras saíram emboladas e seria difícil para alguém não acostumado entender os seus significados.
Yunho levou a mão à marcha, e com esse pretexto também o cutucou levemente. Mingi suspirou.
— Vou pensar sobre isso, Soo. Agora fique quietinha no banco pra não se machucar.
Minsoo rapidamente se sentou, acatando o pedido de seu hyung. A viagem prosseguiu silenciosa, e logo os prédios chiques foram dando lugar aos casebres, os jardins aos terrenos baldios. Era nítida a diferença. Até mesmo a pequena Song parecia mais abatida. Yunho suspirou. E então pareceu se lembrar de algo.
— Hyung, — Mingi olhou para ele — ela te chama de hyung em vez de oppa — Jeong observou, com um pouco mais de cuidado. Temia ser algo pessoal demais. — Posso perguntar o porquê?
— Costume — Mingi deu de ombros, seu olhar percorrendo as ruas esburacadas pelas quais ele e sua irmã estariam tocando com seus sapatos velhos. — Acho que por conta de ter muitas referências masculinas no seu convívio, ela acabou aprendendo isso.
— Faz sentido. É diferente, mas é legal.
— Sim. Nos sentimos bem com isso.
— Entendo — ele puxou o ar. — Mingi-ah...
Jeong ainda parecia agitado. Mingi o olhou de relance.
— Apenas pergunte, Yunho.
— Não é exatamente uma pergunta, é só que... — O garoto hesitou, as palavras pareciam não se encaixar devidamente onde ele queria. — Estive meio distante esses dias... Não é culpa sua. Quando nos encontramos agora há pouco, você parecia...
— Eu sei — Mingi o interrompeu, os nós dos dedos se comprimindo arduamente. Ele sabia que havia demonstrado demais. — Eu só... Fiquei preocupado. Queria ter a certeza de que estava bem.
— Hyung, você me esperou?
— Acho que sabe a resposta.
— Seria mais legal se dissesse por si mesmo — Yunho o encarou por um momento. — Você é bem difícil as vezes.
— Não sou o único tornando as coisas difíceis — Mingi deixou que as palavras saíssem de sua boca, baixas, mas se arrependeu no exato momento em que as proferiu. As mãos de Jeong seguraram o volante com mais força e o pomo de Adão dele se moveu levemente.
Yunho havia entendido.
— Me desculpe, hyung. Eu precisava colocar a cabeça no lugar.
— Você não me deve satisfações, Jeong — ele respondeu.
— Mas eu quero — Yunho retrucou. — Amigos fazem isso, confiam um no outro.
Mingi pensou um pouco. Seu peito se apertou.
— Você realmente confia em mim?
Jeong tremulou.
— Eu... Acho que sim... Por quê?
— Porque... Não. Nada. Somente continue se cuidando. — Mingi olhou pela janela. Ele não possuía mais coragem para encarar Yunho nos olhos. Era perigoso. — Aqui está bom. Soo, prepare-se para descer.
Yunho não queria deixá-los ali, mas Mingi parecia decidido a encerrar aquilo. Talvez fosse melhor, por enquanto. Relutantemente Jeong procurou por um bom lugar para parar o carro, e tendo encontrado, o fez. Porém suas mãos continuavam segurando o volante, com certa intensidade. Não era um local aconchegante, pichações agressivas faziam seus olhos doerem e o cheiro de fumaça incomodava, mas não era muito diferente de alguns lugares que frequentou, nem de onde ele e Song haviam se encontrado pela primeira vez. Mingi também parecia acostumado a isso.
— Tenho a impressão de que falta bastante para chegarem em casa — disse. — Eu posso levar vocês lá, hyung.
— Não insista, Jeong — Mingi se manteve firme.
Ele suspirou, frustrado.
— Tudo bem.
Logo Mingi saltou do veículo, ajudando sua irmã a descer. Yunho mencionou fazer o mesmo, mas um sinal de Song o impediu, portanto ele somente baixou o vidro das portas para uma última despedida.
— Obrigado por nos trazer aqui, Yunho, foi de extrema bondade sua — Mingi segurou a mão da pequena Song. Yunho reparou em como os olhos dele não pareciam em paz. — Como se diz, Minsoo?
— Muito obrigada, hyung! — a garotinha agradeceu, acenando animada.
— Não agradeça por isso, não foi nada demais — ele respondeu. — Espero te ver de novo em breve, capitã!
— Eu também, Yun hyung!
Jeong não conseguia evitar de sorrir ao ouvir ela falar, Minsoo era com certeza uma menina adorável e alegre, talvez como... Havia sido um dia. Ele preferia não se lembrar. Mas mesmo assim, Yunho não se segurou ao sorrir alegremente de volta, tendo seu coração preenchido. E então, mirou no garoto de cabelos escuros ao lado dela.
— Mingi-ah...
— Espero que fique tudo bem, — ele disse, ainda sem o encarar diretamente — e... Você não está sozinho, Yunho. Acho importante te dizer isso.
Mingi não o deu oportunidade para responder ou reagir, e somente andou ao lado de sua irmã seguindo a calçada estreita, deixando um Yunho reflexivo para trás.
A tarde se seguiu como um bater de asas de um pequeno pássaro. Logo as entregas cessaram e Mingi se concentrou nos estudos durante esse tempo. Tanto Minsoo quanto Eunwoo descansavam agora, depois de um dia agitado. Seu pai, especificamente, precisava bastante disso, as dores ainda não haviam se extinguido e Mingi se preocupava se não se tratava de algo mais grave do que exaustão, mas o velho Song continuava a negar qualquer visita a um médico. Um grande cabeça dura, Mingi pensou, mas ele não conseguia o julgar por isso. As coisas estavam difíceis ultimamente, as contas pareciam não fechar e é claro que Eunwoo se sentia responsável por isso. Mingi também. Entretanto, palavras sobre isso não eram ditas entre eles.
— Hyung...
Mingi foi acordado de seus recentes pensamentos pela voz de Minsoo. Estava parada na porta de acesso da cozinha, metade de seu corpo espiando o que seu irmão fazia. Ele deixou os livros por um momento.
— Diga, pequena princesa.
— Eu não sou pequena, hyung, eu já tenho seis anos — ela apontou, mostrando os dedos. Mingi riu e se corrigiu.
— Oh, verdade... Me perdoe por isso — Minsoo parecia satisfeita com isso. — Então diga, grande princesa.
— Hum... Posso pentear seu cabelo?
Mingi acompanhou sua irmã até o quarto que dividiam e sentou-se no chão, encostado na cama e permitiu que sua irmã fizesse o que queria. Ela pegou uma de suas caixinhas de sapato que usava para guardar suas coisas, retirando de lá vários enfeites. Aos poucos, os cabelos de Mingi ganhavam novas cores, as mechas escuras trançadas com várias fitinhas coloridas e prendedores desbotados, mas que antes eram brilhantes. Era como estar em paz.
— Irmão, — Minsoo decidiu quebrar o silêncio — tem quanto tempo que o Yun hyung é seu amigo?
Mingi acabou endurecendo um pouco sua postura ao ouvir aquele nome.
— Por que quer saber?
— Yun hyung é legal, — ela então refletiu por uns instantes — ele tem o cabelo de algodão doce.
— Ele é legal só por isso? — Ele voltou a perguntar.
— Ele também é legal por ser amigo do meu Minnie hyung — ela respondeu, sorrindo. Mingi também quis sorrir.
— Oh, verdade?
— Sim. É legal que Minnie hyung tenha amigos, não é? Assim não ficam sozinhos, não é?
Mingi sentiu seu peito subir e descer irregularmente. Chamar Yunho de amigo ainda causava uma sensação estranha, mas, era realmente o mais próximo que tinha do que achava que seria um amigo. Ainda era difícil lidar com isso, com a dissonância, com os sorrisos provocadores e palavras afiadas, mas essa era uma versão verdadeira, e Mingi se sentia satisfeito que Yunho se sentia confortável em lhe mostrar tal lado, mesmo que muitos desses sorrisos camuflassem dor. Ainda haviam nuances desconhecidas naqueles olhos, nuances estas que Mingi também tinha e sabia o porquê de serem escondidas. Talvez por isso ainda continuavam.
— Sim, Soonye. É legal que eu tenha amigos — ele finalmente disse. E se virou para ela. — Você também, certo?
Minsoo também demorou a responder. Para uma criança como ela, esta não deveria ser uma questão difícil. Mingi sentiu que tinha alguma coisa errada.
— Uhum — foi o que ela proferiu.
Tempos mais tarde, antes que a noite caísse realmente, Mingi já se encontrava manchando os sapatos nas ruas imundas, Dory sendo carregada em suas costas. Duas fitinhas ainda permaneciam em seus cabelos, uma forma de ele não perder o foco aquela noite. Logo, estava no costumeiro velho bar, já bem cheio para o horário. Junkyan, por algum motivo, ainda não se encontrava. Singularmente, Mingi se sentiu um pouco sozinho.
Como sempre, melodias despontaram da união entre suas mãos e Dory. Bêbados aplaudiam e provocavam, cuspiam e arrotavam, vez ou outra mencionavam orgulhosamente qualquer vadia com quem estariam traindo suas esposas. Mingi sentia seu estômago embrulhar, portanto, fez com que música soasse alta em seus ouvidos para se distrair, ele precisava. Contudo, uma vibração diferente chamou por sua atenção.
Uma ligação.
A música de seu violino se tornou silenciosa em contraste aos berros dos clientes alterados. O celular continuava a tocar em seu bolso. De imediato, ele imaginava quem poderia ser, apesar de não acreditar. Sempre seria surpreendente.
Mingi hesitou em pegar o celular, estando em um lugar que sabia ser perigoso. Mas qualquer um ali não prestava a mínima atenção ao que ele fazia. Era o nome de Jeong na tela. Mingi se sentou no canto do palco e colocou Dory por cima da mochila. Decidiu atender.
Apesar de todo o barulho exterior, Mingi ainda conseguia ouvir a respiração pesada de Jeong. Ele permanecia em silêncio.
— Yunho...?
— Eu preciso de um enorme favor seu — ele disse, a voz soando baixa, tremulando. Mingi logo se atentou. — Está... No bar?
— Estou, mas... O que seria?
— Toque uma música pra mim — Yunho pediu. — Eu sei, muito repentino, não tenho qualquer direito de te pedir qualquer coisa e eu sequer dei o ar da graça nos últimos dias, mas-
— Qual música você quer? — Mingi não o deixou continuar. Ele sabia o que aquelas palavras significavam, o que a sonoridade delas emitia. Yunho não estava bem.
— Qualquer uma — ele o respondeu.
Mingi assentiu, mesmo que Yunho não fosse visualizar. Ninguém ainda havia o notado realmente, então o celular foi escondido dentro da mochila, e ainda sentado, Mingi tocou em Dory, ansioso, perdido. Ele sentia a angústia que irradiava de Yunho, independentemente da distância em que estivessem, e sabia que o motivo para aquela ligação repentina – não que as outras que recebeu também não fossem – era preocupante. Continuava não sendo problema de Mingi, mas ele havia se permitido estar na vida de Yunho. Ele faria o possível.
Uma melodia calma foi ministrada por Song, algo que fizesse as respirações de Yunho convergirem em serenidade. Sequer sabia se ele ainda o ouvia, se o audio sairia abafado ou outro contratempo, mas continuou. Nota por nota, pausa por pausa, traçando um caminho para que ele voltasse.
Quando terminou, Song voltou a procurar pelo celular, por Yunho. Dessa vez não mais o silêncio.
— Yunho, você...
— Eu sei que estou chorando, ok? Eu já sei disso — Yunho vociferou, os soluços irrompendo entre as palavras. — Eu... Também não sei porque estou te ligando. Eu sei que você não tem nada a ver com isso e nem tem como resolver o caralho dos meus problemas, mas...
Mingi esperou por uma continuação, mas tudo o que ouvia eram mais soluços e um choro alto. Seu coração também se apertou.
— Yunho, por favor, preciso que se concentre em se acalmar — Mingi pediu, mas sabia ser em vão.
Ele esperou por Yunho. Murmúrios impacientes o atingiam por fora, todavia, Mingi esperou por Yunho. Esperou que ele se acalmasse, esperou que o choro cessasse, esperou que ele voltasse a si o quanto conseguia. Novamente, silêncio.
— Eu precisava ouvir sua voz — ele disse, finalmente. — Eu precisava ouvir a porra da sua voz e queria te ouvir tocando.
— Yunho... — Muitos vocábulos se passaram pela língua de Mingi e nenhum era suficiente para o que sentia e queria dizer. Porém um deles... Havia uma dúvida plantada em sua mente. — Por que você... Por que confia em mim?
— Porque você... Não fugiu — uma respiração mais pesada foi ouvida. Mingi não conseguiu responder a isso. Também não precisou. — Boa noite, hyung.
E a chamada se encerrou ali.
●●●
Olá.
Mais uma pra fechar o ano.
Já adianto que não pretendo muito correr com essa história, já que tem muitas coisas que preciso estudar sobre ela e estou sempre revisando o enredo dela para não deixar furos, ok? (E eu também sou lerda, sendo sincera)
Imaginem que a música que Mingi tocou no final é a mesma do capítulo que tá tudo certo. Mas se não quiserem não tem problema, não. É que eu acho ela muito linda❤
Boas festas, pessoal, nos vemos em outras obras, ou pra quem está só por aqui, em 2023!
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