|08| fim do filme
Entre todas as memórias que acumulei
Eu escolho e junto as que são sobre você
Enquanto vejo elas projetadas pelo quarto
Eu sinto você em cada pontada de dor
— Film Out, BTS
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Mingi se cobriu do frio com o casaco pesado e segurou forte a alça da mochila, como também a maleta que levava Dory. Eram meia noite e quarenta e quatro; vira no ecrã do celular assim que um de seus pés tocou a sarjeta. As ruas escuras tomavam conta de seus passos e o ar gélido da noite resfriava sua respiração tensa. Havia um longo caminho até sua residência.
Os minutos seguintes foram seguidos de passos acabrunhados; evitou olhar, sentir, passou por cada esquina sendo invisível aos olhos espreitos. Era assustador. Mesmo que atualmente não fosse mais uma criança medrosa, nunca saberia ao certo o que cada beco escondia, o que cada bloco de cimento gasto havia presenciado, o que a noite acobertava por entre a escuridão. Cada poste de luz amarelada causava calafrios, cada travessia durava uma eternidade mesmo que suas pernas fossem velozes, cada lata revirada lhe dava ânsia tanto como o cheiro de cigarro que parecia nunca se esvair; era uma marca daquele lugar. Marca como aquelas feitas nos muros, um vermelho vivo e louco que poderia ser do spray de vândalos ou do sangue de um inimigo de gangue. Ah, Mingi conhecia eles, se mantinha longe. Precisava se manter longe.
Avistou a casa de Somin. E logo então, a sua. As luzes estavam apagadas, e como sempre, entraria sem fazer barulho. Olhou para trás uma última vez, se assegurando de que não era seguido. Não viu qualquer vulto – isso não significava segurança. Entretanto, tirou a chave do bolso e deslizou seus pés até se considerar verdadeiramente protegido. Deixou a mochila ao canto da pequena sala com o sofá, conferiu as obrigações da próxima manhã pregadas no velho armário e se dirigiu ao quarto de seu pai. Mingi abriu uma fresta na porta, o suficiente para o assegurar de que o outro homem descansava bem, felizmente Eunwoo dormia profundamente e não notou a chegada do filho. Foi então que Mingi, ainda em silêncio e segurando Dory, andou até o quarto que dividia com sua irmã. Esperava também a encontrar serena em seu sono, contudo, não foi essa a cena que lhe ocorreu. Ao contrário, as frestas iluminadas das janelas denunciavam os joelhos dobrados junto ao corpo que tremia e demonstrava medo e isso assustou o Song mais velho, que prontamente se pôs ao lado dela.
— Soonye? O que... — E então Mingi reparou nos olhinhos molhados e inchados, na maneira como ela segurava o Senhor Timóteo, em como parecia tão pequena se escondendo por entre os cobertores.
— Hyung... Eu...
— Venha aqui — Mingi sentou-se na cama e Minsoo se aproximou de seu irmão, deixando ser tomada em um abraço por ele. — Teve um sonho ruim? — Ela confirmou, balançando a cabeça em um muxoxo triste enquanto se encolhia. — Me conte, o que aconteceu?
Minsoo fungou e coçou os olhos, apertando tanto seu irmão quanto Senhor Timóteo para que eles não fossem embora como em seus temidos pesadelos. A garotinha tremia de medo somente em tentar verbalizar as cenas que se seguiram por seu subconsciente. Era assustador.
— E-eu sonhei com a ma-mãe, ela estava me dando a mão e o hyung e o papai estavam esperando, — Mingi a afagou com cuidado e delicadeza para que se sentisse segura a continuar — mas então e-ela sumiu e levou o hyung e o papai embora e m-me deixou sozinha...
Aquele mesmo sonho.
— Ah, Soonye... Eu estou aqui, certo? Papai também está aqui e a mamãe também, ainda que como uma estrelinha, ela cuida de você — Mingi sentiu o nó se formando em sua garganta — nós não vamos embora e te deixar.
— P-promete? — os olhos salpicados de pequenas gotinhas salgadas buscaram pelos orbes de seu irmão grandão, na esperança de tê-los a protegendo. Nem sempre a senhorita Estrela Cadente se sentia forte para salvar o universo e ter o Capitão Minnie ao seu lado renovava suas energias para combater os pesadelos vilões.
— Pela minha vida — ele disse. E Minsoo ainda não tinha dimensão do peso dessas palavras.
— E pela hon-honra dos cadetes esp-paciais? — E Mingi talvez não tivesse dimensão do infinito das palavras dela. Mas faria o seu possível e seu impossível em troca da felicidade da menina.
— E pela honra dos cadetes espaciais.
Foram mais e mais minutos de uma menina soluçando e um irmão mais velho angustiado, que tentava ao máximo ser um porto-seguro para quem ele considerava o seu próprio. Minsoo demorou um pouco a relaxar e deixar o sono vencer, mesmo que sentisse a mão de seu hyung acariciar seus cabelos e cantar uma música baixinho, como sempre fazia nessas situações. Muito delicado.
Não era a primeira vez que sua Soonye tinha esses pesadelos, estava sendo bem recorrente nos últimos dias e Mingi sabia ter algo de errado. Era sempre o mesmo enredo: ele e Eunwoo abandonando Minsoo. Vez ou outra, na companhia de Yiren, que teria sido a primeira a "deixar" a menina, ainda que não tivesse qualquer culpa por isso. Temia que esses pesadelos fizessem Minsoo sentir medo ou aversão à sua mãe, já que sabia que a falta da presença dela impactava o crescimento da pequena. Por mais que os homens Song tentassem, nunca iriam chegar perto do mar de ternura que Yiren deixava escoar com facilidade a todos, independentemente se eram conhecidos ou não. Queria muito que sua mãe tivesse conhecido aquela borboletinha sorridente enquanto viva, e mais ainda que Minsoo tivesse conhecido a dona das melodias mais lindas e do abraço mais apertado do mundo. Mingi guardava vívida cada memória que possuía daquela mulher, da luz que ela foi e continuava sendo em sua vida; cada pequeno ponto daquele quarto, daquela casa, daquele lugar, lembravam a melodia de sua mãe. Cada detalhe que havia sido construído por ela, com ela, para eles. Song sentia muita falta. Era imensurável sua dor. E essa dor havia o transformado no que ele se via agora, nesse homem, havia moldado suas escolhas de tal forma a se perguntar se era realmente ele, o mesmo garoto que vivia alegre, a portar tanta tristeza nos olhos. Não queria que Minsoo seguisse esses passos, então cada vez que a pequena Song narrava esses acontecidos, Mingi se via na difícil situação de contornar as peças que a cabeça enérgica de Minsoo pregava, com cuidado. As percepções de uma criança são completamente diferentes da de um adulto, sabia que as palavras tinham um peso diferente na formação da personalidade de cada um. Não queria que Minsoo porventura se sentisse responsável por algo de que não era, nunca seria. Não deixaria que ninguém a fizesse pensar nisso.
Devia ser quase duas da manhã quando Mingi parou de cantar por perceber sua irmã já sem qualquer espasmo, mas decidiu permanecer ali um pouco somente para se certificar de que ela dormiria bem e pesadamente, que não teria outro sonho como aquele que a perseguia. Felizmente, Minsoo parecia tranquila e serena, abraçada a Senhor Timóteo e a Mingi. Segura. Em paz. Ao menos isso, por enquanto. Se certificou mais uma vez de que ela dormia e, com leveza, levou sua mão até a cômoda ao lado da cama para desligar o abajur e permitir que somente um pouco da luz dos postes iluminasse o quarto.
Mingi se permitiu recostar na cabeceira da cama um pouco, mas sua atenção foi despertada quando sentiu o aparelho celular vibrar no bolso de sua calça. Temendo acordar sua irmã, o pegou e seguidas mensagens de texto surgiram em sua tela.
"Ok, você vai me ignorar"
"Mas estou te vendo online então vim dizer oi"
"Oi"
"Tudo bom violinista gostosão??"
Ah, era Jeong Yunho. Não houve tempo ou disposição para surpresa.
Song bloqueou o aparelho, pensando em não o responder, já se tratando de um horário tão tarde. Mas, se também tratando de Yunho, precisava tomar cuidado, principalmente por... Saber, até mais do que devia, saber o que ele poderia fazer, como se machucar. Estava tarde. Poderia ser um pedido de socorro silencioso, Mingi correu esse risco quando decidiu deixar seu número com o garoto de cabelos azulados, esse risco de deixá-lo se enfiar em sua vida de qualquer jeito, esse risco da curiosidade e temeridade por ele. Mingi não sabia o que acontecia ou o que poderia vir a acontecer, mas queria a certeza de que aquele garoto esquisito estava bem, de que estava minimamente seguro. Yunho era uma pintura abstrata que o prendia e pedia para que entendesse.
"Oi", respondeu, simples. "Não me chame assim"
"AOSIAISJAK VOCÊ ME RESPONDEU WUE APOCALISPE É ESSE?????"
Se passaram alguns segundos com a observação do aplicativo de que Yunho digitava de volta, mas nada vinha. Demorava demais.
"Jeong?"
"Oie"
"Estou bem, juro"
"Juro nada aldkalskalskal"
"Tá, calma"
"O que faz acordado a essa hora?"
"Está no bar ainda?"
Mingi olhou para a tela por um tempo antes de digitar.
"Não, cheguei agora a pouco", disse, pensando se deveria também dizer o motivo de ainda estar acordado. Não era necessário expor sua irmã, Jeong não precisava saber disso.
"Aconteceu alguma coisa?"
Mas talvez, Yunho fosse mais esperto que isso.
"Minsoo", escreveu, com certo receio. "Ela teve um pesadelo"
"Oh, poxa", foi o que recebeu. Era fácil escutar a voz de Jeong pronunciando isso. "Por isso não consegue dormir?"
"Sim"
"Ela está dormindo no meu colo agora"
"Você parece bem preocupado ainda", ele respondeu. Sim, Mingi estava. "Ela tem sorte de ter você", recebeu em seguida. "É um bom irmão".
Ele realmente queria. Faria mais se pudesse.
"Tento ser"
Song aguardou por alguma resposta, mas, dado o tempo, Yunho deveria ter dormido ou somente se esquecido. Estava enganado.
"Mingi, eu queria falar com você", a mensagem veio como um tremor. "Mas de forma a ouvirmos a voz um do outro, sabe?"
Mingi não soube o que responder. Yunho continuava a digitar e lhe enviar freneticamente.
"Ligação o nome"
"Se puder e quiser, claro"
"Não quero acordar a Minsoo"
"Prometo que não vou dar nenhum grito nem exagerar nem nada"
"Se quiser canto musiquinha de dormir pra ela"
"Deixa deixa deixa deixa deixa deixa"
Sua mente se voltou novamente à garotinha que ressonava ao seu lado, abraçada no urso branco que não era polar. Tudo parecia bem agora. Falar com Yunho não parecia representar perigo, por mais que houvesse uma sensação estranha em seu peito ao pensar que teria que ouvir a voz do garoto e o responder, ao máximo que podia. Ainda era como a primeira vez, a energia caótica que emanava daquele sorriso.
"Tudo bem, pode me ligar", permitiu.
E bastou somente alguns míseros segundos até que o celular vibrasse novamente em suas mãos, mas dessa vez, em uma chamada.
— Mingi? — a voz de Jeong estava mais oscilante que o normal.
— Oi. Fale baixo.
— Espera, deixa eu me beliscar primeiro pra ter certeza de que estou mesmo falando com você — Mingi ouviu um "ai!" com um resmungo dolorido em seguida. Ele negou para si mesmo. Sim, Yunho realmente havia feito isso. — É, eu estou.
— Precisava?
— Sim — Yunho respirou um pouco mais pesadamente antes de continuar. Parecia tomado pelo cansaço. — Noite bonita, não?
— Está na rua? — o barulho de passos ao fundo e a respiração ofegante de Jeong denunciavam isso. Yunho não respondeu. — Está frio. Esteja agasalhado.
— Eu estou, não se preocupe — Mingi não sabia se deveria mesmo seguir esse conselho. — Estou indo pra casa agora.
— O que quer falar?
— Eu não sei, mas a ideia de ouvir sua voz era boa demais pra eu deixar passar — Mingi decidiu não responder à provocação que ouviu. Sabia que era um caso sem solução tentar ir contra. — Não desligue ainda, por favor.
— Admirável sua insistência.
— É melhor se acostumar — Yunho conseguia imaginar Mingi se controlando para não revirar os olhos, e era verdade. Mas, pelo momento, decidiu rumar o assunto para outro lugar. — Minsoo está bem?
— Sim. Foi somente um susto — Yunho ouvia com atenção — infelizmente não posso evitar.
— É complicado. Mas não se preocupe, pelo pouco que ouvi de Minsoo, ela não é de se deixar abalar.
— Não quando... — Mingi desistiu antes de concluir seu pensamento. Não era algo ao qual se devia dizer, principalmente se tratando da pessoalidade de Minsoo. — Enfim. Está tudo bem.
— Tem algo te incomodando.
— Sim — decidiu dizer. Não adiantava mentir.
— Entendo. Quer falar sobre isso?
— Não há necessidade.
— Sabe, Mingi-ah, quando amigos estão se conhecendo, eles conversam... Sobre coisas, é bom — Yunho disse, um pouco mais exausto do que antes. Mas, por não ouvir passos, Mingi entendeu que ele havia parado para respirar, talvez. Ainda tinha uma sensação estranha sobre isso. Sobre o que aqueles passos na madrugada significavam. — Mas ok, não precisa dizer se não quiser. Vou continuar aqui.
Yunho sabia que falar isso era ser bem hipócrita. Não faria diferença.
— Bem, hum... Obrigado, eu acho.
— Você me agradeceu? — a voz soou mais duvidosa do que o esperado. Mingi não compreendeu muito bem o que ele quis enfatizar.
— Não é assim tão difícil.
— É meio raro de acontecer — respondeu. Mingi franziu as sobrancelhas.
— Eu sou assim tão inacessível?
— Você se faz de inacessível, Mingi-ah — o garoto o respondeu com certa obviedade. Isso incomodou um pouco o Song. — Sei que no fundo você só quer alguém como eu pra te dar carinho e amor.
— Alguém como você? Tem certeza?
Não era de seu feitio seguir em joguinhos como esses, mas Mingi queria ver até onde a soberba de Jeong o levaria. Podia ser divertido.
— Isso. Lindo, charmoso, divertido, engraçado, estiloso... Sua sorte que eu existo e você nem precisa mais procurar, já tem um príncipe à sua porta só esperando pra entrar e te fazer feliz pra sempre — apesar do tom de piada, Yunho não obteve resposta. Ao menos não verbalizada. Ainda podia ouvir a respiração calma de Song ao telefone, mesmo em meio ao caos que se encontrava. Esperava não ter ido tão longe. — Mingi-ah? — o chamou. — Ainda está aí?
— Não desliguei — uma resposta um tanto objetiva e seca, Yunho diria. — Não soube o que falar.
— Uau, te deixei sem palavras e nem foi usando piadas de conotação sexual...
Mingi enrijeceu o corpo.
— Não... Ouse.
— Não vou, dessa vez estou sem neurônios pra pensar em algo pra te envergonhar — Mingi sentiu que Jeong teve bastante dificuldade em falar. A resposta veio em seguida. — Acho... Que estou cansado.
— O que te fez sair?
— Acho que tédio — não era total mentira. Contudo, havia motivos maiores essa noite. Da mesma forma que Mingi não precisava contar o que o afligia, Yunho não precisava contar o que lhe dava dores de cabeça. — Eu não durmo, e ficar olhando pro teto do meu quarto pode ser desastroso pra minha sanidade.
— Você é uma pessoa agitada, é natural.
— Eu não diria esse tipo de agitação, mas vou preservar sua inocência — Yunho respondeu.
— Inocência?
— Sim, — Mingi aguardou pela explicação que ele daria — você não tem cara de quem vai pra balada pegar geral ou que sai escondido da família pra aprontar pela rua. Ou que usa drogas.
— Você faz essas coisas?
— Já fiz mais — confessou. Depois do que provavelmente Mingi havia presenciado naquele bar, já era de se esperar. — Pode me chamar de inconsequente, eu deixo.
— Não farei isso — respondeu. — É sua vida, você sabe o que faz.
Yunho riu, mas tampou a boca com uma das mãos assim que lembrou que a irmãzinha de Mingi dormia, então precisava se controlar. Era engraçado que o Song pensasse isso, principalmente se tratando de Yunho. Saber o que faz de sua vida. Oh, mas tão inocente...
— Ah, Mingi... Se me conhecesse bem, não diria isso.
— Eu não te conheço — retrucou. — Por isso estamos conversando, certo?
— Então quer me conhecer? — o tom de interesse denunciava que Yunho provavelmente sorria agora. — Olha, eu gosto bastante do rumo que as coisas estão levando, — e Mingi quase gostaria de desligar o telefone na cara dele, mas não o fez — daqui a pouco estaremos best friends e depois vou poder te beijar sem remorso de estar sendo um pervertido.
— Tenho certeza de que isso não irá acontecer — Mingi retrucou, mas refletiu um pouco. — Não dessa forma.
— Você é chato, Mingi-ah — Yunho reclamou. Ele não poderia ver Song concordando com ele através de um aceno. — Engraçado que até agora estou dando em cima de você sem nem saber se você também gosta de pau — antes de refletisse a carga daquelas palavras, Yunho já havia dito. Droga, não havia qualquer filtro. — Opa, foi mal pelo palavreado. Minsoo não ouviu isso, né?
— Felizmente, não. E não espere que eu ignore na próxima vez, Jeong.
— Obrigado — sentia um pouco de alívio por isso. — Mas, então...?
— Eu não... — Mingi não sabia responder a isso. Não... Não sabia. Não havia qualquer referência em sua vida que indicasse qualquer coisa que pudesse responder. Ele não se conhecia ou reconhecia. — Não é relevante pra mim — era o que poderia dizer por agora. — Isso diz mais sobre você e suas vontades.
— Isso quer dizer que eu tenho chances? — Song não soube o que e como dizer, e Yunho julgou o breve silêncio como sendo algo positivo. Mingi sequer conseguiu buscar as palavras certas antes de ouvir novamente o azulado: — Olha, ganhou um ponto.
Mingi revirou os olhos.
— Outra vez isso? — questionou.
— Vai, você topou jogar comigo, Mingi-ah — ah, aquele jogo. Mingi realmente não levara aquilo a sério. Pela animação de Jeong, este sim levava. — Já são três pontos seus agora. Quantos eu tenho com você?
— Eu não conto.
Yunho ficou confuso por um momento. Decidiu perguntar:
— Não conta de não me contar pra manter o placar secreto e não aceitar sua derrota final onde eu ganho um beijo seu ou não conta de nem saber quantos pontos eu fiz?
A pergunta soou um pouco confusa, mas Song entendera onde o garoto queria chegar.
O quanto Yunho mexia com Mingi.
Song se via em uma nuvem laboriosa. Primeiro que aquele jogo não fazia sentido, ainda mais por, no fim, o prêmio ser o mesmo e beneficiar os desejos de Yunho. Era difícil que o coração de Song acelerasse por qualquer motivo, mas talvez houvesse algumas considerações a serem feitas. Mingi poderia não assumir ou falar, entretanto, se lembrava de certos momentos que haviam marcado suas memórias acerca do garoto de cabelos azuis, como quando Yunho elogiou sua música pela primeira vez, ao se mover graciosamente pelas tábuas sujas e mal colocadas daquele boteco velho e trazer, mesmo que brevemente, uma certa alegria a Mingi, que há tempos não se sentia satisfeito com a presença daquele público fanfarrão. Houve também quando Yunho disse que queria ser seu amigo, quando insistiu que poderiam se conhecer – ainda que a primeira intenção de Jeong fosse beijar Mingi, mesmo assim, em nenhum momento Song se sentiu intimidado ou incomodado por isso, era somente o jeitinho mais aberto de ser do garoto. Mingi não entendeu bem o porquê de ter se sentido estranho com esse pedido, o porquê de seu corpo não entender bem os comandos e o telefone vacilar em suas mãos, o porquê de sua garganta secar. A verdade era que, tirando sua própria família e os Choi com quem trabalhava e cuidava, Mingi não possuía outras pessoas em seu convívio para considerar amigas. Talvez Junkyan fosse alguém legal por trás da máscara fria e Seonghwa, por ter o acolhido algumas vezes durante os intervalos da faculdade e lhe ensinado algumas músicas, também parecia uma pessoa boa e respeitosa. Mas não poderia afirmar: não os conhecia por inteiro e mal se interessava em verdadeiramente conhecer. Mas, Yunho... Ele era diferente, com ele era diferente. Song não entendia como poderia se sentir tão identificável com alguém tão diferente, como poderia entender um incompreendido, como... Poderia sentir por ele. Por aquelas palavras, aquela noite. Onde viu aquela casa alegre desabar em uma chuva de estrelas sem vida, em memórias que Mingi sabia que não deveria conhecer. Ele via naquele olhar. Ele via música, uma triste música.
Por último, havia seu encontro, o primeiro à luz do dia, à rotina, à vista de serem mais que aquelas figuras perdidas em um local inóspito. Mingi permitiu se mostrar o garoto comum que era e Yunho se permitiu mostrar o problema que estampava suas cicatrizes. O contraste de suas vidas, de suas visões, de suas peles, de suas atmosferas. O beijo na bochecha. O calor dos lábios de Jeong tocando seu rosto, a mão que deslizou por seu braço e logo se despedia em um aceno longínquo. Song não iria se esquecer disso, de como tudo pareceu um novo mar que não era navegável e que o amedrontava ao mesmo tempo que o atraía. Yunho era uma caixinha de surpresas e Mingi não gostava de surpresas. Yunho fugia de todo controle e Mingi não gostava de não ter o controle. Yunho era livre e Mingi não entendia a liberdade.
Três pontos. Estavam empatados.
— Nenhum — respondeu.
— Você é tão chato.
— Sim — Yunho resmungou pelo áudio, porém não houve uma resposta exata. Não precisava. — Tenho que tomar um banho.
— Faça isso pensando em mim — Jeong o provocou. Mingi já estava se acostumando.
— Com certeza, não — disse, com voz firme. A risada de Yunho foi suficiente.
— Nos vemos amanhã, então?
— Quis dizer hoje?
— Isso — concordou. Tempo ainda era uma questão estranha para Yunho quando se tratava de madrugadas. Pareciam uma infinita continuação. — Nos vemos?
— Sabe das condições — Mingi advertiu, com seriedade.
— Sim. Mas sinto falta de te ouvir tocar — Mingi segurou o celular com mais força ao ouvir essas palavras.
— Não naquele-
— Bar — e antes que completasse, Jeong terminou a frase por si. — Eu sei. Queria ter mais tempo pra te ver.
Song respirou pesadamente.
— Não entendo.
— Eu também não. Mas gosto — ele disse. Mingi ainda não compreendia. — Talvez você seja um sereio que saiu do mar e agora eu fui hipnotizado e-
— É tritão, Yunho — o corrigiu. — E eu não sou um.
— Ah, tritão. É tão legal quando você fala meu nome — novamente, Mingi não sabia o que dizer. Yunho sorriu pelo silêncio, mas uma parte de si se entristeceu ao perceber onde seus pés o levara. — Cheguei, Mingi-ah. Posso receber um boa noite com você dizendo meu nome?
Um pedido um tanto... Inusitado. Mas Mingi aceitou.
— Boa noite, Yunho...? — as palavras proferidas por Song pareceram muito diferentes do habitual, ainda que sim, sentisse bem o nome de Yunho em seus lábios. Não era ruim chamá-lo pelo nome.
— Isso, assim mesmo — Jeong se encontrava realmente feliz por isso. Era um passo a mais para aquele coração. — Agora um eu te amo.
Mingi mudou para sua costumeira expressão fria.
— Boa noite, Yunho — repetiu. Yunho quis rir, mas não poderia agora. Somente imaginou como Mingi deveria estar reagindo a isso, era bom.
— Chato — ele estava feliz. — Boa noite pra você também, Mingi-ah. Dê um abraço em Minsoo por mim e durmam bem — por pouco não se esqueceu de um último e crucial detalhe: — E obrigado por ficar aqui comigo.
— Obrigado, e... — Song também se sentia bem com isso. Mas estranhamente triste também. — Durma... Bem. Yunho.
A ligação se findou por ali e a sensação de vazio acomodou-se em Mingi, se opondo ao que esperava que acontecesse. Por pouco, quis a voz divertida de Yunho permanecendo com ele. Era loucura.
Mingi então se levantou cuidadosamente, deixando Minsoo na cama abraçada a seu urso, e a cobriu devidamente com o cobertor colorido. Pegou a mochila e Dory, deixando cada um em seu devido lugar e, mesmo cansado, buscou por uma muda de roupas para tomar um banho antes de dormir. Odiava quaisquer resquícios que poderia ter daquele lugar. E se lembraria de, pela manhã que estava bem próxima, lavar os lençóis de Minsoo que infelizmente precisou ter contato antes que pudesse se livrar da impregnação de cigarro e álcool. Era horrível. Odiava aquele lugar. E, por hipocrisia e orgulho, permanecia.
Minsoo continuava dormindo quando Mingi voltou ao quarto, devidamente pronto para ter suas três horas de sono antes de precisar se levantar novamente. Não poderia deixar de a monitorar. Ao se deitar, procurou ao máximo ser silencioso e ir contra à melodia da madeira velha que rangia depois de tantos anos em uso. Já deitado, continuou tendo Minsoo em seu campo de visão, pouco iluminada com a luz de fora que insistia em romper as frestas que já havia tentado tampar de todas as formas, mas que reapareciam em um aviso frio de que aquele lugar era impotente para o que necessitava. Mingi não dormiu. Os olhos pesados continuavam atentos, mesmo que insistisse em tentar abaixar as pálpebras. A risada de Yunho cantarolava em sua mente, lutando contra as imagens perturbadoras que o assombravam pelas ruas escuras. Insônia. Ao menos, teria a certeza de estar cumprindo seu papel. Ao olhar para Minsoo, sabia o que teria que fazer. Ela não estaria sozinha. Ela nunca ficaria sozinha.
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Oi oi. Hoje é aniversário do nosso yuyu e eu não queria deixar passar batido, então... Espero que tenham gostado!
Qualquer errinho me avisem, pessoal! Nos vemos logo, logo!♡
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