Capítulo trinta: O jogo das salas.
Eu estava no meio da quadra, junto com o time da minha sala de aula, sentindo o peso da tensão no ar. A bola de basquete quicava incessantemente no chão, e o som das conversas e gritos ecoava por todo o espaço. Eu não sabia, nem imaginaria que Ethan era o líder. Ele nunca me contou sobre isso, e isso me incomodou de certa forma. Afinal, ele sempre me contava tudo, ou quase tudo.
Fui até ele, sentindo uma leve confusão.
- Você nunca me disse nada sobre ser o líder do basquete da escola...
Falei, o olhar fixo nele.
Ethan parecia desconfortável, com uma expressão envergonhada.
- Ah, é… acabei esquecendo de te avisar. Desculpa, na verdade, foi bem recente. E devido a correria, nem te contei.
Ele falou, um sorriso sem graça estampado em seu rosto.
Suspirei, apenas dando de ombros, enquanto arrumava o uniforme, tentando disfarçar a frustração. Ele parecia genuinamente arrependido, e isso me fez relaxar um pouco. Mas ainda assim, um pequeno incômodo ficou ali, como uma sombra.
Ethan me olhou com um sorriso esperançoso, os olhos brilhando com uma alegria que só ele sabia transmitir. Ele estava feliz por me ver ali, jogando ao seu lado, e isso me fez sorrir de volta, ainda que um pouco nervosa.
- Vamos começar! Separem-se, cada time em seu lugar!
Gritou ele, com energia, fazendo todos se prepararem.
Olhei em volta, confusa, sem saber onde me posicionar.
- Eu devo ficar aqui?
Perguntei, os olhos voltados para ele.
Ethan, como se soubesse exatamente o que fazer, assentiu rapidamente.
- Sim, fica aí, vai dar tudo certo.
Fiquei ali, observando os times se formarem, e Ethan fez um sinal para o professor, que logo soprou o apito e deu início ao jogo. O som da quadra se encheu de gritos, correria e o barulho das bolas quicando. Fiquei por alguns momentos apenas observando, lembrando das poucas vezes em que joguei basquete anos atrás... Mas não demorou muito para a bola ser lançada na minha direção.
- Vai, Claire! Pega a bola!
Gritou um garoto da minha sala, incitando o jogo.
Respirei fundo e me concentrei. A bola vinha em minha direção com velocidade, então separei minhas mãos, me preparando. Saltei, com os joelhos dobrados, e agarrei a bola com agilidade. Um sorriso de satisfação escapou dos meus lábios.
- Isso aí!
Ethan gritou do outro lado, visivelmente animado.
Porém, ao olhar para o outro time, percebi os olhos de Liz, que me observava com um ódio tão evidente que quase era palpável. Eu sabia que, no fundo, ela estava esperando a menor oportunidade para me fazer sofrer. Mas, naquele momento, não liguei. Eu estava apenas feliz por ter feito uma boa jogada. Algo que não acontecia há muito tempo.
Corri para a cesta com a bola em mãos, desviando de todo o time adversário, e quando Liz tentou me pegar, eu a eludi com agilidade. Com um pulo bem calculado, lancei a bola na cesta.
- Um ponto para o terceiro ano A! Claire fez a primeira cesta!
Gritou o professor, animado.
A sensação de vitória foi quase inesperada, como se finalmente tivesse encontrado algum valor em mim. Liz, ao passar por mim, sussurrou algo com uma expressão de desprezo no rosto.
- Vadia, você vai ver…
Ela murmurou baixinho.
Isso não me afetou. Naquele momento, nada mais me atingia como antes. Eu estava começando a me sentir como alguém que poderia conquistar algo. E isso, por mais simples que fosse, já me fazia me sentir um pouco mais viva.
- Isso aí, loirinha!
Ethan disse, com um sorriso radiante no rosto. Ele estava genuinamente feliz por mim, e aquilo me deu uma sensação boa. Eu sorria de volta, mesmo que de forma tímida.
O jogo continuou com uma velocidade impressionante, todos estavam se entregando ao máximo. Quando o time adversário fez seu primeiro ponto, eu senti um leve aperto no peito. Não queria ser a causa de uma derrota. Não queria voltar a me sentir inútil.
- Não podemos deixar eles vencerem, eles são uns merdas! O que vamos fazer, Ethan? Disse Toni, um garoto que parecia mais novo do que todos, mas que estava determinado a ganhar.
Ethan o olhou com seriedade, sua voz doce e gentil agora firme e autoritária.
- Vamos jogar com seriedade. Vamos mostrar que somos bons porque nos ajudamos, e não porque somos melhores que eles!
Disse ele, apontando para a bola.
Toni correu, pegou a bola e a lançou em direção à cesta. Acertou.
- Um ponto para o terceiro A! Toni fez a segunda cesta do time!
O professor anunciou, com entusiasmo.
A sala toda vibrou, e eu senti um orgulho crescer dentro de mim. Estávamos indo bem, mas ainda havia muito jogo pela frente.
- Faltam 10 minutos para o intervalo! Agilizem, vamos sair pra lanchar como vencedores!
Gritou o professor.
Lizzie e suas amigas Arielle e Laurie, que também me odiavam, cruzaram os braços e me lançaram olhares frios e venenosos. Mas eu não estava mais com medo delas. Não agora. O jogo estava apertado, e eu estava determinada a não deixar ninguém me parar.
- Vamos lá, temos 10 minutos.
disse uma das meninas da minha sala, a mesma que estava tão focada quanto eu.
E o jogo seguiu, com mais intensidade a cada segundo. Liz pegou a bola e arremessou com força, mas eu estava pronta. Levantei as mãos, preparando-me para interceptar a bola. No entanto, antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, a bola acertou meu rosto com uma força brutal, me fazendo cair no chão.
A dor foi quase insuportável. A sensação de ser atingida com tanta força fez meu estômago virar, e o gosto metálico do sangue invadiu minha boca. Eu queria gritar, mas não consegui. Eu não queria demonstrar fraqueza.
- Claire?? Você está bem??
A voz de Ethan, desesperada, se fez ouvir. Ele se abaixou até mim, preocupado.
Respirei fundo, tentando me recompor. O sangue escorria dos meus lábios, mas eu não ia parar agora.
Com esforço, tentei me levantar. Ethan me ajudou, colocando as mãos sob meus braços, e me ergueu com cuidado.
- Lizzie, você está fora! Saia da quadra imediatamente!
Gritou o professor, com autoridade. O apito soou novamente, e Liz parecia explodir de raiva.
- O QUÊ? POR QUÊ??
Ela gritou, furiosa, mas o professor permaneceu firme.
E logo Ethan, com os olhos ardendo de raiva, olhou diretamente para Lizzie se opôs.
- Ainda pergunta? Você machucou alguém da partida. Isso é inadmissível. Eu como líder, quero que você saia da quadra e permaneça fora até o fim do jogo!
Ele disse, alterado, suspirando alto de cansaço e raiva.
Lizzie então, em um excesso de raiva, saiu da quadra, furiosa.
- Você é um babaca, Ethan! E que se dane vocês todos também! Eu nem queria jogar nessa merda mesmo!!
Ela bufou, gritando alto.
- Vai se ferrar garota, não ligo pra oque você pensa de mim, só quero que suma daqui!
Ele gritou, alterado novamente.
Ethan, mais uma vez, me defendeu. Ele sempre fazia isso, e, em meu coração, eu nunca pude deixar de me sentir grata por todas as vezes em que ele me defendeu, e continua defendendo.
- Vamos retomar o jogo! Não podemos parar por causa dessa garota!
Gritou Sam, outro garoto da minha sala.
Eu olhei para Ethan e falei, já tentando me recompor.
- Ele está certo, o jogo não pode parar por minha causa. Vamos continuar.
Minha voz estava determinada, mas a dor ainda pulsava em meu rosto.
Ethan, com um olhar preocupado, não parecia disposto a continuar sem ter certeza de que eu estava bem.
- Claire... se você não se sentir bem, eu vou pedir para o professor encerrar o jogo, amanhã jogamos novamente...
Ele disse, em tom baixo, me olhando com aquela intensidade que só ele sabia ter.
Eu assenti, sentindo que, finalmente, estava pronta.
- Vamos terminar o que começamos.
Sorri, tentando ser mais confiante.
- Se você estiver bem, vamos.
Ele sorriu de volta, e a felicidade nos seus olhos era tudo o que eu precisava naquele momento.
E então ele levantou a mão, sinalizando para o professor, que imediatamente soprou o apito.
- Continuem!
Gritou Ethan, e todos retomaram o jogo.
Eu estava pronta, com a dor no rosto ainda presente, mas com a determinação de quem sabia o que queria.
- Cinco minutos para acabar a partida! Gritou o professor, e a pressão aumentou.
Eu respirei fundo, ignorei a dor e corri para pegar a bola. Saltei mais uma vez, com agilidade, e arremessei a bola. Ela passou pelo aro e acertou. O time da minha sala explodiu em comemorações.
- E o jogo termina com esse incrível 3x1 do terceiro A! Vocês são os vencedores da partida de hoje!
anunciou o professor, empolgado, enquanto soprava o apito para selar o fim do jogo.
O som da vitória ecoou pela quadra. Eu não conseguia acreditar. A bola havia finalmente entrado, e o placar estava a nosso favor. O time da minha sala gritou, vibrando com a vitória. Eu, por outro lado, fiquei parada por um momento, ainda absorvendo o que acabara de acontecer.
Eu... Fui útil? Fiz... Algo bom?
Antes que eu pudesse processar tudo, Ethan correu até mim, com um sorriso tão grande que parecia iluminar a quadra. Ele me abraçou forte, quase me derrubando com a força do abraço, me levantando do chão.
- Você foi incrível, Clarinha!
disse ele, com os olhos brilhando de felicidade, seu tom cheio de empolgação.
Eu estava tão cansada, com a respiração acelerada e a dor no rosto ainda pulsando, mas o que me envolvia naquele momento era uma sensação de alívio, uma sensação que eu raramente sentia. Talvez fosse o alívio por ter finalmente conquistado algo por mim mesma.
Senti as palmas de algumas mãos nas minhas costas, batendo levemente como uma forma de comemoração. Ouvi alguns outros garotos da minha sala dizendo:
- Isso aí, Claire! Mandou bem, garota!
e outros apenas sorrindo em minha direção, reconhecendo o que eu havia feito.
Eu não sabia se ria ou se chorava, mas, ao olhar para Ethan, seu sorriso genuíno e a maneira como ele estava tão orgulhoso de mim, me fez sentir que, por um momento, tudo fazia sentido. Eu naquele momento não era mais a garota invisível, a garota que se sentia inútil. Eu era, naquele instante, alguém que havia feito algo de bom, algo significativo.
- Bom jogo, Claire.
disse Toni, vindo até mim e me dando um tapinha nas costas, antes de dar um sorriso de aprovação.
Ethan me soltou lentamente do abraço e, ao se afastar, deu um leve toque em minha testa, como se fosse uma espécie de carinho silencioso.
- Ei...você está bem? Quer ir para casa?
Ele perguntou, com um olhar preocupado, observando meu rosto e notando que ainda estava com a marca da bolada.
Eu balancei a cabeça, limpando o sangue que ainda restava nos meus lábios, e sorri.
- Estou bem, Ethan. Não precisa se preocupar.
Eu Disse, tentando aliviar a tensão.
Ele me olhou com aquela expressão protetora que só ele sabia ter, mas assentiu, visivelmente aliviado.
- Viu só? Você conseguiu. Eu te disse...Você é capaz, pequena.
Ele sorriu, dando uma piscadinha e então se afastou para comemorar com o resto do time.
Os garotos da nossa sala começaram a se reunir no centro da quadra, rindo, falando sobre o jogo e comemorando o resultado. Eu fiquei um pouco afastada, mas não me sentia mais excluída. Pelo contrário, me sentia parte daquela vitória. Me sentia parte do time.
Logo o professor se aproximou de nós, batendo nas palmas das mãos.
- Boa partida, galera! Agora, vamos para o intervalo! Todo mundo se prepare para sair para o lanche como campeões!
disse ele, sorrindo.
O time inteiro riu e começou a se dirigir para a saída. Ethan veio até mim novamente, com um sorriso mais tranquilo no rosto. Ele me olhou de cima a baixo, fazendo uma expressão divertida.
- Queremos que você venha com a gente agora, nada de ficar no cantinho, ok? Vamos comemorar.
Ele disse, colocando o braço ao redor dos meus ombros e me puxando para se juntar ao resto do grupo.
Eu, que costumava me afastar, agora sentia uma sensação estranha de pertencimento. Talvez, apenas talvez, tivesse algo mais em mim que eu ainda não soubera explorar.
- T-Tá bem, vamos lá.
Respondi, sorrindo timidamente.
Ao sair da quadra, com o time se reunindo, sentia um peso a menos nas minhas costas. Não importava o que viesse depois; aquele momento foi meu. Foi nosso.
Afinal, pelo menos uma vez na vida, eu poderia dizer que não era invisível.
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