Capítulo 64 | Um Novo Começo
Anne Green
Com as malas prontas e tudo arrumado para a nossa viagem à casa de praia — e depois para a Itália —, eu sentia que precisava fazer uma última coisa antes de partir.
Ir até a casa de Gabriela.
Não era algo que eu planejava, mas, de alguma forma, parecia o certo. Como se uma voz suave dentro de mim, talvez até Deus, estivesse me guiando para isso. Não havia pressa, apenas uma tranquilidade que me dizia que aquilo precisava ser feito.
Layla havia chegado de Paris radiante, exibindo o anel de noivado com um sorriso que não cabia no rosto. Ela pretendia fazer surpresa para todos na casa de praia, mas não conseguiu esperar e me contou cada detalhe enquanto ainda estava no avião. Eu sentia uma alegria genuína por ela. Samuel era tudo que Layla sempre sonhou, e vê-la tão feliz me encheu o coração de paz.
Me despedi dos meus pais, de Gabriel e de Molly, que correu até a porta para se despedir também, como sempre fazia. A manhã estava calma, o ar fresco, e o céu começava a clarear. O silêncio da rua, quebrado apenas pelo som das árvores ao vento, trazia uma serenidade que combinava com meu estado de espírito.
Enquanto dirigia, uma sensação de leveza me envolvia. A viagem para a Itália com Isaque parecia um sonho prestes a se realizar, e a ideia de estarmos juntos em um lugar tão especial como a Europa fazia meu coração bater mais rápido. Mas não era uma ansiedade ruim, era aquela mistura de felicidade e expectativa que só um novo capítulo pode trazer.
Chegando em frente à casa de Gabriela, uma sensação de incerteza me tomou por um instante. Respirei fundo, fechando os olhos por alguns segundos, e pedi a Deus que me guiasse naquela conversa. Eu sabia que não seria fácil. Melissa havia me avisado que Gabriela estava em casa, indisposta, e isso me deu o momento ideal para tentar resolver tudo o que estava acontecendo.
Desci do carro com passos firmes, mas o coração apertado. Havia muito em jogo, e, no fundo, eu não sabia como ela reagiria à minha presença. Quando toquei a campainha, esperei. Toquei de novo, sentindo o ar leve ao meu redor contrastar com a tensão do momento.
Finalmente, Gabriela abriu a porta. Ela estava com um pijama vermelho, os cabelos bagunçados, claramente surpresa ao me ver ali. Seus olhos refletiam uma mistura de confusão e sono.
— Anne? — Sua voz saiu em um sussurro incrédulo, as sobrancelhas arqueadas como se não conseguisse acreditar que eu estava na sua porta.
— Posso entrar? — perguntei, tentando manter a voz calma.
Ela hesitou por um momento, os olhos correndo pela rua como se procurasse alguma explicação para aquilo, mas finalmente assentiu.
— C-claro. — A voz dela estava carregada de desconfiança, mas ela me deu passagem.
Entramos na sala, um espaço que parecia tão familiar e ao mesmo tempo tão distante. Gabriela gesticulou para que eu me sentasse, e se sentou no outro sofá, mantendo uma distância que mostrava claramente seu desconforto.
— Aconteceu alguma coisa? Está procurando por Melissa? — perguntou, a voz demonstrando curiosidade e talvez um toque de nervosismo.
Eu a olhei nos olhos.
— Não, Gabi. Eu vim falar com você.
A surpresa no rosto dela se intensificou, mas ela tentou se recompor, ajustando a postura como se estivesse se preparando para o que viria a seguir.
— Tudo bem, então... — Sua voz estava contida, como se tentasse entender o motivo real da minha visita.
— Sei que minha presença aqui parece estranha — comecei, tentando encontrar as palavras certas. — Mas eu vim em paz. Vim porque quero te ajudar.
Gabriela bufou, seus lábios curvando-se em um sorriso amargo.
— Eu não preciso de ajuda, Anne, mas obrigada. — O tom frio dela contrastava com a vulnerabilidade que seus olhos revelavam.
Senti a resistência dela, mas me mantive firme. Eu sabia que, por trás de toda aquela dureza, havia uma dor profunda. Respirei fundo, mantendo meu tom calmo.
— Gabi, eu entendo que as coisas ficaram complicadas entre nós, mas quero que tudo isso fique bem. Eu não estou aqui para te acusar ou te julgar, só preciso entender o que aconteceu. Entender seu lado.
Por um momento, o silêncio preencheu o espaço entre nós. Eu podia ver a batalha interna que ela travava. Seus olhos, que antes eram duros, agora começavam a marejar, e sua expressão vacilava. Gabriela parecia estar à beira de desmoronar.
Ela fechou os olhos por um instante, e quando os abriu novamente, uma lágrima já rolava por seu rosto.
— Me perdoa, Anne... — Sua voz saiu embargada, quebrada pela emoção. — Me perdoa por ter agido assim com vocês. Eu... eu fiz tudo errado.
Senti um aperto no coração ao ver o arrependimento nos olhos dela. Não era fácil para ela admitir aquilo.
— Gabi, eu estou aqui para ouvir. Me conta... — Falei suavemente, oferecendo meu ombro através das palavras.
Ela enxugou uma lágrima apressadamente, respirando fundo, mas as palavras vieram com dificuldade.
— Tudo começou... porque eu estava perdida. Eu não sabia como lidar com tudo aquilo. Com Henrique, com a gravidez, com o medo de ficar sozinha... — Sua voz vacilava a cada palavra, enquanto mais lágrimas escorriam. — Eu menti, manipulei... e me afundei nisso. Achei que poderia ter controle, mas acabei perdendo o que eu mais queria... as pessoas que eu amo.
A dor na voz dela me atingiu em cheio. Ela estava machucada, presa em sua própria teia de mentiras e arrependimento. Mas naquele momento, eu só conseguia sentir empatia.
— Eu sei que deve ter sido difícil para você — respondi com sinceridade, tentando demonstrar a compreensão que sentia. — Mas, me conte do começo, para que eu consiga lhe compreender.
Gabriela respirou fundo, visivelmente lutando para manter o controle de suas emoções. Seus olhos, agora cheios de lágrimas, encontraram os meus, e sua voz saiu trêmula, cheia de arrependimento.
— Eu era louca por Isaque, desde o dia em que o conheci. Ele foi claro comigo desde o início: não queria nada sério. Mas eu me joguei de cabeça, porque estava completamente apaixonada. — Ela fechou os olhos por um momento, como se revivesse cada lembrança dolorosa. — Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, tudo iria acabar. Ele nunca me iludiu... fui eu que me ceguei, me deixando levar pelos sentimentos.
O silêncio entre nós era denso, quase palpável. Gabriela tentou disfarçar as lágrimas que escorriam, mas não conseguia mais segurar o peso da confissão.
— Nós só nos aproximávamos quando saíamos para beber, e eu me aproveitava daquilo... da vulnerabilidade dele nesses momentos. Ele cedia a mim, mas... sempre foi cuidadoso. Nunca houve a chance de eu engravidar dele, porque Isaque sempre foi responsável. — Ela engoliu em seco, a dor evidente em cada palavra.
Eu senti um aperto no peito ao vê-la assim, tão despida de suas defesas. Era como se o fardo de tantas mentiras e segredos estivesse finalmente a quebrando. Gabriela continuou, sua voz agora quase um sussurro.
— Quando descobri que estava grávida, contei para Henrique. Ele ficou desesperado. Disse que não estava pronto para ser pai e que não iria assumir a criança. Ele sabia que eu estava ficando com Isaque e... foi ele quem sugeriu que inventássemos tudo. Ele trouxe a ideia de falsificar o teste de DNA, só para se livrar de mim e do bebê. E eu... eu segui o plano, sem pensar nas consequências, sem pensar em ninguém além de mim mesma. Achei que poderia usar isso para manter Isaque ao meu lado.
Ela fez uma pausa, seu olhar distante.
— Mas quando eu vi os dois brigando aquela noite, quando percebi a raiva, a dor que causei... foi como se a realidade me atingisse em cheio. Eu fui tão idiota. Brinquei com os sentimentos das pessoas como se fossem peças em um jogo. Menti para Isaque, para minha família... menti para você, e para mim mesma. E hoje... eu me arrependo amargamente. Eu sei que mereço o desprezo de todos.
Nesse momento, Gabriela não conseguiu mais segurar o choro. Ela desabou, as lágrimas rolando livremente, como se estivesse finalmente permitindo a si mesma sentir o peso de todas as suas escolhas. Seus ombros tremiam, e a dor que antes ela tentava esconder estava agora completamente exposta.
Sem pensar duas vezes, levantei-me e fui até ela. Sentei ao seu lado no sofá, colocando a mão suavemente em seu ombro, oferecendo o que eu podia naquele momento: presença. Não havia palavras certas para amenizar o que ela sentia, mas eu queria que ela soubesse que, apesar de tudo, eu estava ali.
— Gabi — murmurei com empatia, enquanto ela soluçava, tentando encontrar o controle em meio às lágrimas. — Sei que o que você fez foi grave... e que causou muita dor. Mas o fato de você estar admitindo, mostra que você reconhece seus erros. E isso é importante.
Gabriela levantou a cabeça, seus olhos vermelhos de tanto chorar, o rosto pálido, e eu vi a luta que ela travava dentro de si para não desabar de novo.
— Gabi, você realmente está arrependida? — perguntei suavemente, buscando seus olhos.
— Muito, Anne, você não tem noção... — respondeu entre soluços, sua voz quase um sussurro. — Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo diferente. Eu nunca teria me envolvido com Henrique, deixaria Isaque livre... teria sido uma pessoa melhor.
Segurei sua mão, firme, mas com delicadeza, e a olhei profundamente nos olhos, tentando transmitir a força que eu sabia que ela precisava.
— Mas você pode mudar isso, Gabi. Agora você é mãe — disse, colocando a mão sobre sua barriga. — Esse bebê precisa de você, de uma mulher forte e determinada, que lute por ele. Você conhece a história de Isaque, não é? Ele também passou pela dor da rejeição, mas hoje ele é acolhido como um verdadeiro filho pelo pastor Jean. Deus também pode mudar sua história, Gabi. Ele pode trazer alguém para a sua vida que te ame de verdade, que te valorize por quem você realmente é.
Gabriela me olhava, cada palavra sendo absorvida como se fosse algo que ela ansiava ouvir, mas ainda duvidava. Seu olhar se fixou em mim, como se estivesse buscando a verdade em cada sílaba.
— Você cometeu um erro, sim, mentiu para as pessoas, machucou quem você amava. Mas Deus pode perdoar isso, Gabi. Ele pode apagar essas cicatrizes. — Apertei sua mão um pouco mais forte, trazendo-a de volta ao momento. — O que importa agora é que você se reergue. Que lute com a força que eu sei que existe dentro de você.
Ela continuava lutando contra as lágrimas, mas havia uma mudança em seu semblante. Ela queria acreditar no que eu dizia. Entre soluços, ela finalmente murmurou:
— Anne, eu sou horrível! Eu... eu bebia, fazia mal às pessoas, fui cruel até com você. Não mereço sua ajuda... — Ela tentou se levantar, mas eu segurei seu braço, gentilmente, impedindo-a de fugir de si mesma.
— Gabi, presta atenção — falei com calma, enquanto enxugava uma lágrima que escorria pelo seu rosto. — Eu te perdoo, está bem? Não precisa ter medo de mudar. — Apontei para sua barriga. — Olha para esse bebê. Há uma vida aí dentro que depende de você, que precisa de uma mãe forte, uma mãe sábia.
Gabriela olhou para sua barriga, colocando a mão sobre ela com uma expressão de vulnerabilidade. Era como se, naquele momento, ela estivesse realmente entendendo o que isso significava.
— Dá tempo de mudar tudo, Gabi. De agir de forma diferente daqui para frente. Mas essa escolha tem que vir de você.
— E o que vou fazer criando essa criança sozinha? — sua voz saiu fraca, quase como se ela estivesse perguntando para si mesma. — Eu... eu não sei se consigo ser uma boa mãe.
Respirei fundo, ainda segurando sua mão.
— Você não está sozinha, Gabi. Você tem, acima de tudo, Deus. Ele nunca te abandonaria. Você também tem sua família, seus amigos... Você não precisa carregar esse fardo sozinha, e eu prometo que você vai encontrar a força para ser a mãe que esse bebê precisa.
Ela balançou a cabeça lentamente, mas o medo ainda era palpável em suas palavras.
— Eu não consigo imaginar Deus me perdoando, Anne. Eu... eu fiz coisas terríveis. Não sou digna do perdão dEle.
Toquei seu rosto, suavemente, forçando-a a olhar nos meus olhos mais uma vez.
— Nenhum de nós é digno do perdão de Deus, Gabi. Mas é por isso que o perdão dEle é tão poderoso. Ele perdoa porque nos ama, não porque merecemos. E Ele já está esperando você de braços abertos, basta você querer.
Ela ficou em silêncio por alguns instantes, suas lágrimas ainda correndo pelo rosto, mas algo dentro dela parecia estar mudando. Ela respirou fundo, como se estivesse tentando absorver tudo o que eu havia dito.
— Eu... eu quero acreditar nisso — ela murmurou, quase como uma oração.
— Você conhece a história da mulher samaritana? — ao fazer essa pergunta, pude ver a curiosidade se acender no olhar de Gabriela.
— Ela vivia em pecado, afastada de tudo o que era bom, até encontrar Jesus. Ele se revelou a ela como o Messias, o verdadeiro Salvador, e ofereceu-lhe a água viva — expliquei, mantendo o olhar firme. — A mulher samaritana bebeu dessa água e foi perdoada, recebendo salvação. Você acha que Jesus não quer te perdoar também?
Gabriela passou a mão pelo rosto, enxugando as lágrimas que insistiam em cair.
— Eu... eu não sei como me aproximar dEle — respondeu com a voz trêmula, como se a confissão fosse dolorosa.
Sorri, tocando de leve sua mão.
— O primeiro passo é você querer, Gabi. Se o seu coração estiver disposto, Deus vai te guiar. Eu não quero que você continue sentindo essa angústia. Torço para que você se reergue e que, um dia, tudo isso seja um testemunho, para que as pessoas possam ver, através de você, que Deus é capaz de restaurar qualquer história.
Gabriela suspirou, o olhar perdido em reflexões. As minhas palavras pareciam mexer com algo profundo dentro dela. Então, pela primeira vez, notei um brilho em seus olhos, algo que não era apenas tristeza ou arrependimento, mas esperança.
— Quando eu te vi na porta, pensei que você viria para me repreender pelo que fiz... — ela sorriu de leve, quase com incredulidade. — Nunca imaginei que você iria me ajudar. Realmente, Anne, você é um exemplo de líder e sabedoria. Suas palavras abriram meus olhos... Eu estou disposta a mudar, e sei que vai ser difícil, mas vou até Deus, pedir perdão, e quero beber dessa água viva, para que Ele leve embora meus pecados e me ajude a viver em paz.
Senti um aperto suave no coração, de alívio. Estava vendo aquela semente, tão delicada, sendo plantada.
— Ele vai te ajudar, Gabi. — Sorri, segurando suas mãos com firmeza. — A caminhada cristã nunca é fácil, mas Deus nos sustenta. Não desista, por mais que o caminho pareça árduo.
Ela hesitou por um momento, olhando para mim com olhos marejados novamente.
— Seria estranho se eu pedisse um abraço?
Sem hesitar, a envolvi em meus braços, e naquele gesto simples senti uma paz profunda. Era como se, naquele abraço, houvesse uma troca silenciosa de alívio e redenção, uma confirmação de que algo estava sendo restaurado dentro dela.
— Obrigada, Anne — murmurou com a voz abafada, ainda apertando os braços ao redor de mim.
— Você pode contar comigo, tá? — falei, enquanto nos afastávamos. — Bom, eu preciso ir agora. — Nos levantamos juntas.
Ela me acompanhou até a porta, seu rosto mais calmo, os olhos ainda brilhantes, mas de um jeito diferente.
— Antes de ir, quero te dar algo — abri a bolsa e tirei uma Bíblia, entregando-a nas mãos dela.
Os olhos de Gabriela se arregalaram, cheios de surpresa e emoção. Ela a segurou com cuidado, como se fosse um presente precioso que ela nunca esperava receber.
— Anne... eu não sei como te agradecer — ela disse, me abraçando novamente, mais breve dessa vez.
— Não precisa me agradecer. Deus tem grandes coisas para você e para o seu filho. Mas você precisa conhecer a Palavra dEle, tá bom?
Ela assentiu, olhando para a Bíblia como se fosse uma chave para uma nova vida.
— Amém... obrigada mais uma vez — respondeu, o brilho no olhar refletindo algo novo, algo que me encheu de esperança também.
— Até mais, Gabi — falei, me afastando da porta com um sorriso.
— Até mais, Anne — ela repetiu, ainda sorrindo, antes de fechar a porta.
Saí dali com a certeza de que algo novo havia começado. O perdão tinha sido dado, e a semente da transformação plantada. Agora, era com Deus.
Ao entrar no carro, soltei um longo suspiro, sentindo uma paz suave e profunda se espalhar pelo meu peito. Era como se um peso tivesse sido retirado, e a certeza de ter feito o que era certo me envolvia completamente.
“Obrigada, Senhor, por esse momento,” murmurei em oração silenciosa, pressionando o botão de start e ouvindo o motor suavemente iniciar.
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