Capítulo 40 | Consequências
Isaque Campbell
Eu precisava pensar em tudo, menos na hipótese de ser pai.
Depois de tomar um banho para clarear a mente, vesti uma roupa qualquer do closet e saí rapidamente, ansioso para conversar com meu pai sobre a transferência para Londres. Os diretores, infelizmente, aprovaram minha proposta, mas acredito que meu pai possa ter o poder de reverter a decisão.
Antes, eu usava a fé no invisível; hoje, uso a razão no visível: o poder da hierarquia, e meu pai está no topo dela.
Peguei a Maserati e dirigi até a casa dos meus pais, na esperança de resolver a situação. Durante o trajeto, decidi ligar o rádio para distrair minha mente dos recentes acontecimentos, incluindo a gravidez de Gabriela. No entanto, minha atenção foi capturada pela voz aguda de uma mulher pregando. Fiquei paralisado ao tentar desligar o rádio, compelido a ouvir o que ela diria a seguir.
"Satanás quer te levar para o abismo, mas Deus quer te dar a vida! Qual é a sua escolha? Tudo depende de você saber para onde quer ir. Não permaneça indeciso! Deus já te chamou e te escolheu. Ele quer perdoar seus erros e te trazer de volta para a obra que Ele tem para você. Deus quer te usar como um instrumento em Suas mãos, moldando sua vida para ser um colaborador do evangelho. Fique atento às armadilhas do inimigo e às palavras que vêm para te desviar. Cuidado com o laço do passarinheiro e com as palavras lançadas do inferno! Ajoelhe-se em oração e entregue-se ao Senhor, pois você tem um chamado especial!"
Meus pensamentos foram tomados pela lembrança de toda a experiência que tive essa noite. Lembrei-me exatamente do abismo e da vida, do perdão e do "cooperador do meu evangelho". Eu estava inquieto, confuso e atordoado com tudo aquilo, mas logo senti paz ao me recordar da encantadora beleza de Anne Green.
Desci do carro e apressei-me para entrar na casa dos meus pais, sabendo que o horário de irem para a igreja estava se aproximando. No entanto, senti um calafrio ao me lembrar que também teria que ir à igreja hoje, o que me fez revirar os olhos.
— Oi, meu amor! Que alegria te ver! — exclamou minha mãe, caminhando em minha direção com os braços abertos para me abraçar.
— Se eu não venho aqui, vocês nunca aparecem lá em casa — brinquei, enquanto a abraçava e lhe dava um beijo na testa.
— Você sabe que este mês está cheio de audiências, e ainda tenho muito para organizar na igreja — ela respondeu.
Minha mãe é uma advogada renomada, que ganha a maioria dos casos e se dedica tanto aos seus clientes que acaba se sobrecarregando, especialmente por também ser a presidente da igreja.
— Você precisa descansar um pouco. E lembre-se, não faz mal visitar o seu filho de vez em quando — comentei, me jogando no sofá da sala de visitas.
— Ainda não me acostumei com a ideia de você morar longe de nós — disse ela, sentando-se na poltrona à minha frente.
— Mãe, são só trinta minutos daqui até minha casa — suspirei, enquanto observava meu pai descer as escadas com uma bíblia na mão. Isso me fez lembrar de como eu costumava descer assim, quando estava escalado para pregar.
— Que honra, meu filho! — ele disse, se aproximando.
Levantei e lhe dei um meio abraço.
— Estava terminando de revisar a pregação de hoje — ele explicou, sentando-se no outro sofá.
— Interessante — respondi, com um tom de desdém. — E Esther?
— Está se arrumando no quarto dela — respondeu minha mãe.
— Gostaria de falar com o senhor antes de sair. Tem um momento? — perguntei, ajeitando a postura no sofá, preparando-me para a conversa.
— Claro, filho, pode falar — meu pai colocou a bíblia ao seu lado e se voltou para mim, ajustando os óculos e prestando atenção.
— Não quero mais ser transferido para Londres. Quero revogar a decisão — declarei diretamente, sem rodeios.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— O que te fez mudar de ideia? Você estava tão ansioso para administrar a filial em Londres... — perguntou ele, franzindo o cenho, intrigado.
— Estou decidido, pai. Quero continuar aqui — afirmei com convicção, controlando minha ansiedade.
— Mas... você iria se tornar o CEO da empresa em Londres. Como pode recusar uma oferta dessas? — perguntou minha mãe, incrédula.
— Apenas quero ficar aqui, na Califórnia, na Matriz.
— E continuar como gerente de finanças? — meu pai inquiriu.
— Não posso crescer aqui? — ergui uma sobrancelha.
— Claro que pode, mas para se tornar diretor executivo aqui vai demorar um pouco mais de tempo — explicou ele. Mas isso não me importava. Tudo o que eu queria era ficar onde estou, perto da mulher por quem estou perdidamente apaixonado e não posso negar.
— Talvez, quando o senhor for para a filial no Brasil, eu possa administrar a daqui — sugeri, tentando encontrar uma solução.
O título era a última coisa com a qual eu estava preocupado no momento.
Ele e minha mãe se entreolharam, estranhando o meu comportamento.
— Mas se sua transferência foi aprovada, não tem como voltar atrás. A votação foi sim, e sabe que não tenho total poder para isso. Infelizmente não posso fazer muito — exprimiu.
— Tenho certeza que pode — enunciei, recostando-me no sofá. — Eu não quero ser transferido para Londres, então faça o que for possível para voltar atrás com isso ou deixarei a empresa — vociferei, me controlando. Percebi que minha voz soou um pouco alta, então tomei cuidado para não desrespeitá-lo.
— Isaque, abaixe o tom... — disse meu pai, confuso. — Ainda não consigo entender o porquê dessa desistência. Você assinou os documentos da transferência e foi carimbado, como quer que eu volte atrás com algo que já está para acontecer em um mês? Está muito em cima, Isaque, acha que só porque eu sou o dono da empresa posso passar por cima da palavra dos diretores de repente? E como fica o alinhamento da gestão estratégica?
— Dane-se a gestão estratégica, e, sim, você tem o poder de passar por cima da decisão deles — me levantei do sofá. — Por que não quer me ajudar, hã?
— Isaque, fique calmo — ele disse levantando-se. — Eu farei o possível para conseguir fazer com que voltem atrás, mas não garanto muito.
— Eu confio em você, pai, sei que pode me ajudar — articulei, indo em direção às escadas, apressando-me. — Obrigado pela compreensão.
— Vamos para a igreja daqui a pouco, você quer ir também, filho? — perguntou minha mãe aumentando a voz conforme eu ia subindo as escadas.
— Encontro vocês lá! — gritei, já no andar superior.
— Certo... Espera, o que disse? Você vai?
Dei risada com a reação da minha mãe, lembrando-me que foi a mesma de Marcos.
— Ei, ei, ei! — chamei a atenção de Esther que estava passando quase correndo pelo corredor dos quartos. — Não fala mais comigo não, é?
Ela parou no final do corredor, revirando os olhos para mim.
— Estou correndo, Caleb vai passar aqui em dez minutos para me levar — respondeu quase entrando em seu quarto, mas eu a interrompi.
— Opa, opa — me aproximei. — E por que vai com Caleb e não no seu carro? — franzi o cenho, cruzando os braços à sua frente. — E por que vai cedo? Vai sair com ele?
— Por que tantas perguntas, Isaque? — bufou, cruzando os braços também. — Já sou adulta, sabia?
— Mas você sempre será minha irmãzinha — apertei sua bochecha, sabendo que isso a irritaria. — Quero saber o que está rolando entre você e o Caleb.
Ela ficou inquieta, e vi suas bochechas ficarem ruborizadas.
— D-desde quando você acha que está rolando alguma coisa entre a gente? — perguntou nervosa, confirmando minhas suspeitas.
— Você acha que eu não percebi? Só espero que ele não te magoe, senão será um CPF a menos no mundo — declarei, o que fez ela me lançar um olhar mortal.
— Você ficou louco, Isaque? — disse ela, meneando a cabeça.
— Ai de quem mexer com você, chata — baguncei o seu cabelo, deixando-a mais irritada ainda, o que me fez rir. — Mas estou falando sério. Eu apoio você com Caleb, mas vá com calma, e qualquer coisa ele vai se ver comigo.
— E eu apoio você com Anne, mas não preciso ameaçá-la, pois sei que ela lhe faria feliz — disse entrando no seu quarto e fechando a porta na minha cara.
Quando ela disse isso, meu coração disparou ainda mais, fazendo-me sentir como um bobo apaixonado novamente.
Entrei no meu quarto e bati a porta com força ao ver a notificação de Gabriela na tela do celular:
"Isaque, precisamos conversar!".
Eu já sabia do que se tratava e não estava pronto para enfrentar isso. Tenho certeza de que esse filho não é meu, mas, considerando que estive com ela depois de algumas bebidas, não posso ter cem por cento de certeza. Talvez noventa e nove por cento seja impossível, e um por cento seja possível. Eu prefiro confiar nos noventa e nove por cento.
Vesti meu terno preto, ajeitei o cabelo, passei perfume e coloquei o Rolex no pulso. Olhei ao redor do quarto e meus olhos se fixaram no frigobar. Sem pensar muito, caminhei até ele e abri a porta, observando o que havia dentro.
Eu estava dividido entre algumas situações: a gravidez de Gabriela e a suspeita de ser o pai, apesar de não querer pensar nisso, e a ida à igreja que estava marcada para daqui a poucos minutos.
Eu precisava beber para enfrentar isso. O álcool seria meu aliado essa noite.
Diminuí a luz do quarto e segurei um copo de whisky na mão, observando como o líquido âmbar refletia a luz suave em meio à escuridão do quarto. Com hesitação, levei o copo aos lábios e dei um pequeno gole, sentindo a bebida quente e intensa descendo pela garganta. O sabor amargo e ardente tomou conta do meu paladar, e meu rosto se contorceu em uma expressão de desgosto enquanto meus olhos se fechavam instintivamente. Respirei fundo, tentando disfarçar a aversão, mas o arrependimento já pesava em minha mente. O calor que o whisky deveria proporcionar só aumentava o desconforto, e eu me perguntei por que estava me forçando a beber algo que claramente não me agradava.
Queria relembrar a sensação de liberdade que experimentei dias atrás, quando bebi quase meia garrafa de whisky. Mas ao tentar tomar mais um gole, o copo escorregou da minha mão e se estilhaçou no chão. Uma onda de náusea me invadiu, e corri para o banheiro, vomitando tudo que estava em meu estômago. Senti-me fraco e covarde, enquanto a repulsa pela bebida crescia dentro de mim. Depois de lavar o rosto, voltei ao quarto, peguei as garrafas do frigobar e decidi me livrar delas o mais rápido possível. Não aguentava mais olhar para aquelas garrafas.
Constatei que aquilo não era liberdade, e, sim, uma prisão.
Essa seria a última vez que o álcool tocaria meus lábios.
Depois de me recompor e escovar os dentes, apressei-me para sair de casa, pois precisava parar em um lugar antes de ir à igreja. Desci as escadas correndo, percebi que todos já haviam saído, peguei as chaves do carro e saí rapidamente. Conforme me apressava, senti minha respiração ofegante, um misto de sentimentos me dominava: a expectativa de encontrar Anne em poucos minutos, lembrar que vou pisar os meus pés na igreja, e a preocupação com a gravidez de Gabriela.
Coloquei o carro na velocidade máxima, sem me importar com o que estava à minha frente. Eu só precisava vê-la e entender a situação.
Parei em frente à casa de Gabriela e toquei o interfone com tanta força que quase o quebrei. Finalmente, ela abriu a porta.
— Isaque! — ela exclamou com um sorriso, mas eu estava impaciente.
— O que quer de mim, Gabriela? Por que isso de repente? — indaguei, passando a mão pelo cabelo.
Eu precisava escolher cuidadosamente as palavras, pois estava extremamente nervoso.
— Está me culpando por estar grávida? — perguntou, cruzando os braços.
— Me diz — dei um passo à sua frente. — Quem é o pai desse bebê?
Ela mordiscou o lábio inferior, olhando para o lado.
— Você sabe que sempre fui apaixonada por você, e enquanto ficávamos, eu nunca me envolvi com outro homem — voltou a olhar para mim, ainda de braços cruzados.
— Você não respondeu à minha pergunta — insisti.
— Claro que você é o pai, Isaque! Acabei de dizer que você foi o único homem que me envolvi nos últimos meses — suspirou, abaixando o olhar.
Meu estômago se revirava e minha respiração falhava. Eu não conseguia acreditar na situação e torcia para que tudo não passasse de um mal-entendido.
Eu conheço a sensação de ser rejeitado pelo pai, por isso jamais rejeitaria um filho, independentemente de qualquer coisa. Sei que o bebê não tem culpa de nada, nem das nossas escolhas, mas não era assim que eu queria.
Sempre sonhei em ter filhos, mas apenas com a mulher certa – alguém que eu amasse profundamente e por quem fosse completamente fascinado. Encontrei essa mulher, com olhos azuis deslumbrantes. No entanto, se Gabriela estiver realmente grávida de mim, isso pode significar que Anne jamais irá me aceitar, e, consequentemente, a perda da minha esperança de construir uma vida com ela.
Eu estava colhendo as consequências da minha desobediência e senti o peso do castigo de Deus em minha alma. Diante de Gabriela, um frio na barriga e o coração acelerado me fizeram perceber algo importante: uma venda caiu dos meus olhos, revelando que fui ingrato com Deus e agora estou enfrentando o preço por isso.
— Gabriela, por mais que eu tente acreditar em você, eu quero o DNA desse bebê — afirmei, o que claramente a irritou.
— Está insinuando que eu dormi com outro homem enquanto estava com você? — ela me lançou um olhar furioso.
— Não estávamos namorando, nunca tivemos um compromisso, e está me dizendo que ficava apenas comigo? Isso não é possível, Gabriela. Você vivia em festas, saía quase todas as noites com suas amigas, e não ficou com mais ninguém? — franzi o cenho, tentando estudar o seu olhar.
— Sim, estou dizendo isso.
— Se você estiver mentindo para mim e tentando me enganar com esse bebê inocente, você sabe com quem vai prestar contas — eu a encarei, fazendo com que ela adotasse um olhar mais firme.
— Com quem? Com Deus? Desde quando crê em Deus? Desde quando é tão certinho assim? Aceita que você vai ter um filho e faça o seu papel de homem em assumir! Eu estou disposta a criar essa criança junto com você, por que não se dispõe também?
— Eu sempre acreditei em Deus, sei que Ele existe e que sabe se você está mentindo ou não. E jamais irei ficar com você, quando eu disse que deveríamos terminar, eu falei sério — dei um passo para trás, pronto para ir embora.
— Espero que não faça acontecer comigo o que seu pai fez acontecer com Luisa — ela disse erguendo um dedo na minha cara.
Nesse momento, senti meu sangue ferver e a raiva tomou conta de mim. Segurei firmemente seu braço, controlando-me para não apertar com mais força. Travei o maxilar, olhando com seriedade em seus olhos, fazendo-a recuar um passo.
— Não fala da minha mãe — ordenei. — Sério, me faz um favor — soltei o seu braço. — Some da minha frente — dei as costas, indo em direção ao meu carro.
— Você é um covarde! — ela bradou, fechando a porta com fúria.
Respirei fundo e entrei no carro, batendo com as mãos no volante, me arrependendo amargamente pela decisão de me envolver com Gabriela. Eu não imaginava que esse seria o futuro que me aguardava.
Olhei para cima, controlei a respiração e tentei pensar nas próximas palavras. Eu perdi o jeito de falar com Ele; não sei mais como iniciar uma conversa, nem mesmo uma oração. Sinto que perdi a fé, a coragem e a ousadia. Me sinto fraco, e Gabriela tem razão: sou um covarde.
— D-Deus — suspirei. — Se o Senhor ainda me vê como antes, por favor, me mostre se Gabriela está mentindo. Por favor, não me deixe ser enganado. Eu sei que não mereço... — hesitei, refletindo sobre a palavra que iria usar. — não mereço que o Senhor responda a minha oração. Nem sei se tenho fé suficiente, mas preciso da Tua ajuda — respirei fundo, percebendo que me embaracei em minhas próprias palavras.
Eu me lembrei de como costumava conversar com Deus, chamando-O de Pai e tratando-O como um grande amigo. De repente, ao me dirigir a Deus novamente, senti uma estranheza, mas reconheci que só Ele pode me ajudar, mesmo eu não achando que mereço. Quando fui dar partida no carro, paralisei ao ouvir uma voz falando comigo de dentro para fora, o que me causou calafrios:
"Eu sempre olhei para você, mas você fechou o seu coração para Mim. Como quer que Eu lhe mostre algo, se você não acredita na minha Palavra?"
Certo, eu mereço isso.
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