Capítulo 35 | A Sós
Anne Green
A cozinha era rústica, com uma iluminação amarela e aconchegante. Combinava perfeitamente com a chuva que caía lá fora, trazendo um toque de ambiente romântico, até que eu poderia dizer que era o cenário perfeito para um casal apaixonado cozinhar um jantar romântico em uma noite de inverno.
Mas esse não era o nosso caso.
Estávamos apenas com fome, procurando algo fácil e saboroso para preparar, aproveitando que, antes de Sara e Marcos virem para cá mais cedo, eles foram ao mercado e compraram algumas coisas. E eu pude comprovar que a minha intuição estava certa: Marcos e Sara combinaram uma maneira de eu e Isaque ficarmos a sós na casa de campo. E eu não duvido que eles olharam a previsão do tempo, deduzindo que seria uma noite de chuva.
Isaque estava escorrendo o macarrão em cima da pia, enquanto eu estava concentrada na panela no fogão. Dourei a cebola e o alho e depois coloquei os camarões na panela. Esperei dourá-los para depois pôr o extrato de tomate caseiro que Isaque havia preparado há alguns minutos.
Enquanto esperava os camarões ficarem prontos, observava Isaque cozinhar e o quanto ele ficava tão atraente cozinhando. Eu não sabia que ele gostava de cozinhar até vê-lo tão empenhado na cozinha.
— Vou adicionar o requeijão e o creme de leite — disse, indo até à geladeira, concentrado. — Aprenda com o chefe — lançou-me uma piscadela, ao mesmo instante que sua boca elevou-se em um sorriso travesso, voltando para o fogão.
Meneei a cabeça soltando um riso abafado, achando graça do seu comentário pretensioso.
— Deixa que eu coloco o queijo — peguei o queijo muçarela em cima do balcão e adicionei ao camarão. — Agora só esperar derreter — proferi, mexendo a panela.
Senti as borboletas festejarem em meu estômago quando Isaque se aproximou por trás de mim, e senti sua mão quente e macia segurando minha mão enquanto mexia os camarões com uma espátula. Ele começou a mexer delicadamente comigo, enquanto meu coração galopava em meu peito, ao mesmo tempo em que eu sentia seu cheiro muito próximo, e seu nariz se aproximando do meu pescoço. Sua outra mão livre acariciou suavemente minha cintura, e neste momento eu já estava abstraída e precisei me afastar depressa, antes que minha carne cedesse ao desejo de beijá-lo.
— O queijo está derretido — articulei desligando o fogo e me afastando rapidamente.
Ele colocou suas mãos nos bolsos da calça e suspirou, vindo até mim.
Encostei na ilha de cozinha e fiquei parada, fitando seus olhos hipnotizadores se aproximarem, enquanto eu orava em meu coração:
"E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos de todo mal. Amém"
Isaque não é um mal, mas é uma tentação que preciso ficar longe fisicamente.
— Anne, por que toda vez que me aproximo você se afasta? — indagou.
Cruzei os braços e o fitei, na tentativa fracassada de ter palavras o suficiente para argumentar com ele.
— Você mesmo disse que deveríamos nos afastar, e ainda disse que não iria me pôr em um jugo desigual. Como quer que eu me aproxime? — inquiri, ainda lhe olhando nos olhos.
Suas mandíbulas contraíram-se e seu olhar tornou-se profundo. Ele pôs as suas mãos em cima da ilha, cercando-me com os braços, e ficou à minha frente, encarando-me, minimizando novamente o espaço que havia entre nós. Quando pisquei para tentar dizer algo, ele emitiu, com sua voz grave e rouca, quase que em um sussurro:
— Diz que não sente nada por mim — as palavras soaram em sua voz aveludada como uma flechada certeira em meu coração, fazendo-me engolir em seco ao perceber que estava sem saída.
Sim, eu sinto algo por ele. Na verdade, já encontrava-me apaixonada, mas eu não podia assumir, não para ele.
— Diz, Anne — insistiu polidamente, fazendo meu coração palpitar ainda mais forte. — Se disser que não sente nada, eu me afasto — fez sinal de rendição, dando um passo para trás.
— E se eu disser que sim, o que vai fazer? — ergui uma sobrancelha, despertando um sorriso em seu rosto.
— Minha vontade seria de lhe beijar, nesse exato momento, mas eu não iria fazer isso.
— E o que iria fazer, então? — retorqui.
— Então sua resposta é um sim? Porque está parecendo — o seu sorriso marcante de mocinho arteiro aparecera em seus lábios novamente, fazendo-me estremecer.
Desviei o olhar tentando encontrar palavras para lhe responder, porém nada além de um sim vinha à minha mente.
— Estou com fome, Isaque, por que não vamos comer antes que a comida esfrie? — tentei mudar de assunto instantaneamente, fugindo desse embaraço.
— Tudo bem — respondeu depois de um suspiro.
Minhas mãos estavam suando e, com certeza, minhas bochechas estavam tão avermelhadas quanto o tomate que colocamos na comida. Não tinha ideia de onde enfiar minha cara nem como esconder para Isaque que ele me afeta muito e que só o fato dele estar tão perto me desestrutura completamente. Nunca senti isso por ninguém, e isso me assusta, porque é um sentimento que não posso expressar, uma vez que Isaque não tem a mesma fé que eu.
Isso me fez perceber que, se Isaque se entregasse a Deus de todo o coração, como antes, poderíamos fazer acontecer algo que estava surgindo. Eu poderia afirmar que não há jugo desigual, apenas duas pessoas que se amam e desejam permanecer unidas por Cristo. Mas ele não quer isso, não quer um relacionamento em que Jesus seja o centro. Ele, provavelmente, quer um namoro como qualquer outro, sem propósito, sem princípios e sem Deus. Comigo não é assim. Se ele desejar me ter, ele precisa primeiramente amar a Cristo. A escolha é dele.
Organizamos a mesa e nos servimos a macarronada de camarão, que estava incrivelmente perfeita. Pude comprovar que Isaque é excelente na cozinha, e isso me fez admirá-lo ainda mais.
— Gostei de conhecer seus dotes culinários — sorri, enrolando o macarrão no garfo.
Ele devolveu o sorriso, um sorriso doce e gentil, e colocou o suco de uva nas taças.
Não havia velas e a luz estava acesa, no entanto, devido a um sentimento reprimido entre nós, parecia um jantar romântico ao som da chuva caindo, mas eu me esforçava para afastar esses pensamentos viajantes de mim.
— Gostou? — perguntou, levando um camarão no garfo à boca.
— Está incrível — respondi apreciando a comida e o cheiro apetitoso em minhas narinas.
Depois de um tempo em silêncio, apenas degustando a comida, resolvi perguntar a Isaque sobre algo que eu já sabia, mas queria saber a sua versão, o que ele viveu e o que ele sentiu.
— É... — pigarreei, captando sua atenção.
— Pode falar — disse, ajeitando a postura, bebendo um gole do suco.
— Quando você sofreu aquele acidente, você teve alguma experiência com Deus? — indaguei, terminando a comida.
Isaque tornou-se reflexivo em rápidos segundos, e recostou-se na cadeira, deixando a taça de suco em cima da mesa.
— Se não estiver à vontade para falar, não precisa...
— Tudo bem, Anne — interrompeu-me. — Você já sabe a história, e como aconteceu o acidente.
— Sim, mas queria saber sob o seu ponto de vista — sorvi um gole do suco.
— Foi quando eu abri meus olhos e já estava no hospital. Tive um grande susto por estar em uma maca, com soro e com muita dor. Quando ouvi alguns enfermeiros na sala, que não tinham conhecimento de que eu estava acordado, comentando: "Não sei como ele se livrou dessa. Isso seria fatal, com certeza!" Mas, no meu coração, só veio um Nome: Deus — suspirou e deixou o seu olhar distante. — Imediatamente surgiu em mim um sorriso doloroso, pois tudo estava me machucando, mas me senti restaurado naquele instante, mesmo sem me recordar de como tudo ocorreu.
— Mas você soube que intercedemos por você? Fizemos um movimento sobrenatural pedindo a Deus por sua cura — proferi, lembrando-me do mover de Deus nos círculos de oração e intercessão, e em todos os cultos que clamávamos pela vida de Isaque.
— De fato, tive conhecimento disso. Eu também soube que meus pais oraram dia e noite por mim no hospital. Todos da igreja estavam em oração. Meus pais me informaram que o médico havia determinado que eu não sobreviveria. Um dos médicos até disse: "A medicina salva pessoas, mas não faz milagres. E esse aí, só um milagre!" Assim sendo, meus pais, com autoridade, pediram a Deus para desencorajar os médicos e restaurar minha vida. Ao retornar para casa à noite, me ajoelhei na cama e só pude dizer: "Senhor, eis-me aqui, com todos os meus erros, para te agradecer por me permitir viver". Naquele instante, senti paz, mas não consegui pedir perdão. Senti-me tão miserável diante da grandeza dEle que não tive coragem de pedir perdão por abandonar a minha fé. Então lembrei daquela frase que escuto desde criança: "Quem não vem pelo amor, vem pela dor", e eu não queria ir pela dor. Não senti que merecia ser perdoado.
— Até um ladrão, que estava ao lado de Cristo na cruz, foi perdoado. O pior dos pecadores recebe o perdão, por que acha que Deus não perdoaria quem Ele escolheu? Nunca ouviu a parábola do filho pródigo? Ou até mesmo aquele versículo que diz: "Eu afirmo a vocês que a mesma alegria existe diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende", que está em Lucas 15:10?
— Sim, já ouvi, o problema é que estou bem do jeito que estou. Sem decepções, sem frustrações e sem desilusões — articulou, juntando os nossos pratos para levá-los à pia. — Só não temos sobremesa — disse levantando-se, mudando repentinamente de assunto.
Eu não iria dar continuidade para não criar um clima estranho entre nós, mas, pelo menos, mesmo sendo tão pouco, eu tentei mais uma vez. Ouvir a versão de Isaque fez uma grande diferença para mim. Sempre soube apenas das versões em que orávamos e Deus o curou, mas não imaginava que Isaque reconheceu a Deus e foi até Ele, agradecendo pela vida. Isso me fez perceber que, por mais que ele tente fugir, ele sempre vai se lembrar de Deus e reconhecer a soberania dEle.
A verdade é que Isaque não deixou de acreditar em Deus, ele deixou de acreditar na bondade de Deus. Ele culpa a Deus pelas circunstâncias que lhe aconteceram e tem medo de que isso ocorra novamente no futuro.
Terminando de ajudar Isaque com as coisas que desarrumamos na cozinha, retirei-me para sala e fiquei contemplando a chuva pela janela. Isaque aproximou-se, também observando.
— Vamos? — indaguei, ainda olhando para fora.
— Tem certeza, Anne? Está muito forte!
Melhor do que passar a noite sozinha com ele.
— Tenho — respondi firme, sem tirar os olhos da chuva.
— Anne, qual o problema de passar a noite aqui? — virou-se para mim. — Tem mais de um quarto nessa casa, não precisamos ficar próximos, se é disso que você tem medo.
— Eu não estou com medo, só acho melhor irmos para casa. Acredito que daqui pra lá a chuva já tenha passado.
— Você quem sabe — deu de ombros, voltando para sala. — Não vou insistir em algo contra a sua vontade.
Peguei a minha bolsa que estava no sofá e adiantei meus passos até à porta. Quanto mais eu olhava para a chuva, do lado de fora, parecia que mais forte ela ficava, e eu já estava sentindo um impedimento para não pegarmos estrada à essa altura. As árvores balançavam com fúria, o vento poderia sacudir qualquer pessoa de tão forte que estava, e as gotículas tornaram-se mais pesadas.
Enquanto eu estava parada de braços cruzados, observando a tempestade, Isaque aproximou-se.
— Tem certeza? — insistiu.
Deus conhece o meu coração e sabe que a minha vontade era de ir, mas tudo estava nos fazendo ficar. Talvez eu me arrependa disso depois, mas tudo o que eu poderia dizer naquele momento é:
— É melhor passarmos essa noite aqui.
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