Capítulo 32 | Portas Abertas
Anne Green
— Eu ainda não estou acreditando que você conseguiu finalizar tudo isso às 11:25, exatamente — Isaque proferiu, observando o orçamento que eu enviei pelo seu email, boquiaberta. — E não há nem um erro sequer.
Eu disse que iria vencê-lo.
— Não duvide de mim, Sr. Campbell — zombei, com um sorriso triunfante.
— Você ganhou, então devo ir à Casa de Pedras. Sou um homem de palavra — levantou sua mão direita para cima, olhando-me com um sorriso singelo.
Isaque estava sentado e eu em pé, em frente à sua mesa, com um ar de vitória em saber que venci o desafio.
— Então, Isaque, encerre suas atividades e agilize para sairmos, porque já está na hora — proferi voltando para a minha mesa.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Sim, Srta. Anne, irei fazer o que você, minha supervisionada, está mandando — zombou enfatizando, ainda com uma sobrancelha levantada.
— Então vamos, Isaque — insisti, arrumando as coisas em minha mesa para me levantar. — Estou ansiosa para conhecer a tal Casa de Pedras.
— Calma, agoniada, só estou encerrando o meu login — articulou, ainda concentrado no MacBook.
Levantei-me da cadeira e me aproximei da mesa de Isaque, olhando de espreita o que ele estava fazendo no computador, e, não, ele não estava encerrando nenhum login.
Fiquei lhe encarando, apressando-o, e ele revirou os olhos, meneando a cabeça em negativa.
— Por que está com tanta pressa? — indagou desligando o MacBook.
— Todo mundo já foi, só a gente que está aqui ainda — respondi olhando as horas em meu smartwatch.
— Seu admirador também já foi? — ironizou.
Fiquei raciocinando sobre quem seria o meu admirador, até que me dei conta de que Isaque estava falando de Daniel.
— Todo mundo já foi, menos eu e você, por causa da sua demora — bufei.
Ele vestiu o paletó preto e colocou o celular no bolso da calça.
— Vamos, agoniada — brincou.
Senti borboletas no estômago quando Isaque envolveu seu braço musculoso em meu pescoço, me puxando delicadamente para sairmos da sala. Até estranhei a sua atitude, por isso franzi a testa tentando entender como, de bloco de gelo, ele foi para um homem carinhoso.
Descemos para o estacionamento e eu fui em direção ao meu carro, porém Isaque me chamou com um psiu.
— O que foi agora? — indaguei, parando no meio do caminho.
— Você acha que vou deixar você ganhar a aposta mas não vou ter condições para ir à Casa de Pedras? — inquiriu e eu ergui as sobrancelhas.
Ele é muito audacioso.
— Não vale isso. O combinado foi eu ganhar a aposta, em nenhum momento você falou de "condições" — fiz aspas com os dedos.
— Quer que eu vá ou não?
Quero, mas não vou insistir.
— Depende — respondi acanhada, temendo sua condição.
— Se quiser que eu vá, você vai comigo no meu carro — ele deu um sorriso travesso, na verdade, parecia mais com um sorriso sedutor.
Olhei em volta do estacionamento procurando o seu carro e não encontrei. Por que ele iria querer que eu fosse com ele, se ele mesmo disse que é melhor nos afastarmos?
— Mas você disse para nos afastarmos, Isaque — descansei as mãos na cintura, tentando lhe entender.
— Eu não falei para pararmos de nos falar, o que eu quis dizer é que não vou lhe pôr em um jugo desigual — exprimiu, aproximando-se.
Dei de ombros, desviando o olhar.
— Tudo bem — assenti, notando o sorriso aparecer em seus lábios. — Mas só porque não sei onde fica localizada essa tal Casa de Pedras.
— Ah, claro, com certeza é só por isso — zombou, afastando-se até o seu carro, que por um acaso eu não estava vendo.
— Cadê o seu carro?
Segui Isaque, e, para a minha grande surpresa e motivo também da minha estranheza, não era a Maserati Ghibli cinza, e, sim, uma Lamborghini vermelha.
Examinei o automóvel e franzi o cenho. Uma grande vantagem de ser o dono de uma grande concessionária está aí, trocar de carro quando bem quiser.
— Permita-me — disse, abrindo a porta do carona.
Entrei no carro estranhando seu cavalheirismo, ainda mais o carro novo.
Isaque deu partida e saímos da empresa. A caminho da Casa de Pedras, percebi que algo estava me incomodando: minha barriga estava roncando. Me dei conta de que não almocei e por isso estava com tanta fome, mas não queria pedir a Isaque para comprar alguma comida no caminho.
— Senhor, se ainda falas com ele, toca no coração dele para perguntar se eu estou com fome — falei com Deus em pensamento, apoiada na janela do carro observando a paisagem tropical que ficava perto da praia de San Diego.
— Anne? — Isaque captou a minha atenção.
Olhei para ele e percebi que ele já havia colocado os óculos de sol, como de costume.
— Está quieta, qual o milagre? — inquiriu focado na estrada à frente.
— Nada, só estou contemplando a vista — respondi olhando pela janela.
— Está com fome? — perguntou, fazendo-me arregalar os olhos sem ele perceber, vendo que Deus atendeu ao meu pedido e falou com ele.
— Sim, ainda não almocei — respondi evitando olhar para ele.
A verdade é que eu gostava muito de admirar Isaque dirigindo, e quanto mais eu o observava, mais eu me sentia atraída, por isso evitava lhe encarar.
— Poderia ter me falado — proferiu coçando a ponta do nariz.
— Quando estou com fome não consigo raciocinar direito — exprimi, tirando um sorriso dele.
— Dio! — articulou "Deus" em italiano. Eu ergui uma sobrancelha. — Eu pediria agora ao seu Deus para me ajudar a lidar com uma mulher com fome, porque não é fácil, não — disse com um riso abafado, fazendo-me rir junto com ele.
Certo, Isaque, quando vamos progredir? Por que seu Deus, e não nosso Deus?
— O meu Deus não é o seu Deus? — indaguei depois de controlar-me da risada.
Ele continuou olhando firme para a estrada, talvez pensando no que responder, mas não obtive resposta nenhuma para a minha pergunta.
— Temos um restaurante italiano, o que acha? — apontou para um restaurante do outro lado da rua.
— Pode ser.
Isaque parou o carro em frente ao restaurante e desceu. O tempo que eu ajeitei a minha bolsa foi o tempo que ele já estava ao lado da minha porta abrindo para mim. Mais uma vez seu gesto cavalheiro.
Agradeci e desci do carro. Ele entregou a chave ao manobrista e me acompanhou com uma mão em minhas costas, até a porta do restaurante. Ele continuara com seus óculos escuros e um charme masculino impecável. Por um instante eu me sentia uma dama ao lado de um belo cavalheiro, e sorria quando via algumas mulheres fitarem nele mas sabendo que ele estava comigo, não com elas. Egoísmo, talvez? Se for, que Deus me corrija, até porque Isaque não é meu para eu estar sentindo tal sentimento. Mas, não posso negar, ir para os lugares com Isaque parecia-me estar com um príncipe encantado, e eu amava a sensação.
— Buon pomeriggio — disse o homem de terno cinza que estava na recepção do restaurante.
— Buon pomeriggio.
— Buon pomeriggio.
Isaque e eu respondemos juntos, em uníssono, e achamos engraçado, mas não rimos para não parecermos dois doidos na frente do Host.
— Irei acompanhá-los à sua mesa — disse o garçom que acabara de chegar passando, educadamente, à nossa frente.
Isaque assentiu e tirou os óculos de sol, colocando-os na gola da camisa.
— Não sabia que falava italiano — disse baixinho, inclinando-se para perto do meu ouvido.
— Sono poliglotta, non lo sapevo? — brinquei, fazendo-o rir novamente.
— Você vai me fazer perder a postura nesse lugar — proferiu acompanhando o garçom.
— Por qué? Te divierte? — articulei em espanhol, e pude notar Isaque vermelho enquanto segurava a risada.
O garçom nos levou a uma mesa e, gentilmente, Isaque puxou a cadeira para mim, passando à frente do homem que queria fazer isso. Quando me sentei, ele rapidamente abaixou ao meu ouvido, dizendo:
— Nunca achei a língua espanhola tão interessante até ouvi-la em você — disse e eu corei, ao mesmo tempo que meu coração saltitou aqui dentro, tentando disfarçar ao máximo o meu rubor.
Pigarreei, afastando de mim os devaneios.
O garçom nos auxiliou com o cardápio e fizemos o nosso pedido. Tudo estava indo bem, até eu me dar conta de que, pela primeira vez, estávamos almoçando juntos, sozinhos. Apenas eu e Isaque. Simplesmente, apenas nós dois.
Eu estava desconcertada ao comer a comida. Porque, estar sozinha com ele almoçando enquanto ele não tirava os olhos de mim, me deixava nervosa. Mas, de todas as maneiras, tentei disfarçar e fingir a inexistência de Isaque à minha frente, mesmo falhando miseravelmente porque é impossível evitá-lo.
Terminamos de almoçar e decidimos pedir a sobremesa para comermos no caminho para adiantarmos. Conversamos sobre coisas aleatórias e, confesso, me diverti muito tendo esse tempo com ele, com algumas risadas misturadas com borboletas no estômago, não posso negar.
Isaque consegue tirar de mim os melhores sorrisos e os sentimentos mais profundos que tento esconder no fundo do meu coração, e percebo que descumpri um item importante em minha lista de metas para esse ano: não me apaixonar.
Saímos do restaurante, depois de Isaque pagar a conta, e entramos no carro. Por uns segundos, ele ficou parado, me encarando em silêncio, com um sorriso discreto evidente em seus lábios.
— O que tanto me olha? — indaguei atordoada, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.
Ele mordiscou o lábio inferior e soltou o sorriso que, antes discreto, agora galante, tentando disfarçar.
— Nada — exprimiu, colocando os óculos de sol. — Coloca o cinto.
Eu suspirei quando percebi que iria entrar em uma cena completamente clichê, mas eu não tinha como evitar. Respirei fundo e o chamei.
— O cinto está... Travado. Tipo, não estou conseguindo puxar... Talvez ele esteja emperrado, ou não estou sabendo...
Calei-me quando ele aproximou-se de mim. Isaque inclinou-se para desbloquear a fivela do cinto de segurança e, ficamos tão próximos, que pude sentir o seu cheiro que tanto me deixava desnorteada.
— Obrigada — proferi, ajeitando a postura.
— Prepare-se para uma viagem — brincou, dando partida no carro.
— É tão longe assim?
— Nem tanto, mas pegaremos uma boa estrada.
Passando-se alguns minutos do percurso, implorei para que Isaque deixasse eu colocar uma música na multimídia do carro e ele insistia em não ser gospel, sendo que são as que eu escuto.
Após uns bons minutos em silêncio, Isaque rendeu-se e ligou a multimídia, conectando o bluetooth do meu celular.
Coloquei uma playlist de músicas gospel e percebi que Isaque ficava reflexivo, com o braço apoiado na janela e a mão alisando o queixo, observando a estrada, mas eu tinha a plena impressão de que ele estava prestando atenção nas letras das músicas.
— Você já tocou alguma dessas? — perguntei, captando a sua atenção.
— Quê? — inquiriu.
— Você é guitarrista, já tocou alguma dessas músicas?
— Já — respondeu objetivamente, sem importância.
— Qual?
— Não lembro.
— Se não lembra, como sabe que já tocou? — ergui a sobrancelha.
Ele olhou para mim sob os seus óculos escuros.
— Que tal desligarmos a música um pouquinho? Acredito que já escutou o suficiente.
— Eu amo ouvir música quando estou no carro, então, se puder, vamos ouvir o restante da playlist — lancei-lhe uma piscadela. Ele meneou a cabeça em negativa.
Finalmente, depois de umas duas músicas, chegou na que eu queria. Enquanto tocava, percebi o olhar de Isaque mudar, ficar expressivo e profundo, fitando na estrada esquecendo-se de tudo ao seu redor.
Ontem deixou sua casa e saiu pelo mundo
De coração, lá no fundo, eu não entendi
Tudo o que fiz, o que ele quis
Meus braços abertos ficaram
E ainda estão assim
E vão continuar
Até um dia vê-lo regressar
Senti nessa letra como se fosse Deus falando com os que estão perdidos, com os filhos pródigos que saíram pelo mundo, e Ele continua de braços abertos esperando que voltarem. Isso me levou a pensar que Isaque precisava ouvir isso.
Posso pensar no que o mundo lhe tem preparado
Sei, provações tem passado e tudo por quê?
Falsos amigos por aí
Conselhos vazios
Mas cheios de palavras vãs
Que grande ilusão
Mentiram ao seu jovem coração
Mas nunca é tarde não
Sai da escuridão
Há um novo dia, nova manhã
A mesma casa tem portas abertas
Pessoas certas
Amigos e irmãos
Olhei para Isaque e ele desviava o olhar a todo o custo, olhando para os lados ou focando à sua frente, mas nunca para mim. Uma forte voz falou em meu coração de dentro para fora:
"Eis que estou fazendo uma coisa nova"
Arrepiei-me ao perceber que algo estava acontecendo no coração de Isaque. Por isso, permaneci em silêncio, deixando Deus trabalhar.
Parece sonho, mas nem a distância me engana
O coração de quem ama não pode esquecer
Seus passos fracos, tropeções
Seus olhos rebrilham e choram
Pai, eu sei que errei
Mas vim para acertar
Permita-me de novo aqui ficar
Quando a música acabou, fiz de tudo para que ele olhasse para mim, porém ele continuava com os óculos escuros impedindo-me de ver sua reação através dos seus olhos, porém, por algum acaso, Isaque suspendeu os óculos colocando-os na cabeça e, quando virou o seu rosto para olhar o retrovisor ao meu lado, pude contemplar seus olhos marejados, e eu percebi que, realmente, algo novo estava acontecendo.
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