Capítulo 29 | Uma Voz em Meu Coração
Isaque Campbell
Ela não é qualquer uma.
Por mais que eu tente lutar contra a vontade de me aproximar dela, eu não consigo resistir. Talvez eu tenha agido errado ao tentar beijá-la, pelo modo que ela se levantou e saiu, mas eu fui fraco e cedi. Eu queria poder sentir seus lábios tocando os meus, e quando olhei profundamente em seus olhos azuis que estavam brilhando ao encarar os meus, eu não consegui me controlar.
Eu posso já ter me relacionado intimamente com outras mulheres sem sentir absolutamente nada por elas, mas Anne é diferente. Mesmo sem nunca ter me envolvido com ela, eu me sinto vulnerável quando ela está por perto. Seu cheiro é suficiente para me deixar em êxtase e me fazer viciar em sua companhia.
Quanto mais eu queira me afastar para não sentir nada por ela, mais eu quero estar perto, e foi nesse exato momento, quando os nossos lábios se tocaram, que eu percebi que estava acontecendo o que eu mais temia: eu estava sentindo algo por ela.
Aquele sentimento de querer ela por perto, de me sentir completamente atraído por sua beleza, pelo seu olhar, pelo seu cheiro e até pelo jeito que ela fica corada quando está perto de mim, são os sentimentos que eu estava lutando para não sentir por mais ninguém, mas fui vencido e não sei mais como fugir.
Ou eu me afasto de uma vez por todas, ou encaro esses sentimentos me lembrando que há uma barreira entre nós: Deus.
— Voltei — disse ela voltando a sentar-se ao meu lado.
Eu estava perdido em meus pensamentos, e a cena de nós dois quase nos beijando não saía da minha cabeça. Eu estava com medo de, automaticamente, ficar frio com ela como um escudo de proteção para não me apegar mais ainda, e acabar lhe magoando.
— Anne, eu...
— Não precisamos falar sobre isso, Isaque — ela disse me interrompendo.
— Você não está com raiva? — indaguei.
— Por que eu estaria? — perguntou olhando para mim. Seu olhar profundo tocou-me de uma maneira que nunca aconteceu antes. Eu estava desmontado por dentro e não queria que ela percebesse isso.
— Me desculpa por ter passado dos limites — proferi.
— Não precisa se desculpar, é só esquecermos isso e voltar a nos concentrar no filme — disse abrindo um pacote de salgadinho, plácida.
Eu imaginei que isso iria significar mais para ela, mas, aparentemente, não fez muita diferença.
— Tudo bem — respondi, pegando um pouco de salgadinho.
Depois de um tempo, o filme acabou. Saímos da sala do cinema e nos encontramos com o pessoal lá fora. Anne estava mais afastada de mim. Ela ficou conversando com as meninas mas não olhava para mim em nenhum momento, e eu não sei por quê, mas eu estava afetado com isso.
— Isaque? — Marcos chamou a minha atenção. — Está no filme ainda? — zombou.
— O que estavam dizendo? — perguntei coçando a ponta do nariz, tentando me concentrar na conversa.
Porém minha atenção estava completamente em Anne. Ela ria com as outras meninas e não olhava para mim de jeito nenhum. Sinto que fiz algo de errado e não sabia como consertar.
— Você deveria ir também, Isaque — disse Samuel, captando a minha atenção.
— Para onde? — perguntei e eles franziram o cenho.
— Para o congresso, Isaque. Está no mundo da lua? — Samuel perguntou, com um sorriso zombeteiro.
— Está com a cabeça aonde, irmão? — Marcos indagou.
— Perdão, mas eu não vou não — respondi a Samuel, tentando focar na conversa.
— Aconteceu alguma coisa, Isaque? — Micael perguntou, erguendo uma sobrancelha.
Micael, namorado de Sara, mesmo não gostando muito das atitudes de possessividade dele, conseguíamos ter um nível de amizade, mas, sabendo que Sara poderia ter alguém melhor que a valorizasse mais.
— Não, só estava pensando na reunião de amanhã.
— Trabalho uma hora dessas, Isaque? Esquece trabalho e se diverte, cara — disse Marcos.
As meninas se aproximaram e eu senti algo que fazia um bom tempo que não havia sentido por ninguém: frio na barriga.
Eu estava me sentindo tão estranho quando Anne se aproximava que eu queria fugir dali sem olhar para trás, mas seria um tolo fazendo isso.
— Isaque que escolheu o filme — disse Sara.
— Eu gostei — Melissa articulou.
— Eu estava tentando convencer Isaque a ir para o congresso, mas não deu certo — disse Samuel.
— Na verdade, Isaque nem prestou atenção na conversa — Marcos comentou batendo no meu ombro.
— Eu prestei, sim. Vocês estavam falando sobre... — enfiei as mãos nos bolsos da bermuda. — sobre... Sobre o congresso, ué.
Todos riram e Marcos balançou a cabeça em negativa. Mas Anne continuava séria, olhando o celular para não ter que interagir comigo. Isso estava me incomodando muito.
— O congresso foi a última coisa que falamos, Sr. Mundo da Lua — Samuel zombou.
Eu me afastei do grupo e me aproximei de Layla, chamando ela em particular. Agora, sim, Anne olhou para mim estranhando a minha atitude.
— Anne falou alguma coisa? — perguntei à Layla.
Ela franziu os lábios.
— Não, mas sei que ela está estranha — respondeu polidamente. — Aconteceu alguma coisa entre vocês?
— N-não! Quer dizer, ela está diferente, por isso achei que aconteceu alguma coisa.
— Fica tranquilo, se for de Deus, nada vai impedir — ela disse e eu gelei, tentando entender seu comentário.
Ela se afastou e eu fiquei parado refletindo no que ela disse.
Lembrei-me da missão e da oração que fiz sobre ela. Eu pedi a Ele que tornasse Anne a minha esposa um dia, e, de repente, aqui está ela.
Tudo estava confuso. Algo se agitou em meu coração deixando-o disparado e eu senti um calafrio. Tão rápido, senti dentro de mim algo que eu costumava sentir antes, uma sensibilidade e uma imensa vontade de orar sobre essa situação. Eu queria ali, naquele momento, saber o que Ele quer comigo e o que quer de mim. O porquê trouxe Anne para a minha vida e se Ele iria tirá-la de mim assim como tirou o meu avô e Julia Henning, se eu me aproximasse dela.
Quanto mais o meu coração se agitava, mais fraco eu ficava. Eu lutei de todas as formas para tirar tudo isso da cabeça. Apertei os olhos, engoli em seco e me afastei do cinema, deixando-os para trás.
Enquanto eu caminhava pelo shopping, na minha mente só vinha uma frase que eu nunca ouvi antes, como se fosse alguém em uma voz audível falando dentro de mim:
"Primeiro Deus vai sacudir, para depois pôr em ordem".
E isso não saiu da minha cabeça, até que desbloqueei o celular, coloquei uma música e conectei o fone sem fio, me forçando a esquecer tudo aquilo: a descoberta de que Anne estava mexendo comigo, e Deus.
— Eu não acredito que você fez a gente vir até aqui te procurar — ouvi a voz de Marcos se aproximando depois de uns meros minutos que eu me afastei deles.
Arqueei as sobrancelhas quando eu vi que estavam todos juntos me procurando.
Eu estava sentado em um banco no meio do shopping escutando música. Depois que Marcos falou, eu tirei o fone e me levantei.
— Perdão, eu tive que fazer uma ligação, por isso me afastei.
Eu não pude falar a verdade, seria ridículo.
— Mas você está bem? Está estranho — Sara perguntou e Micael olhou torto para ela.
— Sim, obrigado — respondi. — Vamos?
— Na verdade, Isaque, estamos pensando em comer uma pizza — disse Samuel.
— Aqui no shopping mesmo — Melissa completou.
Eu não ia conseguir ficar perto de Anne depois de tudo isso que eu senti. E aquela frase que não saía da minha mente, me deixou confuso.
— Eu vou ter que ir, porque tenho umas coisas para resolver ainda hoje — proferi diretamente.
— Você que sabe — disse Marcos.
— Então, nos vemos amanhã — disse Melissa com um sorriso meigo.
— Até amanhã, Isaque — Sara disse.
Micael, Samuel e Layla se despediram também e se afastaram, ficando apenas Marcos e Anne.
— Então... É melhor não jantarmos amanhã — disse Anne se aproximando de mim.
Novamente senti o frio na barriga que estava me irritando.
— É melhor não, Anne — respondi gentilmente.
Ela apenas forçou um sorriso e se afastou, com peso no olhar.
— Cara, o que aconteceu? — Marcos perguntou enquanto andávamos.
— Quase nos beijamos no cinema.
Ele arregalou os olhos, incrédulo.
— Por isso estão agindo assim um com o outro? Era para ser diferente, e não os dois se afastando de repente — ele disse e eu refleti.
— Eu preciso me afastar porque... — pensei bem antes de falar. — Porque estou confuso, Marcos.
— Eu acho que você está começando a gostar ela.
— Não, isso não — neguei, mesmo sabendo que o que Marcos falou era verdade.
— Cara, você até parou de se relacionar com Gabriela e Helena, e com as outras milhares — disse e eu o repreendi com o olhar.
— Não exagera, Marcos. Eu só não queria mais iludir nenhuma das duas.
— Mas, tudo isso é só por causa de Anne, ou vai negar?
— Marcos, é o seguinte — parei e ele parou também, prestando atenção. — Depois que essa garota entrou em minha vida, eu tenho ficado confuso. Eu orei por ela um dia, e de repente ela está aqui, junto comigo, e cada vez mais que eu me aproximo dela eu sinto algo diferente por ela que não sei explicar. E hoje, depois de muito tempo, senti aquela mesma coisa que eu senti depois do acidente.
Marcos arqueou as sobrancelhas.
— Aquela sensação de Deus falando com você? — indagou e eu assenti.
— Porém, dessa vez eu senti meu coração acelerar e um calafrio, e quando eu estava andando, algo ficou em minha mente e eu não consigo esquecer.
— Fala logo, Isaque, está me deixando curioso.
— Primeiro Deus vai sacudir, para depois pôr em ordem — repeti o que ouvi em meu coração.
— Isaque, entenda que você era íntimo de Deus e tinha um relacionamento com Ele. Ele te quer de volta e está tentando abrir os seus olhos — declarou, me levando a refletir. — Ele falou em seu coração porque sabe que você conhece a voz dEle, e, talvez, Ele queira dizer que primeiro vai mexer com algumas coisas em sua vida para depois colocar tudo em ordem, não acha?
Fiquei pensativo por alguns segundos, mas nada fazia sentido para mim.
— Não, Marcos, eu não quero voltar — falei decidido, voltando a caminhar.
Ele revirou os olhos.
— Por que não volta para igreja aos poucos? Dá um passo de cada vez, cara — insistiu.
— Marcos, dá pra parar de insistir? — indaguei.
Ele balançou a cabeça em negativa.
— Com relação à Anne, acho bom você ter cuidado para não ferir o coração dela, até porque, ela não é qualquer pessoa.
— Eu sei, por isso vou me afastar.
— Se afastar vai resolver o quê, Isaque? Só vai magoá-la.
— Eu não quero um relacionamento agora, muito menos com uma mulher cristã que vai insistir para me levar para igreja. Já basta você insistindo todo dia — revirei os olhos.
— Faça como quiser, mas um dia você vai se arrepender de tudo isso — ele disse enquanto chegávamos perto do elevador do shopping.
— Você vive dizendo isso.
— Até um dia acontecer — proferiu, se afastando. — Até amanhã, Isaque.
Marcos voltou para o shopping e eu entrei no elevador para ir ao estacionamento.
Minha cabeça estava cheia e eu percebi que foi uma péssima ideia vir para esse cinema. Descobrir que realmente eu estava gostando de Anne e sentir novamente aquela sensação no meu coração, criou uma grande confusão em minha mente. Eu só conseguia pensar em fazer uma coisa: tentar beber para esquecer.
Porém, nem isso eu conseguia.
Dirigi até o Mexican Bar, parei o carro em frente e entreguei a chave ao manobrista. Entrei no lugar sem pensar duas vezes. Estava cheio, mulheres por todos os lados, pessoas conversando e bebendo, uma agitação barulhenta que me incomodava, mas eu estava tão atordoado que precisava distrair a minha mente.
Sentei-me no banco frente ao grande balcão que era servido às bebidas e pedi um Martini. O barman prontamente colocou a taça e a bebida alcoólica dentro.
Encostei a bebida na boca e senti o cheiro forte do álcool. A última vez que eu bebi, fui recompensado com um grande acidente que me deixou entre a vida e a morte, mas, dessa vez, eu iria desafiá-la. Mesmo sentindo uma forte repugnância só de encostá-la na boca, bebi um gole e senti ela queimar em minha garganta descendo direto ao meu estômago. Tomei outro gole e, assim, sequei a taça.
Pedi uma dose de uísque e virei o copo de vez, sem sentir aversão. Depois de um tempo e de outras doses, uma mulher aproximou-se de mim, sentando-se ao meu lado. Ela era uma bela morena de cabelos escuros e cacheados. Seus olhos eram grandes e castanhos, mas não brilhavam como os pares de olhos azuis que não saíam da minha cabeça.
— Está sozinho? — ela perguntou, aproximando-se do meu ouvido, com uma voz sedutora.
Eu poderia tê-la naquela noite. Levá-la para um hotel ou ir para a sua casa e ter uma boa noite de prazer e esquecer-me de tudo o que aconteceu.
Olhei para ela e senti seus lábios se aproximarem dos meus enquanto sua mão subia para o meu cabelo, segurando-o com desejo.
Enquanto sentia seu beijo, minha mente travava uma batalha interminável. Seus lábios desciam para o meu pescoço e meus pensamentos fugiam para uma outra pessoa. Eu não conseguia tirá-la da minha mente junto com uma forte dor que estava em minha cabeça.
Gentilmente, afastei a moça e pedi licença, levantando-me dali. Ela ficou desapontada, mas eu não senti nenhum desejo sequer por ela, nem por nenhuma outra mulher que estava ali, me fitando com os olhos, mesmo sabendo que eu poderia voltar para casa acompanhado, como acontecia antes.
Paguei pelas bebidas e fui em direção à saída, procurando o contato de Marcos no celular, com uma visão turva.
— Marcos, não posso dirigir, bebi demais — falei saindo do local, quase fechando os olhos. — Estou com uma maldita dor de cabeça.
— Onde você está, Isaque?
— Mexican.
— Estou indo aí, não dirija, por favor.
Desliguei a ligação.
Depois de um tempo, Marcos chegou com Melissa e desceram do carro. Ele pediu o meu carro ao manobrista e Melissa levou a Maserati, enquanto eu fui com Marcos no carro dele.
— Está ficando doido, Isaque? — Marcos vociferou. — Você nem bebe desde o acidente e agora está se embriagando, cara!
— Fala baixo, minha cabeça está doendo — proferi com uma mão na cabeça, apoiando o braço na janela.
— Você estava se aproximando da mulher que um dia pediu a Deus, o próprio Deus falou em seu coração hoje, e você coloca tudo a perder assim?
— Marcos, por favor, minha cabeça está estourando!
— Certo, Isaque, mas amanhã a gente conversa.
— Você não é meu pai — grunhi, fechando os olhos lentamente e enfrentando a dor horrível.
— Pelo menos dessa vez você me ligou, e não dirigiu inconsciente para sofrer um acidente e quase perder a vida. Mesmo assim, cometeu a loucura de beber e se embri...
À essa altura eu nem conseguia entender o que Marcos estava falando, eu só conseguia pensar em Anne, e, mesmo não estando com ela, eu conseguia sentir o seu cheiro doce e marcante.
Enquanto eu relembrava do nosso quase beijo, eu apaguei completamente.
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