Capítulo 06 | Arrogante
Anne Green
Por sorte, ele não retornou.
Enquanto dirigia, a voz de uma missionária ecoava pelo sistema de som, com uma clareza quase intimidadora. Suas palavras eram firmes e eloquentes, embora eu desconhecesse seu nome.
Quando parei no sinal vermelho, próximo ao restaurante, uma frase dela me acertou em cheio:
“Primeiro Deus vai sacudir, para depois pôr em ordem.”
Minhas mãos apertaram o volante e, por um segundo, me senti conectada àquela mensagem. Lembrei da oração que havia feito antes, do alívio que veio logo após. Seria aquilo um aviso? Um sinal de que algo estava prestes a mudar?
O restaurante à minha frente era impressionante, uma construção de vidro que refletia o céu e cercado por um jardim perfeitamente aparado. O estacionamento, no entanto, estava cheio. Todos os espaços ocupados. Senti um aperto no peito ao perceber que Isaque estava, afinal, certo. Julguei-o mal, e o peso disso caiu sobre mim.
Um funcionário uniformizado se aproximou com passos leves, e eu abaixei o vidro suavemente.
— Senhora, infelizmente estamos sem vagas no estacionamento — disse ele com um sorriso polido, quase desculpando-se.
Antes que eu pudesse responder, ouvi uma sequência de buzinas atrás de mim. Meu coração acelerou, e ao olhar pelo retrovisor, lá estava ele: Isaque, sentado em sua Maserati, com aquele sorriso que misturava provocação e confiança. O mesmo manobrista foi até ele, e Isaque, com a calma de quem já sabia o desfecho, desceu do carro entregando as chaves e ajustando os óculos de sol com um gesto casual.
Quando ele se aproximou do meu carro, senti meu corpo reagir involuntariamente. O ar pareceu se densificar. O cheiro amadeirado do seu perfume, misturado ao calor do momento, provocava em mim uma confusão de sensações. Quebrando o orgulho, abaixei o vidro mais uma vez. Eu sabia que ele estava certo, mas não queria dar o braço a torcer.
Ele se inclinou sobre a janela, perto o bastante para eu sentir a proximidade calorosa de sua presença. Seus olhos, protegidos pelos óculos escuros, carregavam um brilho triunfante.
— Já te conheço o suficiente para saber uma coisa sobre você — disse ele, num tom baixo e carregado de uma tensão velada.
— O quê? — minha voz saiu mais hesitante do que eu queria.
— Você é teimosa, moça. — O sorriso dele se alargou, e por mais que eu quisesse resistir, um sorriso tímido escapou dos meus lábios. Baixei a cabeça, tentando disfarçar as bochechas ruborizadas.
A proximidade entre nós era quase palpável. Meu coração estava acelerado, e a presença dele era uma corrente de eletricidade que me deixava sem fôlego.
— Eu pensei que você estava sendo... — comecei, sem coragem de terminar.
— Arrogante? — completou ele, com um riso discreto que me fez querer me esconder. Assenti, envergonhada.
— Se me conhecesse melhor, saberia que não sou arrogante — continuou, sua voz baixa o suficiente para ser quase um sussurro. Ele estava tão perto que a gravidade do momento parecia me puxar para mais perto. Queria desaparecer, mas ao mesmo tempo, havia uma sensação nova e incontrolável.
— Mas você tomou decisões por mim, sem me consultar — atirei, tentando recuperar um pouco de controle.
— Que decisões? — perguntou ele, confuso, mas interessado.
— Como afirmar que eu viria com você a esse restaurante e querer que eu viesse no seu carro. Você nem me perguntou se eu queria.
Isaque passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os com um charme descuidado antes de tirar os óculos e me encarar diretamente. Seus olhos, livres agora, eram como uma tempestade que eu não podia evitar.
— Você está certa. Me perdoe. Fui rápido demais. — Ele ergueu as mãos em sinal de rendição, mas seus olhos diziam outra coisa. Algo que me fez estremecer. — Prometo pegar leve na próxima vez.
Meu sorriso foi involuntário, desarmado. Ele retribuiu, mas seu sorriso parecia diferente agora, carregado de algo mais profundo. O silêncio entre nós não era mais desconfortável; era carregado de uma tensão latente. Ele me olhou de um jeito que fez o ar ao redor vibrar, e eu sabia que ele sentia o mesmo. Desviou o olhar com uma leve hesitação, como se percebesse que estava indo longe demais.
— Se quiser, pode descer do carro. O Levi estaciona para você em um local próximo — disse ele, apontando para o manobrista.
— Levi?
— O rapaz que te atendeu. Confia em mim dessa vez?
Havia um desafio naquela frase, algo que me provocava a ceder. Suspirei, pegando minha bolsa e olhando no espelho interno para ajeitar meu cabelo. Eu sabia que o olhar dele estava em mim, e isso só aumentava a tensão que já se formava entre nós. Quando tirei o cinto de segurança e me preparei para sair, ele já estava ali, segurando a porta com uma cortesia de um cavalheiro.
— Obrigada — murmurei, sentindo que algo mais profundo havia sido despertado entre nós, algo que eu ainda não sabia se estava pronta para enfrentar.
Ele assentiu e chamou Levi, que rapidamente entrou no meu carro e o levou para um lugar que eu desconhecia. Mesmo com a incerteza, decidi dar esse voto de confiança a Isaque.
Enquanto caminhávamos em direção à entrada do restaurante, ele quebrou o silêncio com uma pergunta casual:
— Ah, quase me esqueci... vi uma ligação perdida sua.
Por um instante, achei que ele não daria importância, mas me enganei. Não podia mentir, não seria justo comigo mesma. Já havia errado ao julgá-lo, mentir agora seria ainda pior.
“Sempre a verdade, Anne, sempre a verdade”, pensei, tentando reunir coragem.
— Foi sem querer — respondi, tentando ser breve, embora meu coração estivesse acelerado. A verdade era que meu dedo tinha deslizado enquanto eu admirava sua foto de perfil, mas preferi não entrar em detalhes.
— Salvou meu contato? Vamos precisar nos falar, já que vamos trabalhar juntos nos próximos dias — disse ele, com um tom que carregava uma intimidade inesperada.
Senti um calafrio correr pela minha espinha ao pensar nisso.
Quando chegamos à recepção, ele se dirigiu ao homem de terno preto e cabelos grisalhos, com a postura firme que eu já começava a reconhecer.
— Campbell, mesa reservada no meu nome — falou, com sua voz grave e segura.
O recepcionista indicou o caminho para o andar de cima, e começamos a subir uma escada que parecia interminável, talvez pela conversa desconcertante que seguia.
— Como conseguiu meu número? Só por curiosidade — perguntei, sem conseguir disfarçar a ponta de desconfiança.
— Perdão, moça — ele brincou, levantando uma sobrancelha, provocador. — Não sabia que você não queria que eu tivesse seu número.
— Não disse isso. — Me mantive firme, apesar do clima descontraído. — Só fiquei curiosa, é tudo.
Ele deu de ombros, com um sorriso travesso nos lábios.
— Sou seu supervisor, lembra? Tenho suas informações de contato — respondeu, deixando claro o óbvio, mas havia algo mais no ar, algo não dito.
O curioso era que, mais cedo, ele tinha insinuado não saber quase nada sobre mim, e agora confessava que já tinha todas as minhas informações. “Ah, então era isso”, pensei, com um certo divertimento interno. Ele estava sondando algo a mais, querendo saber se eu estava disponível.
Um dia, talvez eu o lembrasse dessa pequena contradição. Mas, por hoje, preferi deixar passar, absorvendo o calor do momento.
— Não tinha pensado por esse lado — murmurei, tentando soar indiferente, mas ele riu, o som suave e desconcertante, como se soubesse exatamente o efeito que causava em mim.
Finalmente chegamos ao andar de cima, e logo senti os olhares estreitos voltados para nós. Gabi se levantou, chamando a atenção dos que estavam na mesa, e puxou a cadeira ao seu lado, claramente esperando que Isaque se sentasse ali.
Nos aproximamos, e ele cumprimentou a todos com uma confiança natural.
— Essa é a Anne. Trouxe-a para que vocês possam conhecê-la. Ela fará parte da nossa equipe — ele me apresentou de forma formal, apesar de a atmosfera parecer de intimidade entre eles.
Sorri timidamente, tentando conter o nervosismo.
— Seja bem-vinda, Anne. Já nos encontramos no escritório — disse Marcos, levando um copo de água aos lábios.
— Também nos vimos no corredor, mas não me apresentei formalmente — acrescentou a mulher que havia me alertado sobre Isaque mais cedo. Ela se levantou e estendeu a mão. — Sou Sara.
— Prazer — respondi, apertando sua mão com um sorriso educado.
— Só falta o Daniel e a Melissa — comentou Marcos, olhando ao redor. — Gabi, você já conhece a Anne?
— Sim, nos conhecemos no escritório também — Gabi respondeu, mas seu tom carregava um desdém indisfarçável.
— Sente-se, Anne — disse Isaque, puxando a cadeira que Gabi havia reservado para ele, mas agora a oferecia para mim.
O olhar furioso que ela nos lançou foi inconfundível, mesmo que tentasse disfarçar.
— Obrigada — murmurei, sentando-me ao lado de Isaque, enquanto ele ocupava o assento entre mim e Sara.
— Onde está Daniel? — perguntou Isaque, dirigindo-se aos demais.
— Aqui — uma voz grave soou atrás de mim, e virei-me para ver quem era.
Aquela voz era conhecida.
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