Capítulo 02 | Paradigmas
Anne Green
— Não vai se apresentar, moça? — perguntou ele, sem desviar o olhar, a voz grave e firme ressoando, fazendo um arrepio percorrer meu corpo diante de sua presença impactante.
— A-a... — tentei responder, mas minha voz falhou, enquanto ele arqueava uma sobrancelha, me observando com uma curiosidade que me deixou ainda mais tensa.
Por um momento, esqueci até o meu próprio nome.
— Anne Green — consegui finalmente dizer, quase num sussurro.
Ele sorriu de lado, e aquele sorriso foi o suficiente para me desarmar completamente. Era um sorriso discreto, mas cheio de charme e mistério. Eu queria entender mais sobre ele, decifrar o que aquele sorriso escondia.
Ele abaixou a cabeça, rindo baixo.
— Nervosa? — perguntou. — É seu primeiro dia, relaxe um pouco.
— Não... — tentei responder com firmeza, buscando um ar de calma. — Estou ofegante porque corri do estacionamento até aqui... — acrescentei, tentando aliviar a tensão.
Uma mentirinha que certamente entraria para minha lista de pedidos de perdão.
— Sei... — zombou ele. — Você é a garota da igreja que meu pai lidera e foi indicada para o cargo de Assistente Financeiro, certo? — disse, abrindo uma pasta sobre a mesa. — Talvez você já saiba quem eu sou, mas vou me apresentar. — Ele se levantou e caminhou em minha direção.
As borboletas voltaram e senti minhas bochechas corarem. Ele era alto e, não dava para negar, claramente mantinha a forma física, o que confirmava o que Layla havia mencionado.
Ele vestia uma calça social azul-marinho e uma camisa branca de botões. No pulso, um relógio dourado, e nos pés, tênis brancos que combinavam perfeitamente com o estilo casual, mas elegante.
— Sou Isaque Campbell, e serei seu supervisor — disse, estendendo a mão.
O aperto de mão foi firme e demorou alguns segundos a mais do que o necessário, tempo suficiente para que eu fosse completamente envolvida pelo seu perfume e notasse, de perto, o quanto ele era ainda mais impressionante. Seus olhos cor de mel pareciam brilhar ainda mais de perto, e seus traços eram simplesmente impecáveis, como uma obra de arte.
"Senhor, como o Senhor foi generoso ao criar esse homem!" pensei.
Quando ele soltou minha mão, desviei rapidamente o olhar, observando o ambiente ao nosso redor.
A sala refletia sua personalidade. Tons de preto predominavam na decoração, com um design moderno e minimalista. Armários cinza contrastavam com a mesa escura de madeira, e uma bancada atrás da mesa dele tinha uma máquina de café expresso e alguns biscoitos. A TV na parede lateral completava o ambiente, enquanto duas mesas, uma em frente à outra, ocupavam o centro do escritório.
A outra mesa, sem dúvida, era a minha. Mas, para meu azar, não havia máquina de café na bancada atrás da minha mesa. Isso significava que, toda vez que quisesse café, teria que passar pela mesa dele. Ou seja, eu não ia tomar café!
O escritório não era grande, mas tinha um ar acolhedor. O cheiro fresco de um ambiente bem ventilado misturava-se com um leve aroma cítrico de produtos de limpeza. Tudo ali transmitia a personalidade dele — organizado e meticuloso, cada objeto em seu lugar, sem nenhum traço de desordem. Era evidente que ele valorizava a ordem e a limpeza, o que só reforçava a imagem de um homem disciplinado e focado.
— Vou trabalhar aqui? — perguntei, embora fosse óbvio.
Ele coçou a ponta do nariz, colocando a outra mão no bolso da calça.
— Sim, nessa mesa, bem de frente à minha.
Ótimo. De frente para ele. Como eu iria me concentrar?
— Fique à vontade — disse ele, voltando para seu lugar.
Ao me sentar na minha mesa, dei uma olhada discreta para Isaque. Era impossível não reconhecer o quão atraente ele era. Eu relutava em admitir, mas ele era, de fato, um homem impressionante, como Layla já havia comentado.
Mas eu sabia que precisava manter meus princípios em mente. Isaque Campbell não compartilhava minha fé, e nunca respeitaria meus valores. Minha oração naquele momento foi para que eu fosse capaz de resistir a qualquer tentação de me deixar envolver pelo filho do pastor Jean.
Decidi que manteria a maior distância possível de Isaque, limitando nosso contato ao estritamente profissional. Qualquer outra interação só aconteceria se fosse para falar de Jesus.
Organizei meus materiais e respirei fundo, tentando acalmar meus pensamentos. A sala estava em silêncio, exceto pelo som dos dedos de Isaque teclando no notebook. Ele parecia profundamente concentrado, com alguns fios de cabelo caindo sobre a testa enquanto seu maxilar tenso indicava que estava lidando com algo sério.
Eu sabia que precisava perguntar o que deveria fazer a seguir, já que era meu primeiro dia, mas ele parecia tão concentrado que fiquei receosa de interrompê-lo. Ainda assim, não podia perder tempo nem parecer inexperiente.
Criei coragem.
— É... — pigarreei, tentando formular a pergunta. Ele ergueu uma sobrancelha, me observando com curiosidade.
— Sei quais são minhas funções, mas por onde devo começar?
— Pela pasta que está em cima da sua mesa — disse ele, apontando para uma pasta branca com o logotipo da “CG Company”.
Abri a pasta e encontrei uma série de documentos e números. No final, havia um contrato.
Olhei novamente para Isaque, que ainda me observava.
— Esses são os balanços patrimoniais da empresa — explicou ele, fechando o notebook. — Sua tarefa é analisar os dados destacados e transferi-los para a planilha no computador. Depois, revise o contrato no final e veja se está de acordo com as normas da empresa. Assine com seu nome, sobrenome e o código do seu crachá. Carimbe e me entregue quando terminar.
Engoli seco. Eu já tinha experiência com finanças, mas lidar com as demonstrações contábeis de uma empresa como a GC Company era algo totalmente novo para mim. E sobre as normas da empresa... ele não me passou nenhuma informação detalhada.
Isaque Campbell era exatamente como me haviam descrito: sério e disciplinado. A forma como falava e sua postura indicavam que ele não era apenas mais um executivo. Eu sabia que teria que seguir as orientações do pastor Jean, mas não imaginei que também teria que lidar com o famoso filho pródigo do pastor, que, por coincidência, tinha a mesma idade que eu.
Meia hora havia passado, e eu ainda estava na metade da planilha. Eram tantos números e dados que exigiam atenção que parecia que nunca terminaria.
Isaque levantou-se da cadeira com um suspiro, sentindo o peso nos ombros aliviar levemente. Caminhou até o balcão, pegou um copo de água e observou as gotas de condensação escorrendo lentamente pela superfície fria.
— Então você é da igreja que meu pai lidera — afirmou, tomando um gole d'água enquanto se encostava na mesa, ficando de frente para mim.
Levantei a cabeça, tentando controlar o nervosismo que me travava sempre que ele falava comigo.
— Isso.
— Como está lá? — perguntou com um meio sorriso.
— Bom... — franzi os lábios, pensando. — O ministério de jovens está crescendo, vai ter o retiro Celebrando a Bondade de Deus na Flórida mês que vem, algumas pessoas novas entraram, outras saíram...
— Retiro Celebrando a Bondade de Deus... — ele repetiu, pensativo, com um sorriso surgindo nos lábios.
— Você que criou esse retiro há dois anos — comentei, sorrindo de lado. Ele me encarou.
— O que andam dizendo sobre mim?
— Que você é o filho pródigo, a ovelha perdida — disse, antes de me dar conta de que talvez tivesse falado demais. Ele riu, balançando a cabeça.
— Filho pródigo e ovelha perdida — repetiu, com um sorriso no rosto. — Eu não estou perdido — deu um passo em direção à minha mesa. — Só me encontrei em um mundo fora de paradigmas — disse, com um sorriso fingido.
Suas palavras me atingiram: "um mundo fora de paradigmas". Era claro que ele se referia à igreja, a um mundo sem regras a serem seguidas.
Ergui as sobrancelhas, intrigada.
— Você acha que ser cristão é entediante? — perguntei, cruzando as mãos sobre a mesa, tocando num ponto sensível.
— Eu não disse isso. Falei sobre paradigmas — respondeu, sentando-se na ponta da minha mesa. — Onde o mesmo ciclo se repete, mas no final, não muda nada.
— Ciclo? — questionei. — Está se referindo à fé?
— Exato. O ciclo de acreditar, criar expectativas, esperar, se decepcionar e, no final, nada do que você esperava acontece.
Eu via em seus olhos uma certa amargura que ele tentava esconder, mas que transparecia. Havia algo que o machucava profundamente.
— Você conhece a história de Jó, Sr. Campbell? — perguntei. Ele franziu o cenho.
— Claro que conheço. — Sua voz carregava uma ponta de desdém. — Jó era um homem íntegro, testado por Satanás com o consentimento de Deus, que permitiu que ele sofresse.
— Mas ele permaneceu fiel a Deus, e no final, Deus o abençoou, restituindo tudo em dobro — argumentei, agora com coragem suficiente para encará-lo nos olhos.
— Sim, mas com filhos diferentes, uma nova família. — Ele protestou. — Como você acha que Jó se sentiu ao perder os filhos que ele amava tanto?
— Como o próprio Jó disse: Deus deu, Deus tirou. E ainda assim ele glorificou a Deus.
Isaque se inclinou sobre a mesa, ficando ainda mais próximo de mim, os olhos apertados de curiosidade.
— Me diga uma coisa, Anne — ele falou, com a voz firme. — Se Deus já sabia que Jó seria fiel, por que permitir que ele sofresse tanto?
Respirei fundo, pronta para defender minha fé.
— Porque precisamos adorar a Deus pelo que Ele é, não pelo que Ele faz. Foi isso que Jó demonstrou. Na riqueza ou na pobreza, na dor ou na alegria, ele manteve sua vida dedicada a Deus.
Ele deu um sorriso irônico, afastando-se.
— Nem todos têm a paciência de Jó, Anne.
— Não se trata de paciência, Sr. Campbell. Trata-se de fé.
Ele arqueou as sobrancelhas, mas não respondeu. Voltou para sua mesa, deixando um silêncio pesado no ar.
Voltei meus olhos para a tela do notebook, mas minhas mãos tremiam, e meu coração batia rápido. Desde criança, sempre tive facilidade em falar sobre Deus, mas com Isaque Campbell parecia diferente. Havia algo nele que o distanciava de tudo aquilo que um dia ele acreditou. Trabalhar com ele seria um verdadeiro desafio.
Olhei para ele disfarçadamente e o vi perdido em pensamentos, encarando a Palmeira Chamaedorea ao lado da minha mesa, com um olhar distante e pensativo.
Alguns minutos depois, eu estava totalmente concentrada nas planilhas quando percebi que Isaque ajeitou a postura, apoiou os braços sobre a mesa e começou a me observar por alguns segundos. Sua voz grave quebrou o silêncio, chamando minha atenção.
— Percebi que começamos de maneira errada.
Franzi a testa, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
— Como assim?
— Meu pai simplesmente te colocou aqui, mas não me deu nenhuma informação sobre você, nem seu currículo. E como seu supervisor, preciso saber mais sobre você. Afinal, vamos trabalhar juntos — comentou, casualmente.
Eu achei estranho. Ele, sendo meu supervisor, deveria, sim, ter essas informações, então não acreditei muito nessa explicação.
— Pode perguntar o que quiser — respondi.
Enquanto eu o observava, notei algo que chamou minha atenção: uma Bíblia, meio escondida na bancada atrás dele. Será que ele lia ou estava ali apenas por estar?
— Qual a sua idade? — ele começou, me tirando dos meus pensamentos.
— Vinte e cinco.
— Formada em quê?
— Administração, com pós em Gestão Financeira.
Ele assentiu e, então, fez a próxima pergunta, que me surpreendeu.
— Tem filhos?
O encarei de volta, intrigada. Até aquele momento, suas perguntas pareciam seguir um padrão profissional, mas essa desviou.
— Não.
— Casada?
— Não.
— Namorando?
— Não — respondi, franzindo as sobrancelhas. "Namorando?" Por que ele precisaria saber isso?
— Por que isso é importante? — perguntei, um tanto desconfiada.
Ele deu um meio sorriso.
— Vamos trabalhar juntos, e é bom nos conhecermos, não acha?
Sorri discretamente, balançando a cabeça em negativa. Havia algo de casual demais na maneira como ele perguntava.
— Seria contra as normas perguntar ao meu supervisor as mesmas coisas que você me perguntou? — brinquei.
Ele riu, relaxado.
— Eu também sou um funcionário desta empresa — respondeu, simpático. — Tenho vinte e cinco anos, sou formado em Administração de Empresas, Gestão Financeira, Relações Internacionais, e fiz alguns outros cursos.
— E…? — indaguei, curiosa, aproveitando a oportunidade.
— E o quê? — ele perguntou, com um sorriso de canto.
— Você me perguntou mais coisas — comentei, com um brilho nos olhos e a boca franzida, esperando suas respostas.
Ele sorriu.
— Não tenho filhos...
Justo quando ele estava para continuar, a porta se abriu, interrompendo-o. Eu, curiosa para saber sobre seu status de relacionamento, me peguei decepcionada pela interrupção, e, ao mesmo tempo, lembrei a mim mesma de que deveria manter minha interação com Isaque no nível estritamente profissional.
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