Capítulo 49 - Tarde investigativa
4760 Palavras
Para meu alívio, essa semana passou muito mais rápido do que eu esperava. A cada novo dia, eu ficava bem mais ansiosa para chegar sábado e começar minhas pesquisas com Tamires.
Sei que não fui discreta. Meus pais foram os primeiros a reparar como eu estava tão empolgada com algo, e sem dar muitos detalhes, disse que tinha marcado de sair no sábado. Eles não perguntaram mais nada, mas ficaram estranhando toda minha animação.
Com o pessoal da faculdade foi quase a mesma coisa, não demorou para eles repararam que eu estava estranhamente mais animada que o normal. Marina até achou que eu tinha marcado algo com Brian, e apesar de eu ter negado, ela continuou acreditando nesse palpite.
Bem que eu gostaria mesmo que fosse mais um dia com meu ex-guardião, seria perfeito para matar toda a saudade que tenho dele, mas não. Hoje é algo completamente diferente.
Nem mesmo Brian sabe o que estou planejando para hoje.
Pego minhas coisas e a pasta com as informações dos pacientes, jogo tudo dentro da minha bolsa e saio correndo de casa, xingando baixinho por ter me enrolado e estar saindo muito em cima da hora. Espero não chegar muito atrasada, por sorte nosso ponto de encontro não é muito longe daqui de casa e posso fazer o caminho de metrô.
Ando apressada rumando para o shopping, olhando em volta me certificando que Ricardo não está em nenhum lugar. Desde aquele dia da discussão ele não apareceu mais e nem mandou nenhuma mensagem, mas tenho a impressão de que ainda pode não ter aceitado essa nova realidade, e eventualmente pode dar as caras novamente.
Apesar de que ainda não são nem nove horas da manhã, e está fazendo um baita frio e ventando bastante, tanto que precisei sair de casa muito bem agasalhada com uma camisa de manga longe, uma pesada blusa de capuz, um calça leggin por baixo do meu jeans, além de um par de botas cano médio, tudo para não ficar doente.
O céu cinzento e o incessante vento frio me fazem tremer, mas também me trazem o pensamento que Ricardo não apareceria tão cedo e muito menos num clima desses.
Não o vejo vindo de nenhum lugar, então me permito respirar aliviada e continuo seguindo meu caminho. Acho que estou pensando demais e ficando paranoica com isso, mas o que fazer se cada vez mais tenho a sensação de estar sendo observada?
Vai saber se Ricardo virou um daqueles perseguidores malucos que acham que tem a posse de alguém, e está me seguindo por todo lado. É bom não bobear com isso e estar prevenida, até por esse tipo de situação, e também para me livrar de assaltantes e agressores, que não desgrudo das minhas runas e do meu colar de forma nenhuma.
Se bem que é estranho... Em várias vezes me sinto observada mesmo quando estou na sala da faculdade, no mercado, no ônibus e metrô, ou até mesmo dentro de casa, lugares que ele não teria como entrar... Pelo menos não com tanta facilidade.
Não tenho mais pesadelos, mas no lugar tenho a sensação de ser observada...
Tudo bem que eu poderia só ignorar isso, mas acontecendo tantas vezes e ainda mais depois do que vivi nos últimos meses, só deixar pra lá é um pouco difícil.
Pode ser bom avisar Brian que estou com essa sensação ultimamente, só por via das dúvidas.
Mandarei uma mensagem assim que entrar no metrô, mas sinceramente, espero que tudo isso seja apenas paranoia minha e não esteja acontecendo nada de fato.
Caminho apressada pela estação, olhando de um lado ao outro repetidas vezes. Estou alguns minutos atrasada, e o pior é que não encontro Tamires em nenhum lugar desde que saí do vagão, talvez ela esteja me esperando lá fora.
Vou apressada até as escadas rolantes, e já chegando ao topo consigo vê-la falando ao celular, e pela sua expressão e as risadas, ela parece estar bem animada. Tomara que não esteja brava comigo por ter me atrasado quase vinte minutos.
- Desculpa a demora, acabei me enrolando um pouco. – Digo de imediato assim que me aproximo dela em passos largos.
- Que isso Clara, tá tudo bem. – Ela diz tranquilamente, me pedindo para esperar com um gesto e apontando ao celular em seguida – Só vou terminar aqui... Carol? Então, preciso ir, tenho que resolver algumas coisas... À noite eu te ligo e ai conversamos mais, quero saber mais desse seu novo namorado... Tá bom já sei, ele não é seu namorado e nem seu ficante, mas você fala tanto dele, e tão empolgada, que até parece que vocês namoram... Aham, claro... Foi a mesma coisa quando você estava com o Edan, não pense que eu esqueci disso... Ta bom, vou fingir que acredito... Se você for encontrar com o pessoal hoje, manda um beijo para todo mundo, e fala que estou com saudades deles... Ta bem, se cuida. Até mais tarde Carol...
Rindo ela desliga e guarda seu celular no bolso detrás de sua calça. Tentei não prestar atenção na conversa, mas admito que falhei miseravelmente.
- Prontinho, estava só sendo atualizada das fofocas da melhor amiga. – Ela se justifica dando uma risada, e vamos andando em passo lento para fora da estação.
- Relaxa, sempre bom uma fofoca de vez em quando. – Ergo os ombros rindo. – Principalmente se envolve supostos novos namorados.
- É, mas a Carol está mantendo segredo... – Tamires faz uma careta antes de continuar – Ela não diz nada sobre sentir alguma coisa, nem disse o nome desse cidadão... Mas vive falando dele em vários momentos... Então fico com minhas suspeitas.
- Ela te da motivos para teorizar essas coisas. – Ergo os ombros rindo, pescando a pasta da minha bolsa para consultar o primeiro endereço.
Tamires olha para a pasta com curiosidade, acompanhando enquanto tiro as folhas – Você trouxe todos?
- Sim, achei melhor trazer. – Passo uma das folhas para ela – Eu olhei os endereços, essa é a pessoa mais próxima daqui.
Após alguns segundos analisando a folha, Tamires retorna seu olhar a mim – Certo, vamos usar a desculpa de sermos enviadas de algum psicólogo?
- Isso, tipo assistentes ou estagiárias. – Aponto um campo na folha que Tamires segura – Por sorte, também temos o nome dos psicólogos que atenderam as pessoas.
- Ótimo, já torna nossa história mais convincente. – Tamires comemora – Sabe como chegar nesse endereço?
- Sei, pesquisei enquanto estava em casa. Não é muito longe daqui. – Digo seguindo na frente, pegando meu celular e abrindo o mapa, onde já havia deixado o mapa separado. – Da pra irmos andando.
- Os outros endereços também são perto daqui? – Ela pergunta e posso enxergar a esperança no fundo dos seus olhos. Não respondo com palavras, mas sim com uma leve careta – Já entendi. Teremos que andar muito hoje.
- Infelizmente. – Ergo os ombros e ofereço um sorriso – Com sorte, conseguiremos falar com mais da metade dessas pessoas hoje.
- Mesmo se não falarmos com todos, se as coisas que descobrirmos nos der alguma direção, já será um ótimo avanço. – Concordo com a cabeça, afinal ela está certa.
Vou ditando o caminho e seguimos conversando algumas coisas aleatórias, e em pouco tempo chegamos a uma rua residencial, local do primeiro endereço marcado. A casa a qual procuramos é bem na esquina, e por sorte bem longe da movimentação causada por vários garotos jogando bola um pouco mais a frente.
A casa em si tem uma pintura bege bem feita e parece ser recente, e está toda fechada, e tem um longo corredor a sua esquerda. Ela é rodeada por altos muros cobertos por plantas trepadeiras, possui uma larga garagem coberta que devem caber pelo menos dois carros, além de estar bem decorada com vários vasos com várias plantas diferentes.
Tamires e eu trocamos um rápido olhar, e voltamos nossa atenção à folha – É aqui... Dolores, trinta e sete anos, teve sua consulta com o doutor Lucas e já tem um histórico de consultas com o mesmo para cuidar de uma crise de autoestima, e surtos de raiva... – Tamires comenta em voz baixa, erguendo seu olhar para a garagem vazia – Espero que ela esteja em casa.
- Também espero. – Concordo tocando a campainha, imediatamente escutando latidos vindos de dentro da casa, me dando a esperança de haver alguém.
Os latidos continuam por e parecem se aproximar, até que a porta é finalmente aberta. Quem surge é um rapaz moreno que aparenta não ter mais de dezoito anos, um pouco gordinho mas bem bonito. Ele veste uma camiseta preta surrada com a estampa de um filme, uma calça moletom cinza e um par de chinelos, além de ter um poodle nos braços que é a causa de tantos latidos incessantes.
Desconfiado, ele nos observa alguns segundos – Pois não? O que querem? – Meu Deus, o garoto tem uma voz forte que não combina nada com a aparência jovem dele.
- Estamos procurando à senhora Dolores. Ela se encontra? – Digo com firmeza.
- Sobre o que se trata? – Ele questiona olhando de mim a Tamires algumas vezes, enquanto tenta silenciar os latidos do cachorro afagando sua cabeça, resultando em diversas mordidas leves em sua mão.
- É sobre a consulta que ela fez recentemente com o doutor Lucas. – Tamires é quem se pronuncia agora. – Ele nos pediu para vir verificar como à senhora Dolores está.
- Ué... – Ele aperta seu olhar – Se era só isso, não seria mais fácil nos ligar, ou então mandar uma mensagem?
Tento pensar em uma resposta, mas Tamires se adianta – O doutor está com o horário muito apertado, e os sistemas não estão operando muito bem devido a uma pane.
Ele balança a cabeça, parecendo acreditar na nossa história – Tudo bem... Irei chamar minha mãe, só um instante. – Diz e entra novamente em casa.
- Mandou muito bem no convencimento. – Sussurro para Tamires.
- Acho que tive sorte. – Ela me responde rindo baixo.
Não esperamos muito tempo, e uma mulher aparece na porta. Ela tem exatamente os mesmo traços do garoto que apareceu momentos antes, com a diferença de ela parecer bem mais tranquila em relação a nós.
- Bom dia, como posso ajuda-las? – Ela diz sem se se afastar da porta.
- Viemos a mando do doutor Lucas, somos estagiárias assistentes dele. – Digo e ela pareceu surpresa depois de ouvir o nome do psicólogo. – Senhora Dolores?
- Sim, sou eu mesma. – Ela aproxima devagar, enquanto que o rapaz de antes aparece na porta mantendo seus braços cruzados e nos encarando fixamente. – Já fazem alguns dias que tive minha consulta com o doutor Lucas, o que se trata?
- Ele queria saber se está tudo indo bem depois que teve sua consulta. – Ela olha de mim para Tamires algumas vezes – Se importa se fizemos algumas perguntas? Garanto que não tomaremos muito do seu tempo.
Ela assente, parando bem próxima do portão – Tudo bem, o que querem saber?
Sem esperar Tamires retira um caderno de anotações junto de uma caneta de sua bolsa, voltando seu olhar a mulher. – A senhora já tem um histórico de consultas com o doutor, certo?
Foi uma surpresa Tamires começar com essa pergunta. Eu podia jurar que ela começaria indo direto ao ponto e perguntando algo relacionado ao Cara do Casaco, e ver ela usando uma outra abordagem foi inesperado. É um alívio saber que ela não foi afobada como estive esperando.
- Sim, mas é um histórico antigo. – Começa a falar, um pouco pensativa – Eu estava há quase um ano sem precisar passar por novas sessões de terapia.
- Para cuidar da sua autoestima e dos picos de raiva, correto? – A mulher confirma com a cabeça, mantendo um olhar curioso – Em relação a isso, como se vê hoje em dia?
- Surpreendentemente bem. – Responde com um meio sorriso – Desde as últimas consultas que tive, eu já me sentia muito melhor comigo mesma. Passei a me aceitar e me valorizar muito mais e criei uma visão positiva sobre mim mesma, e também toda a raiva acumulada em mim desapareceu... Adotei alguns comportamentos para seguir me cuidando, e não tive nenhuma recaída desde então.
- Esses são ótimos sinais. A senhora seguiu se cuidando e a melhora se tornou permanente. Está de parabéns por sua atitude... – Tamires elogia em um sorriso discreto a qual é retribuído pela mulher. Já eu observo atentamente como a garota está conduzindo essa conversa – Mas houve um retorno recentemente... Se não apresentou uma recaída, o que a motivou a voltar?
Lanço um olhar rápido a Tamires, vendo como ela conseguiu chegar ao assunto que tanto queria sem perder tempo. É impressionante que até os olhos dela parecem brilhar nesse instante.
A mulher hesita um segundo, parecendo escolher suas palavras. E atrás dela, reparo que seu filho permanece parado na porta, e ele endureceu seu olhar ainda mais do que antes.
- Foi uma coisa muito estranha. – Diz após longos segundos – Na sexta feira, alguns dias antes de ir a consulta, comecei a ter estranhas alucinações.
- Alucinações? – Questiono, e Tamires começa a anotar em seu caderno.
- Sim. – Dolores vira seu olhar a mim – Eu senti que havia algo... Ou alguém, muito perto de mim, me observando sem parar. De começo achei que estava imaginando coisas, mas...
- Mas? – Ergo uma sobrancelha e olho para Tamires de soslaio.
- A sensação não parava, ela continuou... Imaginei que isso iria passar no decorrer do dia, só que foi o contrário, ocorreu uma piora constante. – A mulher solta um pesado suspiro. Por sorte, ela ainda parece estar confortável em continuar falando – A partir do sábado não só sentia uma presença, mas eu já enxergava vultos em vários momentos... E a partir de domingo, depois de passar duas noites em claro, passei a enxergar silhuetas do nada. Pensei estar enlouquecendo.
- Espera... Silhuetas? – Tamires aperta os olhos – A senhora se lembra como elas eram?
- Um pouco... – Dolores torce a boca – A princípio parecia um tipo de espectro sem cor e sem forma, mas com o passar das horas ele foi se moldando, até aparentar ser um homem, mas toda vez que tentava focar nessa alucinação, ela se dissipava.
Tamires parou de escrever e observa a mulher fixamente, ela sequer piscava. Um toque de telefone vindo de dentro da casa parece despertá-la para voltar a suas anotações, ao mesmo tempo em que o rapaz entra em casa apressado.
- E essas visões duraram somente até domingo? – Tamires pergunta sem erguer seu olhar.
- Não, elas foram até segunda. – Dolores hesita um momento – Eu estava trabalhando, quando as silhuetas voltaram a aparecer... Só que dessa vez elas não desapareciam, continuavam ali, paradas me observando, e só desapareciam quando eu me aproximava... Não aguentei mais e corri para o consultório do doutor Lucas...
A mulher para de falar de repente, e seu olhar vai ao chão. Tamires e eu nos entreolhamos, esperando que Dolores continue.
- O mais estranho aconteceu pouco antes de eu chegar ao consultório. No caminho, vultos surgiram novamente, e imagens saltavam diante de mim, cada vez mais pareciam me perseguir, e eu estava perto de surtar, quando... – Ela respira fundo – Quando eu paralisei de repente. O céu se tornou vermelho sangue, o mundo ao meu redor se transformou em uma floresta cinzenta cheia de neblina. Então um homem apareceu por entre as pessoas, idêntico ao que eu enxergava naquelas malditas alucinações... Ele veio caminhando na minha direção e passou por mim, quando consegui me virar, coisa de um segundo depois, ele e toda a floresta havia desaparecido.
- A senhora lembra como era esse homem? Como ele se vestia? – Tamires pergunta sem espera.
Tamires e eu nos olhamos mais uma vez. É a confirmação que precisamos – Não me lembro de seu rosto... Mas lembro como se vestia. Era uma camisa havaiana, bermuda jeans e um sobretudo todo preto.
É ele. É o cara do casaco, ele tem mesmo relação com tudo isso.
- Depois disso, o que aconteceu? – Pergunto, vendo que Tamires ficou atônita.
- As alucinações sumiram depois disso... Eu me recompus e fui correndo ao consultório, tive que esperar por causa da lotação, e... – Dolores olha fixamente para mim – Espera, acho que lembro de você... Você estava saindo do prédio na hora que cheguei.
O que ela diz me soa familiar, e uma memória me vem como um estalo. Realmente, na hora que estava saindo do prédio, lembro que uma mulher passou apressada por mim, mas mal prestei atenção nela...
Antes que eu diga qualquer coisa, ela volta a falar – Enfim... Demorei um pouco para ser atendida, mas no geral... Foi isso.
Tamires termina de anotar algumas coisas em seu caderno – E depois da consulta com o doutor Lucas, essas alucinações voltaram a acontecer?
Ela balança a cabeça negativamente – Não, nunca mais aconteceu nada desse tipo.
- Entendo... – Tamires fecha seu caderno – Agradecemos pela sua atenção senhora Dolores, caso esse tipo de situação volte a ocorrer, não hesite em entrar em contato.
- Tudo bem, eu quem agradeço a atenção que o doutor está dando a situação. Em qualquer novo sinal disso se repetir, entrarei em contato. – Ela da um sorriso sincero.
Tamires assente sorrindo – Agradeço novamente, tenha um bom dia.
Nos viramos e seguimos de volta pelo caminho por onde viemos. Tamires guarda seu caderno e a caneta novamente na bolsa enquanto suspira profundamente.
- Bem, já confirmamos algo... – Comento observando Tamires correndo a mão pela testa.
- Realmente o cara do casaco está enfiado nessa história. – Responde pensativa, erguendo seu rosto por um momento – Me pergunto se todas as pessoas que visitaremos hoje passaram por algo parecido com o que Dolores disse.
- É bem provável Tamires. A julgar como o consultório estava movimentado na última vez que fui, nem duvido que ele tenha culpa. – Ergo meus ombros – Agora é esperar ter sorte com as próximas pessoas.
A garota me sorri – Que todos sejam tão receptivos como essa Dolores foi.
- Aliás, você se saiu muito bem nas perguntas. – Digo e ela começa a rir.
- Além de descobrir mais do Cara do Casaco, essa também é uma ótima oportunidade de ir treinando para quando me graduar como psicóloga... – Me diz em um tom animado – Pretendo aproveitar bem essa chance.
- Muito bom saber disso, vou te deixar falando tudo com as pessoas, enquanto eu só irei observar e escrever no caderno. – Tamires começa a gargalhar com meu comentário, e acabo contagiada por sua animação.
- Prefiro que me ajude fazendo algumas perguntas. – Ela rebate e rimos, enquanto pego a pasta da minha bolsa – Quem é a próxima pessoa? Fica muito longe daqui?
- Deixe-me ver... – Sussurro pegando a próxima folha e observando alguns segundos – Rogério, quarenta e dois anos e... Vamos precisar pegar um ônibus.
- Tudo pela pesquisa. – Responde preguiçosamente, me lançando um aceno positivo.
Guardo novamente a pasta na bolsa e seguimos para o ponto de ônibus, dispostas a continuarmos com nossas pesquisas ao máximo que pudermos.
Em passos curtos caminhamos para fora do terminal, rumando em direção à casa de Tamires para revermos todas as informações que reunimos hoje. Conseguimos falar com sete pessoas, e outras duas não estavam em casa... Ou não quiseram nos atender.
Seja como for, vamos apenas revisar tudo e então irei para casa. Já é fim de tarde, então espero não demorar muito para não ficar tarde demais para voltar... Se bem que, graças à runas, até tenho uma boa segurança para andar sozinha mesmo de noite, mas é bom não abusar da sorte.
O vento frio toca meu rosto e o gelado espalha pela minha pele. Encolho-me dentro da minha blusa e tento me aquecer como posso, mas isso não adianta muito para conseguir escapar de todo o frio, que está ainda pior do que mais cedo, isso sem mencionar que o ar parece pesado.
Viro meu olhar para Tamires, ela está revendo rapidamente as várias anotações que fez, e pela sua expressão, sua mente está trabalhando sem parar em algo que não sei o que é. Imagino como ela deve estar se sentindo depois de hoje, e de tudo que reunimos.
Estávamos certas em nossas suspeitas, o Cara do Casaco está mesmo envolvido em toda essa história maluca. As pessoas que conversamos passaram por experiências um pouco diferentes, mas todos iniciaram na sexta feira e em algum momento começavam a alucinar com a aparição dele, até que por fim o encontravam...
Aconteceu alguma coisa nessa sexta-feira, e não restam dúvidas do envolvimento desse homem.
Além disso, agora e em vários momentos que Tamires fazia suas perguntas às pessoas, o que ocupava meus pensamentos é o que a fez querer entrar nisso tudo. Sei que ela já me contou seus motivos uma vez, mas não consigo acreditar totalmente neles.
Já refleti a respeito várias vezes... E não foi preciso muito para reparar que suas razões parecem pequenas demais para se arriscar da maneira como faz, ainda mais para descobrir coisas sobre alguém que a própria descreveu como um monstro.
Pensando nisso por mais uma vez, sei que ela esconde algo, tanto de mim como de Ferdinand... E não faço a menor ideia do que seja.
- Escuta... – Começo a falar, atraindo seu olhar – O que espera descobrir?
- Alguma coisa que me leve ao Cara do Casaco... Qualquer coisa que seja... – Tamires responde sem sequer hesitar, virando seu olhar a mim. – E você? O que espera descobrir?
Abaixo o olhar por um momento – Eu apenas quero ver e saber mais sobre o Abismo.
- Você teve problemas com um dos seres do Abismo... – Sigo olhando para ela – Ferdinand me contou, sei que aquela criatura não existe mais, e agora você está livre. Normalmente as pessoas tentam evitar o que causou o problema... Então, por que deseja saber mais do Abismo?
- Acho que em partes, é porque não sou normal. – Ergo os ombros e sorrio mais a mim mesma do que para ela – Você também teve problemas, e mesmo assim continua atrás de saber mais.
- É... Acho que nós duas não somos muito normais. – Tamires diz com um sorriso animado.
Assinto balançando a cabeça de leve – Sim, mas meu principal motivo é que isso já se tornou parte da minha vida, não consigo mais deixar pra lá nem fingir que isso nunca existiu. Mesmo com cada perigo que passei, aprendi muito sobre algo que nunca imaginei existir, e isso me preencheu de uma forma que eu não esperava... Eu não sabia descrever, mas foi uma emoção única que nunca imaginei ter na vida.
Tamires me olha atentamente, com uma genuína curiosidade estampada em seu rosto. Ela até poderia fingir não estar interessada no que digo, mas seu olhar é capaz de entregar como ela está atenta a cada palavra que digo... Verdadeiramente atenta e interessada.
- Depois que tiraram a entidade de mim e pude voltar a minha vida antiga, uma estranheza nasceu dentro de mim... Parecia faltar algo nos meus dias. – Suspiro sabendo que tudo que posso estar dizendo é uma verdadeira maluquice, principalmente depois do que vivi – Depois de tudo, só aceitar voltar à vida normal é entediante. Eu sentiria um vazio dentro de mim, bem maior do que já sinto hoje.
Tamires assente sorrindo sinceramente – Eu entendo... E como te entendo.
- Seja sincera comigo... – Digo erguendo o rosto e contendo meu riso – Acha que sou louca por pensar assim?
- Está perguntando pra pessoa errada Clara. – Tamires leva as mãos aos bolsos e ergue seus ombros – Não sou a mais indicada pra te responder, afinal estou atrás de alguém que faz meu corpo inteiro tremer de medo.
- Essa é uma maneira de dizer que também se acha louca? – Questiono.
A vejo sorrindo de canto e abaixando o olhar. – Exatamente... Se bem que não te vejo como uma louca. Você possui uma vontade diferente das outras pessoas e para mim, essa diferença é algo normal, e ao mesmo tempo uma coisa boa... Sabe, o normal não está no comum e nem na igualdade, mas sim nas diferenças.
- Concordo. – Digo pensativa – Seguindo essa lógica, nenhuma de nós é louca.
- Muito obrigada por tirar esse peso dos meus ombros. Estava cogitando passar por uma consulta com Ferdinand. – Tamires solta uma risada.
- Te recomendo muito fazer uma consulta. Você acabaria a consulta com uma coisa maluca atrás do seu pescoço. – Brinco e ela gargalha animada.
- Dispenso a consulta pelo bem da minha integridade. – Tamires sorri de canto – Já basta uma coisa maluca atualmente.
Chegamos a uma rua bem iluminada, de um lado da rua estão várias casas, e do outro um condomínio com três prédios bem altos. Não escuto nada além do som de grilos e algum carro passando em uma rua próxima daqui. Ela pega uma chave do bolso e paramos em frente ao portão do condomínio.
A entrada, igual à rua, é bem iluminada. A minha frente está pequena escada e um corredor de pedras claras, rodeado por uma cerca viva abrigando um jardim de gramado baixo e várias flores em seu interior. A minha esquerda está a portaria, e mais a esquerda o estacionamento.
Avançamos para dentro do prédio, indo direto para os elevadores. Cruzo os braços e continuamente olho ao meu redor, aqui está bem vazio e também quieto demais, por algum motivo isso me causa uma sensação estranha.
O elevador apita e as portas abrem. Entramos e Tamires aperta o botão do andar e aos poucos o elevador sobre. – Você mora com seus tios, não é? – Questiono a acompanhando com o olhar.
- Sim, quando minha tia ficou sabendo que passei no vestibular e viria para São Paulo, ela conversou com meu tio e concordou na hora para que eu viesse. – Responde abraçando a si mesma tentando se aquecer.
- E eles pegam muito no seu pé? – Ergo uma sobrancelha.
- Não muito. Eles não dizem nada sobre sair para andar de skate e desestressar, nem sobre questão de horários, dizem que se meu rendimento em aulas continuar bom, não tem o que reclamar. – Diz acompanhando o painel eletrônico – Só eram um pouco chatos sobre eu escutar música alta depois de certo horário, porque podia incomodar os vizinhos e eles serem multados por isso.
- Nossa. – Ergo as sobrancelhas.
- Por sorte, nunca cheguei ao ponto de render uma multa a eles. – O elevador apita e as portas abrem, dando em um andar igualmente quieto.
- E eles não se incomodam por você trazer visitas? – Pergunto a acompanhando até a porta de um dos apartamentos.
- Eles nunca falaram nada de nenhuma pessoa que eu trouxe... Então na ausência de reclamações, acho que não se incomodam. – Diz pensativa, destrancando a porta – Pode entrar, só não repara a bagunça.
- Licença... – Sussurro entrando, estranhando de imediato o cômodo estar tão escuro. A pouca iluminação vem do lado de fora pela porta recém aberta.
- Ué que estranho. A lâmpada queimou? – Ouço Tamires dizer e me viro a ela, a observando ligar e desligar o interruptor várias vezes. – Aliás, está quieto... Será que meus tios saíram?
- Não... Eles estão apenas descansando... – Escutamos bem próximo de nós, e um profundo calafrio sobe minha espinha.
Meu corpo por inteiro treme, e de um momento ao outro sinto que a pressão que havia antes ficou ainda mais pesada, mal consigo me mexer. A expressão de Tamires é de assombro e como eu, ela parece presa no lugar.
- Notei que estavam atrás de mim o dia inteiro... – A luz retorna aos poucos a sala devido a uma energia enegrecida de desprender suavemente da lâmpada e seguir até a palma de um homem que nos encara com um sorriso tranquilo, de sobretudo enegrecido envolto de uma densa aura de escuridão – Pois bem, estou aqui agora.
O cara do casaco.
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