Capítulo 46 - Passeio na Paulista
5540 Palavras
Confirmo uma última vez as mensagens que troquei com Jeniffer e o local onde vamos nos encontrar, e me preparo para sair de casa.
Achei que ela não estava falando sério quando comentou de nos encontrarmos no fim de semana para jogar conversa fora. Eu mesma já havia me esquecido disso, e quarta-feira ela mandou mensagem perguntando se eu estava afim de sair sábado.
Como não tinha nada para fazer em casa e nem marquei nada com ninguém, aceitei de prontidão, e aqui estou eu pegando minhas coisas, prestes a sair de casa.
Da janela do quarto verifico o clima. O céu está aberto e com algumas nuvens, apesar de ventar bastante, está bem quente. Sei que talvez eu vá me arrepender dessa escolha, mas escolhi vestir um jeans claro e uma camiseta de manga média para cobrir minhas cicatrizes e evitar olhares desagradáveis, já basta os que eu tenho que lidar na faculdade. Além disso, não sei que horas volto para casa, e se continuar ventando desse jeito até mais tarde, então por via das dúvidas é bom eu levar uma blusa.
Pesco uma blusa leve no meu guarda-roupa e a encaixo na bolsa. Fecho tudo, pego minhas coisas e saio. Tenho que lembrar de mandar mensagem para meus pais avisando que saí e volto mais tarde. Farei isso quando estiver no metrô.
A tarde está agradável e bem leve, perfeita para sair mesmo. Se não fosse pelo convite de Jeniffer, é bem provável que eu passaria o sábado inteiro assistindo televisão.
Além disso, é uma boa chance de saber como Ferdinand e Brian estão. Não tenho mantido contato com Ferdinand, não por falta de vontade minha, mas simplesmente já não tenho um motivo para conversar com ele com qualquer frequência que seja.
Já com Brian a coisa muda. Gosto dele e até inventaria motivos para manter contato, mas estamos nos falando muito pouco desde a última vez que nos vimos. A última coisa que falamos foi sobre ele estar pesquisando alguma coisa envolvendo uma pessoa que apareceu no consultório de Ferdinand, mas não parece ser nada que envolva se tornar um guardião outra vez... Pelo menos, ele não disse nada sobre isso.
Admito sentir uma leve ponta de ciúme ao imaginar ele se tornando guardião de outra pessoa, ou sendo mais específica, de outra garota. É melhor não pensar demais nisso e acabar paranoica.
De qualquer jeito, não deixo de pensar que isso está me causando uma estranha sensação de estarmos nos afastando bem mais depressa do que eu já imaginava... Apesar de que eu sabia que isso poderia acontecer.
Voltei a minha vida normal, e ele voltou à vida dele.
Pertencemos a mundos opostos, e não existe nada que nos mantenha ligados um ao outro.
Preciso entender logo que ficar repensando isso não vai me levar a lugar nenhum, talvez só me traga dor... Só que não nego, já sinto saudades do meu ex-guardião.
Ai ai... Supera Ana Clara... Supera...
Saberei se Brian e Ferdinand estão bem, e ponto. Só quero saber isso. Tentarei não prolongar o assunto a respeito deles mais do que o necessário... Além do mais, tem bem mais coisas para conversarmos, sem falar que Jennifer propôs uma caminhada pelo parque Trianon, e mais tarde visitarmos o Mirante 9 de julho.
Aos poucos os barulhos da avenida vão aumentando à medida que vou me aproximando. Apresso meu passo para chegar logo à estação Campo Limpo, senão vou acabar enlouquecendo com esse calor. Até penso em cortar caminho por dentro do shopping, mas isso pode acabar me fazendo perder muito tempo, como já aconteceu outras vezes.
Sigo pela lateral do shopping e, inevitavelmente, acabo observando o estacionamento. Me vem a lembrança de quando Brian me entregou as runas, por mais que seja uma rápida e simples recordação, é o bastante para apertar meu peito.
Balanço a cabeça algumas vezes, afastando todos esses pensamentos como consigo. Alcanço a passarela e sigo para a estação a minha frente, convicta de que irei me distrair essa tarde.
As portas abrem e desembarco na estação da linha verde, encarando fixamente meu celular sem nenhum sinal de internet. Eu esperava confirmar se Jeniffer já havia chego, mas sem o celular para ajudar, precisarei procurar sozinha.
Vou andando pela plataforma, dando algumas voltas tanto procurando por Jeniffer, quanto para me distrair um pouco. Acabo me dando por vencida de não encontra-la em nenhum lugar, e vou para as catracas. Do outro lado das catracas, consigo vê-la distraída, encostada em uma parede e concentrada em seu celular.
Passo pela catraca e sigo até ela – E ai, demorei muito? – Pergunto assim que me aproximo, e causando um leve susto em Jeniffer.
- Nada, chegou até rápido. – Ela me oferece um largo sorriso, retirando um fone do ouvido que eu sequer havia notado e me dando um rápido abraço. – Vamos?
- Com certeza, onde primeiro? – Questiono a observando, já rumando juntas para a saída da estação Trianon.
A mulher baixa o rosto em uma expressão pensativa – Então... Eu pensei no parque primeiro porquê ele fecha "cedo", e de lá, vamos para o mirante. Tudo bem por você?
- Por mim está ótimo, contanto que não sejam muito longe um do outro. – Digo e assumo uma postura preguiçosa.
Jeniffer começa a rir – Mas Clara, é um do lado do outro. Nem cinco minutos andando.
Faço uma careta, que logo se desmancha quando Jeniffer gargalha animada, e contagiada pela sua animação começo a rir também enquanto saímos da estação.
- Tudo bem, não sendo longe, acho da pra aguentar. – Digo brincalhona. – Aliás, pergunta besta, mas por que o mirante vem depois?
- Porque a vista no anoitecer fica muito melhor do que agora. – Ela sorri de canto.
- Se está dizendo, vou confiar. – Ergo os ombros rindo.
- Pode confiar, vale a pena esperar pelo anoitecer. – Ela ergue seu olhar – Dependendo de como for à tarde de hoje, talvez umas 17h já comece a ficar bonito.
- Me avise, você que conhece como funciona por aqui. – Ergo uma sobrancelha.
Ela balança a cabeça – Que isso, só vim aqui algumas várias vezes.
Rio alto – Fala como se fosse pouco.
- Mas é... Bom, mais ou menos. – Comenta segurando o riso, me apontando um lugar gesticulando com o rosto – Aliás, vou te situar, olha o MASP ali na frente. O parque está aqui desse lado da avenida, ali naquela parte arborizada bem de frente para o MASP. E o mirante está atrás do museu.
- Tudo perto assim? – Ergo bem as sobrancelhas, e ela assente – Uau, perto mesmo... E como conheceu esse lugar?
Jeniffer solta uma risada – Está perguntando como eu conheci a Paulista?
Dou uma risada junto – Não, me refiro à como conheceu esse parque que estamos indo. A Paulista é algo que quase todo mundo da capital deve conhecer.
- Conheço desde bem nova. – Ela fica pensativa, juntando as sobrancelhas. Jeniffer mantem a expressão alguns segundos enquanto adentramos o parque em passos lentos – A primeira vez que vim aqui... Acho que foi com uns colegas de escola, foi pra andarmos de uma ponta a outra da Paulista, nem paramos pra ver nada... Só fui conhecer de verdade quando voltei aqui com um ex-ficante, e isso foi muitos meses depois.
Vou concordando balançando a cabeça – Ai pegou gosto, e não parou mais de vir.
- Mais ou menos. – Ela começa a rir e aperta os olhos em diversão – Depois que vim com esse ex-ficante, fiquei muito tempo sem voltar aqui. Só voltei anos depois, quando estava no segundo colegial, e foi com outro ex-ficante.
- Nossa, outro? – É tudo que minhas risadas me permitem dizer.
- Sim, despois desse segundo ex-ficante, eu peguei costume de vir aqui no parque ou lá no mirante toda vez que venho na Paulista, porque o passeio daquele dia foi tão bom, que me marcou bastante – Ela comenta e assinto – Ai depois, voltei aqui com mais um ex-ficante.
Começo a gargalhar, encurvando o corpo para frente – Meu Deus Jeniffer, um terceiro? Com quantos ficantes você voltou aqui?
Ela pausa um momento, contando nos dedos rapidamente – Quatro... Não, cinco! Só que um deles foi tão ruim, mas tão ruim, que eu prefiro nem contar... Então são quatro mesmo.
Não consigo falar, respiro fundo tentando conter meu riso enquanto sigo olhando para Jeniffer.
- Que foi? – Ela pergunta rindo junto – Se o passeio rende, então vale a pena repetir com mais de uma pessoa, isso poupa o esforço de ficar inventando lugares pra sair toda vez...
Reflito um momento sobre isso que ela acabou de dizer – É, vendo por esse lado, faz sentido.
- Então. – Jeniffer sorri de canto e balança a cabeça – Mas só foram esses quatro mesmo, de restante vim aqui só com amigos... Já até passei uma virada de ano aqui na Paulista, e fiquei com uns amigos lá no mirante até altas horas da madrugada.
- Mas só uma vez? – Ergo as sobrancelhas – Apesar de muito lotada, a virada de ano por aqui parece ser sempre tão boa... Tanto que sempre tive vontade de vir.
- É boa, o problema é que é muito cansativa. – Jeniffer me olha de canto – Eu não venho mais porquê desgasta muito. Eu passei o primeiro dia do ano exausta, e quando fui trabalhar depois, ainda não estava tão bem... Então se você for vir, se prepara porquê você vai ficar destruida.
- Ta bem... E falando em trabalho, você não precisava trabalhar hoje? – Pergunto erguendo uma sobrancelha.
- Hoje não. Estava marcada vistoria e higienização geral do prédio para hoje... Então, liberaram folga para todos. – Ela diz animada, esticando os braços acima da cabeça – Bem que eu estava querendo uma folga mesmo... O único problema é que todo o trabalho que teríamos hoje foi jogado pra segunda-feira.
- E se essa segunda for igual a da semana passada, será mais um dia puxado. – Digo pensativa, seguindo Jeniffer pela Paulista.
- Vira essa boca pra lá Clara. – Jeniffer balança uma mão, fazendo uma careta misturada a uma expressão divertida – E você nem sabe, esteve à semana inteira cheio daquele jeito. – Ergo as sobrancelhas e fico boquiaberta com o que acabei de ouvir.
Aperto os olhos lembrando como o consultório estava lotado – Só consigo comparar com como esteve vazio das outras vezes que fui lá, tanto que nem demorava para eu ver o Ferdinand. Falando assim, pareceu até outro lugar.
- Não é? – Jeniffer torce a boca e suspirando cansada – E é muito difícil ficar daquele jeito.
- Mas o que aconteceu pra ficar tão lotado? – Questiono encarando Jeniffer fixamente – Deu pra ver que aquilo não parecia nada normal.
-E não era mesmo. Algumas daquelas pessoas estavam ali para seguirem com as consultas já marcadas. Mas a maioria surgiu de repente, alguns eram pacientes bem antigos, e ficou o dia todo daquele jeito. – Jeniffer confirma em tom sério – E Ferdinand disse que a maioria daquelas pessoas relataram a mesma coisa.
- O que? – Pergunto curiosa e tensa ao mesmo tempo tensa.
- Sensação de estarem sendo observados e alucinações em diferentes lugares, mas chegou um ponto em que todos disseram que enxergavam uma coisa em comum. – Ela aperta a boca e suas sobrancelhas juntam – Enxergavam um céu avermelhado, flashes de uma densa floresta. E por fim, os observando por entre as pessoas, estava um homem de casaco negro.
O que? O cara do casaco?
- Ele outra vez... – Digo a mim mesma, mas alto o bastante para que Jeniffer escute e me observe – Uma pergunta. Pessoas de todos os dias disseram isso?
- Acho que foi, não sei direito. Ferdinand me contou sobre isso somente na quarta-feira. Por que? – Ela pergunta se espreguiçando outra vez.
- Já encontrei com ele antes, na viagem que fizemos a praia, e Tamires estava junto quando ele apareceu... Foi o mesmo dia que ganhei isso aqui – Digo apontando para a cicatriz na minha bochecha. A mulher me olha boquiaberta – Não consigo me lembrar direito, mas tenho certeza que naquela viagem não foi a primeira vez que o vi, e agora várias pessoas o viram também... Por isso, acho que preciso ter uma conversa com Tamires.
- Eu não estava acreditando nisso quando Ferdinand falou. Achei uma coincidência grande demais, que não havia um motivo em especial e Ferdinand estava só brincando. – Em tom pensativo, Jeniffer ergue seu rosto – Mas agora que você acabou de confirmar que também já encontrou esse homem, mudei minha opinião.
Aperto a boca e ergo a cabeça, e por um momento caminhamos em silêncio pelo parque. Meu olhar permanece nas copas das arvores e nos poucos raios de sol que conseguem atravessa-las.
Nossos passos lentos nos levam a uma ponte em meio ao parque, ponte essa que vai por cima de uma avenida não muito movimentada e leva a outra parte do parque. Acho que aqui é o lugar mais bonito e único deste parque.
Debruço os cotovelos na grade, observando alguns carros passando abaixo dos meus pés, e Jeniffer encosta ao meu lado. Minha mente vaga sobre o motivo do cara do casaco voltar a aparecer dessa maneira, e o que isso pode significar.
Se não estou enganada, Tamires me disse uma vez que, quando esse homem começou a surgir na sua cidade, aconteciam coisas semelhantes, ou quase. As pessoas também tinham uma sensação de estarem sendo observadas, e ela também disse que algumas pessoas também tinham alucinações com ele.
Ele sempre está relacionado a coisas malucas, ou é isso que me deu a entender. E pelo encontro que tivemos, tenho a noção de que ele possui uma forte relação com o abismo... Não tenho como negar, isso me deixa bastante curiosa, tentada a saber e descobrir mais.
Saber um pouco mais seria uma forma interessante de continuar minimamente ligada ao mundo sobrenatural... Por mais que, pensando por uma segunda vez, tudo que consigo ver é como isso é uma loucura completa.
Ainda assim, quero falar com Tamires sobre isso... E uma ideia me vem em mente.
- Posso te pedir um favor? – Digo, e Jeniffer me ergue uma sobrancelha, parecendo já imaginar que meu pedido não será dos melhores. – Mas precisará ficar em segredo.
- Depende. Que tipo de favor? – Me pergunta desconfiada.
Hesito um momento juntando as mãos a minha frente, pensando como falar – Existe a possibilidade de você me dar o número e o endereço de algumas dessas pessoas?
Jeniffer junta as sobrancelhas me encarando com estranheza assim que termino de falar. Não deveria me surpreender com essa reação dela, talvez eu reagiria da mesma maneira.
- Não posso! – Ela balança a cabeça negativamente, abaixando seu olhar – Não me leve a mal Clara, não que eu não confie em você ou ache que vá fazer algo de mal a alguém... Na verdade, pelo tanto que ouço de você, sei que não é uma pessoa ruim. Mas não posso passar esse tipo de informação por questão de segurança dos pacientes, e também por ser quebra de sigilo.
Balanço a cabeça negativamente – Tudo bem, eu entendo. Foi uma ideia ridícula mesmo.
- Mas... – Ela volta a falar, cerrando o olhar – Por que quer saber isso?
- Porque eu sou uma das pessoas quem encontrou esse homem pessoalmente, e conheço outra que também o encontrou. – Ergo os ombros – Seria uma forma de tentar reunir mais informações sobre isso, encontrar uma ligação... Quem sabe, ter respostas.
E de quebra, continuar ligada ao mundo sobrenatural de alguma forma, mesmo que isso seja algo maluco e me lance em algo totalmente desconhecido.
- É o mesmo ser que fez aquilo com a Amanda, lembra? – Digo tocando seu braço, a relembrando de quem foi o causador de toda aquela situação com Amanda quando ela desapareceu sem deixar sinais.
Jeniffer encara a rua abaixo de nós por alguns momentos. Seu olhar é reflexivo, perdido em algo que não consigo decifrar. Seu silêncio traz incertezas, talvez esteja realmente cogitando a ideia, ou então pensando na melhor maneira de negar, sem me magoar.
Minha atenção vai para a rua abaixo de nós, e assim ficamos por algum tempo. Acompanho alguns carros que passam e alguns poucos pedestres passando ao longe. Algumas pessoas passam atrás de nós conversando alto, outras baixo, mas estou tão distraída que mal presto atenção no que dizem.
- Posso perder meu emprego se fizer isso. – Ela diz de repente, continuando sem me olhar. – Eu tentarei, mas não vou te garantir nada. Só poderei conseguir algumas informações segunda à tarde, no mínimo...
- O que conseguir, eu irei agradecer muito Jeniffer. – Digo com um meio sorriso.
- Mas só farei se prometer manter segredo. – Ela constata me olhando seriamente.
- Tem minha palavra, não quero espalhar esse tipo de coisa. – Confirmo séria, mas por dentro estou empolgada com isso.
Só espero que Tamires esteja disponível para ir comigo atrás dessas pessoas. Acho que, se tratando do cara do casaco, ela conseguirá um tempo. Se o assunto envolve esse homem, então com certeza interessa a ela ainda mais do que a mim.
Assim que for embora, mandarei uma mensagem para Tamires e tentarei marcar um dia para irmos atrás de mais informações.
- Não vamos ficar só aqui na ponte, não é? – Jeniffer diz de repente, enlaçando meu braço no dela e me puxando, com um novo sorriso no rosto – Vem, ainda está cedo e podemos andar mais. E tem lugares aqui do parque que quero mostrar.
Perdi a noção do tempo enquanto caminhava com Jeniffer no parque. Apesar de não parecer, o parque é bem pequeno. Mas isso não tira em nada a beleza e toda a tranquilidade do lugar.
Após algum tempo andando, escolhemos um banco e nos sentamos para continuar conversando, além de esperar o entardecer enquanto observávamos as pessoas.
Conversamos tanto que mal notei o tempo passando. Já pelas 17h, nos levantamos e fomos devagar em direção ao mirante. Imaginei que com o entardecer, a Paulista poderia estar um pouco menos movimentada, mas aconteceu justamente o contrário. O lugar parece ainda mais amarrotado de gente do que estava antes.
Descendo rua ao lado do MASP, Jeniffer comentou de uma cafeteria no mirante, e que eu precisava experimentar alguma das bebidas. Levada pela empolgação dela, acabei aceitando sua proposta sem nem pensar duas vezes.
Chegamos ao alto de uma escadaria mais lotada do que eu esperava. Daqui do alto das escadas já é uma vista bonita, mas a ponte logo à frente oculta parte do lugar, mas as pessoas não parecem estar incomodadas com isso. Além disso, Jeniffer foi descendo, e apenas a segui.
Alcançamos um lugar completamente decorado com vários quadros pelas paredes. Apesar de cheio, o lugar não deixa de ser agradável em nenhum detalhe. Jeniffer me tira do meu transe, fazendo um gesto discreto apontando para o alto. Olho para o local indicado, e vejo uma imensa torre no topo de um prédio. Jeniffer comenta que se trata de um consulado suíço, e que durante a noite aquela torre é iluminada, e fica uma visão incrível.
Nem fiz questão de esconder minha ansiedade para ver como a torre vai ficar iluminada.
Seguimos nosso caminho até a cafeteria. Jeniffer deu um sorriso amigável ao atendente assim que nos aproximamos, e ele retribui prontamente. Os dois parecem se conhecer bem pela forma que conversam.
Fizemos nossos pedidos, e apesar da variedade daqui, permanecemos nos cafés diferentes que o lugar oferece. Escolhemos uma mesa que acabou de ficar vaga, e nos sentamos, onde posso finalmente aproveitar a visão da Avenida 9 de Julho, que dá nome a esse mirante.
Me perco na vista por alguns segundos, acompanhando os vários carros indo e vindo na avenida. As fontes existentes nas laterais da avenida trazem um charme ainda maior para esse lugar, tudo é tão bonito que não sei para onde direcionar meu olhar. Apesar de ser um ambiente urbano, movimentado e barulhento, não deixa de ser bonito.
- Lindo, não acha? – Jeniffer comenta de repente, atraindo minha atenção.
Sorrio bebericando meu café, aproveitando do maravilhoso sabor encorpado da bebida doce, degustando junto de um suspiro – Com toda certeza. Esse lugar é tudo de bom.
- Eu sabia que iria gostar. – Jeniffer dá um largo sorriso – Mas e ai, me conta... Como está sendo, agora que voltou a vida normal?
- Não está sendo de todo mal. – Respondo erguendo os ombros – A principal vantagem é que estou podendo focar nas minhas aulas, e conseguindo descansar melhor todas as noites.
- Mas isso não é tão ruim, não é? – A curiosidade está nítida na sua voz.
- Com certeza não é ruim. – Dou um meio sorriso, apoiando o rosto na mão – Apesar que sinto falta de algumas coisas... Acho que sou uma estranha.
A mulher cerra seu olhar – Quais coisas?
- Sinto falta de saber mais dessas coisas malucas do sobrenatural, dos treinos que eu fazia para enfrentar a entidade. – Suspiro encarando a mesa – Sinto muita falta do Brian também.
Ela beberica seu café, deixando a xícara de volta na mesa – Você não é estranha Clara, só está com saudade dele e das coisas que fazia antes.
- Mas acho que também sinto falta da tensão, e o receio causado pela incerteza de quando aquela coisa poderia aparecer. – Assim que falo, ela ergue suas sobrancelhas.
- Então, você ainda não é uma estranha. – Jeniffer salta os ombros em um sorriso divertido – Só está com saudade, e é alguém que gosta de viver perigosamente.
Acabo rindo com seu comentário, e viro meu olhar para a avenida.
As luzes se acendem aos poucos, dando um novo visual ao lugar. Os tons amarelados vão desaparecendo no horizonte atrás dos prédios, cada vez mais dando lugar ao profundo azul escuro que aos poucos pinta o céu, as primeiras estrelas já surgem tímidas, juntamente da lua com seu intenso brilho.
A escuridão presente no céu aberto combina perfeitamente com a iluminação presente na avenida. É verdadeiramente uma bela visão – Pode ser. Acho que é entediante voltar à normalidade, depois de viver alguns meses de uma vida cheia de emoções.
- Te entendo. – Ela me da um sorriso sincero – Depois de tudo que você passou, voltar ao comum é bem monótono.
- Sim, está sendo bem assim, e sei lá... – Aperto os olhos, voltando a olhar para Jeniffer – Às vezes me da a sensação de que está faltando algo na minha vida.
- É assim mesmo. – Sorri calmamente, apoiando o queixo sobra a mão e olhando para a janela, contemplando a vista do entardecer. Acabo fazendo o mesmo e admirando a vista – Ainda é uma mudança muito recente e se adaptar nem sempre é tão fácil. Dê mais tempo a si mesma.
- Farei isso. – Digo sussurrando.
As vozes das outras pessoas na cafeteria tomam espaço, juntamente aos barulhos dos carros não muito distantes de nós. Jeniffer e eu permanecemos apenas olhando o lugar e toda sua beleza. Aproveito essa pequena pausa para perguntar sobre algo que evitei pensar o dia inteiro... Ou melhor, alguém.
- Como anda o Brian? – Pergunto, voltando a olhar para a mulher.
Ela não me olha, mas continua sorrindo da mesma forma tranquila – Sinceramente, já estava achando que não perguntaria dele... – Jeniffer sorri, voltando seu olhar para mim – Ele está bem... Só que esses dias, Brian está ocupado pesquisando alguma coisa a pedido do Ferdinand.
- Isso confirma porque ele não está falando tanto comigo nesses dias. – Ergo os ombros.
- E está sentindo falta dele. – Comenta pegando sua xícara e dando um último gole – Ele está do mesmo jeito. E não para de falar de você.
- É sério? – Ergo as sobrancelhas.
- Sim, quando ele faz uma pausa nas pesquisas, sempre comenta algo a seu respeito.
Torço a boca e ergo os ombros – É só uma pena que não estamos nos falando tanto... Mas, fazer o que, não é?
- Isso é temporário. – Ela diz rindo – Assim que estiver livre, ele irá atrás de você.
Ergo uma sobrancelha – Como pode ter tanta certeza?
- Sou a melhor amiga dele há quase dez anos. – Ela me da uma piscada – Conheço e sei bem como Brian funciona, ele vai atrás. Já vi isso acontecendo antes.
- Já? – Sorrio curiosa, pendendo o corpo para frente – E quando foi isso?
- Desde a primeira ficante séria dele lá no colegial, Brian já mostrava ser assim. – Jeniffer se encosta na cadeira, cruzando seus braços – Ele não se soltava muito por não ter nada sério com a garota, afinal ele tinha o péssimo costume de não se achar grande coisa, mesmo assim ele dava suas investidas quando se viam, e dava um jeito de se encontrarem... Fui ver ele realmente indo atrás de alguém com a primeira namorada que teve... Única na verdade.
- E isso faz muito tempo? – Ok admito. Não consigo segurar minha curiosidade sobre isso, quero muito saber mais sobre, por mais que não me leve a lugar nenhum. E Jeniffer reduziu muito minhas perguntas, uma delas seria se Brian já teve muitas namoradas.
- Acho que foi há quatro anos. – Ela diz pensativa. Tenho a impressão de que uma parte de sua animação acabou de desaparecer – Os dois se conheceram no final do ensino médio, mas só começaram a namorar depois, e ficaram alguns anos juntos. Ele se dedicava bastante ao namoro, sempre dava um jeito de conseguir tempo para encontrar com a Karen.
- Karen... – Repito em voz baixa – É um nome bonito.
A mulher da um meio sorriso – Brian gostava dela. Gostava mesmo, de um jeito que nunca tinha visto antes... E Karen também era louca pelo Brian. Não era só uma paixão passageira, entende? Os dois se gostavam de verdade, se amavam, formavam um ótimo casal e... Eles tinham um futuro juntos, um futuro invejável...
- Da pra ver que você também gostava bastante dela. – Digo, estudando como Jeniffer ficou ao começar a falar da ex do Brian. A nostalgia em sua voz é nítida.
- Sim, e como... A Karen era uma ótima amiga. – Seu sorriso aumenta momentaneamente, junto a um riso curto, porém sincero – Fazia amizade bem fácil, conversava bastante sobre tudo, era animada, ria de tudo. Tinha um alto astral muito bom. E principalmente, ela fazia meu melhor amigo feliz, queria ficar com ele independente da situação e construir sua vida com ele... Ela tinha sonhos sinceros com ele... Difícil não gostar dela. – Seu olhar vem a mim – Pensando um pouco, você lembra bastante a Karen.
Essa comparação me pega um pouco desprevenida. Não imaginava ser comparada a uma ex que Brian teve, ainda mais recebendo essa comparação logo da melhor amiga dele. E agora, não sei como reagir a isso. Não sei se é uma coisa boa, ou uma coisa ruim.
Aperto o olhar, sentindo falta de um detalhe crucial. – Espera, mas... Se eram um ótimo casal, o que houve para se separarem?
Jeniffer hesita um momento. – É que, aconteceu uma coisa com ela... – Seu olhar agora muda muito, está melancólico. Ela aperta a boca, e um profundo silêncio se instala entre nós, e isso me deixa extremamente pensativa sobre o que pode ter acontecido entre eles. Jeniffer então sacode a cabeça negativamente – Desculpa, mas isso não posso dizer...
Acabo surpresa com a resposta que tenho dela, tanto que mal consigo responder.
- Prometi ao Brian que manteria segredo sobre esse assunto... – Ela continua falando, e seu olhar cai pela mesa – Se alguém pode te contar sobre isso... Esse alguém é ele, mas é algo que ele mesmo não gosta de falar a respeito... Faz tanto tempo, mas ainda é algo que machuca ele por estar muito vivo em sua memória...
- Tudo bem... Eu entendo. – Digo, começando a refletir sobre tudo que ouvi.
- Mas quero te dizer algo. O jeito que Brian se comporta hoje em relação a você... É muito parecido com o jeito que ele se comportava com a Karen. Pra mim que o conheço há anos, não tenho dúvidas de que ele é mesmo apaixonado por você. – Ela balança a cabeça assentindo de leve. – Então fique tranquila, Brian vai vir até você logo.
Assinto devagar, erguendo os ombros – Confiarei em você. Espero que seja em breve.
Recebo um sorriso de Jeniffer, e voltamos nossa atenção para a avenida. Quero poder aproveitar mais daqui antes de voltar para casa, dando total crédito pela ideia que ela teve de virmos aqui para aproveitar dessa vista. Não me arrependo em nada.
Só que, mesmo que eu queira apenas aproveitar, em meus pensamentos continuo refletindo sobre o pouco que sei de Brian, e com o que acabei de descobrir com Jeniffer.
Imagino quanta coisa Brian ainda deve esconder em seu passado.
Estou em casa, jogada na cama sentindo corpo cansado do dia. Apesar de exausta de ficar até tarde, e me desgastar ainda mais no caminho de volta, não tenho o que reclamar do dia.
Assim que cheguei, não encontrei meus pais. Provavelmente devem ter saído para se distrair da semana também, e irão chegar tarde... Ou talvez, acabem dormindo fora outra vez.
Seja como for, mandei uma mensagem para Tamires avisando dos meus planos e se ela toparia participar, e então corri para tomar um banho quente, coloquei uma roupa leve e vim para o quarto descansar. Estou sem fome nenhuma, então nem fiz questão de jantar... Além que já está tarde, já passou da meia noite.
O sono está cada vez mais perto, mas o toque do meu celular chama minha atenção. Preguiçosamente rolo na cama, alcançando o celular e vendo o que se trata.
Brian: Olá Clara.
Brian: Está acordada?
A mensagem de Brian me desperta na hora. Me sento sobre os joelhos, lendo e relendo essas poucas mensagens com um largo sorriso no rosto, muito igual a uma criança que acabou de ganhar uma caixa de doces.
Ana C: Estou sim.
Ana C: Você deu sorte.
Brian: Por que?
Ana C: Eu estava quase dormindo.
Ana C: Mas me conta, uma mensagem assim tão tarde?
Ana C: O que houve?
Espero, espero, e espero. Brian está online, marca que leu minha mensagem, mas não responde absolutamente nada por algum tempo. Vou olhando os minutos passando e, quando me dou por vencida, deixo o celular na cama e me cubro para dormir, mais uma mensagem chega.
Brian: Estive ocupado essa semana inteira com alguns estudos, como tinha te dito...
Ana C: Sim me lembro. Você está bem ocupado com isso.
Brian: Conversamos pouco esses dias... Senti sua falta.
Brian: Queria saber se está livre para amanhã.
Ana C: Bom, estou sim.
Ana C: É domingo, não tenho nada marcado.
Brian: Quer sair comigo?
Dessa vez sou eu quem não responde. Ele realmente me chamou pra sair?
Olho para a tela, leio e releio a mensagem por diversas vezes, tentando acreditar que isso aconteceu mesmo e não é mais um sonho maluco dos quais sempre estive acostumada.
Deixo o celular na cama e fico de pé, andando de um lado para o outro no quarto. Eu estou empolgada, eufórica com esse convite, muito mais do que já estive em vezes anteriores. Olho para meu celular, e continuo sentindo a empolgação crescendo dentro de mim.
Não sei por quantos minutos ando comemorando de um lado ao outro. Vejo que uma nova mensagem surgiu na tela, me apresso e volto para a cama para ver o que mais Brian me disse.
Brian: Ficou bem quieta...
Brian: Ou isso foi um não, ou acabou dormindo.
Ana C: Definitivamente, estou bem acordada.
Ana C: E não foi um "não".
Ana C: Com certeza sim, eu vou querer sair com você amanhã. Acha que não vou querer?
Ana C: Só foi inesperado.
Ana C: Então, é um sim... Você terminou suas pesquisar e está livre?
Brian: Não exatamente.
Brian: Ainda tenho muita coisa para ver... Mas acho que posso fazer uma pausa pra te ver.
Brian: Quero passar a tarde com você, e te levar a um lugar. Que horário posso te encontrar?
Ana C: Quanto mais cedo, melhor... Por mim, pode me encontrar em casa, antes do almoço.
Brian: Está bem, está marcado.
Brian: Amanhã cedo te ligo... Estou ansioso para te ver.
Ana C: Estou do mesmo jeito.
Sorrio igual uma menina boba, abraçando meu travesseiro enquanto leio as mensagens dele por mais uma vez. Meu coração bate forte, estou animada tanto por agora quanto pelo amanhã, me sinto feliz.
O sono me atinge com cada vez mais força, e mal consigo manter os olhos abertos. Mesmo com o cansaço, minha mente vagueia para amanhã, e o dia que terei com Brian.
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