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Capítulo 44 - Contrato rompido

8685 Palavras

Está ainda está cedo... Bem cedo.

Solto um suspiro pesado, encarando o teto fixamente já por muito tempo.

Hoje fiz questão de tentar acordar o quão cedo eu conseguisse para aproveitar ao máximo até o último segundo com Brian, só que tudo que consegui foi mais tempo para me entristecer.

Pensar que daqui a algumas poucas horas, isso que existe entre nós vai acabar, me causa um sentimento muito estranho.

Daqui a algumas horas, ele não será mais meu guardião... Voltarei a minha vida normal...

Uma parte de mim realmente quer voltar a minha vida normal, ter as preocupações antigas. Só que, isso também significa ficar longe de Brian. Qualquer um pode imaginar que não iremos nos afastar, podemos continuar nos vendo sempre... Mas vivemos vidas muito diferentes.

Realidades que não se encaixam nem um pouco.

"Nós" não é tão simples... Como isso machuca...

Sei que posso estar exagerando... Mas não me importo nem um pouco.

Não imaginei que me apaixonar por ele poderia ser algo tão doloroso como está sendo agora, apesar que não escolhi isso... Simplesmente aconteceu, e devo arcar com as consequências.

Ergo meu olhar para Brian. Ele ressona baixinho com uma expressão tranquila no rosto. Apesar do momento, não consigo ficar sem sorrir só de olhar para ele. Não imaginei que fosse me apegar tanto a ele como sou hoje.

E pensar que a meses atrás, eu mal suportava esse homem.

Viro-me na cama ficando de frente para ele. Levo os dedos pelo seu braço desnudo, passeando devagar pela sua pele, aos poucos chegando ao seu rosto. Cada detalhe, cada traço dele, quero memorizar tudo.

Brian reage ao meu toque e aos poucos vai despertando. Seus olhos focam em mim, e um lindo sorriso nasce em sua boca. – Bom dia... – Diz com voz rouca.

- Bom dia... – Sussurro me aninhando nele, apertando meus olhos.

Recebo um carinho suave pelo cabelo e logo seus braços me envolvem, e por algum tempo permanecemos dessa forma. O calor do seu corpo junto ao meu me deixa em êxtase, afasta pensamentos e me traz um pouco do conforto que preciso nesse momento.

- Que horas são Clara? – Ele me pergunta em meio a um bocejo.

Hesito por um momento, balançando a cabeça – Não faço ideia... – Sussurro.

Por mais uma vez o silêncio se instala. É impossível negar que existe um clima muito estranho entre nós, pelo menos é o que estou reparando. Foram poucas palavras, só que foram mais do que o suficiente para que eu pudesse perceber.

Esse dia não está nada bom... E ainda está só no começo.

Gostaria de saber o que está passando pela cabeça de Brian nesse instante. É minha primeira vez passando por isso, mas com certeza não a dele. Meu guardião já deve ter passado inúmeras vezes por um momento como esse, prestes a encerrar seu trabalho.

Será que para ele, está sendo tão difícil quanto está sendo para mim?

Acho que não... Não sou a primeira pessoa que ele protege, e acho que também estou longe de ser a primeira pessoa com quem ele se envolve. Quem sabe até Brian já tenha se envolvido com outra pessoa que precisou proteger, da mesma forma que se envolveu comigo, e tenha passado por essa mesma situação antes...

Talvez Brian já esteja mesmo acostumado com isso, e seja mais fácil para ele.

Meu Deus... Estou pensando demais, e o pior de tudo é que pensando em muita coisa que não faz a menor diferença agora.

Só que não nego querer saber o que passa por seus pensamentos, e quais sentimentos se escondem por trás desse lindo sorriso dele.

- Daqui a pouco precisamos levantar... – Ele sussurra, e sinto o correr de seus dedos por entre os fios do meu curto cabelo – Não podemos ir encontrar Ferdinand muito tarde.

Balanço a cabeça concordando, me virando de costas e me erguendo devagar – Tudo bem, eu... Eu entendo... – Murmuro colocando as pernas para fora da cama.

Antes que eu possa sair da cama, um braço me envolve a cintura e sou puxada para trás, novamente deitando e encontrando meu rosto com seu peito nu – Eu falei daqui a pouco... Não precisa ser agora, acho que podemos ficar na cama só por mais alguns minutos.

Me encolho, evitando olhar em seus olhos – Mas nem sabemos que horas são...

- Sim, é verdade... – Responde suavemente, me abraçando – Se já estiver muito tarde, então mais dez minutos de atraso não fará mal algum.

- Tem certeza disso Brian? – Questiono, o abraçando devagar.

- Tenho... – Diz carinhoso, passando os dedos pelo meu cabelo – E se ainda for muito cedo, significa que podemos ficar bem mais tempo aqui na cama.

Suspiro concordando com ele. Não nego que essa ideia me deixa um pouco mais confortável, e seu carinho comigo faz toda a diferença. Só que também me faz pensar se estou apenas cobrindo a sensação ruim e evitando sofrer só por mais alguns minutos.

Demoro um pouco para ceder e abraçar Brian de volta. Encosto meu rosto em seu peito, curtindo o carinho. Esse é outro momento em que eu amaria caso o tempo parasse, estar dessa forma com ele é o que consegue acalmar meus pensamentos e principalmente meu coração.

- Está quieta... – Sussurra de repente, atraindo meu olhar.

- Estou só pensando um pouco. – Respondo apertando os olhos.

- Clara... Olha pra mim... – Brian pede, e relutante ergo meus olhos aos dele. Seu semblante é calmo – Sei o que deve estar pensando, e não deve estar sendo fácil...

- Nem um pouco... – Sussurro manhosa o interrompendo.

Ele assente devagar, apertando seus lábios. Brian abre a boca mas hesita e não fala a princípio, respirando fundo. – Mas esse não é o fim do mundo... Você irá voltar para sua vida normal, como esteve querendo por tanto tempo.

- Eu sei, é que... – Paro um segundo, passando os dedos pelo peito dele – Eu seria uma estranha se não quisesse tanto assim voltar para minha vida normal?

As sobrancelhas do meu guardião erguem, e ele assume uma expressão pensativa – Não sei... Estranha não, mas contraditória sim...

- É algo que estive querendo por tanto tempo, mas agora... – Paro de falar por um segundo, sem saber como continuar – Não queria que fosse desse jeito.

Ele se vira de lado, apoiando o corpo sobre o cotovelo. – Infelizmente, ficar pensando nisso não irá ajudar a se sentir melhor Clara... Não tem outra forma.

- Como... Como consegue lidar tão bem com isso? – Questiono em um suspiro – Parece ser tão fácil para você.

- É... Só parece... – Ele admite torcendo a boca.

Assinto devagar, me sentando na cama sem olhar para Brian – Sabe... A Jeniffer me comentou que vocês eram péssimos com despedidas...

- Ela está certa. – Ouço sua voz com pesar – Já passei por muitas despedidas, e nenhuma delas foi fácil... O mesmo acontece com Ferdinand e com Amanda... É por isso que preferimos não nos tornarmos tão próximos das pessoas que nos procuram.

- Cada vez mais faz sentido você ter sido tão irritante. – Digo com um meio sorriso.

- Você me aparentava problemas. – Ele me responde com uma risada.

Meu sorriso murcha aos poucos enquanto passo os dedos pelo lençol – Então daqui a pouco... Será mesmo uma despedida, não é?

- Será. – Confirma sem sequer hesitar.

- Uma despedida definitiva? – Sussurro em um suspiro.

- Não sei... – Brian se senta, passando seu braço ao meu redor – Talvez seja, mas espero que não... Não tenho a intenção de me afastar de você Clara, porém não posso te garantir nada... E talvez seja necessário...

- Por que? – Foi uma pergunta idiota. Sei a resposta.

- Você viu como é minha vida... – Seus dedos correm pelo meu rosto suavemente, como se desenhasse cada um dos meus traços com delicadeza

- Vi mesmo, e muitas vezes você tentava garantir um tempo para si mesmo. – Rebato erguendo uma sobrancelha, o encarando de canto.

Talvez não seja a melhor escolha usar isso como argumento, mas no começo Brian arranjava tempo para si... Então acredito que poderia haver uma chance de haver momentos para nós.

Seu olhar está em mim, ele me analisa por alguns segundos – Não lido com seres normais. Quando estou em trabalho, vivo rodeado de pesquisas, fico muito tempo ocupado e corro riscos protegendo pessoas. Posso acabar morrendo a qualquer momento em meus trabalhos... Ou colocar pessoas próximas em perigo.

- Eu posso aceitar viver com esse risco. – Digo o encarando nos olhos – Jeniffer aceitou viver com esse risco, então eu também posso, não é?

- Jenny não aceitou viver com o risco por si só, ela aceitou trabalhar com pessoas que se arriscam. – Brian passa a mão pelo cabelo o jogando para trás – Eu não gosto e nem a envolvo quando estou sendo o guardião de alguém, porque sei o quanto é arriscado para ela.

- Mesmo assim, eu assumo esse risco. – Insisto apertando as mãos no cobertor, encarando meu guardião fixamente – Eu estive aprendendo a me defender, você me ensinou, não é?

- Não é porque te ensinei a usar as runas para se defender, que quero que você se envolva ainda mais com isso Clara. – Ele aperta os olhos, juntando as mãos em frente ao corpo.

Fico calada encarando Brian. Seu corpo pende para frente e ele apoia o rosto nas mãos, respirando fundo e me olhando devagar.

- Eu quis acabar com tudo para que você ficasse segura. – Ele diz, pegando uma das minhas mãos, e nossos olhares permanecem conectados – Te ensinei como se defender... Mas não quero que se machuque entrando em perigos desnecessários. Você é importante para mim.

Realmente entendo que existem riscos da vida que ele leva, os seres que ele precisará enfrentar ao proteger alguém, mas não precisamos nos afastar. Tem que haver um jeito.

- Você é importante pra mim Clara, importante demais... – Ele diz com a voz fraca, desviando seu olhar de mim. Sua expressão endurece, é tomada por tristeza – Mas eu conheço a dor de perder alguém importante... Não quero experimentar isso outra vez, e também, não quero que você conheça essa dor...

Experimentar isso outra vez?

Espera, algo me vem em mente como um baque. Se for o que estou pensando, então... Talvez seja por isso que Brian não quis comentar das pessoas que precisou proteger em seu passado.

Ele deve ter perdido alguém que precisou proteger no passado. Alguém importante para si.

- Desculpe se pareceu que quero me afastar... – Ele me abraça de lado, encostando minha cabeça em seu ombro – Com toda a certeza não quero ficar longe. Só que também não quero que você corra ainda mais perigos... Você não merece passar por uma vida complicada como essa, merece coisa muito melhor.

- Você também não. – Rebato o abraçando forte – Como eu, você não merece passar por isso.

- Eu escolhi por isso Clara... – Sussurra me acolhendo em seus braços.

- E eu também estou escolhendo Brian. – Fecho meus olhos – Sei muito bem que é arriscado... Só que uma parte de mim quer isso, quer se arriscar, porquê ficar longe de você é a pior tortura.

- Sei disso, me sinto da mesma forma quando penso em você... Também não quero me afastar, mas não posso te prometer algo que talvez não possa cumprir. – Sua voz é carregada, entrega o que ele está sentindo agora.

- "Nós" não é tão fácil, não é? – Minha voz sai embargada. Um sorriso entristecido me surge.

- Nunca foi fácil... – Brian responde, me fazendo carinho no cabelo – Farei o que puder para ficar perto de você, isso posso prometer.

Assinto me perdendo no conforto do seu abraço e voltando a deitar com ele. Quero poder confiar em suas palavras e acreditar que no amanhã poderemos estar juntos da mesma forma que estamos agora, mas sei que a realidade não me permitirá isso.

A realidade é cruel e nos priva daquilo que mais desejamos... Sei que amanhã não mais estaremos juntos, e não sei quando teremos um momento como esse de novo, ou se teremos... Mas no agora, quero sonhar que Brian e eu continuaremos juntos como estamos.

Nunca, em toda minha vida, desejei tanto que o tempo parasse de vez.

Dessa vez não quis ouvir música, não quis conversar, não quis absolutamente nada. Desde a hora que entrei nesse carro, me dediquei apenas em olhar pela janela e refletir pela milésima vez sobre tudo que passei nos últimos tempos.

Todas as lembranças desses meses passam e repassam pelos meus pensamentos, como cenas de um filme. Revivo cada um dos pesadelos e momentos difíceis que passei, cada um dos ataques que sofri pela entidade, todas as vezes que precisei enfrentar aquela criatura e sobrevivi por muito pouco...

E também, revivo cada um dos momentos que não a envolveram diretamente. O término do meu namoro com Ricardo ocorreu de certa forma, por influência daquele ser. Sem a tensão causada por aquela coisa, é muito provável que meu namoro teria continuado da mesma forma que antes.

Mas que diferença faz agora?

Depois do que aconteceu, acho que ainda não posso dizer que desconheci Ricardo totalmente...

Ainda vejo um pouco daquele homem que me apaixonei perdidamente tempos atrás, e não posso negar que ainda tenho sentimentos por ele guardados aqui dentro de mim... Mas conheci lados dele que não esperava que pudessem existir, e que foram uma surpresa desagradável.

Apesar do homem que conheço agora não ser um total desconhecido, é alguém que me causou um grande mal por suas atitudes. Não tenho raiva e muito menos ódio por Ricardo, só uma mágoa muito grande... E sinceramente, quero manter distância dele daqui pra frente.

De certa forma, acho que ter acontecido tudo isso foi algo bom... Não gostaria de ter conhecido esse lado dele, mas acho que era necessário conhecer.

De qualquer forma, Ricardo é alguém que pretendo manter apenas no meu passado.

Outra coisa que aconteceu indiretamente foi conhecer algumas pessoas. Amanda, Jeniffer e Tamires foram ótimas pessoas que tive a oportunidade de conhecer devido a toda essa maluquice que aconteceu na minha vida.

Claro que por muito tempo tive ciúmes de Jeniffer, mas se comparado como era antes, já não me sinto da mesma forma... Nem deveria sentir algum ciúme, afinal eu e Brian não temos nada oficializado, então não tenho motivos para sentir ciúme de fato... E também, Brian me deu certa tranquilidade para não ficar sentindo tal ciúme.

Apesar de ser alguém que parece ter mergulhado de cabeça em toda essa maluquice do Abismo e me parecer uma estranha na primeira impressão que tive, Tamires se mostrou uma pessoa ótima para manter uma amizade duradoura. É alguém que tive conversas por longas horas sobre absolutamente tudo, sem nunca parecer entediante.

É alguém que ainda conheço a muito pouco tempo, mas construí uma amizade forte com ela.

Na verdade, com todas construí uma amizade que me marcou muito. Espero muito não acabar me afastando delas por voltar a minha vida normal.

O aperto em meu peito cresce à medida que vou reconhecendo as ruas pelas quais passamos, tornando-se insuportável quando o carro para em frente ao imenso prédio que estive por tantas vezes. Dói pensar que talvez, essa seja a última vez que estarei pisando aqui.

Mesmo com o carro parado, permaneço imóvel olhando fixamente para a entrada do prédio por longos segundos. Nesse instante, eu gostaria de ter toda a força que tive em outros momentos difíceis, quem sabe as coisas seriam muito mais fáceis.

- Clara? – Brian me chama em um sussurro, tocando minha perna.

Respiro fundo, secando uma lagrima que caia silenciosa pelo meu rosto. – Estou bem, não se preocupe... – Pronuncio com a voz falha, finalmente voltando meu olhar a ele. Brian está elegante em um de seus ternos hoje, simbolizando seu retorno ao trabalho – Podemos ir...

Ele se mantém me observando por alguns segundos assentindo devagar, porém logo seu olhar perde a força e cai entre nós. – Tudo bem...

Me desprendo do cinto e saio do carro, avançando em passos lentos para que Brian possa me alcançar... E também para ganhar alguns poucos segundos antes do inevitável.

Passamos direto pela recepção e seguimos aos elevadores. Para minha tristeza, um dos elevadores já estava parado no térreo como se estivesse nos aguardando, então subimos sem perder tempo.

Uma brisa fria percorre meu corpo e abraço a mim mesma, Brian parece perceber e me envolve em um abraço carinhoso. Lembro-me que esse prédio era frio, mas nunca pareceu tão frio quanto está hoje. Talvez seja pelo ar condicionado mais forte hoje, ou por como estou me sentindo para baixo... Seja lá qual for o motivo, isso me incomoda.

O elevador cessa seu movimento e consigo ouvir bem o barulho de várias vozes. O abrir das portas revela uma sala de espera lotada, muito diferente do que encontrei em outras vezes quando estive aqui. Em nenhuma vez esse lugar esteve tão cheio.

Saímos do elevador e aproveito para olhar ao redor. Todas as cadeiras lotadas com as mais variadas pessoas e algumas poucas estão esperando de pé pelos cantos, algumas distraídas em seus celulares entre risos ou feições entediadas, outras conversando entre si, e alguns poucos olhando para mim e Brian com cara de poucos amigos.

E a nossa frente tem uma imensa fila antes do balcão onde Jeniffer trabalha. Até mesmo consigo vê-la do outro lado do balcão, junto de uma mulher aparentemente mais velha que ela, a qual nunca vi antes.

Ambas estão trabalhando em uma sincronia invejável. Pelo que consigo ver aqui de longe, uma está entregando e coletando fichas das pessoas, enquanto a outra está lançando as informações no computador escondido pelo balcão alto.

Espero por um momento que Jeniffer olhasse em nossa direção para que eu pudesse cumprimentá-la a distância, mas ela está tão ocupada com tantas pessoas, que isso não acontece.

A fila vai avançando devagar, tanto que não sei quanto tempo já perdemos. Momento ou outro aparecem algumas pessoas vindas do corredor onde os consultórios estão.

Primeiro aparece uma mulher que não deve passar dos cinquenta anos, muito bem vestida em um blazer e calça de tons cinza claro e uma camisa de botões preta. Ela olha a prancheta que trouxe consigo por um segundo, chamando um nome com uma voz grossa e que transmitiu grande firmeza. Logo a pessoa respectiva levanta e vai junto dela.

Pouco depois um homem de estatura até maior que a de Brian vem pelo corredor com uma mesma prancheta em mãos, ele está vestido em um terno azul marinho em um ar mais informal, contando com uma barba rala e cabelos penteados para trás. O homem mal para seu caminhar e erguendo seu olhar, encara precisamente em uma direção e pronuncia um nome, e as pessoas respectivas se levantam e seguem com ele.

Olho para Brian, que está de braços cruzados e o olhar passando atentamente por todas as pessoas, com uma expressão analítica, quase séria. Imaginei que ele iria querer furar a fila e ir direto para a sala de Ferdinand, mas ele permanece onde está.

- Nunca vi esse lugar tão cheio. – Sussurro olhando para ele de canto.

- É, isso não é muito comum isso acontecer. – Ele sussurra de volta, juntando as sobrancelhas em um sinal de estranheza.

Ergo uma sobrancelha ao ver essa expressão em Brian – Algo errado?

- Sinceramente, não sei Clara... Eu espero que não. – Ele responde de imediato, voltando sua atenção a mim.

Gostaria de poder perguntar mais, mas acredito que não terei muitas respostas dele. Decido guardar minha curiosidade para mim mesma, afinal daqui a alguns minutos, o que acontece por aqui já não será mais da minha conta... Nunca foi aliás.

Demoramos mais um pouco até finalmente chegarmos de frente ao balcão, onde Jeniffer passa os dedos pelas têmporas de maneira impaciente. Ao nos notar quando ergue os olhos, Jeniffer abre um largo sorriso, porém que logo se desmancha. Talvez ela tenha se lembrado do motivo de estarmos aqui.

- Então... – Ela começa, apertando os lábios levemente vacilante – Chegou o dia...

- É... Alguma hora esse dia iria chegar... – Brian diz antes que eu tivesse tempo de me pronunciar – Ferdinand está ocupado?

- Sim e com uma fila de espera imensa, igual todos os outros psicólogos. – Jeniffer organiza um amontoado de folhas e leva para debaixo do braço, saindo detrás do balcão sem desviar seu olhar de nós. – O número de pacientes novos, recorrentes e antigos está muito mais alto que o normal, desde a hora que começamos com o atendimento está desse jeito.

- Tem alguma ideia do que está havendo? – Brian questiona, passando seus olhos pelo recinto.

- Ainda não tenho nenhuma ideia. Ninguém teve tempo de parar para explicar o que aconteceu para um movimento tão grande. – Jeniffer abaixa seu olhar, passando os dedos pelas folhas, dando um passo para trás – Desculpem, mas não posso ficar conversando. Como devem imaginar, hoje também estou cheia de trabalho... E uma última coisa, Ferdinand pediu para que quando vocês chegassem, seguissem para a sala dele. Ele já está aguardando.

Dito isso, Jeniffer se vira e segue apressada pelo corredor, seus passos conseguem se destacar das poucas vozes atrás de nós. Viro meu olhar para a outra mulher, ela está alheia a nós, assinando uma folha e a lançando para cima de uma pequena pilha de outras folhas.

Brian avança pelo corredor, e sigo logo atrás dele. Aproveito para reparar em como esse lugar é extenso, coisa que acredito só ter feito uma vez. Não lembrava que esse lugar teriam tantas salas depois da sala de Ferdinand, que é logo uma das primeiras.

Meu guardião da leves batidas na porta e a abre devagar, me permitindo entrar primeiro. De imediato vejo Ferdinand com uma expressão séria, sentado em sua poltrona com uma mão em frente ao queixo e com um caderno na outra mão.

De frente para ele, está um garoto que mal deve ter chego aos seus dezoito anos, em uma pose largada, com os braços jogados sobre o encosto e com uma perna sobre a outra

Ele é magro, de pele bem clara sendo quase pálido, além de ter um cabelo liso bem escuro todo bagunçado. Consigo ver daqui que existem vários piercings contornando sua orelha, além de um pequeno piercing no canto do seu lábio inferior. Além disso ele ainda tem uma tatuagem subindo pela lateral do seu pescoço e nuca, além de outras tatuagens de chamas tribais pelos braços.

Ele está vestido com um colete camuflado todo cinza, tendo uma regata com gola e ombros desfiados por baixo, um jeans surrado todo desfiado pelas coxas e joelhos, e calça um par de tênis brancos já bem gastos.

O garoto tem também pequenas correntes prateadas em torno de ambos os seus pulsos, uma corrente mais grossa e de mesmo tom prateado em seu pescoço, e algumas outras correntes presas no passante da calça.

Ferdinand ergue seu olhar a nós por um instante, e o garoto faz o mesmo no mesmo instante, nos encarando de soslaio.

Seu olhar vai primeiro para Brian, e sua expressão, que antes já era de poucos amigos, piora ainda mais. Ele junta as sobrancelhas e torce a boca enquanto encara Brian, em uma feição de total escarnio.

Sua atenção se vira para mim e tenho seu olhar me percorrendo de cima a baixo por algumas vezes, me analisando sem nem disfarçar. Sua expressão muda, um sorriso maldoso surge em seus lábios e seu olhar continuamente cravado em mim é puramente maldoso, reforçado pelo balançar de cabeça que ele faz logo em seguida.

O garoto volta seu olhar ao meu guardião com desdém, lançando um provocativo sorriso de canto. De soslaio observo Brian. Ele endureceu o olhar e curvou a boca para baixo, Obviamente incomodado com o garoto.

Não é preciso muito para saber que ele e Brian devem ter algum passado e não se entendem muito bem. Esse garoto representa um problema, talvez dos grandes.

- Precisamos mesmo continuar com isso? – Ele diz de repente em um tom arrogante, olhando para mim novamente, e por fim voltando sua atenção a Ferdinand.

Este, por sua vez, permanece calado encarando o rapaz com a mesma seriedade de quando entramos a sala... Ferdinand está beirando a frieza.

- Escuta, estamos aqui por quanto tempo? – Ele pergunta novamente, pendendo seu corpo para frente sem desviar o olhar do psicólogo, que permanece inabalável – Vinte? Trinta minutos? E essa é o que? A sétima vez que precisamos ver a cara um do outro?

O rapaz se ergue de uma vez, encarando Ferdinand de cima com um ar de superioridade. Ele, porém, continua firme sem sequer se abalar. Me dou conta que estou presenciando um verdadeiro confronto entre esses dois.

- Peço que retorne ao seu lugar. – Ferdinand se pronuncia em uma voz neutra, retirando seu óculos e o deixando sobre o braço da poltrona – Nós ainda não acabamos.

- Fala sério seu idiota! – O garoto rebate, rindo em total deboche – Como vamos "acabar" alguma coisa, se nós nem começamos nada em todas essas sessões?

Troco um olhar com Brian. As coisas aqui estão começando a ficar mais tensas a cada instante, e inevitavelmente isso me preocupa. Até reparo que meu colar começou a brilhar devido a toda essa situação, mesmo que eu não me sinta realmente ameaçada.

- Minha mãe é uma tapada mesmo, achando que sessões de terapia com um almofadinha como você vão me "mudar". – Ele diz para si mesmo, balançando a cabeça negativamente. O garoto pisa forte sobre a mesa de centro, apoiando o braço sobre o joelho e continuando a encarar Ferdinand de cima. – E então? Já desistiu dessa palhaçada por hoje? Que tal fazer um favor para nós dois, e me liberar de uma vez?

- Sugiro que você dobre essa sua língua afiada diante de mim, garoto... – Ferdinand começa a falar enquanto se coloca de pé lentamente, agora sendo ele a encarar o garoto de cima.

Sua voz soou calma, porém isso é apenas aparência. Ferdinand está mais firme em sua voz, quase semelhante a um tom de ameaça. A feição do homem é neutra, mas somente o olhar do psicólogo é o bastante para intimidar o garoto e fazer seu sorriso se desmanchar por inteiro.

- E acho bom manter a ínfima postura que ainda tem, afinal você não está na sala da sua casa e tampouco junto de seus amigos. – Ferdinand cruza seus braços, sem abandonar a firmeza.

O garoto fica imóvel alguns segundos. Ele parece verdadeiramente intimidado com Ferdinand, mas deve estar fazendo o possível para não demonstrar isso.

Ele volta a sorrir, balançando a cabeça algumas vezes – Certo... Tudo bem, não precisa ficar assim tão bravo, senhor almofadinha... – Ele provoca, retirando seu pé da mesa de centro, recuando alguns passos com suas mãos erguidas. – Amigo... Ta vendo? Não precisa me matar...

- O que é isso que estou vendo? – Sussurro para Brian.

- Só uma das piores pessoas que Ferdinand precisa lidar. – Ele me responde no mesmo tom.

- Já perdi minha paciência, e ta na cara que não vamos chegar a lugar nenhum por aqui, então vou embora de uma vez. – O garoto pronuncia, dando as costas para Ferdinand e vindo caminhando até nós – Não se preocupe, irei falar para a dupla de retardados que ouso chamar de pais fazerem seu pagamento em dia.

Imagino que com ele indo embora, as coisas por aqui poderão ficar um pouco menos tensas, e até sinto algum alívio por ele ter simplesmente dito que vai embora... Por um lado fico mal por Ferdinand não estar tendo nenhum progresso com esse ai, mas também não deixo de me sentir tranquila ao saber que ele está saindo e levando junto todo esse clima ruim.

Mas é claro que as coisas não poderiam ser assim tão fáceis...

Parando seu caminhar bem diante de nós, o garoto crava seu olhar em mim, com o mesmo olhar malicioso que me lançou antes. Ele permanece me olhando diretamente nos olhos por alguns segundos, e em seguida analisa meu rosto por completo – Não faz ideia da vontade que estou de encher essa sua boca de beijos... E isso seria só o começo, porque eu gostaria de te mostrar algumas coisas.

O que? Eu ouvi isso mesmo?

Eu não esperava por isso de nenhuma forma, tanto que minha surpresa deve estar estampada na minha cara, tanto que mal consigo responder ele. Qual o nível de ousadia que esse garoto tem?

- Preciso ir, mas antes quero dizer... Que vontade de te pegar de jeito agora gatinha... – Diz, erguendo sua mão e passando pelo meu cabelo, que imediatamente afasto com um tapa. Ele arqueia as sobrancelhas e seu sorriso aumenta – Olha só... É uma gatinha brava... Me interessei ainda mais.

Estou prestes a avançar e acertar um soco no nariz desse garoto, porém Brian, como se já soubesse da minha intenção, coloca o braço na minha frente me impedindo de seguir com minha vontade de bater nele.

Encaro meu guardião irritada, mas ele mal me olha... Sua atenção está totalmente voltada no garoto, e sua expressão é da mais completa irritação. O olhar de Brian queima de intensidade e até mesmo seu corpo está tencionado, ele deve querer o mesmo que eu... Mas está se contendo o máximo possível para não fazer nenhuma besteira.

O garoto continua me olhando, aumentando seu sorriso para mim, e seu olhar é de pura diversão misturada ao seu deboche com desprezo.

Soltando uma risada de desdém, o garoto olha para mim uma última vez e lançando uma piscada. Se virando para Brian, ele faz uma leve reverência – Vossa alteza, com licença. – Diz sorrindo com desprezo, saindo da sala apressado e batendo a porta.

- Esse pirralho me irrita! – Brian rosna poucos segundos depois que a porta é fechada. Ele continuamente encara a porta por cima do ombro, com a cara ainda mais fechada que antes.

- Infelizmente, nem todos são fáceis de lidar Brian. – Ferdinand suspira demoradamente, adotando agora um ar sereno em torno de si. – Algumas pessoas simplesmente não querem ser ajudadas, e esse garoto é uma dessas pessoas.

- Sim, eu sei disso, mas... – Ele diz com a voz baixa, dando alguns passos à frente enquanto seus olhos vão ao chão. – Alguma coisa nele me incomoda.

- Entendo, venho notando isso desde a primeira vez que o vi. – Ferdinand vira seu olhar para o caderno que deixou sobre sua poltrona – Tem alguma coisa muito errada com ele. Esse garoto... Não é normal...

- Acha que devemos ficar de olho nele? – Brian questiona, cruzando seus braços.

- Talvez. – O psicólogo assente levemente – Mas primeiro, quero tentar descobrir mais coisas a seu respeito sem recorrer a outros métodos... Enfim, se sente melhor Brian?

- Sim, já estou recuperado. – Brian responde com certo desânimo.

- Ah, oi? – Digo erguendo uma mão e balançando de leve, atraindo a atenção dos dois – Acho que os dois estão bem ocupados com o trabalho, não quero atrapalhar... Então...

- Ah sim, Clara... – Ferdinand me abrindo um sorriso, mas seu olhar é entristecido – Desculpe por tudo isso. Hoje está uma loucura completa e estamos todos de cabeça cheia.

- Está tudo bem, sem problemas. – Dou um meio sorriso olhando dele para Brian. Sei como isso vai acabar, então agora, prefiro parar de rodeios e ir direto ao ponto – Bem... Como vai ser isso?

Ferdinand vira o rosto para Brian por um momento, e soltando um pesado suspiro se volta para mim, com o olhar perdido. – Só precisarei te fazer algumas perguntas e uma última análise... Estando tudo certo, Brian irá finalizar o contrato entre vocês, irá assinar alguns últimos papeis... E estará liberada.

Assinto, e meu olhar cai aos meus pés – Tudo bem... Estou preparada...

- Certo... Sente-se, por favor. – Ele pede, me indicando a poltrona de frente para a dele, a mesma onde tudo isso começou.

Faço como o pedido e me acomodo, e Ferdinand se senta a minha frente, juntando suas mãos. Já Brian caminha em direção à mesa do chefe, se sentando de forma pesada e começando a digitar alguma coisa no computador já ligado, focando toda sua atenção na tela.

- Então Clara... – Ferdinand começa a falar, e volto minha atenção a ele – Desde a última vez que esteve aqui, algo anormal aconteceu?

Nego com a cabeça – Não. Esses dias passaram sem problemas.

- E quanto a seus pesadelos? – Ferdinand pende o corpo para frente – Eles se repetiram?

- Não. – Digo simplesmente com o olhar baixo.

- Então, presumo que suas noites estão sendo melhores. – Ele continua a falar.

- É... Já fazem anos que não consigo dormir da forma como vem acontecido. – Ergo os ombros, batucando os dedos no joelho – Não sei como, mas tenho certeza de que algo mudou. Não sinto mais que terei aqueles pesadelos.

- Isso é bom, um notório avanço. – Ferdinand comenta, enquanto Brian se levanta, chamando nossa atenção. Nós dois trocamos um rápido olhar enquanto ele atravessa a sala – Já enviou os arquivos Brian?

- Sim, vou pegar na recepção. – Ele diz, e o acompanho com o olhar até ele sair da sala.

- E fisicamente... – Ferdinand volta a falar, chamando minha atenção – Está tudo normal? Não sentiu nada diferente?

- Não. – Balanço a cabeça – Não senti nada.

Ferdinand coloca seu óculos e se levanta, chegando perto de mim em passos calmos – Quanto ao seu colar, ele reagiu alguma vez?

- Não, desde aquele dia do exorcismo, meu colar não reagiu a mais nada. – Constato para mim mesma, puxando esses últimos dias na memória.

- Tudo bem... Farei agora uma rápida verificação para confirmar se está tudo certo. – Ferdinand se senta no braço do sofá, erguendo sua mão a altura do topo da minha cabeça – Me permite?

Assinto, respirando fundo e me ajeitando na poltrona e fechando os olhos, como se já soubesse o que o psicólogo está planejando.

Sinto sua mão pousando suavemente sobre minha cabeça, e espero. Levam alguns poucos segundos de total silêncio, o único som que consigo ouvir é o da minha própria respiração.

- Não sinto nada de anormal em você, sua energia está estabilizada. – Ferdinand se levanta, caminhando até sua mesa e mexendo em algo. Ele me olha por cima do ombro, e então levanta uma xícara – Café?

- Não, obrigada. – Ergo uma mão e dou um meio sorriso, e escuto a porta sendo aberta.

- Está tudo pronto? – Brian questiona e Ferdinand confirma com um discreto balançar de cabeça, bebericando seu café sem nos olhar. – Clara... Está na hora.

Aperto as mãos sobre as pernas, reunindo novamente a pouca coragem que trouxe comigo. Ergo meu olhar para Brian, que está deixando algumas folhas sobre a mesa de centro.

Sem falar nada, me levanto no impulso e vou para a frente do meu guardião... Não... Não posso mais chamá-lo dessa forma.

Ele ergue sua mão a mim vagarosamente, me convidando a segurá-la, e assim o faço. Seguro sua mão com toda a firmeza, enquanto nossos olhares se conectam. Tantas coisas que eu gostaria de dizer a ele e não posso, e todas as coisas que ele não me diz mas seus olhos me deixam claro... Tantos sentimentos, tantas coisas...

- Está pronta? – Me pergunta, sem deixar de me olhar.

- Não. – Dou um sorriso entristecido – Mas é preciso... Pode começar, eu aguento.

Ele balança a cabeça bem de leve enquanto faz carinho na minha mão. Com a mão livre, ele a ergue até a altura do peito semelhante ao gesto de reza, assumindo assim a mesma postura da primeira vez, quando se tornou meu guardião.

- Nesse espaço, ao toque do próximo minuto... Um elo será desfeito. O finalizar de um elo que simbolizou união, companheirismo e proteção. O fim entre o poder e o propósito da proteção. Eu simbolizei a salvação e preservação... E você foi minha motivação... Meu poder, foi o seu poder... Minha vida... Foi a sua vida... Pela sua vida... Eu fui seu guardião...

Em cada uma de suas palavras, ele esteve visivelmente hesitante... Mas mesmo assim, Brian não deixou de me olhar por um segundo sequer.

O calor nasce entre nossas mãos, irradiando um suave brilho contínuo. Sinto o calor de antes se espalhar pelo meu braço, e timidamente algo vai surgindo. Linhas douradas começam a surgir na minha pele, tornando-se cada vez mais nítidas.

As linhas douradas pulsam seu brilho com mais intensidade, enquanto Brian aproxima e abre sua mão bem próxima do meu rosto. Por detrás de seus dedos, encontro seu olhar vacilante.

Brian fecha seus olhos com força, aperta os dentes e desvia o rosto, quando algo acontece.

O calor presente em meu braço cresce por um momento, atraindo minha atenção. Os fios dourados, apesar de ainda brilharem, começam a se desprender da minha pele, dissipando-se lentamente no ar até desaparecerem por completo.

- Está feito... – Brian sussurra de forma pesarosa, ainda sem me observar... Mas não o julgo.

Neste momento, também não consigo mais ter forças para olhar para ele.

Logo que terminamos aquele ritual, já fui diretamente para a mesa de Ferdinand para assinar os papeis que ele havia mencionado, já Brian me observou por alguns segundos e então saiu da sala. Apesar de ter lido cada um deles, mal me lembro o que eles diziam. Sendo bem sincera, agora isso não faz a menor diferença para mim.

Imaginei que Ferdinand seria bem seco comigo e só daria um "tchau" completamente seco logo depois que entreguei as folhas assinadas, mas foi uma verdadeira surpresa quando ele deu a volta em sua mesa e me deu um demorado abraço de despedida.

Ele me disse que devido ao trabalho que tem, seria um pouco difícil marcar algum dia para poder nos encontrarmos para tomar um café e jogar conversa fora como bons amigos, mas que faria o possível para manter contato comigo.

Eu achei fofo quando desfizemos o abraço, e Ferdinand estava com um sorriso sincero misturado a uma cara de choro. Ele só parece sério algumas vezes, mas a verdade é que o psicólogo é mesmo alguém leve, pra não dizer que é um manteiga derretida por inteiro...

Não posso falar nada dele, afinal eu precisei me segurar muito para não rir e acabar chorando também. Era só o que faltava, nós dois nos acabando em lágrimas.

Seria triste... Mas também engraçado.

Saí da sala acenando para Ferdinand, e segui para a recepção. Jeniffer estava concentrada em alguma coisa na tela de seu computador, mas assim que apareci, ela se levantou e veio também me dar um abraço.

Sem rodeios, ela disse que precisávamos marcar algo já para o próximo fim de semana para colocar toda a conversa em dia, que apesar das coisas terem se resolvido, não era pra eu sumir, porque ela definitivamente não iria. Concordei animada, dando um último abraço nela e a deixando trabalhar.

Parei em frente aos elevadores e apertei o botão para o térreo. Olhei de um lado ao outro, me despedindo mentalmente desse lugar, em tão poucos meses precisei vir aqui muitas vezes, por motivos que jamais poderia imaginar... Foi maluco demais, mas com certeza sentirei falta.

As portas do elevador se abrem, e sem espera desço. O silêncio me envolve até chegar ao térreo, onde as vozes de várias pessoas inundam meus ouvidos, e apressada caminho para fora do prédio ignorando tudo que acontece a minha volta.

Respiro fundo ao passar pelas portas, mas meu passo perde a força. A tristeza que há tanto tempo estive contendo volta à tona, e cada vez mais fico angustiada. Tudo isso realmente acabou, a fase mais conturbada da minha vida acabou e posso finalmente voltar à normalidade, mas por que essa mudança está sendo tão difícil de lidar?

Meu peito aperta e meus olhos pesam com minhas lágrimas. Apenas dessa vez quero ceder a tristeza e não me importar se alguém irá ver... Mas sei que não irá mudar absolutamente nada... Chorar não irá mudar nada.

Sacudo a cabeça uma vez, tentando afastar os pensamentos e cada um dos sentimentos que crescem em mim. Respiro profundamente e solto todo o ar pela boca para me acalmar, e volto a andar rumo ao ponto de ônibus. Quero chegar logo em casa.

De relance olho para trás, encontrando a Mercedes de Brian estacionada pouco a frente, mas não vejo ele em lugar nenhum. Seria minha última despedida dessa minha antiga vida.

Acabo esbarando em algo por estar andando sem olhar pra frente, e por muito pouco consigo manter meu equilíbrio – Desculpe, eu estava distraída... – Digo antes mesmo da pessoa começar a me xingar.

Recebo uma risada como resposta – Olha só quem encontro por aqui... – Essa voz...

Encaro a pessoa, incrédula ao ver o mesmo garoto de antes se virando para mim, com um cigarro no canto da boca e um celular em mãos. Acabo recuando um passo e fico tensa.

- E então gatinha, pensou na minha proposta de antes? – Ele diz me olhando com o rosto erguido e um sorriso de canto, tirando o cigarro da boca e jogando de canto – Saiba que ainda estou querendo te beijar.

- Olha, eu não estou com cabeça para esse tipo de brincadeira agora... – Rebato juntando as sobrancelhas. – Então direi só uma vez... Sai da minha frente.

- Ah, o que que custa? – Ele ergue seu rosto e solta toda a fumaça, voltando a me olhar com cada vez mais malícia – Ao que parece, você não está acompanhada...

- E o que isso te importa? – Abro caminho esbarrando com força em seu ombro, avançando pisando forte.

- Olha só, a gatinha é irritada. Estou gostando cada vez mais de você... – Ouço ele dizendo, apressando seu passo e caminhando ao meu lado com as mãos nos bolsos. Ele continua sorrindo, seu olhar é maldoso e provocante ao mesmo tempo – Direi porque isso me importa. Se não está acompanhada, posso muito bem tentar a sorte com você, já que o almofadinha de antes parece não ter aproveitado.

Aperto o olhar, me segurando muito para não usar qualquer uma das runas nesse garoto. Não quero correr o risco de ser presa por bater em um menor de idade, por mais que seja alguém tão atrevido como ele.

É duro admitir, mas essa pose de garoto malvado combina muito com ele. Só é péssimo por ele ser alguém tão irritante.

- Vamos fazer assim, podemos ir beber alguma coisa, conversamos um pouco e então vamos a um lugar mais reservado... E você não precisará andar nem um pouco, estou de moto – Ele está de moto, que ótimo, é uma notícia muito boa. Acho que agora posso bater nele sem correr o risco de agressão a menores. – Ou se estiver sem tempo, podemos ter os beijos aqui mesmo, e pego seu número para depois marcarmos algo mais.

- Não estou interessada. – Continuo andando apressada, mas acabo diminuindo o ritmo ao perceber ele dando uma leve corrida para me acompanhar. Paro de andar e me viro para ele, cruzando meus braços – Me faria um grande favor se parasse de me incomodar.

Soltando uma risada, ele se aproxima devagar de mim – Apenas estou tentando a sorte com a mulher mais bonita que encontrei nesses últimos meses... Oportunidades como essa devem ser aproveitadas gatinha.

- Então está confundindo as coisas. – Rebato irritada – Não sou uma "oportunidade".

- Ah mas você é, uma oportunidade que não quero deixar passar... – Ele diz se aproximando, juntando as sobrancelhas e sorrindo mais.

Me canso de tudo isso, se já não estou com cabeça, ele acabou de piorar tudo. Aperto o punho com força, deixando toda a força que tenho fluir pelo meu braço. Ao próximo passo que o garoto da em minha direção, abro a mão e a lanço contra seu peito usando a runa do impacto.

Toda a energia percorre meu braço até a palma da minha mão, uma rajada de vento intensa se propaga da minha mão indo de encontro ao corpo dele.

Assisto seu corpo sendo arremessado para trás com toda a força e acertando a parede atrás de si em um impacto mudo, ele arfa e seu olhar para mim é incrédulo. A parede racha com o impacto do corpo, arrancando pedaços da tinta e também pedaços da própria parede se desprendem.

Devagar ele escorrega e cai no chão com o rosto baixo, arfando e tossindo algumas vezes e batendo a mão no peito por causa do golpe.

Diferente do que eu esperava e me surpreendendo, ele começa a rir entre as tosses – A gatinha tem garras, e bem afiadas... É muito bom saber que essas suas cicatrizes não são meros enfeites, mas sim um sinal de força... Provavelmente ganhou essas marcas quando precisou mostrar as garras...

Recuo mais um passo ao ver ele se levantando mantendo o mesmo sorriso maldoso no rosto, com muita dificuldade e gemendo de dor, mas se levantando.

- Você me interessa... – Ele sorri, dando um passo na direção oposta a minha, me olhando de soslaio e com um sorriso de canto. Não vejo desprezo como foi com Ferdinand e Brian, mas sim seu olhar carrega interesse, malícia, desejo – Anote o que vou dizer... Nos encontraremos de novo gatinha... E será muito em breve...

Para meu alívio, ele sai caminhando erguendo as mãos acima da cabeça, sem olhar para trás uma única vez sequer. Ele chega até uma moto estacionada não muito longe de onde estou, monta e parte sem esperar. Com isso, me permito relaxar um pouco e encarar o céu.

Ai... Que dia, as coisas bem que poderiam ser mais simples.

- Faz menos de meia hora que deixei de ser seu guardião, e você já se enfiou em outra confusão Clara? – Ouço, e vejo Brian se aproximando, com as mãos nos bolsos e um olhar neutro.

- Brian... – Sussurro com um pequeno sorriso – É, isso que dá ser eu. Parece até que os problemas me perseguem.

Ele sorri de leve assentindo, parando bem próximo de mim.

- Você sumiu de repente. – Digo o observando – Onde foi?

- Só tinha ido tomar um café... – Ele responde abaixando o olhar – Só que demorei mais do que pensei... Quando voltei, você não estava mais lá...

- Entendo... – Assinto encarando o chão.

- E também... – Ele hesita, me olha tentando falar, mas não sai nada de sua boca.

- Quer se despedir também? Tivemos uma despedida hoje cedo, não é? – Pergunto, me lembrando dos momentos que ficamos abraçados em sua cama hoje cedo.

Brian não me responde nada, e na verdade nem sei se consegue. Está nítido em seu rosto como ele está se sentindo perdido, seus olhos entregam isso, mesmo que tente disfarçar.

Suspiro erguendo as mãos ao pescoço, tocando a corrente gelada do meu colar e tentando desprende-la. Brian parece um pouco surpreso – O que está fazendo?

- Acho que não preciso mais disso... – Sussurro com o olhar baixo, finalmente desprendendo a corrente, a estendendo para meu antigo guardião – Pegue de volta.

Ele olha da pedra de tons avermelhados e enegrecidos para mim por algumas vezes, balançando a cabeça negativamente – Não Clara... Esse colar não é meu.

Pisco algumas vezes sem entender – O que? Mas...

- Pedi para Amanda fazer para você, por isso fique com ele... – Ele toma a corrente em suas mãos e, de forma gentil, ele coloca novamente em meu pescoço – Você se tornou forte, acabei de ver novamente que você se tornou forte. Não precisa mais deste colar ou de mim para estar segura, mas... É seu colar, sempre foi.

Olho por alguns instante para a pedra no meu pescoço e a seguro firme. Ela não brilha, mas consigo sentir bem a energia e o calor que reside dentro dele, sempre senti.

- Sabe... – Começo a falar, me vindo algo em mente – Quero te perguntar uma coisa... Como nós ficamos agora?

- Ao que se refere exatamente? – Ele me olha curioso.

- Bem... – Penso no que dizer, e como dizer – Nosso relacionamento atual. Não namoramos e nem assumimos nada, nem dá pra fazermos algo assim...

- E já passamos um pouco da etapa de amigos. – Ele diz e concordo com a cabeça, seguido de um erguer de ombros – Não sei direito... Acho que temos entre nós uma amizade colorida.

- É... Faz sentido. – Digo mais para mim mesma, enquanto cruzo os braços.

- Sendo sincero com você Clara, eu gostaria de formalizar algo sério... – Brian suspira profundamente – Mas não acho que seria um bom namorado para você, se ficarmos juntos, te farei muito mais mal do que bem... Não sendo mais seu guardião, não poderei estar com você em muitos momentos e nem poderei te dar tanta atenção... E quando for necessário me tornar guardião de outra pessoa, meu tempo ficará ainda mais escasso por causa das minhas obrigações.

- Sei disso... – Aperto a boca e fecho meus olhos – Sei de verdade... E isso ainda não é tudo...

- Não mesmo... – Ele concorda – Não quero que fique presa a mim por causa de um relacionamento, quando é quase certo que não poderei ser quem você realmente merece... E também, você sabe os riscos que corro, eu...

- Você pode morrer a qualquer momento. – O interrompo – Eu sei... E na verdade entendo.

- Desculpe não poder estar com você dessa forma Clara, não poder assumir um relacionamento por mais que eu queira. – Volto a olhar para Brian, seu olhar está caído – Eu gostaria muito, mas infelizmente... Eu não posso fazer isso com você.

- Não, não precisa se desculpar. O que você falou faz sentido mesmo... Eu que, não sei... Ainda estava vendo alguma possibilidade de acontecer... – Respiro fundo, balançando a cabeça algumas vezes. Não sei o que estou sentindo agora, minha cabeça e meus sentimentos estão uma loucura. Estou triste e decepcionada por não poder ter o que gostaria, mas também compreendo cada um dos motivos – Então... Amigos coloridos?

- É, acho que sim... – Brian balança a cabeça – Amigos coloridos.

Aperto os olhos um momento, buscando me controlar. Eu estou muito dividida, quero chorar e não me importo se alguém vai ver... Mas... Eu também estou usando todas as minhas forças para conter toda a angustia que insiste em querer sair, e a cada segundo, sei que estou mais perto de desabar... Esse é um dos motivos de eu querer voltar pra casa logo.

- Então... – Começo a falar, voltando a olhar para Brian – Imagino que você precise voltar ao trabalho. Vi como está lotado hoje, muita gente pra atender e o Ferdinand não vai aliviar.

- Sim, isso é verdade... – Ele olha para o prédio por cima do ombro – Tenho que voltar...

Concordo com a cabeça, erguendo a mão para ele para um último cumprimento, oferecendo meu melhor sorriso – Até logo Brian...

Ele faz uma expressão surpresa com o meu ato, mas lentamente ergue sua mão também. Brian porém me envolve minha cintura e me puxa para si, apertando meu corpo ao seu. Minhas mãos correm pelas suas costas, e nossas bocas se encontram em um profundo e intenso beijo de despedida.

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