Capítulo 37 - Clara Pesadelo
8200 Palavras
Por Brian
Estaciono em frente de casa, saltando para fora do carro e entrando apressado, lançando meu celular sobre o sofá. Se irei mesmo fazer isso essa noite, preciso estar preparado de todas as formas possíveis para que não ocorram falhas.
Não é simplesmente um confronto com alguém vestindo a aparência da Clara. É a integridade da verdadeira que está em risco, e preciso fazer isso de uma maneira rápida o bastante para que ela não saia tão ferida no final.
Isso precisa acabar, e acabará hoje.
Diferente do que imaginei, Ferdinand não debateu quando eu disse que tomei minha decisão de dar um fim no caso da Clara. Sinceramente, esperei que ele refutasse minha vontade e argumentasse algo sobre tentar capturar ela para fazermos mais estudos sobre o Abismo... Mas ele apenas concordou, e falou que apoia minha escolha ser argumentar mais nada.
Vantagens de ser amigo do chefe.
Ou algum milagre aconteceu, sei lá.
Independente do que motivou Ferdinand a concordar com minha ideia, fico contente de saber que ele não tentará me impedir. Não suportaria manter a Clara por mais tempo sob a ameaça daquela entidade só para conseguirmos mais algumas informações.
Caminho apressado para meu quarto, me livrando das roupas que agora estão em um estado deplorável de tão sujas e com danos. Entro no quarto só com as roupas de baixo, alcançando uma toalha e seguindo ao banheiro.
Preciso de um banho quente para conseguir organizar todos os pensamentos.
Paro em frente ao espelho, encarando meu reflexo por um momento. Minha cara agora é horrível. Não por ter apanhado, mas sim pela expressão irritada que carrego. Meu olhar está endurecido e minha boca está rígida de forma que não lembro se já vi antes.
Aproximo mais do espelho, passando a mão devagar pelo rosto. Toco de leve a lateral do rosto, meu maxilar está levemente inchado e sem falar que está um pouco roxo, meu lábio inferior está com cortes em ambos os lados, e dói só de tocar.
Meu corpo ficou com alguns hematomas. A barriga está com as marcas dos vários chutes e socos que recebi, meus braços estão marcados também do que consegui defender, e minhas costas tem uma mancha imensa do golpe da televisão.
A adrenalina de antes mal me permitia sentir tanta dor, mesmo no carro meu sangue estava bem quente... Mas agora, cada parte do meu corpo já da pontadas com o menor movimento.
Vou para debaixo do chuveiro e abro o registro, sentindo a água quente tocando meu rosto e correndo o corpo, e de imediato meu corpo inteiro tenciona e começa a doer em fisgadas doloridas. Aperto meus olhos e os dentes, respirando fundo para resistir a dor, que lentamente vai se anestesiando em meio a pequenos calafrios.
Mesmo com as dores mais leves, permaneço parado por algum tempo, respirando fundo. Ainda de olhos fechados, passo as mãos pelo cabelo o jogando todo para trás e me lavando devagar, desfrutando um pouco da sensação da água correndo pelo meu rosto, descendo do pescoço ao peito e percorrendo corpo.
Concentro minha atenção apenas no chuveiro, esperando que o som da água corrente inunde meus pensamentos e me proporcione um pouco de calma neste momento...
Porém as imagens do que houve mais cedo retornam a minha mente como flashes.
Desde o momento que entrei naquela casa, toda a hesitação e minha impotência diante toda aquela situação, até o momento que a entidade desapareceu na névoa levando a Clara junto com ele. Tudo me passa como um filme de terror.
Eu agi como um amador, como da primeira vez...
A raiva da minha frustração volta a tomar meu peito. Aperto os dentes cerrando os punhos, golpeio a parede com toda a força com raiva e vergonha da minha falha, deixando escapar um pesado suspiro.
Hesitação... Aquilo foi patético. Um erro grotesco, que não poderá se repetir de forma alguma.
Se quero trazer ela de volta, não posso hesitar outra vez.
Prometi que a trarei de volta, e irei cumprir.
Apresso meu banho me lavando do melhor jeito que consigo, saindo do chuveiro e me enrolando na toalha. Quando estou para sair, paro antes de tocar a maçaneta. Por um momento tenho o pensamento de que poderei encontrar Clara no meu quarto, ou ainda sentada na minha cama como daquela vez.
Sacudo a cabeça afastando de novo essa ideia maluca. É obvio que isso não vai acontecer, a Clara está sob possessão daquela coisa... E nem em condições normais isso aconteceria.
Abro a porta e vejo meu quarto vazio. Olho em volta algumas vezes como se buscasse a certeza de que ela não está escondida em nenhum lugar, exatamente da forma que fiz antes, mas nada. Por algum motivo, fico levemente decepcionado por isso.
Vou para minha cama e sento na beirada, apoiando os cotovelos sobre os joelhos e encarando o chão momentaneamente. Meu corpo escorre lentamente, gotas caem dos fios do meu cabelo molhando o chão abaixo de mim, enquanto reflito sobre meu último pensamento.
Desde a primeira vez que saí daquele banheiro e encontrei Clara na minha cama, ainda mais me olhando daquela forma, algo meio que despertou em mim. Todas as vezes que ela estava aqui em casa, me batia uma expectativa de que ao sair do banho, ela estaria ali, no mesmo lugar e da mesma forma.
Da primeira vez apenas estranhei a surpresa causada pela sua presença, e apenas pedi para que ela saísse. Não sei como consegui isso.
Naquele dia eu gostaria de não ter pedido para ela sair... Mas também, isso ficou nos meus pensamentos.
Manter algum controle depois daquele olhar de desejo dela foi uma tarefa extremamente árdua, Clara estava me comendo com os olhos de todas formas, como nunca aconteceu antes. Meus instintos estavam gritando para agarrarem ela naquele instante... Mas meu bom senso falou bem mais alto, e pedi para sair.
E depois disso... Sempre quando saio do banho, esse pensamento... Essa expectativa...
Nas outras vezes que mencionei "banho" a ela e disse para que não fosse ao meu quarto, parecia que seu olhar se incendiava de alguma forma, mas sempre cogitei estar vendo algo que não existia.
Sei que posso estar delirando... Mas vez ou outra, tive a sensação de estar sendo observado.
E toda vez que estava para sair do banho, uma parte de mim esperava que ela estivesse lá assim que abrisse a porta.
Encontrar aquele mesmo olhar cheio de desejo passeando pelo meu corpo, a nítida vontade que ela tinha ali de arrancar as toalhas que sempre estou vestindo... Depois deitarmos na cama, eu podendo tomar sua boca em beijos profundos da forma que tanto quero, arrancar as roupas que ela estivesse usando, trocarmos olhares que entregasse nosso desejo de desfrutarmos um do outro, como já aconteceu antes.
Também penso muito em uma outra situação... Por que imaginar sair de um banho e ela estar lá na cama me esperando, quando Clara poderia estar em um banho comigo?
Seja desde o início, ou então entrando para me acompanhar. Ambas possibilidades que me agradam bastante.
Talvez com toques mais intensos ocorreriam, com sensações ainda mais interessantes causadas pela água quente percorrendo por nós, ouvir seus suspiros de cada ação nossa, assistir seu rosto se enchendo de prazer. Talvez ela seja ainda mais sedutora nesse momento.
Me pergunto como ela fica no banho. Será que tão atraente como já é normalmente, ou ainda mais?
E depois disso, quem sabe corrermos para a cama sem a preocupação de nos secar, apenas continuar tudo que já fizemos... Seja em um momento calmo e mais suave, abraçados desfrutando da suavidade do momento junto a olhares e carinhos, ou então um momento tomado pela intensidade do desejo, nos entregando a todo o calor que pode existir entre nós.
Espera, o que estou pensando?
Eu não deveria estar divagando sobre uma coisa como essas logo agora.
Me jogo na cama respirando profundamente. Meus olhos vão ao teto por alguns segundos, enquanto tento me acalmar... Me acalmar tanto da tensão deste momento, quanto dos meus desejos. Devo focar no que é realmente importante aqui, e não nos meus frequentes desejos por aquela garota.
Tudo bem, preciso avaliar tudo que sei para bolar uma estratégia.
Sei da força atual que a entidade tem controlando o corpo da Clara. Aqueles golpes foram pesados, e me deram uma boa noção do que irei encarar. Fisicamente, sei que consigo manter um combate equilibrado, quem sabe até ter uma certa vantagem se não me precipitar...
Apesar que seria um amadorismo meu imaginar que aquela é toda a força que a entidade pode ter agora. Preciso cogitar que aquilo ainda não era sua força total, ela pode estar escondendo seu real potencial físico.
Sendo assim, eu preciso considerar que um confronto direto será mais complicado...
E também, não quero ter que recorrer a uma luta direta e correr o risco de ferir o corpo da Clara. Deixarei um embate direto como um recurso apenas para me defender. Caso a criatura chegue muito perto de mim e tente combate físico, preciso tentar me defender e achar uma brecha para imobilizar ela.
Posso considerar o uso das runas pra tentar uma abordagem mais rápida. Com o uso das runas certas, talvez eu possa derrubar ela sem prolongar muito um confronto. O ideal é pensar quais runas poderei usar para isso.
Apesar que, isso me fez pensar em um detalhe. A entidade está controlando o corpo da Clara, e disse que estava aprendendo coisas por estar dentro do corpo dela. Será que existe a possibilidade de realmente ter acesso a todas as memórias dela?
Isso é preocupante. Porque se realmente aprender as coisas pelas memórias da Clara, é apenas questão de tempo para que consiga aprender o uso das runas... Isso se já não aprendeu a essa altura.
Talvez deva considerar isso antes de dar cara a tapa. Não tem como garantir que a entidade saberá utilizar as runas da Clara e se saberá utilizar da mesma forma que ela, mas é bom não ignorar essa possibilidade. Me manterei cauteloso quanto a isso, só por via das dúvidas.
Outra coisa importante... Pelo que percebi desse último confronto, talvez aquela coisa tente utilizar de jogo psicológico para poder me abalar. Preciso admitir, isso deu extremamente certo.
Cada coisa que me dizia, eu acabava sem reação e, como consequência, de guarda baixa. Para mim, eu não conseguia enxergar a entidade me desestabilizando. Por mais que eu soubesse que na realidade, quem estava ali era a entidade, ver o rosto da Clara me desarmava, e cada coisa dita tirava todas as minhas reações.
Ainda bem que nem a Clara quanto aquela coisa sabem do meu passado... Caso soubessem... O jogo psicológico seria muitas vezes pior.
O mais difícil foi, e será, enfrentar a entidade usando o corpo da Clara, usando a voz dela. Preciso ter em mente que isso será necessário, preciso enfrentar essa farsa para trazer a verdadeira de volta... Aquela coisa vai tentar falar, vai usar a voz da Clara para me confundir e ganhar brechas.
Aquela não é a Clara. Tenho que estar certo disso para conseguir lutar sem me conter e sem ter grandes problemas. Se ela falar, devo ignorar. Se reagir para tentar me abalar, devo ignorar.
Aquela não é a Clara.
Dizer isso agora é fácil, quero muito ver como será quando estiver frente a frente com aquela coisa... Duvido que continuará tão fácil.
Além do mais, a entidade espera que eu siga para o mesmo galpão onde fiz o feitiço para retirá-lo do corpo da Clara. Por que justamente aquele lugar?
Aquele lugar já tem pouca luz, e muito provavelmente irá estar próximo do anoitecer quando chegar. Isso significa que estará bem escuro e a visibilidade vai cair muito.
Existe a chance daquela coisa tentar usar a pouca luz para me pegar desprevenido. Pelo que lembro, ele consegue criar a névoa mesmo estando dentro do corpo de alguém... Bom, isso é obvio, se lembrar daquela vez que a entidade possuiu um corpo animatrônico. A névoa esteve presente, só que com o corpo da Clara, a entidade consegue se ocultar na névoa.
Aliás, quando a entidade estava no corpo daquele animatrônico, ele foi capaz de alterar a aparência e um pouco da estrutura robótica, se assemelhando muito a um ser orgânico. Além disso, ainda havia a presença de chamas emergindo de dentro da couraça daquela coisa... É horrível pensar nisso, mas preciso estar preparado para caso uma mudança desse tipo aconteça.
Agora, toda e qualquer possibilidade precisa estar na mesa para que eu consiga enfrentar essa coisa do melhor jeito. Tudo que aprendi sobre essa criatura em específico fará diferença agora.
Ao meu ver, já tenho uma base para começar a traçar um plano de ação. Evitar combate físico de imediato, tanto para ver qual a força atual do corpo da Clara quanto evitar ferimentos no corpo dela. Após ver melhor as capacidades da entidade, tenho que tentar usar as runas mais adequadas para conseguir desmaiar ela o quanto antes e terminar com isso.
O foco é conseguir trazer a Clara de volta, evitando o máximo de danos possíveis a ela.
Me coloco de pé, arrancando a toalha da cintura e me secando. Chego em frente ao guarda roupa, olhando minhas roupas cautelosamente. Não tenho mais como fugir disso, preciso me aprontar.
Alcanço o paletó azul marinho e visto, me ajeitando em frente ao espelho. Alinho bem a gravata escura dentro do colete por uma última vez e avalio como estou. Um terno slim que consegue ser agradável e faz com que eu me sinta bem.
Sabendo que estou para entrar em confronto com uma criatura daquelas, não faz sentido me arrumar tanto como estou fazendo agora. Bom... É meu trabalho, minha forma de dizer a mim mesmo que irei levar as coisas a sério.
Se quero trazer a Clara de volta, não posso ir como alguém que mantém sentimentos e se sente profundamente atraído por ela. Não posso fazer isso apenas como homem, isso irá me cegar.
Farei isso como o guardião que jurou protegê-la.
Abro a última porta do meu guarda roupa, de onde puxo o meu sobretudo cinza que me serve como uma armadura. Definitivamente precisarei disso para hoje.
Ele está bem surrado, e muitos danos estão bem aparentes por ele inteiro. As marcas chamuscadas daquela noite da balada estão presentes nas mangas, sem falar de alguns pequenos furos e rasgos pelo tecido. Apesar de seu estado, ele vai cumprir com seu papel.
Visto o sobretudo, sentindo o peso da roupa caindo sobre meus ombros, seguindo para a sala e resgatando meu celular do sofá. Antes de desbloquear a tela, me vem a expectativa de ter alguma mensagem de Clara falando que acordou em um lugar estranho e me pedindo pra ir buscar ela, e talvez me xingando por demorar para responder... Mas nada dela.
Apesar disso, tem algumas mensagens tanto de Amanda quanto Ferdinand. Sem esperar abro primeiro as mensagens de Amanda.
Amanda: Consegui pegar tudo que precisava.
Amanda: Agora já estou indo me encontrar com Ferdinand.
Amanda: Pelo horário, meu irmão cedeu seu consultório. É para lá que você deve ir.
Amanda: Estaremos te esperando.
Brian: Obrigado Amanda.
Brian: Desculpe toda essa urgência. As coisas aconteceram muito rápido.
Amanda: Está tudo bem.
Amanda: Para nós, esse tipo de coisa pode mesmo acontecer com mais frequência do que gostaríamos.
Amanda: Só trate de trazer a Clara de volta, entendeu?
Brian: Eu irei.
Amanda: E uma coisa importante Brian.
Amanda: Farei um feitiço de exorcismo, e para que os resultados sejam melhores é preciso que o alvo esteja incapacitado de alguma forma para não haver resistência...
Amanda: Entende o que quero dizer, não é?
Brian: Farei o que for preciso...
Sim, sei bem o que quer dizer. Precisarei desacordar ela de alguma forma. Se não for desse jeito, não terei condições de levar a Clara até eles.
Releio tudo que acabamos de falar, troco as conversas e vou para as mensagens de Ferdinand, e... É... Acabo arrependido de abrir as mensagens do meu chefe.
Ferdinand: Assim que terminamos de falar, Amanda me ligou.
Ferdinand: Ela já tem um plano... Um bom plano inclusive.
Ferdinand: A essa altura, é muito provável que você também já tenha um.
Ferdinand: Certo, vamos direto ao ponto.
Ferdinand: Pelo que me disse, você tem "hora e local marcado" para encontrar a entidade...
Ferdinand: Local esse que estará vazio...
Ferdinand: Abandonado...
Ferdinand: A noite...
Ferdinand: Ahn... Pera...
Ferdinand: Brian...
Ferdinand: Isso é o que? Um tipo de encontro exótico?
Ferdinand: Por acaso você está planejando transar com a entidade no corpo da Clara?
Ferdinand: E pior que as coisas se encaixam... É isso mesmo?
Ferdinand: Caramba...
Ferdinand: Não sabia que você tinha tara nesse tipo de coisa.
Ferdinand: As fantasias de hoje em dia estão cada vez mais estranhas...
Ta bem... Definitivamente Ferdinand tem menos da metade da seriedade que Amanda tem... Caramba, foram dezesseis mensagens, e tudo que ele fez foi conseguir me constranger ao deturpar toda a situação... Que cara mais sem noção...
Vamos levar pelo lado positivo, falando assim ele conseguiu quebrar toda a tensão que estava a minha volta, apesar de me causar uma baita vergonha alheia no processo.
Brian: Por favor... Menos...
Ferdinand: Foi preciso. Te conhecendo como conheço, deve estar todo estressado.
Brian: Vamos tentar nos focar aqui?
Ferdinand: Ta vendo? Estressado.
Ferdinand: Se não sou eu para descontrair, você sairia soltando mais fumaça que um trem.
Ferdinand: Parece exagero da minha parte, mas você precisa estar de cabeça fria Brian.
Ferdinand: Você está em uma situação que, por si só, já tem uma carga muito pesada.
Ferdinand: E ir para lá de cabeça quente só vai te matar...
Ferdinand: Ou te fazer matar a Clara.
Engulo em seco com essa última mensagem, o pior de tudo é que ele está certo. Se eu não estiver calmo, talvez tome alguma atitude que seja extremamente desastrosa.
Passo uma mão impacientemente pelo rosto, inspiro profundamente e solto bufando. Passo meus olhos pelas mensagens por algumas vezes, levando um bom tempo até finalmente conseguir responder algo.
Brian: ...
Brian: Nem quero pensar nessa possibilidade.
Ferdinand: Pois então, acalme-se.
Ferdinand: Agora preste atenção.
Ferdinand: O ambiente terá pouca luz. Então um ataque surpresa é óbvio.
Ferdinand: Vigie suas costas a todo momento.
Ferdinand: E outro conselho...
Ferdinand: Aquela coisa está vestindo o corpo da pessoa que você jurou proteger.
Ferdinand: Ele tentará abalar seu psicológico usando a aparência dela.
Ferdinand: NÃO CONFIE EM SEUS OLHOS!
Ferdinand: Confie nos seus instintos, e siga sua intuição.
Ferdinand: Fui claro?
Brian: Sim...
Ferdinand: Certo. Não tenho mais nada a dizer.
Ferdinand: Estarei torcendo pelo seu sucesso. Sei que você consegue.
Suspiro guardando meu celular no bolso da calça. Vou andando apressado para a cozinha, repassando os conselhos do meu chefe, principalmente a parte de me acalmar. Encho um copo com água e gelo e viro na boca dando longos goles. É inevitável não ficar nervoso nessa situação, a ansiedade para esse momento cresce dentro de mim em cada segundo.
Em outras situações eu não fico assim. Outras vezes que lutei contra essa entidade, ou precisei encarar outras tarefas, sempre agi normalmente. Mas hoje, tendo um local e hora para ir e resolver algo tão importante, é difícil conseguir me manter calmo.
Apesar que ser ansioso não é uma novidade para mim. Sempre que tenho algum evento marcado, seja uma festa ou encontro, acabo ansioso dessa forma... Por mais que hoje não seja nenhum tipo de "evento".
Mas preciso fazer o que for possível para manter o controle.
Ficar pensando sobre isso não irá resolver nada agora. Sem falar que não tem para onde correr, preciso resolver isso por mim mesmo. Apenas gostaria que as coisas tivessem acontecido de uma maneira diferente.
Estou para sair, mas algo me vem em mente como em um estalo. Volto correndo ao quarto, pegando a calça que estava vestindo antes. Vasculho os bolsos os apalpando, alcançando a pedra do colar da Clara.
Ela continua como todas as outras vezes, linhas enegrecidas com tons avermelhados pulsantes em seu interior. Aparentemente o feitiço de Amanda continua ativo, estar longe da Clara não deve interferir em sua funcionalidade.
Lembro o que a própria Clara disse uma vez. Um colar que repele forças hostis. Levar essa joia comigo pode ser útil, só espero aprender como ela funciona.
Guardo a pedra no bolso interno do meu paletó e deixo meu quarto. No caminho para a sala alcanço a chave do carro e me apresso para fora de casa, trancando tudo e indo para o carro.
Minhas mãos tremem de preocupação, e meu estomago se revira trazendo uma forte sensação de desconforto. Paro ao lado da porta do condutor, debruçando os cotovelos sobre o teto do veículo enquanto respiro fundo, passando os dedos pelo meu cabelo o bagunçando um pouco. Meus olhos correm pela rua algumas vezes enquanto aperto a boca, esperando que de alguma fora todo o dia de hoje esteja sendo apenas um pesadelo, mas sei que estou bem acordado.
A expectativa pelo que irei enfrentar daqui poucas horas só aumentam meu nervosismo, e sei bem que quanto mais me aproximar daquele galpão, a sensação ficará pior. Isso será difícil.
Destravo as portas do carro e entro, ligando o motor mas sem sair do lugar. Olho para próximo do câmbio, encontrando o pen drive que Clara trouxe uma vez. Fiquei de devolver para ela, mas acabei escutando suas músicas... Tenho que admitir que o gosto musical dela me agrada.
Sem esperar, ligo o dispositivo no rádio, coloco para rodar no automático e aumento o som. Espero que ela não se importe de eu demorar só mais um pouco para devolver.
Curto a primeira música, fechando meus olhos e deixando o som animado invada minha mente e proporcionem um pouco de relaxamento. Aproveitando que estou sozinho, me permito tentar cantar trechos de algumas das músicas.
Quando me dou por satisfeito, seguro o volante e acelero. Não posso mais adiar o inevitável.
Percorro a estrada vazia, muito mais devagar do que da última vez. Da vez que vim com Clara, nem sei por quanto tempo desrespeitei os limites de velocidade, só sei que me mantive a todo tempo acima dos 170km/h. Agora, estou tão apreensivo que não consigo correr daquele jeito.
Gostaria de saber o que ela poderia estar pensando ao me ver correndo daquela forma. Acho que devo ter dado a impressão de querer me livrar dela logo...
Vou passando os olhos pela estrada vazia e pelo matagal ao redor, vendo a luz se tornando cada vez mais ausente. Em pouco tempo, esse lugar inteiro se tornará um verdadeiro mar de escuridão, e a iluminação aqui não é das melhores. Já está se tornando difícil conseguir enxergar a estrada, e logo isso ficará pior.
Olho as placas e sei que já estou perto da saída, e por isso vou abaixando a velocidade. A estrada de terra que peguei antes está um verdadeiro breu, e acabo indo bem devagar para não danificar o carro. Será um problema conseguir resolver as coisas, mas não ter como voltarmos para a cidade.
Pela pouca iluminação, consigo ver que o galpão está a poucos metros de distância, e bem ao lado o prédio abandonado que praticamente ignoramos. Aperto um pouco o volante e engulo seco, tenso pelo que irá acontecer.
Estaciono a uma certa distância e desligo o carro. Tiro celular, chave e qualquer outra coisa dos meus bolsos e deixo sobre o banco do passageiro, e antes de sair, dou uma olhada em volta, tentando encontrar qualquer coisa que indique uma movimentação.
Nada, está tudo muito quieto.
Saio do carro, apenas o som do vento pode ser ouvido agora, o ar gélido da noite toca meu corpo e o evolve profundamente me trazendo arrepios pelas costas. O céu está fechado, mal consigo ver a lua ou alguma estrela, existem apenas nuvens densas.
Olho em volta e foco no galpão, ele está com as portas abertas, do mesmo jeito que eu e Clara deixamos quando fomos embora.
Me aproximo devagar, tomando cuidado para que meus passos não sejam muito ruidosos... Apesar que, parando para pensar um pouco, meu carro já entregou que cheguei, então não adianta muito tentar manter alguma descrição.
Bem em frente a porta, vejo pedaços de papel rasgado. Vários deles, tanto que quase os ignoro, mas percebo algo familiar estampado nessas folhas. Vasculhando rapidamente os vários pedaços, percebo serem todas as runas que dei para a Clara... A entidade destruiu todas...
Entro devagar no galpão, parando próximo a porta. Está tudo escuro, e não existe o menor ponto de luz ou algo que me dê alguma direção. Está na hora de usar as runas a meu favor, mas diferente da Clara, não preciso ter as runas comigo para ativá-las.
Vantagens de uma memória fotográfica, apenas ter o desenho das runas em mente é o bastante para que eu consiga ativá-las com toda a potência.
Ergo a mão esquerda, sentindo como se um calafrio percorresse meu braço em direção a minha mão. Ele se reúne e aquece a cada segundo concentrando-se na minha palma de um segundo ao outro.
Um forte clarão surge e a luz se estabiliza e de imediato aponto a mão para o galpão, rompendo as densas sombras que existem dentro do lugar, me revelando tudo que existe ali. Vou movendo minha mão iluminando todo o lugar, tanto em busca de sinais da entidade, quanto para relembrar deste ambiente. Os sinais do confronto que tive estão aqui, arrisco dizer que não mudou nada.
Ouço o barulho repentino de madeiras sendo rompidas com toda a violência atrás de mim, e prontamente me viro para ver o que é a causa desse barulho. De imediato noto que a estrutura logo acima da porta do galpão foi rompida por algo, e um vulto semelhante a um corpo surge caindo, agarrando-se na porta e balançando em minha direção.
Antes que consiga me defender, meu queixo é golpeado e sou lançado para trás. Meu corpo cai em um som abafado e a dor me aflige. Toco o queixo com a ponta dos dedos, por sorte não me machuquei com esse golpe.
Foi como pensei e também como Ferdinand disse, haveria um ataque surpresa.
Olho para a figura de pé a minha frente. A penumbra oculta bem seu corpo, a única coisa que consigo enxergar é o brilho de seus olhos vermelhos vivos cravados em mim.
- Olá olá... Brian... Você veio mesmo... – Ouço a voz de Clara, mas carregada de agressividade junto a uma risada seca.
- Eu tinha que vir. – Me levanto devagar, sem tirar meus olhos da criatura a minha frente.
- Que fofo... Nós estávamos te esperando. – Diz, agora sua voz sai muito mais semelhante a da Clara que conheço. Não existe a hostilidade, apenas a voz dela, e novamente isso me deixa um pouco incerto de como reagir.
Não respondo. Apenas me coloco de pé, tentando ignorar qualquer coisa que esteja pensando ou sentindo agora. Devo me lembrar o mais importante, quem está a minha frente não é a Clara.
Sua mão se ergue devagar até estar em frente ao corpo, e de repente uma imensa esfera luminosa surge em na palma de sua mão, forte o bastante para iluminar seu corpo e todo o ambiente.
A luz revela o sorriso retorcido no rosto que deveria ser da Clara junto ao intenso olhar focado em mim. As roupas que vestia antes estão destroçadas, a blusa que usava está com as mangas arrancadas a força, e o mesmo aconteceu com as pernas da calça que agora mais se assemelha a um microshorts.
A pele da Clara está aparentemente beirando entre tons brancos e o cinza mórbidos, e agora posso ver as muitas cicatrizes causadas pela entidade desde aquela viagem a praia, e que Clara manteve escondida.
Seu olhar assume sua agressividade, e ela sorri de forma distorcida – Vamos nos divertir!
Sua voz ecoa como um poderoso grito que afeta o lugar inteiro. A pressão de sua voz atinge meu corpo como uma rajada, até parte da estrutura reage a potência de seu grito.
Isso me revelou muitas coisas, algumas mais preocupantes do que as outras. Essa manipulação de agora foi a runa da luz exatamente como a Clara faz. Isso já significa que as runas podem estar com a entidade agora... E o pior de tudo, essa coisa parece já ter entendido como elas funcionam.
Aos poucos, a névoa característica da entidade começa a emergir do chão e ganhar altura, tornando-se mais densa a cada segundo. A entidade fecha seu punho e a luz cessa, e logo estou de volta ao mesmo mar de escuridão de antes. Nem seria necessária a névoa. Já está tão escuro que é extremamente difícil ver qualquer coisa aqui dentro.
Dou alguns passos para trás, olhando de um lado ao outro tentando prever qualquer ataque, mas nada vem.
Sem perceber, esbarro em algumas caixas e perco meu equilíbrio, mas por sorte consigo permanecer de pé. Uma risada ecoa pelo local logo após meu movimento desastrado, uma risada muito parecida com a da garota que conheço – Você realmente acha que pode fazer algo aqui Brian?
Me mantenho calado, escutando passos rápidos a minha esquerda. Viro-me na direção dos sons e vejo o vulto caminhando calmamente, seus olhos se destacam dentro das sombras e estão focados em mim, lentamente esvanecendo até sumirem por completo. Tudo fica quieto, e então novos passos podem ser ouvidos do lado oposto no andar de cima, mas logo tudo se acalma.
- Clara já está sob meu controle. – Ouço de uma direção diferente dos passos, e logo a minha frente percebo um vulto negro com olhos vermelhos avançando contra mim, golpeando meu estomago em um forte impacto. O golpe arranca meu fôlego e me desequilibra, e a criatura mergulha outra vez na escuridão. – Ela aceitou ceder seu corpo a mim.
Tusso algumas vezes com o ataque recebido, recuperando meu ar – Tenho minhas dúvidas quanto a isso...
- Ah, é mesmo? – Minhas costas são atingidas por algo duro que se arrebenta. Minhas pernas cedem pelo impacto e acabo de joelhos a apoiando ambas as mãos no chão, percebendo pedaços de madeira estraçalhada caindo ao meu redor.
A minha sorte é que estou conseguindo resistir bem a esses golpes
Um som diferente chama minha atenção, parece com... Estática.
Fico de pé o mais rápido que posso e olho em volta. Esse barulho só pode significar a runa do raio, e é uma runa que é possível de identificar pelo som e também pela luz que os raios produzem, e nesse momento procuro pela luz.
Corro os olhos de um lado ao outro mas não vejo nenhuma fonte de luz, mas o som de estática continua presente. Se não está pelo chão, só pode estar pelo alto, e instintivamente ergo os olhos procurando pela criatura.
De um lado ao outro tudo que existe são as trevas, mas o maldito som ainda existe.
Fecho meus olhos e me concentro, observando não consigo encontrar, então não devo confiar em meus olhos. Se existe som, então está aqui perto, só preciso identificar onde que pode estar. A estática continua, contínua, seu som está...
Giro o corpo movendo meu braço para trás. Meu cotovelo acerta algo com toda a força, que arfa com o impacto e sinto o peso sobre meu braço – Atrás de mim!
O olhar arregalado da criatura sob meu ataque mostra como foi algo inesperado, e sua boca escancarada indica a eficácia do meu golpe. Seu olhar incrédulo vem a mim lentamente, em um misto de fúria e confusão. Percebo seu punho erguido, estáticas percorrem em torno de seus dedos porém logo desaparecem.
Endireito o corpo enquanto essa versão "Clara pesadelo" leva as mãos ao estômago. Abro a mão e, o mesmo calafrio de antes percorre meu braço em mais intensidade, e raios de tonalidade branco azulados percorrem meu braço em toda sua intensidade.
Agarro seu rosto e aperto os dedos para impedir que escape de mim e descarrego toda a carga acumulada no corpo dessa coisa, e um grito abafado sai de sua boca. Meu coração se aperta por estar ouvindo não a entidade, mas sim a Clara gritando de dor.
Aperto os olhos e intensifico a carga ao máximo, o objetivo não é ferir... Mas imobilizar.
Tiro a mão de seu rosto e me afasto um pouco, encarando ela de cima a baixo. As ondas elétricas são visíveis, percorrem em torno do corpo da Clara sem parar, mas sei que não estão machucando, apenas contendo seu corpo. Fico contente que isso já tenha sido resolvido.
- Muito bom Brian... – Um sorriso surge no rosto desse pesadelo, que me encara nos olhos sem o menor sinal de rendição – E agora?
Meu plano é levar ela de volta, mas o mais adequado é desacordar seu corpo. Talvez imobilizar antes de desacordar não tenha a melhor das ideias.
A criatura segue sorrindo, apertando os dentes e logo seus punhos se fecham e começo a notar algo diferente, que inevitavelmente me surpreende. Os raios se tornam instáveis, e de repente a energia cede em uma onda propagada com extrema força, suficiente para me obrigar a recuar.
Pisco algumas vezes, enquanto a criatura move a cabeça de um lado ao outro – Mas...
- Runa do impacto... A favorita da minha Clara... – Responde sorrindo, erguendo seu punho rapidamente em minha direção, e abrindo seus dedos de uma vez.
Uma onda tão forte, semelhante a uma explosão invisível, atinge meu corpo com toda a violência me lançando para trás. Minhas costas atingem algo extremamente duro. Meu corpo cede para frente e me choco com o chão.
O baque me deixa desnorteado, as coisas estão rodando, mas mesmo assim tento me colocar de pé, sacudindo a cabeça. Meus olhos focam na entidade, que mantem seu sorriso e um olhar de desafio focado em mim.
- Como... – Começo a falar, resmungando de dor – Como você consegue usar as ruas?
- Tenho todas as memórias da minha Clara. – Diz sorrindo, enquanto bate suas mãos em um sinal semelhante ao de uma reza. Uma luz esbranquiçada surge e um largo punhal toma forma. O mesmo punhal que Clara consegue moldar, mas esse é diferente, seu fio é enegrecido – Isso inclui saber sobre cada uma das runas que ensinou... E me permite dominá-las melhor que ela.
- E também saber o lugar onde a Clara guarda as runas... – Afirmação idiota, é obvio que sim. Todas estão rasgadas em frente a esse lugar.
- E agora, todas as runas que deu a ela estão sob meu total controle... – Diz ostentando um largo sorriso, tocando um dedo na lateral da testa. – Note comigo como esse mundo é repleto de doces ironias... Ela tem as runas para se proteger de mim, e agora usará para eliminar você, o tão querido guardião dela...
Tudo bem, apesar de torcer para que algo assim não acontecesse, boa parte de mim já esperava por uma situação como essa. A entidade saber usar as runas não é uma surpresa, mas preciso pensar como lidar com isso.
A expressão intensa some de seu rosto, e no lugar surge um dos sorrisos que vi no rosto da verdadeira Clara por tantas vezes – Me permita testar. – Diz com a voz animada, idêntica a voz da jovem mulher que conheço.
Sua mão ergue e o punhal começa a ser rodeado por uma forte energia avermelhada. A luz emanada é tanta que todo o lugar é iluminado em tons inconstantes, e o poder é tanto quanto o que Clara usou na primeira vez que ativou a runa do raio.
Porém dessa vez não são raios... Chamas envolvem o gume do largo punhal negro.
A criatura ergue sua mão em minha direção e em um impacto, um forte cansaço me atinge. Meus olhos pesam e meu corpo não me responde muito bem. Meus ombros apenas pesam e minhas pernas recusam a se mover. O que foi isso?
A criatura desce a mão de uma vez, e uma imensa varredura flamejante vem em minha direção em um destrutivo poder cortante unido ao fogo.
O choque pelo que acabo de ver toma conta de mim, estou atônito diante da imensa varredura cortante diante de mim, surpreso pela entidade conseguir criar algo nesse nível com tamanha facilidade e em tão pouco tempo.
Desperto dos meus devaneios e como consigo me desvio, jogando meu corpo para o lado e indo ao chão. O ruído de algo sendo destroçado invade meus ouvidos, mas ignoro. Tenho outras coisas para me preocupar.
Raciocino um pouco e entendo o que causou esse cansaço tão repentino, a runa da sensação. É impressionante como conseguiu usar duas runas tão bem, e ainda por cima ativar um poder que sequer ensinei a Clara. Preciso fazer algo para conseguir romper o efeito de cansaço da runa.
Me coloco de pé e encaro onde a entidade estava, porém não tem mais ninguém a li. Desapareceu outra vez, de onde irá me atacar agora?
De repente algo cai a minha frente, me pegando de surpresa. Um estranho peso recai sobre meu ombro esquerdo e um afiado objeto gélido invade fundo minha pele, tão pesado que acabo encurvando o corpo para frente.
Resmungo de dor quando a o objeto esquenta e sinto queimando minha carne a um nível enlouquecedor. A entidade força o punho ainda mais e arranca o objeto o atingindo no chão em um som metálico, ao mesmo tempo que o ruído do tecido rasgado ecoa em meus ouvidos.
Aos poucos o lado esquerdo das minhas roupas vai umedecendo, e uma dor latente começa, unido a sensação do meu corpo estar queimando por dentro.
Mal tenho tempo de confirmar do meu ombro que acabou de ser cortado, e a criatura faz um novo ataque vindo de baixo, tudo que vejo é o fio da lâmina envolvido por chamas raivosas vindo contra mim.
Dou um pulo para trás e consigo me desviar por muito pouco. O preocupante é que esse ataque foi rápido, até demais. Será que essa coisa está usando também a runa da velocidade?
Foco em seus olhos, enquanto faço com que minha lâmina surja no meu braço bom. Isso está complicado e não sei se aguento manter um confronto de espadas, mas terei ainda mais dificuldades se tentar enfrentar essa coisa de mãos nuas...
Minha mestra com certeza me daria um longo sermão se ouvisse esse meu pensamento.
Afasto esses pensamentos e volto o foco na criatura. Sua intensidade não mudou, mas por entre a névoa e seu sorriso destrutivo, parece que ela está um pouco ofegante, e tenho a impressão de ver algumas gotas de suor caindo pelo seu rosto... Espera, será que...
Talvez... Ele tenha o mesmo problema que a Clara tinha quando começou a usar as runas.
O rápido cansaço pela inexperiência.
Talvez seja isso. A entidade tem as memórias da Clara, mas talvez ainda não tenha absorvido todas as memórias de fato, nem todas as experiências dela. Isso explica o motivo de já aparentar alguma exaustão. É um pouco de imprudência imaginar que uma criatura dessas já esteja se cansando, mas caso a situação seja essa, então tenho uma boa maneira de ganhar.
Pelo cansaço.
- Parece que se empolgou um pouco... – Diz enquanto gira o punhal entre suas mãos, me encarando com um sorriso.
- Um pouco. – Digo atento, erguendo a lâmina para me preparar para um próximo ataque.
Em tentativa, tento mover meu braço esquerdo, mas só de tentar uma pontada me atinge, tão forte que meu corpo estremece e minha visão embaça. Minhas pernas perdem a força por causa da dor, mas mesmo com elas tremendo, consigo permanecer de pé.
Aperto os olhos e recuo um passo, e quando dou por mim a entidade faz algo. Sua mão balança o punhal suavemente e dessa vez, pequenos raios correm em torno do gume, e a criatura realiza um corte lateral rapidamente.
Uma nova varredura se propaga em minha direção, porém agora os tons são tomados pelo azulado junto ao som de estática. Ergo minha própria lâmina e me defendo, mas preciso forçar meus dedos ao máximo para que ela não seja arrancada de mim e também não ceder a eletricidade que corre pelo meu corpo.
Aperto os olhos e os dentes, me esforçando ao máximo para resistir a eletricidade. Espasmos correm pelo meu corpo e estou perto de cair. A energia desaparece de repente e respiro ofegante, dando alguns passos desorientados para tentar permanecer erguido.
Viro meus olhos novamente contra aquela coisa, ela avança sobre mim com seu punhal erguido, e metal encontra metal num choque ensurdecedor. Vejo que segura seu punhal com ambas as mãos e tenta me golpear de novo, e de novo.
O som das lâminas se encontrando repetidas vezes ecoa pelo ambiente, a força que ela aplica é grande, avançando e me pressionando a cada segundo em ataques que são cada vez mais rápidos. Perdi a conta de quantos golpes defendi ou desviei.
Meu corpo está se cansando cada vez mais, estou suando e ofegante e com as dores cada vez maiores. Me defender está sendo uma tarefa muito difícil.
O punhal dela começa a ser rodeado de eletricidade novamente, e em uma mudança de movimentos me ataca outra vez que consigo me defender... Mas esse ataque... Diferente de antes não foi puramente agressivo, ele foi mais suave, preciso do que antes.
Ela lança o punhal de uma mão a outra, girando o corpo e, diferente de um golpe com a arma, ela gira seu corpo sobre a ponta dos pés e salta, direcionando um chute contra meu rosto. Ergo o braço e consigo me defender do ataque sem me abalar muito, porém um novo ataque vem com seu punho livre, e por mais uma vez consigo defender.
Ela gira a lâmina em sua mão e lança em uma direção por entre a névoa, e apenas ouço o som de algo sendo arrebentado, mas não desgrudo meus olhos dela. Seu sorriso aumenta e vejo ela abrindo suas mãos, e novamente uma quantidade massiva de raios correm ao redor de seus braços... Não...
Dessa vez percorrem pelo corpo inteiro.
Ela salta em minha direção movendo suas mãos como garras. Me abaixo e escuto o som de várias ondas de choque simultâneas percorrendo o ambiente, e os ruídos de várias coisas arrebentadas pode ser ouvido. Som de madeira e metais partidos ecoam pelo ar, fragmentos atingindo o chão aos montes inundam minha audição, mas tento manter o foco.
Ainda abaixado, ela vira sua perna e tenta me chutar. Ergo o braço mas a velocidade é tanta que me desequilibra. Rolo pelo chão com a força e me coloco de pé em um pulo, dando passos para trás enquanto ela vem contra mim mais uma vez.
Sua velocidade é extrema. Seus punhos vem a mim, alguns golpes consigo aparar. Ela soca e tenta me chutar, mas vou desviando, alguns se seus golpes passam muito perto, e todos imbuídos de pura eletricidade que se propagam em curtas ondas.
Vou recuando, olhando de relance o que pode ter atrás de mim, tomando o maior cuidado para não tropeça e nem ser atingido.
De repente a runa do raio cessa e a entidade para seu ataque, permanecendo parada onde está. Apesar de seu punho apertado e tremendo pela extrema força, seus pés não se movem e seu olhar vai ao chão... E dessa forma permanece.
Essa expressão, parece até estar desnorteada... Perdida.
Não entendo o que está havendo, mas em uma explosão a runa do raio ressurge em toda a força e um novo ataque vem contra mim. Por causa dessa minha distração, ela consegue me acertar um soco no peito que me arrasta para trás.
Gemo de dor com o impacto, e o pior vem a seguir. A corrente elétrica invade meu corpo em uma onda que me desestabiliza. Respiro fundo com a repentina energia que invadiu meu corpo, e um novo soco me atinge, dessa vez na região do estomago.
Abaixo os braços e mais um golpe me atinge no rosto, seguido de outro e mais outro. Mal consigo erguer meu braço com o ombro machucado, e caso eu tente as pontadas são profundas e turvam minha visão, e cada golpe dificulta tudo ainda mais.
Ela coloca ambas as mãos nos meus ombros, apertando principalmente meu ombro cortado causando uma pontada forte, e ativa a runa do raio mais uma vez. A carga elétrica é tamanha que mal consigo gritar de dor, apenas sinto tamanha carga invadindo cada parte do meu interior, e tudo se turvando profundamente.
Recuo alguns passos, atordoado pelo ataque. Sacudo a cabeça e tento focar na criatura a minha frente. Ela ergue a mão devagar com a palma apontada para mim, e um impacto ainda mais extremo que o anterior me atinge.
Meus pés abandonam o chão e meu corpo é arremessado para trás com uma violência que nunca senti antes, e o vento me envolve com toda a velocidade. Por um momento tenho a sensação de ter desmaiado, mas isso some quando meu corpo atinge o chão e acabo rolando por algo áspero e atingindo algo que arranha e pinica minha pele minha pele.
Pisco algumas vezes, apalpando em volta percebendo a consistência do chão embaixo de mim. Viro o corpo ficando de barriga para cima, encarando o céu fechado sobre mim. Tateio e percebo que a sensação estranha é da grama... A runa do impacto foi extremamente mais forte, me arremessou para fora do galpão.
Ouço o som de algo desabando, barulhos de madeira e metal invadem meus ouvidos. Abro os olhos e lentamente ergo meu corpo. Com dificuldade, consigo distinguir um pouco as coisas. Está escuro e tudo embaçado, mas é possível ver que o galpão acabou de vir abaixo, e caminhando em minha direção está aquela "Clara pesadelo".
- Preciso provar mais que Clara me cedeu esse corpo por vontade própria? – Ouço sua voz risonha, enquanto a estática surge outra vez. A intensidade parece maior, e cada vez mais perto de mim.
Tento me erguer, mas meus braços não tem força para que eu consiga me levantar.
Ouço seus passos e vejo ela se aproximando de mim com um sorriso de plena superioridade. Seu olhar vem em mim, me encarando como um derrotado – Você perdeu Brian, aceite agora... Clara é minha, seu corpo e sua mente me pertencem... Ela desistiu de você...
Não consigo responder, apenas encaro sério a criatura. Está sorrindo, mas notei algo. Está ofegante, muito ofegante. Sua postura física entrega um cansaço muito grande, e seu olhar também parece de pleno cansaço.
Ela ergue seu pé e pisa no meu peito com toda a força. O peso é tanto que tenho a impressão do meu corpo afundar, sem contar a contínua descarga elétrica que invade meu corpo. Aperto os dentes e fecho os olhos, tentando resistir ao máximo que consigo.
- Ela está vendo tudo... – Ouço o tom suave da voz da Clara, mas sei que é a entidade – Está vendo você no chão agora... Vendo você falhando... E tudo que a Clara sente, é decepção pela sua fraqueza... Não se envergonha de decepcionar quem antes tanto confiou em você Brian?
Essas palavras, esse maldito jogo psicológico. Tenho que ignorar isso, preciso ignorar isso.
Um baque acerta meu rosto de repente, e logo em seguida mais outro golpe me atinge. O peso e a velocidade desses ataques são imensos, muito mais do que uma pessoa comum faria. Outra vez usando a runa da velocidade.
Golpes e mais golpes me atingem, cada um de um lado do meu rosto. Tento me proteger com o braço bom mas conseguir aparar os golpes é difícil. Ela me agarra, erguendo meu corpo do chão e arremessando para longe, se aproximando correndo, saltando e pisando em meu estomago, atacando descontrolada sem me dar espaço pra defesa...
Mas por um instante... Os ataques param.
Respiro fundo me recuperando como posso, porém a dor latente me permite apenas respirar com inúmeras pontadas de dor e com o desagradável gosto do meu sangue na boca. Abro os olhos devagar, notando que a runa do raio não está mais ativa, e ela está paralisada.
Não entendo, o que está acontecendo agora?
Seu olhar crava em mim, seus dentes apertam e suas mãos tem espasmos. Ela emite um som parecido com o rosnado de uma besta, seguido de um rugido estrondoso que ecoa no ar, enquanto uma névoa enegrecida muito mais densa que a anterior rodeia seu corpo...
Mas essa névoa, é estranha, ela parece muito mais profunda, diferente de antes, ela é totalmente mais densa... É sombria.
Suas mãos se abrem e agarram meu rosto, suas unhas apertam com uma força extrema, que me fazem acreditar que rasgaram minha pele, e ela solta um forte grito tomado pela insanidade. Ela ergue sua mão com os dedos bem abertos que agora mais parecem garras...
Só que, por mais uma vez, a entidade parece desnorteada. Ela permanece estática. Seus olhos pulsam e ela leva a mão para a sua testa. Ouço seus gemidos de agonia, e aos poucos retira sua mão do rosto. Seu olhar agora parece perdido.
Devagar sua expressão muda muito, enquanto observa ao redor lentamente, piscando sem parar em uma confusão intensa, sem falar que seu cansaço aparenta estar muito maior agora.
Primeiro encara suas mãos que tremem um pouco com uma expressão incrédula, logo em seguida encara de um lado ao outro por mais uma vez, e somente então olha para baixo, focando em mim, numa expressão claramente surpresa.
Não sei o que seus olhos carmesim dizem, mas acho ser um misto estranho de sensações.
- B... Brian? – Sussurra com a voz fraca me encarando sem parar com uma expressão surpresa, porém o tom avermelhado em seu olhar permanece.
Sem esperar, agarro sua perna e com a força que possuo, ativo a runa do raio. A força que aplico é tanta que ouço um grito repentino, que dura alguns segundos até a energia desaparecer. Devagar, o corpo cai desacordado ao meu lado, em uma queda abafada.
Respiro fundo algumas vezes, encarando o céu noturno... Eu consegui...
Mas isso ainda não acabou. Preciso levar a Clara até Ferdinand e Amanda.
Só espero ainda ter forças o bastante para isso.
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