Capítulo 34 - Possessão
6500 Palavras
Por Brian
Não, eu não acredito nisso. Não acredito no que estou vendo.
A Clara não pode ter sido possuída pela entidade, isso não pode estar acontecendo. Eu poderia esperar quase qualquer coisa, a preocupação de antes fez minha mente ir longe, imaginar mil possibilidades de como a Clara poderia estar com problemas... Mas eu não cogitei isso.
Essa é de longe a pior situação que poderia acontecer.
Ela abre seus dedos soltando o pescoço do homem que encurva seu corpo para frente, arfando desesperado enquanto permanece abaixado, apoiando uma mão no chão. Nunca o vi antes, mas seja lá quem esse homem for, não tenho tempo para me preocupar com ele. Tenho algo muito maior para me focar agora.
Clara fecha seu punho e golpeia o rosto do homem com tamanha força que o ruído do soco se espalhou pela sala, e logo o corpo do homem tomba no chão. Mesmo não tendo sido em mim, consigo sentir um pouco do impacto atravessando meu corpo.
Meus olhos vão do homem caído resmungando de dor de volta para Clara. Ela o encara de cima com um largo sorriso de orelha a orelha e olhos arregalados. E só após encarar o homem alguns momentos, ela volta a me dar atenção se virando e ficando de frente para mim.
Engulo seco diante de tal olhar, minhas mãos e pernas tremem de nervosismo pela situação que me encontro agora. Eu sei que não é ela, essa não é a Ana Clara verdadeira, é só aquela coisa que está usando a aparência dela para causar todo esse estrago.
Ainda assim, não é nada fácil estar prestes a lutar com uma coisa que usa a aparência da Clara.
- Clara... – Tento chamá-la por mais uma vez, sem realmente esperar por uma resposta.
Sua feição macabra desaparece aos poucos. Aquele imenso sorriso se desfaz e seus lábios se unem curvados para baixo, ao mesmo tempo que seu olhar também se suaviza, assumindo a mesma feição da mulher que conheço.
Um sorriso surge em seu rosto, um sorriso calmo – Brian... – Me responde suave.
Por um momento eu até poderia dizer que é a verdadeira. O tom de voz saiu idêntico ao dela, porém o tom carmesim na íris de ambos os olhos se mantém firme, me mantendo convicto de que essa é apenas uma farsa. E se é uma farsa, preciso eliminar ela... Mas...
Ela avança um passo, mantendo seu olhar em mim. Recuo o mesmo passo que ela acabou de dar, um pouco apreensivo – O que foi? Não está me reconhecendo?
Não respondo, minhas palavras desapareceram por completo. O choque de tudo que vi aqui ainda permanece em meu corpo. Posso ter visto algumas coisas na minha vida como guardião, mas é a primeira vez que passo por algo assim.
E o pior, ela está cada vez mais próxima de mim, chegando mais e mais perto em passos lentos até estar parada bem a minha frente, com seus olhos cravados nos meus.
Se o motivo do pedido de socorro que Marina me mandou mais cedo for aquele homem agonizando no chão, então Clara conseguiu lidar com ele sozinha... Mas isso não explica o ar estranho que está aqui na casa, e acho que também não justifica tanto estrago.
E aliás, isso também não justifica em nada aquele olhar estranho que recebi assim que ela me vu aqui, mas agora tudo indica ser a Clara de sempre.
A maldita incerteza deste momento se faz presente, estou confuso e travado com tudo isso. Esse corpo, esse rosto, esse olhar mesmo em tons diferentes, é a Clara... Agora tenho dúvidas, verdadeiras dúvidas se é ou não ela de fato. Estou hesitando... Hesitando por muito tempo.
- Ei... – Ela diz baixo, mantendo o mesmo sorriso no rosto, aproximando-se de mim em passos lentos, quase cuidadosos – Está tudo bem...
- Clara... Eu... – Começo a falar, porém sou interrompido.
- Não se engane Brian! – Ouço a voz ofegante de Marina, que me laça e puxa de volta a realidade, e a expressão de Clara muda, torna-se mais dura e seu olhar segue a voz.
Meu olhar é atraído para a porta da cozinha, e vejo Marina escorada com dificuldade no batente com a mão cobrindo a lateral da barriga. Ela está com o olhar semicerrado, respirando fundo com dificuldade, o cabelo bagunçado e os cantos de sua boca machucado, escorrendo sangue de ambos os lados e pingando de seu queixo, além de um corte acima da sobrancelha. Sua roupa está com vários respingos e manchas vermelhas, entregando o quanto ela deve ter apanhado.
- Essa não é a nossa Clara! – Ela diz em um grito tomado de dor.
Volto a encarar Clara, que já mantém um sorriso mostrando os dentes em um sorriso macabro e olhos arregalados vidrados em mim. Sequer tento me mover e meu queixo é golpeado com tamanha força, que meus pés deixam o chão e meu corpo pende para trás.
Minhas costas batem no chão frio, e toda a dor do golpe se espalha pelo meu rosto. Aperto os olhos cobrindo o queixo com a mão, voltando a encarar Clara que está no mesmo lugar, me encarando de cima em um ar de superioridade e loucura. O carmesim de seus olhos pulsa em um vermelho intenso durante um curto momento.
Se me restava qualquer dúvida, essa foi a confirmação das coisas que Marina acabou de dizer.
Ergo o corpo devagar passando as costas da mão na boca e ignoro a dor, sem tirar os olhos da pessoa a minha frente. – Vai ser difícil lidar com alguém com esse rosto, mas já me tranquiliza saber que é apenas uma farsa vestindo a aparência da Clara.
- Assim você me ofende Brian. – Me responde com um sorriso. Suas mãos vão a cintura, enquanto que ergo o punho e moldo minha lâmina – Acha mesmo que sou uma farsa?
Não respondo, permaneço sério pronto para enfrentar essa coisa. Não ligo para o que está acontecendo a minha volta, meu foco está nessa coisa, e eu vou acabar com ela.
- Eu vou te contar um segredinho. – Diz aumentando seu sorriso e pendendo o tronco para frente. Ela salta na minha direção com suas mãos erguidas. Seguro seu punho com facilidade e ergo a mão com a lâmina direto para seu pescoço, porém ela consegue segurar meu pulso me impedindo de conseguir atingi-la. – Esse aqui é o corpo da Clara... Ela é minha... – Sussurra.
- O que?! – Arregalo os olhos, e ela acerta a cabeça na minha, me obrigando a recuar.
Sem perceber solto seu punho, e ela acerta meu rosto sem me dar chance de reação. Sua mão vem para trás do meu pescoço e puxa meu corpo para baixo e seu joelho me atinge em cheio na boca do estômago.
Ouço o barulho de algo metálico batendo no chão e de relance percebo que soltei minha lâmina por entre os ataques que recebi. Uma mão segura meu cabelo e força com que eu erga o rosto outra vez, e um punho atinge a lateral do meu rosto uma vez, seguido de outro ataque do lado oposto do meu rosto, golpeando mais vezes enquanto me segura pelo cabelo, soltando só depois de alguns socos.
Acabo recuando alguns passos, desnorteado com cada um dos golpes e incrédulo da força que cada um deles possui, e minha cabeça grita o que acabei de ouvir. Eu preciso reagir, revidar isso, mas como, essa é a Clara, o corpo dela. Não posso ferir ela.
Minhas pernas batem no sofá atrás de mim, me desequilibrando e bato com as costas na parede, e pela primeira vez em anos começo a me sentir encurralado.
Uma mão agarra meu pescoço e empurra meu corpo contra a parede nesse meu momento de distração. O aperto vem com força o bastante para meu ar desaparecer em segundos, mas meu corpo sequer consegue reagir.
De repente minha visão se apaga junto a um impacto no meu rosto, e logo depois um novo baque me atinge no estomago, e meu corpo cede para frente e acabo ajoelhado, arfando desesperado por ar.
Pisco algumas vezes encarando o chão, tudo está girando e meu corpo está um pouco dolorido. Sacudo a cabeça tentando afastar a tontura, e logo foco minha atenção nessa falsa Clara. Ela se aproxima de mim sorrindo sem parar, arrastando a televisão com uma das mãos.
Tento me erguer, porém ela gira a televisão contra mim, que se espatifa por inteira ao atingir no meu corpo. O impacto me joga para o lado e acabo caindo outra vez, e leves pontadas de dor se espalham pelo meu corpo. Esses ataques foram fortes, mas nenhum chegou a me machucar de maneira preocupante, mas não é com meu bem estar que estou preocupado agora.
Ela é uma cópia, apenas isso. Apenas está usando o rosto da Clara, mas não é a verdadeira... E essa entidade usar a aparência da Clara está me enfurecendo cada vez mais. Não consigo reagir por ver a Clara e não aquela coisa.
Isso está me abalando, e irritando cada vez mais. E estar recebendo tantos golpes não está ajudando nada, são tão fortes que bastam poucos para que eu acabe desnorteado.
Outra vez tento me erguer enquanto me apoio no sofá, agora sem sentir tanto a tontura de cada ataque dela. Fecho o punho, me preparando para revidar cada um desses ataques, enquanto a farsa começa a rir.
- Vai atacar de volta? – Diz em um tom de diversão – situação irônica, não acha?
- Do que está falando? – Resmungo ficando de pé outra vez.
- Se esqueceu do que eu disse? – Ela abre um sorriso mostrando os dentes. Seus olhos queimam em plena intensidade, e sua voz carrega um tom agressivo que nunca vi na Clara – Esse corpo não é uma imagem que criei. Essa aqui é a verdadeira Clara, graças a uma feliz oportunidade tomei posse do seu corpo... Ela se tornou minha... Se me ferir, estará ferindo ela... Se me matar, então também matará ela...
- Isso é mentira! – Rebato irritado.
- Ah mas é verdade. Aquele ex namorado facilitou muito o serviço ao tirar aquela pedra de proteção irritante do pescoço da Clara... – Ele conta, passando a língua pelos lábios e seu olhar carrega uma maldade assustadora até para mim. Ele passa a ponta dos dedos pela boca e segue descendo devagar tocando o pescoço e partes do corpo com certa malícia – Foi tão divertido tomar esse corpo, tão... Saboroso... Tocar cada parte do corpo da Clara, invadir ele, ouvir os gritos desesperados dela enquanto eu tomava posse de tudo... Os amigos ao lado vendo tudo, vendo eu possuir a amiga, completamente impotentes... Sentir a Clara por dentro, seu corpo é quente, é agradável, macio, e é meu...
Não sei o que dizer, não sei como reagir, a repulsa e a ira pelo seu ato toma meu peito. Isso ecoa na minha cabeça, ecoa muitas e muitas vezes, essas palavras sobre ela.
Minha raiva cresce ainda mais pela forma como essa coisa fala da Clara, cada uma dessas palavras me faz queimar de raiva, essa coisa asquerosa. Eu quero acabar com essa criatura agora. Já devia ter feito isso a muito tempo.
Ainda assim, toda a força que aplicava em minha mão começa a desaparecer aos poucos e meus olhos caem ao chão. Não quero acreditar que essa é a Clara, mas se for de fato seu corpo... Não posso fazer isso. Se fizer... Eu... Eu só estarei machucando a Clara, e não a entidade.
E definitivamente, eu não posso machucar a Clara.
- Entendeu a ironia? – Questiona – E então? Vai mesmo atacar quem antes prometeu proteger?
A raiva pulsa em meu peito, implora para que eu avance, destroce esse ser até não restar nada... Mas não consigo atacar, meus pés estão presos no chão e minhas mãos se recusam a fechar. Essa coisa está certa, como posso atacar nessas circunstâncias? O que posso fazer?
Percebo que tudo a nossa volta ganha tons levemente cinzentos. Olho em volta, vendo que uma névoa surgiu no cômodo, tão densa como todas as outras vezes, tanto que até coisas que estão a um metro de distância são encobertos pela névoa.
Fecho os olhos um momento, notando o que parecem passos atrás de mim. Aperto o punho e giro o corpo, atacando o mais rápido que posso mas não acerto nada. Olho com mais atenção, ela está abaixada, a névoa oculta um pouco de seu corpo, mas não o pulsar avermelhado em seus olhos.
Ela vira sua mão e me acerta no peito, me obrigando a recuar um passo, e acabo tropeçando nos pedaços da televisão destroçada que estão espalhados pelo chão. – Aliás, pelo que já aprendi aqui dentro desse corpo... As regras deste mundo repudiam os homens que atacam e batem em mulheres... Você me atacou, é mesmo tão baixo a ponto de fazer isso Brian?
Ela ergue seus punhos e avança sobre mim. Aparo alguns de seus socos com certa dificuldade e outros conseguem me acertar, tanto pela velocidade de cada um deles, as dores dos golpes que como também por estar sendo atacado por alguém com o rosto da Clara, ver essa agressividade nela... Tudo isso torna essa situação ainda mais difícil.
Se eu estivesse presente, isso não teria acontecido.
Minhas costas encontram a parede, e seu punho está vindo contra meu rosto. Me abaixo e ouso o som da parede se partindo e vários pedaços de pedra caem sobre meu corpo e pelo chão. Me jogo para frente a empurrando de lado, na tentativa de abrir distância.
Respiro fundo, buscando por uma maneira em alguma forma de resolver isso. Mas é difícil conseguir fazer algo nessa sala tão apertada, e ainda mais com a Clara.
- Sabia que ela está vendo tudo isso? – A entidade volta a falar, recuando alguns passos e, literalmente, desaparecendo em meio a névoa e sua voz passa a ecoar – Aqui dentro, Clara está vendo tudo. Está vendo você apanhando, vendo que tentou atacar ela, vendo essa sua cara de assustado... Está te vendo impotente e falhando com ela...
Olho em volta, buscando descobrir de onde ela vai aparecer, mas não encontro nenhum sinal que denuncie a presença da entidade.
- O que será que a Clara está pensando de você agora? – Ouço a voz novamente, sei que não devo dar bola, mas isso fica na minha cabeça.
Um vulto toma forma bem ao meu lado, acertando a mão aberta no meu rosto e me empurrando a certa distância. Tropeço sobre meus pés mas consigo me manter de pé, mas antes de me recuperar por completo desde golpe, um chute acerta meu estomago, seguido de algumas tentativas de socos. Alguns atingem meus ombros e queixo, outros consigo me desviar dando alguns passos para trás.
Vejo seu punho vindo contra meu rosto cedo o suficiente para conseguir me desviar e segurar seu pulso. Sua outra mão vem e consigo segurar da mesma forma, a puxando para perto de mim em um puxão.
A criatura se debate com força, tenta se libertar enquanto seus olhos carmesim pulsam de irritação por ter sua liberdade contida – Clara! – Grito.
Ela sorri de canto, sempre sorrindo mostrando os dentes, e seus olhos se encontram com os meus. – Não adianta, ela não vai voltar. Me solte agora!
Ignoro a resposta que tenho, a segurando com mais força. – Vamos Clara, acorda! – Grito, dessa vez mais desesperado do que da última vez.
- Me solta! – Ela grita de volta se debatendo mais violentamente que antes, empurrando seu corpo contra o meu. Seu rosto vem ao meu pescoço e sinto a aguda dor de uma mordida intensa esmagando minha pele e uma arfada de dor me escapa.
Tento segura-la o máximo que consigo, mas o aperto da mordida se torna tanto que a dor me faz ceder e soltar seus pulsos. Suas mãos vem aos meus ombros e uma nova joelhada acerta minha barriga de um jeito mais agressivo. O ar me foge, e de repente sinto um imenso peso nos meus ombros e meu queixo é acertado por algo.
Dou alguns passos para trás, tonteando um pouco. Minha vista está embaçada, e tudo fica ainda pior com a névoa, mas eu sei, o vulto está bem a minha frente. Ele gira o corpo rapidamente e meu rosto é acertado por um chute. Meu corpo encurva para o lado e tento me recompor, mas um novo chute acerta o outro lado do meu rosto.
Minhas pernas tremem, caminho desnorteado sem conseguir me focar em algo, e o vulto salta em minha direção, derrubando meu corpo no chão em um baque que arranca meu fôlego.
Tento me erguer, porém antes que eu faça qualquer coisa sinto seu corpo pesado montando sobre meu peito de uma vez, e ela fica com os joelhos prendendo meus braços. Olho para os lados, tentando soltar meus braços mas o peso das pernas é tanto que não tenho sucesso.
Volto meus olhos para Clara, e um soco me atinge no rosto. Aperto os olhos, me debatendo mas recebo outro golpe, e mais outro, e outro, tão rápidos e com tamanho impacto que sequer raciocino direito. Não sei quantos foram, mas apenas recebo cada golpe sem conseguir reagir e o sabor ferroso de sangue começa a surgir na minha boca.
- É horrível... – Ela começa a falar, me dando mais um soco – ...Bater em vocês... – Mais um soco, tão forte quanto o anterior – Tipinhos diferentes... – Mais um soco no meu rosto, agora ela está arfando – Igual aquele homem, vocês demoram pra se machucar... Sempre demoram... Por isso vale a pena bater em vocês... Por isso é satisfatório... – Ela me acerta mais um soco.
Ela para de me golpear, gargalhando de satisfação segundos depois. Minha cabeça lateja, abrir os olhos é difícil, mas consigo focar outra vez nessa farsa.
Ela continua rindo com o rosto todo suado, e leva as mãos a cintura – Com a Clara isso é muito mais divertido. Ela luta de volta, me trás entretenimento... E você mal reage... Ridículo e entediante, fraco demais... Ela é bem melhor que você em todos os aspectos, "guardião".
Aperto os dentes e cerro os olhos, forçando meu corpo a se levantar, porém a entidade agarra meu cabelo e bate minha cabeça contra o chão, agarrando meu pescoço por mais uma vez e o apertando, mais do que da outra vez.
Seu olhar não contém a insanidade de outras vezes, parece calmo, tomado de serenidade. Ela passa os dedos devagar pelo meu rosto, arranhando de leve minha bochecha com suas unhas, carregando um sorriso de canto – Brian Brian, você não é nada demais, não tem nada de especial... Mas está sempre nos pensamentos dela... Agora mesmo ela está repetindo seu nome, pedindo por ajuda... Me pergunto como Clara foi se apaixonar por alguém como você... Sei os sentimentos dela, mas não sei seus motivos...
Paro de me debater, apenas fico atônito olhando para essa farsa. Essa situação foi muito inesperada, e a realidade é que não reagi uma vez que seja. Olhar para o rosto da Clara me arranca toda a força e vontade de tentar revidar.
É uma farsa... Ela é uma farsa... Eu sei disso, mas não consigo lutar de volta.
Como atacar quando meu oponente é alguém que gosto tanto?
Ela ergue sua mão livre enquanto seus olhos carmesim permanecem em mim. Seu sorriso aumenta e lentamente ela aproxima seu rosto do meu – Diga-me, qual acha que será a reação da Clara quando ver você morrendo?
- Ninguém vai morrer aqui! – Ouço de repente e percebo a expressão surpresa dela.
A entidade ergue seu rosto e suas costas são acertadas de repente por algo muito grande. Seu corpo pende para frente e ela bate o braço no chão para manter o apoio, porém o objeto volta e a acerta no rosto outra vez, a tirando de cima de mim e lançando ao chão.
Pisco algumas vezes, e uma mão se estende a mim – Você está bem Brian? – Ouço e percebo se tratar de Marina, e logo aceito a ajuda e me coloco de pé.
- Acho que sim, bem irritado. – Digo olhando Marina e percebendo que o que ela usou antes foi uma cadeira, que agora está em pedaços. Sua roupa ainda está mais manchada, mas é devido ela ter limpado a boca na roupa.
Volto meu olhar diretamente a falsa Clara abaixada no chão. Ela está com os cabelos bagunçados e passando as costas da mão pelo rosto. Ela se vira para mim e me encara com a feição furiosa, mas não parece machucada pelos golpes.
Não sei se fico aliviado ou frustrado por ela não ter se machucado.
- Por que está atacando sua melhor amiga Marina? – Ela diz sorrindo com malícia.
- Cale a boca! – Marina grita irritada – Você é tudo, menos minha melhor amiga. Se o Brian tem problemas morais pra bater nessa sua cara, saiba que eu não tenho!
Ela fica de pé, olhando de Marina a mim por algumas vezes – Não tenho nada a tratar com você... Brian, isso está ficando muito cheio, nós iremos terminar nossa diversão mais tarde.
- Você não vai a lugar nenhum. – Digo irritado, porém a névoa se torna mais densa, até o corpo dela voltar a ser um vulto e desaparecer a nossa frente.
- Me encontre naquele mesmo galpão de antes. – A voz ecoa pela sala, e a nevoa se dissipa a cada segundo – Estaremos ansiosos para te ver, Clara e eu.
O silêncio toma a casa.
Meus olhos vão de um lado ao outro. Vejo a situação da sala, toda a destruição causada aqui, Clara ter sido possuída, eu saber de tudo mas ter ficado tão abalado como fiquei.
Eu não fiz nada aqui. Não consegui fazer nada. Ver a Clara naquela situação eliminou qualquer chance que eu tinha de tentar reagir. Eu simplesmente travei, não tive mais nenhuma reação. Se fosse qualquer outra aparência eu não teria problemas, mas... Sendo a Clara, eu não consegui fazer isso, atacar justamente alguém com o rosto dela, mesmo sabendo ser uma farsa.
Isso faz a raiva crescer ainda mais em meu peito – Droga! Por que isso?
- E agora Brian? – Marina diz andando de um lado ao outro.
Encaro o chão por alguns segundos, tentando raciocinar. – Primeiro temos que ver se todos estão bem... E depois, irei atrás da Clara.
Marina arqueia as sobrancelhas, levando as mãos a cintura – Você vai ir apanhar de novo?
- Marina! – Reclamo encarando ela de soslaio.
Ela revira os olhos irritada – E você quer que eu diga o que?! – Sua voz sai irritada. Ela abre as mãos, as batendo nas pernas com força – Qual o seu problema Brian? Por que não fez um daqueles seus "abracadabras" pra ajudar a Clara?
- Se eu fizesse qualquer coisa, estaria machucando a Clara, e não ajudando ela. – Digo seguindo para o homem caído, que agora está desacordado.
- E isso com certeza justifica você não ter feito nada, só apanhou mesmo! – Ela diz brava, se virando e seguindo para a cozinha enquanto apenas balanço a cabeça negativamente.
- Acertar um soco na Clara não é tão fácil quanto você está pensando! – Reclamo em alto tom, refletindo por um momento que, se aquela força for realmente da Clara, preciso tomar mais cuidado nas próximas vezes que decidir irritar ela.
Me abaixo ao lado do homem, o sacudindo de leve, quando escuto Marina falando em alto tom da cozinha – E por que não? Por que você está apaixonado por ela?
Paro de tentar acordar o homem e apenas encaro o nada por alguns segundos. Ouço passos apressados vindos da cozinha, e Marina para no batente, me olhando surpresa.
- Você está apaixonado por ela? – Ela repete a pergunta, mas agora seu olhar e tom de voz denunciam seu espanto. Não é raiva, apenas espanto por ter ligado os pontos. Apenas me mantenho calado, olhando o homem que começa a despertar – Ah, agora sim faz sentido você ter apanhado igual um condenado... Você está apaixonado pela Clara!
- Temos coisas mais importantes para resolver aqui Marina. E definitivamente, o que sinto pela Clara não é uma dessas coisas. – Desconverso me colocando de pé, e está na cara que Marina entendeu minha resposta. Logo o homem se coloca de pé também, deixando uma mão na testa.
Tudo bem que uma parte de mim até sente vontade de falar com Marina sobre como me sinto, e talvez até me dar uma opinião a respeito antes de voltar a falar desse assunto com Clara... Mas esse não é o momento disso.
Aproveito o momento para analisar o homem ao meu lado. É bem mais velho que eu, arrisco dizer que ele tem uns 36 anos ou até mais, cabelos bagunçados em tom chocolate com mechas brancas, uma barba bem feita no mesmo tom chocolate e fio brancos, e um olhar âmbar, além de um porte físico bem forte.
Antes de eu chegar, ele parecia já ter tomado alguns golpes bem pesados da Clara, mas... Não vejo nenhum machucado nele. Ele parece bem... Estranho.
- Você está bem? – Digo encarando o homem. Ele pisca algumas vezes tentando focar em mim, e logo confirma balançando a cabeça – E quem é você mesmo?
- Gabriel, um recém conhecido da Clara. – Ele responde com a voz grossa um pouco fraca.
Então esse é o Gabriel...
- Escute, vá lá ajudar a Marina, acho que tem mais na cozinha que não está bem. – Ele assente balançando a cabeça – Vou ver se tem mais alguém pela casa.
Dito isso me afasto do homem, indo em direção a porta. Existem duas pessoas que preciso ver como estão, se houver mais alguém na cozinha como acho que tenha, acredito que Marina e Gabriel podem fazer algo a respeito.
Chego na entrada encarando primeiro o alto da escada. A pessoa ainda está caída na mesma posição, e assim que viro meu olhar para o chão, onde Ricardo estava antes, não o encontro mais, apenas coisas quebradas e a porta aberta. Obviamente ele foi embora.
Ignoro isso, encostando a porta e subo correndo e vendo que realmente se trata da mãe da Clara. Ela não parece estar machucada, apenas desacordada mesmo.
Viro seu corpo e a deixo sentada, encostando seu corpo na parede. – Ei, acorde... – Digo a tocando no ombro.
Seus olhos reagem, e devagar ela desperta. Ela mantém o olhar fixo para a escada por alguns momentos, e então focando em mim – Brian...? – Ela sussurra.
- Sim, sou eu... Como a senhora está? – Digo em voz baixa.
- Eu... A Clara... – Ela diz, e então ela parece despertar. A mulher leva suas mãos aos meus braços e me segura com força – Brian, a Clara! Aconteceu alguma coisa, aquela tal coisa que está perseguindo ela... Está aqui, está atrás da minha filha...
Abaixo o olhar, sem saber o que dizer a ela. Como vou explicar toda a situação que se desenrolou momentos atrás?
- Clara... Onde ela está? Ela está bem? – Ela espera uma resposta minha, mas não digo nada. Diante do meu silêncio, ela parece cada vez mais desesperada, com os olhos enchendo de lágrimas – Brian me responde, aconteceu alguma coisa? Onde está a minha filha?
- Ela... – Hesito por um momento, escolhendo as palavras – Ela não está aqui... A Clara foi possuída e levada pela entidade...
- Ah não... – Ela diz, soltando suas mãos dos meus braços e tampando o rosto. Ela fecha seus olhos, e lagrimas caem junto a um soluço – Por que a minha filha...?
Ver ela nesse estado me incomoda. Eu deveria ter cuidado da filha dela, mas quando a Clara precisou, eu não estive aqui... Tudo se repetindo, do mesmo jeito que aconteceu antes. Novamente não estou perto quando a pessoa mais precisa de mim.
- Sei onde encontrar a Clara... A trarei de volta... – Digo em um sussurro, porém acho que ela não me ouviu. – Vamos, todos estão lá embaixo.
Tudo bem que não sei se realmente todos estão juntos, mas não quero deixá-la sozinha. É melhor que estejam todos reunidos. Diferente do que imaginei, ela aceita o que digo e se coloca de pé, logo faço o mesmo, e descemos juntos pela escada.
- Meu Deus... – Ouço ela falando em voz baixa – Minha casa... O que...
- Não se preocupe... – Digo a olhando de canto – Arrumarei tudo antes de sair.
Seguimos pela sala e entramos na cozinha. Marina está de pé ao lado de Tiago, apertando um pano com gelo na testa do rapaz. Percebo que sua camisa está com manchas vermelhas de sangue, e tem alguns papeis tingidos de vermelho a sua frente.
Gabriel está ao lado de Letícia com um olhar preocupado, os dois conversam algo por meio de sussurros. A garota está com uma mão na cabeça e os olhos apertados, e posso ver seu lábio cortado e o supercílio cortado.
- Como estão? – Digo assim que entro. Eles olham para mim, mas logo focam a atenção na mãe de Clara, que se aproxima da mesa e se senta.
- Não estamos nos melhores dias. – Letícia responde resmungando. – As coisas com essa entidade ficam cada vez piores...
- Esse tipo de coisa é frequente? – Gabriel questiona olhando para cada um de nós. Estranho, ele disse ser um recém conhecido da Clara, mas ao meu ver ele está bem calmo, não tem nenhum sinal de nervosismo depois de tudo que viu...
- Mais do que gostaríamos. – Marina suspira, me encarando de canto com a boca curvada para baixo. Não sei se é um olhar de julgamento, ou se é uma paranoia minha.
Talvez sejam as duas coisas.
- Mas nunca foi dessa forma. – Letícia olha para cada um de nós – A entidade nunca entrou no corpo da Clara como hoje.
- Isso porque a Clara estava sem o colar dela. – Digo pensativo – Aquele colar que ela estava sempre usando era pra evitar da entidade se aproximar, e pelo visto também evitava possessão.
- É, ela falou alguma coisa sobre o colar para o Ricardo... – Tiago comenta com o olhar baixo, passando uma mão no rosto – Ai na hora que ele tirou o colar dela, e a entidade apareceu.
- Falando no garoto problema, onde ele está? – A mãe de Clara quem questiona.
- Estava desmaiado quando cheguei... – Digo apertando a boca – Mas logo depois sumiu, deve ter ido embora correndo.
- Covarde... – Marina resmunga.
Ouço a conversa de todos. Momentos falam sobre como Ricardo pode causar todo esse estrago, se ele não tivesse aparecido nada disso tinha acontecido. Outras vezes falam sobre como a casa ficou em pedaços, que o sábado que tinham planejado foi mais agitado do que esperavam, e a principal questão: Onde Clara estava?
Diferente deles, tenho uma noção de onde encontrar ela. O problema é o que fazer.
Cruzo os braços, me encostando na porta, tenho que pensar em algo. Sei onde a entidade vai estar com Clara, mas não posso simplesmente ir para lá sem um plano em mente... Ou então, sem estar preparado para lidar com a situação no improviso.
Se for para repetir a surra que me aconteceu, ir para o galpão não adiantará de nada.
Me afasto, retornando para a sala e olhando todo o estrago. Cada uma das coisas, quadros, televisão, paredes... Acho que consigo arrumar tudo, mas não faço ideia de quanta força isso poderá me custar.
Ergo uma mão e uma espada de longa lâmina toma forma. Respiro fundo, tocando a ponta da lâmina no chão e me concentrando na runa do retorno. Essa é a única runa que gasta grande parte da minha força por obrigar com que uma área de minha vontade regresse alguns momentos no tempo. O problema que quanto mais eu forço essa runa, mais cansado eu fico.
Me concentro um instante e o interior do meu corpo se incendeia, espalhando tal força e expandindo para fora do meu corpo. Abro meus olhos observando tudo a minha volta. Pedaços de objetos se unindo e retornando a um mesmo ponto, a televisão de antes unindo-se e ficando sem nenhum resquício dos danos, o corrimão da escada voltando a ficar inteiro. Gradualmente tudo voltando a seu estado normal.
Quando termino, minha mão solta a espada que vai ao chão em um ruído incômodo. Minhas pernas bambeiam e cedem, até tento cair de lado para atingir o sofá, mas não tive tanta sorte e só caio do lado do mesmo, respirando fundo. O cansaço é imenso, e definitivamente agora aceitaria cochilar um pouco como Jenny havia insistido.
- Se não tivesse visto tudo isso, eu não acreditaria... – Ouço atrás de mim. Viro o rosto devagar, vendo Marina atônita olhando tudo em volta.
- Fazer isso das outras vezes não foi tão cansativo como agora... – Respondo, me lembrando que já consertei o quarto da Clara e também aquele restaurante na praia. Em nenhuma das vezes eu me cansei tanto assim.
Fico de pé, sentindo as pernas fraquejarem e o cansaço crescer. Acho que preciso de um bom copo de café para poder despertar outra vez. Preciso estar bem para essa noite, preciso estar no meu máximo.
Algo no chão chama minha atenção. Me aproximo e alcanço o objeto, o girando pro entre meus dedos. O colar que Amanda preparou para a proteção da Clara. Se não tivessem arrancado o colar dela, a uma hora dessas a Clara poderia estar bem.
- Brian, podemos conversar? – Marina diz, me olhando com uma expressão estranha. – A sós.
Concordo balançando a cabeça. Ela segue na frente, olho para trás apenas para me certificar que ninguém virá atrás de nós, e sigo Marina. Acabamos seguindo escadas acima, indo diretamente ao quarto da Clara.
Marina segue direto para a beirada da cama e se senta, encarando o chão por alguns momentos, enquanto eu encosto a porta e sigo para me sentar ao seu lado. Ouço um suspiro de Marina, e a vejo apertando a boca.
- Eu sei que esse não é o momento pra isso... – Ela começa a falar. – Mas você deu muito a entender que está mesmo apaixonado pela Clara. Foi por isso que não fez nada?
- Não é hora para isso Marina! – A repreendo.
- Me responde logo, isso é importante Brian! – Rebate séria.
- Tá... Tá, mais ou menos isso. – Respondo juntando as mãos a minha frente. – Não é apenas por uma questão ética ou de sentimentos que tenho por ela... Eu prometi proteger a Clara, mas atacar ela é ir totalmente contra o ato de "proteção".
- Quem está controlando aquele corpo não é mais a Clara. – Ela me relembra, o problema é isso ficar na minha cabeça – Você acha que foi fácil para mim acertar uma cadeirada em alguém com o rosto da minha melhor amiga?
- Tenho certeza que não... – Sussurro.
- Então, mas eu fiz. Tive que fazer aquilo Brian... – Marina toca meu ombro – Do mesmo jeito que fiz, agora é você quem precisa fazer algo. Não vai ser fácil, mas você precisará lutar contra uma coisa que tem o rosto e o corpo da Clara.
Balanço a cabeça assentindo. Ela tem razão, sei que tem. Só quero ver como será isso na prática.
- E você ainda não respondeu de forma clara. Está mesmo apaixonado por ela, não é? – Marina insiste nesse assunto, mas não posso falar muito a respeito. Alguns momentos me questionei sobre isso, e ainda hoje me questiono as vezes.
- Talvez. – Balanço a cabeça me corrigindo. – Sim... Realmente sinto alguma coisa por ela.
- Eu sei, estou vendo... Reparando melhor, isso está estampado no seu rosto. – Ela da um pequeno sorriso – Você gosta dela, é bom saber que ela não é "apenas um trabalho".
Ergo as sobrancelhas vendo Marina dizendo isso fazendo aspas. – A Clara te falou disso?
- A Clara me fala muitas coisas, ainda mais quando se trata de você meu caro... Tipo o que acha de você, e chamar ela de "trabalho" a fez te xingar por uma semana inteira. – Marina ergue os ombros sorrindo de canto – Ela gosta de você também, e já faz bastante tempo.
- Acho que o mesmo acontece comigo. – Dou um meio sorriso encarando o chão.
- Sei que isso não será nada fácil por precisar lutar com a Clara... – Marina diz suspirando, passando uma mão pelo rosto – Vocês se gostam... Mas isso não pode te impedir de fazer o que é necessário para deixar ela a salvo... Quem está lá não é a Clara de verdade, é uma coisa vestindo o corpo dela.
Balanço a cabeça concordando. – Você está certa. Dessa vez o choque da situação me fez hesitar demais... Pensei demais e não fiz nada... Isso não vai se repetir.
Me levanto respirando fundo. Tenho coisas a fazer antes da noite chegar – O que fará agora?
A encaro por cima do ombro. – Sei onde Clara está. Mas antes de ir até ela, preciso preparar algumas coisas... E estar preparado para lutar contra ela.
- Vai trazer minha amiga de volta? – Ela pede, seu olhar mostra sua preocupação.
Balanço a cabeça confirmando – Eu irei... Quero que amanhã, a Clara acorde livre da entidade.
- Vai mesmo? Promete? Promete que não vai ser um frango? – Marina diz em tom brincalhão, com um pequeno sorriso no rosto. Já eu apenas ergo uma sobrancelha. – Não quero que você chegue aqui amanhã dizendo que apanhou outra vez...
Sorrio do seu comentário – Pode deixar, não serei um frango, trarei a Clara de volta... Eu prometo.
Marina balança a cabeça concordando. Saio do quarto em passos apressados, caminhando diretamente para a saída da casa. Todos estavam na sala, pelo jeito maravilhados com as coisas terem voltado ao normal "em um passe de mágica". Eu não poderia deixar tudo destruído.
Entro no meu carro, o ligando e acelerando fazendo o motor roncar, e deixo o lugar. Essa situação toda já durou por tempo demais, a Clara já passou por coisa demais. Isso precisa acabar o quanto antes.
Mas para isso, eu preciso bolar uma estratégia para lidar com ela. Fazer algo para conseguir resolver tudo a machucando o mínimo possível. Apenas força não vai bastar.
Vejo meu celular sobre o outro banco e o alcanço enquanto dirijo apressado de volta para casa. Passo a lista de contatos e alcanço o número da Amanda, ligando para ela já bolando meus planos para resolver tudo essa noite.
Estou decidido, quero e vou acabar com tudo isso hoje.
E para isso, precisarei da ajuda de Amanda e Ferdinand.
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