Capítulo 32 - Manhã de Sábado
7370 Palavras
Não sei se é impressão minha, mas desde o dia que contei toda a verdade aos meus pais, parece que os dois estão me olhando de um jeito um pouco diferente. Não um diferente em um sentido ruim, mas sim algo que parece ser uma admiração.
Acho que nunca recebi esse olhar deles antes. Pelo menos não da forma como está ultimamente.
As vezes gostaria de saber o que eles podem estar pensando de mim para estarem agindo dessa forma, mas entendo que certas coisas devem permanecer apenas na curiosidade. Quem sabe no futuro eu decida perguntar.
Por enquanto, estou tirando um tempo para limpar a cabeça de tudo que aconteceu naquela viagem. Como teremos um pequeno recesso, a faculdade é uma preocupação a menos.
Ainda me culpo um pouco pelo ocorrido na praia, mas a realidade é que fiz tudo que pude para resolver a situação. Não deu certo, mas simplesmente fiz o meu melhor a todo momento.
Repetir isso é o que está me ajudando a não ficar com o humor tão afetado quanto estava no início da semana, e aliás, tenho motivos para me animar ainda mais. Ontem à noite, um pouco depois que deitei para dormir, recebi uma ligação do Gabriel me atualizando do estado das minhas amigas.
Segundo ele, as duas apresentaram uma melhora muito boa em todas as fraturas, e já estão para receberem alta. Apenas farão os últimos exames e receberão as instruções do que precisam fazer em casa para terminarem o tratamento. Nem sei se era eu ou Gabriel quem estava mais empolgado com a notícia.
As duas tem uma sorte das grandes, recebendo alta em plena sexta-feira. A uma hora dessas, depois do almoço, acho que já devem ter saído do hospital. Não acho que vai demorar muito pra Marina resolver me mandar mensagem avisando.
Meus pensamentos são rompidos com o som da campainha da casa. Meus pais estão no trabalho, e eu poderia ficar quietinha pra fingir que não tem ninguém até a pessoa desistir e ir embora. Mas começo a refletir se não seria alguma coisa importante, e acabo dividida entre atender ou não.
Está frio demais, e estou toda agasalhada debaixo das cobertas quentinhas. Definitivamente são pontos me fazem querer continuar na cama.
Me dando por vencida ao escutar a campainha mais uma vez, saio da cama bufando e deixo meu quarto em passos apressados. Sequer me preocupo de ver se estou apresentável ou não, só quero ver logo quem é e voltar para minha cama.
Abro a porta com pressa e acabo paralisada, incrédula ao ver quem está a minha frente.
Tudo bem que estive trocando algumas mensagens com Ricardo desde sua última aparição. Ele esteve sendo legal comigo e já passamos boas horas conversando sem parar, e em nenhum momento ele fez nada que fosse desagradável... Mas não sabia se estrava preparada psicologicamente para encontra-lo outra vez.
Esse é o momento de descobrir se estou ou não pronta.
- Oi... – Digo sem jeito, enquanto me aproximo dele.
Ricardo está encostado em seu carro, com as mãos nos bolsos e esboça um sorriso enquanto olha meu rosto, e apenas meu rosto. – Desculpe aparecer assim sem avisar. – Sua voz sai suave, e por algum motivo me sinto tímida – Como está Clara?
- Até que bem – Consigo dizer, desconcertada por seu olhar. Passo meus olhos pela rua, indo de um lado ao outro repetidas vezes – O que faz aqui a uma hora dessas? Você trabalha a noite, não deveria estar descansando?
- Sim, deveria. – Ele da uma curta risada – Eu queria te ver. Senti sua falta.
Essa sua sinceridade acaba me pegando desprevenida, tanto que sequer sei o que responder. Quero falar algo, mas não sei se consigo. Abro a boca mas nenhuma palavra sai, apenas posso encarar o homem a minha frente. Um frio na minha barriga surge de repente, a cada novo segundo me sinto nervosa por estar a sua frente, porém não é nervosa de um jeito ruim.
- Cortou o cabelo... – Ele diz de repente em baixo tom. Seus olhos me analisam e seu sorriso se mantem a mim. Ele não se aproxima de mim e nem tenta me tocar, mas seu olhar a mim, analítico, carinhoso, suave, parece ser de pura admiração. – Está bonita.
- Bem... Obrigada... – Engasgo nas palavras, e meu nervosismo aumenta. Eu não lembro de ficar assim tão desconcertada com elogios. Esse olhar dele, não sei descrever esse olhar, ou a maneira que me analisa, atravessa meu ser por inteiro. Cada vez estou mais abalada, sei disso, por mais uma vez acho que meu coração bate enlouquecido.
- Sei que é bem repentino... – Ele volta a falar, e agradeço a ele por me tirar do transe que estava até esse momento – Mas gostaria de almoçar comigo?
- O que? Agora? – Gaguejo mais uma vez, sem olhar para ele.
Ricardo solta um curto riso com minha reação – Sim Clara, agora. Se não puder, ou se já tiver almoçado, irei entender.
- Não, tudo bem... Posso ir sim, quero almoçar sim... – Digo atropelando as palavras de tão rápido que falo.
Caramba, estou toda perdida. O que tem de errado comigo hoje? Por que estou agindo igual uma menina apaixonada?
Respiro fundo de uma vez e solto todo o ar pela boca, encarnando todo o autocontrole que existe dentro de mim. Volto meu olhar a Ricardo que sorri me olhando – Podemos ir?
Ricardo confirma balançando a cabeça me dando espaço, sem nem questionar acabo entrando no carro. E por mais uma vez minha mente grita sobre estar fazendo algo completamente errado, mas acabo ignorando. É apenas um almoço, pretendo me comportar e não passar dos limites, então o que tem de errado?
Olho para o lado, Ricardo já está saindo com o carro – E então, onde vamos? – Pergunto.
- Pensei em um restaurante aqui perto, nada muito sofisticado. – Ele diz olhando de relance para mim, e voltando a atenção a rua – Como as garotas estão?
Olho para ele de soslaio com sua pergunta. Em uma de nossas conversas, comentei sobre minhas amigas terem sido hospitalizadas depois de um "incidente" na praia. Mesmo que sua preocupação seja verdadeira, fico com o pé atrás com ele quando o assunto é Marina, e principalmente Letícia. – Elas já estão bem melhores, ontem a noite Gabriel disse que as duas receberão alta... Isso se já não receberam a essa hora.
- Entendo, é bom ouvir que as duas estão melhores. – Ele comenta sem me olhar – E esse Gabriel? Quem seria?
- Alguém que conhecemos na praia. – Sou direta o bastante a ponto de até eu me achar grossa, mas Ricardo sequer demonstra reação com meu tom – Estive bem receosa com ele no começo, mas até que é um cara legal.
- Desconfiança nas primeiras impressões? – Um sorriso de canto surge em seu rosto.
- Sempre, não da pra confiar em qualquer um assim tão fácil. – Abaixo o olhar, encarando meus pés por alguns instantes enquanto lembranças me vem aos poucos – Foi assim com você também, lembra?
Ele solta uma risada – Lembro, e muito bem. Quando nos conhecemos, você me olhou estranho de cima a baixo por dois segundos, deu meia volta e saiu andando antes de eu abrir a boca.
- E nem deixei você se apresentar direito. – Sorrio voltando meu olhar a ele.
- Eu ainda nem tinha começado a me apresentar. – Responde e gargalhamos juntos.
Arqueio as sobrancelhas controlando o riso – Um amigo aparece, te deixa largado do meu lado e some. O que eu iria fazer, além de correr pra longe?
Ricardo não responde. Ele me olha e pelo tanto que o conheço, é obvio para mim que ele já tem uma resposta, mas apenas balança a cabeça de leve e se concentra na direção.
- Viu? Sou desconfiada. – Cruzo os braços mantendo um sorriso convencido.
- Muito, passou o resto do tempo me encarando de longe. – Ele constata um fato.
- Pra saber se você não era um maníaco. – Rebato tentando me defender.
- Bom argumento. – Ele sorri, e logo ele estaciona e desliga o motor – Vamos?
Concordo e saio do carro, esticando os braços acima da cabeça e me alongando o máximo que consigo, e vou caminhando devagar para a porta do estabelecimento. Ricardo me alcança e caminha ao meu lado e logo entramos, e acabo notando que ele se mantém um pouco distante de mim.
Querendo ou não, esse espaço entre nós causa uma certa estranheza. Entendo bem quais são os vários motivos que fazem eu me sentir dessa forma... Mas ainda assim, é estranho.
Passo os olhos pelo estabelecimento, está bem movimentado pelo horário de almoço, mas por sorte existem algumas mesas vagas espalhadas. Muitas pessoas falando ao mesmo tempo, unidas as risadas escandalosas vindas de um grupo em uma mesa de canto, tornam os barulhos daqui quase insuportáveis.
Escolhemos uma mesa e sentamos um de frente ao outro, e logo tomo o cardápio em minhas mãos para escolher algo, já Ricardo apenas junta as mãos e me observa.
- O que foi? Não vai escolher? – Questiono erguendo uma sobrancelha.
- Já tenho ideia do que irei pedir. – Ele sorri olhando para o lado – Aliás, como está o Tiago? Faz tempo que ele não dá nenhum sinal.
Junto as sobrancelhas, forçando um pouco minha memória – É uma boa pergunta, faz um tempo desde a última vez que conversei com ele.
- Nossa, mas isso é estranho... – Ricardo torce a boca – Ele costumava conversar tanto, e de repente some.
Ergo os ombros – Apesar que estamos livres das aulas, tem chance do Tiago estar ocupado com trabalho, viajando com a família... Ou talvez correndo atrás de alguma mulher.
Digo isso, mas acabo refletindo com esse detalhe. Fazem dias que sequer vejo ou falo com Tiago, nem tenho nenhuma notícia dele. Não é exagero dizer que ele sumiu do mundo sem dar nenhuma explicação.
Apesar que, se for pra apostar em alguém que pode saber algo sobre Tiago e onde esse garoto está enfiado, com toda certeza essa pessoa é a Marina. Depois de tudo que estive observando, é óbvio que hoje os dois tem uma proximidade muito grande, maior do que antes.
- Caso ele te dê algum sinal de vida, pode me avisar? – Me questiona.
- Aviso sim. – Ele sorri, abaixando o olhar para o cardápio, olhando por uma vez e logo soltando. Disfarço voltando a olhar para o meu cardápio, mas permaneço atenta as suas reações, e acabo escutando um suspiro – Você está inquieto.
Ricardo me ergue os olhos, e não parece que estou enganada. Namorei com ele por muito tempo e sei dizer quando existe algo o incomodando. – Acho que sim.
- Qual o problema? – Digo fechando o menu e dedicando minha total atenção a ele.
- É uma coisa que está martelando a um tempo. – Ele passa uma mão pelo queixo, claramente impaciente – Quero te perguntar. Depois daquilo, a Marina e a Letícia me odeiam?
Sua pergunta me pega desprevenida, tanto que não tenho ideia do que responder logo de cara. Passo os olhos pela mesa na tentativa de ganhar tempo antes de falar qualquer coisa – Não tenho certeza Ricardo. Nenhuma das duas fala sobre você em nenhum momento.
Vejo ele balançando a cabeça algumas vezes – Queria poder me desculpar com elas sobre o que aconteceu. Aquilo foi horrível.
- Você acha? – Digo irônica.
- Tenho certeza. – Responde firme. – A Letícia principalmente, ela deve ter se sentido péssima.
- Bem... – Começo, respirando fundo – Você pode tentar se desculpar, só não espere que ela vá aceitar ou querer ficar de muita conversa.
- Caso isso aconteça, eu entenderei. – Ele balança a cabeça – Podemos fazer os pedidos?
Assinto e ele ergue a mão para chamar o garçom, que prontamente se desloca até nossa mesa. Não sei se confio tanto nas palavras de Ricardo quanto a pedir desculpas, mas também não irei impedir ele de se desculpar com Letícia.
Se ele quiser mesmo se desculpar, então que sejam desculpas sinceras. Não me importo mais se ele deu em cima de alguém, mas sim que acabou sendo desagradável a uma amiga minha. Então que seu pedido de desculpas seja sincero.
Sendo assim, para mim estará de bom tamanho.
Acabou que Ricardo ficou perto por menos tempo do que eu esperava. Assim que terminamos o almoço, ele me trouxe de volta para casa e foi embora, sem nem tentar me beijar ou ficar me abraçando.
Por um lado isso é bom, afinal ele está respeitando meu tempo e meu espaço sem forçar nada comigo.
Mas por outro lado, a estranheza acaba crescendo mais.
Bem, logo depois que Ricardo foi embora falando que precisava descansar para poder trabalhar a noite, corri para fazer qualquer coisa que pudesse em casa para me distrair, mas não deu em nada. Tudo em casa já está feito, e a disposição para qualquer coisa acaba decaindo.
O pior de tudo é o mais puro tédio, não sei o que fazer.
Não faz nem uma semana que estou longe da faculdade, e já estou sentindo falta. É algo que ocupa muito meu tempo. Letícia não deve passar tanto por problemas relacionados ao tédio, seu tempo entre as aulas e o trabalho é tão apertado que talvez ela goste desse tempo livre.
Me enrolo na minha manta de bichinhos e deixo meu quarto em passos apressados. Dentro de casa está bem mais frio do que do lado de fora, e estar tudo tão quieto é realmente agoniante. Não deixo de ter uma certa expectativa em meio ao silêncio, afinal quando tudo está quieto demais, algo estranho sempre pode acontecer.
Desço as escadas e sigo para a sala, olhando por mais uma vez se tem algo para fazer. Nada, está tudo no lugar, sofá ajeitado, controle alinhado com o raque da televisão, quadros da família praticamente perfeitos em suas posições. Passo a ponta do dedo pelo móvel e olho, mas para minha decepção não tem nem um pouco de poeira.
Tédio...
Vou para a cozinha, passando os olhos por tudo. Não tem nada espalhado na mesa, a pia está vazia e todas as louças guardadas. Chego ao ponto de olhar dentro da pia para me certificar se realmente não tem uma colher que seja, e vejo que a pia está seca. Ando apressada até os armários, torcendo para haver uma bagunça que seja nas panelas ou potes.
E para o meu desagrado, tudo está perfeitamente alinhado... Do jeito que meu pai gosta.
Tédio!!!
Minha atenção se volta ao meu celular que acaba de vibrar de leve no bolso da minha calça. Ignoro a primeiro momento, mas logo vibra de novo, e de novo... E de novo. Se a pessoa quer chamar minha atenção, ela conseguiu.
Mari: Clara!!!
Mari: Claraaaa!!!
Mari: Ta ai??? Responde menina!!!
Mari: Tenho que te contar uma coisa muito importante!
Mari: E tenho que contar agora!!! Então responde!!!
Arqueio as sobrancelhas com isso tão de repente. Pisco algumas vezes, me certificando se tratar de Marina e não algum maluco. O pior que assim do nada, a apreensão por ter acontecido algo acaba aparecendo com tudo, por isso acabo escolhendo a cadeira mais próxima e me sento, esperando por alguma bomba.
Ana C: Estou aqui. O que aconteceu???
Mari: Então...
Mari: Adivinha quem recebeu alta e acabou de chegar em casa.
Pisco algumas vezes olhando para a tela do meu celular, e logo em seguida aparece uma foto da minha melhor amiga no sofá de casa, ostentando um largo sorriso no rosto e fazendo um joia.
Ana C: Você... Fez tudo isso só pra dizer que chegou em casa?
Mari: Uhum.
Ana C: Você me deixou preocupada sua doida.
Ana C: Pareceu toda desesperada.
Mari: Amiga moleca sendo a amiga moleca.
Acabo rindo alto com a resposta que recebo, a Marina é doida. Mas saber que já está em casa é algo que me deixa animada por me trazer certeza que estão bem. Estou pronta para deixar o celular de lado, e uma ideia me surge.
Ana C: Quero perguntar, você está livre pra amanhã?
Mari: Acho que sim. Por que?
Ana C: Pensei em uma coisa.
Ana C: Fazer um encontro aqui em casa pra comemorar que vocês saíram do hospital.
Ana C: O que acha?
Mari: Amei a ideia!!!
Mari: Amanhã mesmo?
Ana C: Isso, logo cedo para aproveitarmos o dia. Você vem mesmo?
Mari: O que você acha Clara?
Mari: Pode contar comigo!!!
Mari: E pode deixar que eu mesma aviso a Letícia.
Dou um sorriso e balanço a cabeça negativamente. Aproveito que ainda estou na cozinha e vejo o que tem nos armários para fazermos lanches logo cedo.
Analiso bem tudo que tem em casa, já imaginando o que precisarei para amanhã, precisarei ir no mercado para comprar o que iremos precisar para amanhã. O lado bom é que finalmente tenho algo para quebrar o tédio.
Hora de dar uma passeada no mercado.
Corro de volta para meu quarto, visto um moletom por cima da camiseta de manga longa que já visto, coloco uma calça mais confortável, pego um par de tênis brancos, alcanço chaves e minha carteira, e saio de casa.
Em passos rápidos vou andando pela calçada e tentando me manter aquecida, mas o vento agora não está colaborando muito. Está relativamente bem frio, acho que até mais do que estava quando saí com Ricardo. Só espero que no mercado não esteja tão frio assim.
Acabo lembrando do almoço que tive com Ricardo mais cedo, e o que ele havia perguntado sobre Tiago... Na verdade, não é exatamente sobre Tiago que estou pensando.
Quem me vem em mente é Brian.
Ele é outra pessoa que a dias não tem conversado direito comigo. Se me lembro bem, a última vez que conversei com Brian foi na saída do metrô, e depois disso ele nunca mais falou nada comigo, seja por ligações ou por mensagens, e também, a dias ele não aparece na frente da minha casa. Isso me deixa bem pensativa.
Será que fiz alguma coisa de errada e que o deixou magoado?
Não faço ideia quanto a isso, mas como terei uma resposta se ele não fala nada comigo?
Tudo bem que também não ajudo muito. Sequer me preocupei em mandar mensagem para ele uma vez que seja perguntando se está tudo bem ou não, ou que fosse só pra jogar conversa fora.
Bom, deixa pra lá. Quando eu tiver uma oportunidade, irei falar com ele.
Por agora, vou só me concentrar em comprar tudo que preciso e deixar preparado para a reunião de amanhã. Quem sabe eu não tente fazer um churrasco... Ou algo próximo disso.
Sinto alguém tocando meu ombro levemente, e como resposta faço um pouco de manhã e me mexo na cama, buscando me esconder nas cobertas e voltar ao meu sono, que por sinal está tudo de bom.
- Filha, acorda... – Ouço minha mãe em um tom carinhoso.
- Mamãe...? – Respondo manhosa, abrindo meus olhos e a vejo sentada na beirada da cama.
- Não é hoje que suas amigas virão? – Ela me questiona, fazendo carinho pelo meu cabelo.
- É hoje sim... – Bocejo e me espreguiço. Preguiçosamente me viro na cama, deitando de frente para minha mãe, mas sem vontade de levantar – Tenho que levantar... Que horas são?
- Já passou das oito. – Ela me responde, e acabo despertando.
- Mas mãe? O que ainda está fazendo em casa? – Ergo o corpo com toda a pressa, e de imediato a corrente fria que existe no meu quarto abraça meus braços nus, e um arrepio percorre minhas costas até o pescoço. Alcanço minha mantinha de bichinhos e passo em volta dos ombros, tentando aplacar o frio – Você não deveria estar no trabalho?
Ela apenas ri da minha reação desesperada, se colocando de pé – Deveria, mas estou com horas acumuladas e meu superior falou que eu podia tirar o dia de folga... Além do mais, ele mandou outro supervisor pra fazer a escala de sábado.
- Ainda bem né. – Digo com um sorriso, e logo um novo bocejo preguiçoso surge, e volto a deitar enquanto passo as mãos pelo rosto. – E o pai? Ele saiu para o trabalho?
- É, ele não teve a mesma sorte que eu. – Ela me sorri, caminhando devagar para a porta.
- Tenho que levantar, já já o pessoal chega... – Digo me aconchegando na cama – Mas a vontade de sair da cama nesse frio...
- Que hora seus amigos vão chegar? – ouço enquanto bocejo.
- Umas dez horas acho. – Respondo sonolenta.
- Então pra que acordar tão cedo assim? – Ela abre as mãos.
- Eu queria fazer tudo sem pressa... – Digo manhosa, enroscando as cobertas no corpo.
Minha mãe balança a cabeça negativamente – Fica na cama só mais um pouco filha. Daqui a pouco eu te chamo...
Passo as cobertas sobre os ombros e olhando para minha mãe, parada na porta – Promete que vai demorar mais de dez minutos mamãe? – Peço manhosa.
- Vou ser ruim, irei te chamar assim que preparar o café. – Ela responde gargalhando e deixa o meu quarto – Tem 5 minutos pra aproveitar a cama!
Faço bico e encaro o teto alguns segundos, reunindo toda a coragem necessária para sair da cama e encarar o frio de hoje. Apesar que não posso demorar muito, provavelmente Marina será quem vai chegar mais cedo pra fazer bagunça.
Saio da cama vagarosamente antes que minha mãe me chame, arrastando os pés até meu guarda roupa. Pego minha toalha e vou ao banheiro. Um banho será o bastante para me despertar e conseguir fazer as coisas que preciso.
Não demoro muito no chuveiro, apenas um rápido banho frio para lavar o cabelo, escovar os dentes e, principalmente, acordar em definitivo. Desligo o registro e saio apressada, tremendo um pouco por causa do vento frio passando pelos meus ombros e pernas nuas e molhadas.
Escolho algumas roupas e me visto apressada. Visto uma confortável calça jeans com um tom de azul bem escuro e poucos tons claros, uma confortável regata branca com detalhes azuis pelos ombros e lateral do corpo, e uma blusa de lã e gola rolê alta bem justa ao corpo. Paro em frente ao espelho, ajeitando a gola no pescoço de forma que eu não me sinta nada sufocada, passo os dedos pelo meu cabelo o arrumando até me dar por satisfeita.
Dou um largo sorriso com meu reflexo. Me vejo bonita, verdadeiramente bonita como não me sentia já a muito tempo.
Saio do quarto e desço para a sala, correndo para a cozinha. Minha mãe está sentada com seu notebook aberto a sua frente. Ela sequer olha para mim quando entro, apenas mantém sua leitura concentrada.
- O que está fazendo? – Questiono curiosa, indo para o armário conferir novamente se tudo que comprei ontem ainda está no lugar que deixei e não evaporaram.
- Acompanhando minha caixa de e-mails. – Ela diz em um tom sério – Pelo que vi aqui, segunda precisarei apresentar os resultados mensais da minha equipe, produtividades individuais, o rendimento lucrativo que conseguimos no último mês, e também terei a reunião que será minha promoção para coordenadora.
- Mãe, é sábado. – Digo brincalhona fechando os armários. Olho para ela, que está me encarando com as sobrancelhas no alto – E também, alguém me disse que está de folga hoje, não é mesmo?
Ela esboça um sorriso enquanto balança a cabeça negativamente, sem me responder nada.
- E também mãe, a promoção já é sua. Deixe o trabalho um pouco de lado. – Digo me sentando ao seu lado, olhando para a tela.
- Ta bem Clara, não ficarei vendo sobre trabalho em casa. – Ela afasta as mãos do teclado e fica me olhando – Vou tentar relaxar...
- Não só tentar mãe, vai relaxar sim. Ultimamente escuto a senhora reclamando bastante para meu pai que está trabalhando demais, aproveite esse momento para descansar. – Digo rindo, escutando a campainha tocando – Certeza que é a Marina.
- Essa menina chega cedo, não acha? – Ela me responde sorrindo, fechando o notebook.
- Só aqui em casa que é assim. Quando o assunto são as aulas, ela atrasa de vez em nunca... Ela gosta até das aulas mais chatas, dá pra acreditar? – Dou de ombros e minha mãe ri do meu comentário, já saindo da cozinha com a chave em mãos.
Apesar de ser minha melhor amiga, olho rapidamente para confirmar se tudo está em seu devido lugar, e já começo a refletir quanta bagunça terá daqui a algumas horas. Ignoro isso e sigo apressada e abro a porta, para minha surpresa, vejo que Marina está com Tiago.
- Chegamos! – Ela diz animada vindo até mim e me cumprimentando com um agradável abraço.
Me afasto de Marina e olho para o garoto. Ele nos observa, mas desvia o olhar para baixo no momento que o encaro. – Oi. – Diz simplesmente, levando a mão aos bolsos da calça.
- Chegaram bem cedo. – Digo rindo dando espaço para os dois – Entrem, fiquem a vontade.
- Muito agradecida, apesar que eu sempre fico a vontade. – Marina sorri de canto.
- Claro né, você é praticamente de casa. – Fecho a porta e me viro para eles – A Letícia vai vir?
- Sim, e aí está um ponto que não te avisei. – Marina olha de um lado ao outro, com um sorriso sapeca no rosto – Ela virá com Gabriel.
Cruzo os braços, piscando algumas vezes – Como assim?
- Quem você acha que buscou ela no hospital? – Marina ergue a sobrancelha, e acabo boquiaberta. – Buscou, e ela foi para a casa dele.
- Isso é fofoca, sabia? – Digo rindo, me sentando no sofá.
- Talvez. – Ela diz simplesmente, se sentando ao meu lado – Mas imagina a surpresa que seria você abrir a porta, e dar de cara com os dois juntos.
- É... Tem lógica. – Dou risadas. – Querem comer algo?
Marina se nega, e Tiago se mantém de pé a certa distância – Não... Ah... Já volto. – Ele comenta ainda sem me olhar, dando alguns passos para trás, se virando e subindo as escadas apressado.
Estranho essa atitude dele, mas não digo nada. Marina o acompanha com o olhar e seu sorriso se desmancha em questão de segundos – Ótimo, agora que estamos sozinhas podemos falar Clara... – Ela se ajeita no sofá, me encarando seriamente – O que foi que aconteceu entre vocês dois?
- Do que está falando? – Pisco algumas vezes.
- Quando você nos visitou, aproveitei um momento para mandar mensagem para ele e avisar que estava tudo bem, ele visualizou mas não me deu nenhuma resposta. Só consegui falar com ele quando estava em casa e mandei mensagem do meu próprio celular. O Tiago me disse que você surtou quando perguntou do motivo de estarmos sem dar notícias. – Marina para pra respirar um momento, cruzando os braços – O que aconteceu?
Agora entendi o motivo de Tiago ter se afastado de mim nos últimos dias. Me esqueci completamente da forma como tratei ele naquele dia, que por sinal, meus ânimos estavam malucos.
Apesar que faz sentido ele ter decidido se afastar, acho que o jeito que falei com ele acabou sendo tão agressivo que ele entendeu que não valeria nada a pena ficar perto de mim naquele momento... E talvez seja por isso que ele está se mantendo distante de mim agora.
- Eu... Acho que não estava pensando direito. – Me justifico, mas o olhar de Marina não se suaviza em nada.
- Só por isso? – Ela ergue uma sobrancelha – Pelo que o Tiago contou, você brigou pelo fato de ele estar preocupado com nós.
- Você lembra como eu estava Marina. – Rebato me defendendo – Na segunda eu não estava nada bem. Você sabe como eu estava preocupada com vocês depois de tudo que aconteceu, eu estava uma pilha de nervos... Na hora eu estava irritada e sem paciência nenhuma, e o Tiago me fez tantas perguntas que não me segurei, e explodi com ele.
Marina me observa alguns segundos, balançando a cabeça – Se foi isso, então você vai ter que pedir desculpas para ele. Pelo que estou vendo, o Tiago não fez nada de errado.
- Eu faço isso uma outra hora... – Respondo revirando os olhos, e Marina cruza os braços. – Mas prometo que irei conversar com ele sobre isso.
- Essa é minha amiga sensata. – Marina sorri de canto.
- Por esse motivo que você veio junto dele? – A encaro de soslaio.
- Ah não exatamente. Tiago veio comigo porque dormiu lá em casa. – Ela comenta descontraída, mas só então para e percebe o que acabou de falar. Percebeu tarde demais, já estou com um sorriso imenso ao saber disso. – Ele estava preocupado comigo, só isso.
- Aham, sei. Tão preocupado que dormiu lá. – Provoco risonha.
- É verdade Clara. – Marina insiste sacudindo as mãos algumas vezes. – Quando eu disse que tinha voltado para casa, ele falou que estava preocupado e perguntou se podia ir me ver. Não vi nada demais nisso e concordei, ele passou umas horas comigo, por ter ficado muito tarde ele dormiu lá em casa...
Escutamos passos e logo Tiago reaparece, indo se sentar no sofá oposto ao nosso. Ele evita nos olhar, apenas pega seu celular e começa a mexer em silêncio.
- Fala com ele. – Marina me sussurra, olhando para Tiago de soslaio.
- Agora não... – Sussurro de volta – Falo com ele depois, quando tiver mais tempo...
- Mais tempo do que tem agora? – Ela arqueia as sobrancelhas – Se quiser, invento uma desculpa pra ir pra cozinha, e você conversa sozinha com o Tiago. Aproveita que ainda não chegou mais ninguém.
- Mas tem que ser justo agora Marina? – Sussurro olhando de relance para ele.
- Quanto antes falar com ele, melhor. – Ela rebate.
- Eu nem sei o que falar pra ele. – Apoio o rosto na mão.
- Ele só estava preocupado com a gente. – Ela insiste – Só pede desculpas Clara.
- Você acha que ele vai me desculpar depois do jeito que tratei ele? – Ergo as mãos de leve.
- É claro que sim, é o Tiago. – Ela me olha fixamente – Esse garoto te adora, já me disse várias vezes que te vê como uma ótima amiga, mas acha que você está irritada com ele. E outra coisa, ele não é do tipo de pessoa que guarda rancor.
Penso por um instante, mas não encontro nenhuma resposta. Volto meus olhos a ele, e noto que Tiago está nos observando, um pouco encolhido – Qual o assunto da vez?
Troco um rápido olhar com Marina, mas ela se adianta em falar – Nada demais, só comentando sobre o que poderemos fazer hoje...
- E eu falei que por enquanto podemos colocar alguma coisa pra assistirmos, e daqui a pouco coloco algumas carnes para assar no grill. – Digo e ele concorda balançando a cabeça.
Tiago saca o celular e fica olhando interessado para algo, ele mal toca a tela, apenas fica ali olhando hipnotizado para sei lá o que. Desde que o conheço ele faz isso, se distrai sozinho com algo que não consigo enxergar... Eu preciso mesmo tirar um momento para falar com Tiago para me desculpar do que houve na última vez.
Ele só estava preocupado... Acho que exagerei.
Marina e eu engatamos uma longa conversa sobre qualquer coisa. Assuntos surgem e desaparecem, sendo relacionados a faculdade e a folga das aulas, o retorno dela para casa depois que recebeu alta, uma próxima saída só pra andarmos um pouco.
Em meio a nossa conversa, Letícia chega e, como Marina avisou mais cedo, Gabriel estava com ela. Minha mãe acabou saindo da cozinha, cumprimentou a todos e foi para o quarto, acho que para me deixar mais à vontade com todos.
Nos reunimos na cozinha para conversarmos animados enquanto coloco algumas carnes e linguiças para fritar no grill.
Durante alguns momentos, Tiago permaneceu calado apenas observando a conversa, e reparei como ele está próximo de Marina, e como ele discretamente é carinhoso com ela. Acho que ele nem deve notar as pequenas caricias que faz na mão dela ou como a olha sem parar.
Além disso, noto também que ele fica muito mais interessado quando ela começa a falar. Seus olhos chegam a brilhar quando Marina fala ou quando olha para ele... E assim como eu, Marina já deve ter notado isso.
Percebendo que Tiago estava mais quieto entre todos, a própria Marina questiona sobre seu curso de fotografia e como andam as coisas. Pela sua expressão, Tiago não estava esperando ser incluso na conversa dessa maneira, muito menos o interesse de Gabriel nesse assunto.
Os dois começam uma longa e animada conversa sobre fotografia, câmeras, experiências que já tiveram, e várias outras coisas que não entendo nem um pouco, e agora somos nós quem ficamos caladas, prestando total atenção na conversa dos dois.
Aproveito a oportunidade para tirar as carnes do grill e colocar mais para fritar, Letícia vem comigo para me ajudar. Enquanto eu retiro as carnes e deixo sobre a tábua, Letícia vai picando cada uma delas e despejando em dois pratos. Nem preciso perguntar e ela já conta que irá levar algumas para minha mãe, e deixa a cozinha levando a porção consigo, enquanto que eu coloco mais carnes para fritar.
Enquanto eu termino de colocar as carnes, Marina se aproxima e pesca uma carne mais queimada e sai dando risadas, voltando para perto de Tiago. Observo o rapaz está separando alguns copos e servindo uma boa dose de refrigerante para cada um e distribuindo animado, quando Letícia retorna e reatamos a conversa sobre fotografias.
Em meio a conversa, Gabriel conta que é um grande entusiasta de fotografia profissional, e que estudou bastante a respeito a alguns anos atrás, e atualmente pratica quando tem oportunidade. Isso explica o interesse dele sobre o curso de Tiago.
Quase que ao mesmo tempo, ambos sacam seus celulares e compartilham algumas das fotos que tiraram em variadas oportunidades, contando sobre os trabalhos que fizeram, lugares e explicando ângulos e técnicas usadas para fazer cada uma das fotos, além de claro, mostrar cada uma das fotos para nós.
É visível como Tiago está descontraído agora, e principalmente como ele está mais leve, muito diferente de momentos atrás. Ele está com um genuíno sorriso animado no rosto, empolgado na conversa e por ter encontrado alguém que gosta desse assunto tanto quanto ele.
Apesar de não ser o negócio principal de Gabriel, ele tem grande experiência profissional com fotografia, e por consequência, conhece muitas pessoas renomadas do ramo. Durante toda a conversa, ele propôs a Tiago a ir trabalhar em um estúdio a qual ele é um dos sócios majoritários, a qual o garoto prontamente aceita.
Acabo prestando atenção em como os papeis se inverteram. Enquanto que Tiago conversa com Gabriel, agora é Marina quem o observa com encanto no olhar, parecendo até estar hipnotizada com as coisas que o garoto está contando.
O jeito dela é bem bagunceiro, igual ao garoto, e a proximidade dela se resume em estar perto com o cotovelo sobre o ombro de Tiago e estar com um de seus dreads entre os dedos, mas não acho que isso o esteja incomodando... Até arrisco dizer que ele está adorando, e as vezes minha melhor amiga consegue roubar totalmente sua atenção e sorrisos com seus comentários.
Lembro-me que a algum tempo, Marina havia dito que Tiago não era alguém muito atento, sem objetivos e que precisa crescer... Mas agora que ela está presenciando o garoto falar com tanto empenho, deixando nítido que tem objetivos bem claros em mente e sendo mais adulto do que a gente conhece, é possível até ver os olhos da minha amiga brilhando.
É incrível ver como esses dois se gostam, como demonstram isso em cada um de seus atos sem nem perceberem. E mais incrível que ainda não tenham ficado juntos.
Em meio as conversas, a campainha toca mais uma vez. Imagino se tratar de Brian, afinal ele seria o único que poderia aparecer assim do nada. Imaginar isso me traz um largo sorriso animado e me faz sentir um calor no peito.
Admito que senti saudades do meu guardião, muitas saudades, e meu sábado será muito melhor tendo ele em um momento tão agradável como esse.
Corro para o portão com um largo sorriso no rosto, e a abro sem nem pensar, tendo um choque com quem encontro do outro lado – Ricardo?
O olhar dele está um pouco alterado, e seu hálito é forte. Pela minha experiência, sei identificar bem que ele andou bebendo, e foi algo forte. – Clara? Podemos falar?
Antes mesmo que eu possa responder algo, Ricardo avança de repente me obrigando a recuar alguns passos, encostando a porta atrás de si enquanto seu olhar permanece fixo em mim.
Não é nada difícil descobrir que ele está bêbado.
- O que você quer? – Questiono séria, recuando mais um passo assim que ele tenta chegar perto.
- Já disse, conversar. – Ele diz seco.
- Não acho que seja uma boa hora pra isso Ricardo. – Olho de um lado ao outro, andando para longe tentando manter alguma distância entre nós dois. Ele não ta normal. – Você não parece estar em condições de conversar agora.
- Estou em plenas condições Clara. – Responde me seguindo em passos lentos.
- Não, você não está! – Respondo direta encarando ele – Seja lá o que quer conversar comigo, com certeza agora não é o momento.
- Tem que ser agora! – Ele responde, sua voz sai quase como um rosnado.
Respiro fundo tentando manter minha calma. Não estou com nenhuma das minhas runas comigo, nenhuma das folhas e nem a pedra da runa do raio. Acabo levando as mãos ao bolso tentando simular um movimento normal, mas é uma vã tentativa de achar a runa do raio.
- Ta... – Digo bufando encarando o teto, logo voltando minha atenção a Ricardo. – O que quer?
- Quero fazer você voltar para mim! – Ele diz vindo até mim em uma corrida, ficando de joelhos a minha frente e segurando minhas mãos.
- Hein? – É a única coisa que consigo falar devido a surpresa de sua atitude tão... Inesperada.
- Eu sei... Eu sei... – Ele balbucia com a voz embargada – Você está com aquele riquinho metido a grande salvador... Anda de cima pra baixo com ele... Só com ele... Só com ele...
Pisco algumas vezes tentando puxar minha mão de volta, mas Ricardo segura com ainda mais força do que antes, passando meus dedos pelo seu rosto – O que você...
- Clara... Ah Clara... – Ele me olha fixamente. Sua boca treme e sua voz sai estranha por causa da bebida. Mesmo com seu rosto longe do meu, o cheiro forte de álcool me atinge, causando náuseas e por um segundo meu corpo treme – Por que ele? Por que se envolveu com ele? Você seria tão mais feliz comigo, só comigo... Mas não... Quis o rico de nariz empinado, não é?
Olho para a porta da cozinha, e todos estão ali me olhando. Não só olhando, estão a postos, caso algo aconteça aqui com certeza virão interferir. Ainda assim, ergo uma mão a eles, sinalizando para que esperem.
- Ah, olha só, todos estão aqui! – Ricardo diz se levantando em uma gargalhada descontrolada. Ele avança alguns passos rumando para eles – Então, o que acham de me ajudar? Vamos convencer a Clara que só eu sou a pessoa certa?
- Perai, você ta entendendo tudo errado! – Me apresso o agarrando pelo ombro e virando para mim bruscamente – Me escuta Ricardo, não existe nada entre eu e o Brian.
- Ah mas você está mentindo... – Ele me olha com um sorriso de canto, chegando com o rosto muito próximo do meu – Não existe nada... Mas vive indo pra cima e pra baixo só com esse cara, me fala... Ta gostando de dar pra um riquinho? Já fez a festa naquele carro? Vai sair essa noite e dar pra ele de novo?
Se ele queria me irritar, conseguiu e muito bem. – Agora chega Ricardo! Faz o favor de calar essa sua boca, você já foi longe demais!
Ele se vira pra mim, mas não diz nada.
- Eu já te falei por tudo que estou passando. – Digo batendo uma mão em seu peito – Tem um monstro atrás de mim Ricardo. Você esqueceu por acaso?! Se tem um motivo que estou a tanto tempo com Brian por perto, é porque ele é quem esteve ajudando em me manter viva!
- Foi só insistir um pouco que você se estressa, não é? – Ele diz cerrando os olhos – Esse Brian é tão bom assim Clara? Ou será que está dando pra ele porque o cara é bem de vida?
- Ricardo pensa um pouco... Ou melhor, pensa em tudo que você tá falando. Não tem nenhum sentido! – Grito revoltada com ele, enquanto meu colar começa a brilhar, mas ignoro – Você tá bêbado. Não tá dizendo coisa com coisa. Estou com Brian só porque ele está me ajudando.
- Então admite que está com ele?! Olha só, foi difícil admitir? – Ele rebate o que digo, levando as mãos a cintura. – O que mais vai me dizer?
Respiro fundo uma última vez. Não preciso explicar nada para ele, mas ainda quero fazer mais uma tentativa. Por isso alcanço meu colar dentro da blusa e mostro a ele – Está vendo isso? É uma das coisas que Brian me deu só para me manter a salvo daquela coisa...
Ricardo agarra a pedra do meu colar de repente, enquanto encaro ele com total espanto no meu rosto – Ganhando presentes, que coisa mais linda. Tá com ele pra andar de carrão, fazer a festa com o riquinho idiota e também pra ganhar coisas... Você não me engana sua interesseira suja, está ganhando tudo isso em troca de sexo, coisas e vidinha fácil que eu não podia dar mas que aquele riquinho pode... Você não presta nem um pouco!
Em um movimento Ricardo força sua mão para baixo e a corda do meu colar se rompe em um estalo. Mesmo com o tecido da blusa protegendo a pele do meu pescoço, sinto a dor da tensão da corda contra meu corpo, mas isso não importa... Ele rompeu meu colar.
- Ricardo, me devolve isso! – Não peço, imploro a ele que devolva a pedra do meu colar. Estico as mãos tentando alcançar, chego a me humilhar tentando pular, mas Ricardo ergue a mão de forma que eu não consiga alcançar de forma nenhuma, enquanto ele sorri em escarnio... A maldita brincadeira de colocar algo no alto pra eu não conseguir pegar por ser baixinha, mas agora não é hora para brincadeiras – Me devolve agora!!!
Ele solta gargalhadas me afastando pelo ombro enquanto mantém a pedra no alto, e nesse momento, algo acontece.
Todas as luzes oscilam, tornam-se muito mais fortes, apagando de repente. Um silêncio estranho se mantém na sala, e logo a luz volta.
E para meu desespero, em passos descontraídos eu o vejo se aproximando – Bom dia... Vim dizer que essa é uma oportunidade que eu não esperava...
Seu sorriso imenso surge, seus olhos vermelhos se cravam em mim. A névoa surge tanto dentro quanto fora da casa.
- Olá olá Clara... Te farei minha... – A Entidade avança um passo em minha direção – Esteja preparada...
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