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Capítulo 31 - Verdades reveladas

7375 Palavras

- Ricardo? – Seu nome escapa pelos meus lábios em um sussurro antes que eu perceba.

Neste momento, minha respiração se altera por completo, e meu coração bate forte e descontrolado em meu peito. Minha boca seca, e minhas mãos... Não, meu corpo inteiro treme. Tantos sentimentos, tantas coisas apenas ao vê-lo. É ele... É ele.

- Oi Clara... – Ele diz em um meio sorriso, que logo se desmancha no momento que seu olhar vai ao chão em segundos. Ouso dizer que ele não consegue me olhar.

- Mas... – Começo, mas não encontro palavras de começo – O que... O que faz aqui?

- Eu... Eu senti sua falta... – Ele diz em um fio de voz – Queria te ver.

Não sei como responder, na verdade nem consigo responder. Não faço ideia do que pensar ou como reagir, sua aparição me foi um verdadeiro baque que nem sei como me sentir. Meu coração bate forte e minha respiração se altera conforme seus olhos passam pelo meu rosto.

- Foi um corte feio... – Seus olhos focam na cicatriz em meu rosto, que tento esconder com os dedos e virando um pouco meu rosto, desviando meu olhar dele – O que houve?

- Nada, eu... Tive alguns problemas recentemente, e machuquei meu rosto. – Comento em um sussurro. Prefiro evitar maiores detalhes a ele.

- Acho que sei como é... – Ricardo solta um suspiro – Podemos conversar?

Me viro para ficar de frente a ele, mas não saio do lugar. Não consigo sair do lugar. Meus pés não me obedecem, sejam para me aproximar ou me afastar dele. Meu corpo não me obedece mais, apenas posso olhar para ele.

Percebo que seus cabelos estão levemente maiores e não estão arrumados no topete de sempre como costumava estar, mas sim em um modelo médio em camadas, com vários fios caindo em frente a testa e os demais jogados para trás. Além disso, Ricardo agora tem uma barba rala.

Ele também parece um pouco mais encorpado que da última vez que o vi, mas não sei se está mais gordinho ou mais musculoso... Ou os dois, não sei. Além disso, ele não está com roupas chamativas de marcas conhecidas, mas sim com roupas discretas e em tons neutros que conseguem ser ainda mais bonitas do que as antigas roupas que costumava usar.

Não posso negar que ele parece mais bonito do que da última vez em que o vi.

- Conversar? – Sussurro levando minha mão ao peito, tentando inutilmente aplacar toda a intensidade em meu coração.

- Sim... – Ele sussurra, levando as mãos aos bolsos da calça – Já passou da hora na verdade... Nós podemos?

- Eu... Eu não sei... – Digo com a voz fraca.

- Por favor Clara. – Ele insiste, dando um passo em minha direção. De imediato me sinto assustada com sua tentativa de aproximação, e recuo um passo. Em sua reação está nítido que Ricardo não esperava por esse atitude minha.

- Desculpa mas... – Começo a falar, me enrolando nas minhas próprias palavras. Palavras que preciso dizer, mas que se enrolam e desaparecem em meus pensamentos. – Amor... – Droga, não posso chamar ele assim. Sequer sei se existe mais algo entre nós – Ricardo, eu... Eu não sei se quero conversar.

Meu coração bate descompassado a cada segundo, intensificando-se a cada segundo que meus olhos continuam no homem a minha frente. Meu coração quer seu afeto, meu corpo quer seu carinho, sua proteção...

Corpo e coração querem Ricardo, não um ou outro. Ambos querem, e a cada momento querem mais e mais. Desejam ele das mais diversas e profundas maneiras, anseiam pelo seu toque, seu carinho, seu cuidado, seu olhar, seu desejo... Anseiam tudo nele.

Gritam para que corra para ele e fique no aconchego dos seus braços e me perca neles na ilusão de que tudo ficará bem, meu coração se aperta com a saudade, clama por isso, por ser apenas dele novamente. Ser acolhida por ele em um momento tão complicado como esse atual, em meio a tantas dificuldades, tantos problemas que me levam ao meu limite, me deixando tão próxima de quebrar e desmoronar em vários pedaços...

Quando eu mais preciso de um porto seguro, me sentir protegida por alguém... Ele aparece.

Quero demais, meu coração dói pela atual distância física entre nós, dói pela falta que ele me faz todos os dias e estive guardando dentro de mim o máximo que pude. Meu corpo e coração imploram que eu rompa o espaço entre nossos corpos, quebre a saudade e finalmente esteja com ele outra vez. Meus pés e pernas querem que eu corra para ele, e me esconda em seus braços e o conforto que sei que possuem e acredite que tudo ficará bem, que estou segura e tudo não passa de um longo pesadelo.

Estar longe é agoniante, torturante. Sinto a dor dentro do meu peito cada vez mais forte, que sei que só será aplacada com um único e duradouro abraço mudo... Palavras não seriam nem um pouco necessárias, não em um momento como esse. Apenas seu abraço e seu calor bastariam para me confortar da maneira que tanto preciso.

Mas minha mente diz o contrário do meu coração e meu corpo... Eu não esqueci. Não me esqueci de nada, de como ele apenas foi embora e me deixou sozinha quando eu mais quis e precisei de seu apoio... Quando mais precisei dele ao meu lado, Ricardo não esteve...

Não somente isso, ele ainda teve a audácia de dar em cima de uma das minhas amigas, mas sobre isso nem tenho direito de reclamar, afinal não sou um exemplo. Já fui bem mais longe que ele, por muitas vezes estive com outras pessoas... E convenhamos... Chifre trocado não dói.

O que mais me magoa realmente não foi ele dar em cima de uma das minhas amigas... Mas sim... Quando mais precisei de Ricardo ao meu lado, ele não esteve...

Fico pensando se isso tudo, ele ter me deixado a própria sorte, tenha sido apenas Karma.

Mas não... Não posso... Por mais que eu queira de todo o meu ser correr de volta para ele, não posso fazer isso... Não posso trair a mim mesma dessa forma.

- Escute... – Ele começa – Sei que agi errado com você...

- Ah, então você sabe? – Digo o interrompendo, minha voz sai contida.

Ricardo me confirma com a cabeça – Sim, eu sei... Naquela hora agi sem pensar, estava com a cabeça cheia, muito irritado... E não quis saber de mais nada, apenas me levantei e fui embora...

- E por raiva, você me deixou sozinha para lidar sozinha com aquele monstro. Foi isso? – O interrompo outra vez. Cruzo os braços e cerro meu olhar – Foi só isso que fez você me deixar para trás e sumir por tanto tempo?

Ele não me responde, apenas mantem seus olhos focados em mim.

- Foi isso? – Insisto aumentando minha voz, apertando a mão nos braços. A irritação pelos seus motivos começa a tomar o lugar dos sentimentos em meu peito... Não, eles se combinam dentro de mim. A irritação, as mágoas, a saudade, a insegurança... Tudo se mistura em um único sentimento, agoniante e sufocante – Me responde Ricardo!

- Você não estava sozinha! – Ele rebate apertando os olhos.

Agora é minha vez de não responder.

- Estava muito óbvio que não estava sozinha, tinham outras pessoas ali cuidando de você, pessoas que estava adorando e se envolvendo... E eu não conseguia fazer nada. – Ele caminha lentamente de um lado ao outro encarando o chão sem parar – Eu estava irritado por não fazer nada além de assistir tudo acontecendo. Sabe como é horrível ver uma situação como essa e estar impotente?

- Espera, você... – Tento juntar as mesmas peças que já juntei antes – Você estava com ciúmes do Brian? Eu não acredito, estava mesmo com ciúme? Você achou que eu estava te trocando?

Ricardo me observa sem dar mais nenhum passo desde o momento que eu disse a palavra "ciúmes". – E não era isso? – Ele me ergue as sobrancelhas.

- Não! Eu queria você do meu lado! – Me seguro para não gritar. Aperto os punhos e fecho meus olhos, respirando fundo para me acalmar o quanto eu puder – Eu queria você do meu lado, me dando apoio e força para superarmos isso juntos...

- Se me queria do seu lado, então por que nunca facilitava nada para nenhum de nós? – Ele questiona parando de frente para mim a uma certa distância – Por que você agia priorizando sempre outras pessoas? Por que você era sempre tão difícil?

- Talvez por que sou eu quem está com problemas? – Ergo as sobrancelhas irritada sem saber se me aproximo dele ou se permaneço onde estou – Ou que tal... Se eu estava dando tanta atenção a outra pessoa, será que é por que eu precisava? Ou por que era alguém que estava procurando por uma maneira de continuar viva?

- Mas Clara, você não precisava agir daquelas formas... – Ele volta a falar.

- Quais formas?! – Abro as mãos enquanto falo entre os dentes, novamente o interrompendo. Já parei de querer me controlar, cada palavra que lanço é tão alta quanto um grito. – Quais? Vai, agora quero saber Ricardo. Me fala quais formas que eu agia, porque eu não sei!

Ricardo não me responde, ele me olha surpreso. Sei seu motivo para estar assim, nunca falei com ele dessa forma antes, mas sendo bem sincera, eu não ligo. Já não basta a frustração de tudo que aconteceu na viagem, agora a irritação que ele me causa.

Será que as coisas não podem piorar?

Tudo que tenho do meu namorado... Ou ex namorado, é o mais profundo silêncio.

É isso que existe entre nós agora, apenas segundos mudos onde mal conseguimos olhar nos olhos um do outro. Não somente isso, dizer essas coisas, estourar dessa forma...

Meus olhos pesam e sei que estou perto de chorar de raiva, meu coração aperta. Ergo meu rosto, respirando profundamente, soltando o ar pela boca. Mais uma vã tentativa de permanecer calma, pena que isso se torna cada vez mais difícil.

Meus olhos se encontram com o céu nebuloso. O vento toca e envolve meu corpo suavemente, e aos poucos sinto que ele atravessa minhas roupas e esfria minha pele trazendo arrepios. Seus sons conseguem ser melodiosos, agradáveis. Apesar do frio que existe nesse vento, me sinto relaxando aos poucos.

Neste momento, de alguma forma, acredito que o vento finalmente carregou um pouco de tudo que sinto para longe... Pouco. Ainda dói, dói muito.

- Sabe... – Começo a falar em um sussurro – Eu estava querendo sobreviver, do mesmo jeito que quero agora. Mas era você quem virava as costas para mim, fez isso mais de uma vez inclusive... Tem noção de como doeu quando você fez isso?

- Eu não pensava direito... – Ele me responde com o olhar baixo – Em nenhuma das vezes, eu pensei direito. Minha irritação queimava, a indignação nublava meus pensamentos, e meus medos causados pelo meu ciúme... Tudo subia a cabeça... Eu não conseguia mais pensar direito.

- Ciúme? – Aperto os olhos assim que ouço suas palavras. Meus olhos pesam, levo a mão em frente a boca tentando reprimir um soluço – Me diga a verdade... No fim... Era só isso, não é?

Espero por sua resposta, mas não tenho. Não ouço nada além do som do vento que agora entendo... Ele não carregou meus sentimentos para longe... Mas fez com que se libertassem.

- Me responde... – Sussurro mordendo minha boca. – Por favor Ricardo, me responde...

- Sim... Era isso... – Ouço sua voz, o tom dele deixa obvia a vergonha em suas palavras – Agi sem pensar como tudo te afetaria, não me preocupei em como você estava se sentindo... Fui infantil demais, em tudo... Me desculpe Clara...

Tudo... Tudo isso por um motivo tão pequeno...

Minhas lágrimas escapam, mostram todos os sentimentos que carrego agora: a raiva, a frustração, a mágoa, a tristeza. É impossível contê-las agora, escapam descontroladas – Eu não queria outra pessoa me apoiando, trazendo conforto e confiança, me deixando bem. Eu queria você, e só você... Ninguém poderia fazer isso além de você Ricardo. Será que não entende isso?!

Ele não me responde, Ricardo está estático e seu olhar está em mim. Suas mãos se erguem devagar, sua boca abre mas não escuto suas palavras.

Não sei o que ele pensa nesse momento, mas de que adianta saber isso, se meus pensamentos também são confusos. Ao mesmo tempo que quero que ele vire e vá embora, quero que ele fique perto de mim, que me abrace e não se afaste outra vez.

Cada vez mais essa enxurrada de emoções dentro de mim piora tudo, me deixa mais confusa e incerta sobre tudo. Incerta sobre o que pensar, o que fazer, o que decidir ou para onde ir. Cada vez mais me sinto perdida em uma névoa de sentimentos e conflitos tão grandes que bagunçam minha vida ao extremo.

Por que as coisas precisam ser assim tão difíceis?

Levo um susto ao escutar o som das chaves do outro lado do portão, e ele sendo aberto atrás de mim rapidamente. – Está tudo bem aqui filha? – Ouço a voz séria do meu pai e encontro seu severo olhar sobre mim, que vai de imediato para Ricardo.

- Papai... – Sussurro fraca e manhosa, tendo como única vontade poder correr para seu colo e desabar toda a tristeza que existe em mim agora. Só dessa vez, eu gostaria de poder voltar a ser uma criança que pode correr para os pais em busca de um porto seguro.

Por um segundo o olhar do meu pai sobre Ricardo parece queimar de raiva. Ele já deve ter entendido que Ricardo é o culpado por eu estar desse jeito, e talvez esteja querendo trucidá-lo.

Voltando a olhar Ricardo, respiro fundo tentando me acalmar o máximo que posso – Está tudo bem... Desculpa te preocupar...

Meu pai permanece com o mesmo olhar sério, se virando para entrar novamente, sem parar de encarar Ricardo. Respiro fundo engolindo o choro, não quero que meu pai me veja assim, talvez as coisas acabem ainda mais complicadas do que já estão.

- Estou terminando por aqui... Já eu entro em casa. – Falo sussurrando para minimizar minha voz embargada, esperando que meu pai aceite o que eu digo. – Eu prometo...

- Tudo bem... Estarei lá dentro te esperando. – Ele diz no mesmo tom grave que só reforça o quão sério ele está. Nunca ouvi meu pai falando dessa forma, e não esperava ser tão assustador.

Ele se vira e entra, e logo escuto o portão encostando atrás de mim.

Novamente estamos sozinhos em nosso turbilhão particular, envoltos de tantos de sentimentos tão complicados. Durante alguns segundos nos olhamos, apenas nos olhamos. Imagino quantas coisas ainda quero e preciso dizer a ele, quantas coisas estive prendendo dentro de mim por todo esse tempo, e também penso o que Ricardo ainda tem a me dizer.

- Clara... – Ele começa, mas logo para de falar.

Passo uma mão pelo rosto, aos poucos secando minhas lagrimas e torcendo para não chorar ainda mais, mas é difícil. Apenas olhar para ele fazem as minhas memórias reviverem, a saudade retorna trazendo mistos de sentimentos, e novas lagrimas me surgem – Sabe Ricardo... Eu estive ao seu lado, em todas as vezes que precisou de mim eu estive com você, mas... Mas quando mais precisei de você... A recíproca não foi verdadeira.

- Nós podemos consertar as coisas... – Ele se aproxima devagar de mim. – Nós dois juntos.

Recuo um passo com sua proximidade, sentindo minhas costas se encontrando com o portão. Sinto na pele que meu colar começou a aquecer, aumentando sua intensidade conforme Ricardo se aproxima de mim, e parece pulsar junto a cada batida do meu coração. – Por favor, não chegue mais perto... – Digo, tanto por me preocupar pela sua integridade para caso meu colar ative, como também pela sua proximidade me afetar tanto.

Ele ignora o que eu digo, parando bem próximo de mim. Seus olhos estão nos meus, seu corpo está quase colado ao meu, mas é o suficiente para me permitir sentir o aroma do seu perfume, o calor do seu corpo – Nós podemos resolver tudo Clara, eu quero estar perto de você. – Ricardo me sussurra com o rosto perto do meu.

- Eu não sei... – Sussurro em resposta. Meu colar intensifica seu calor da minha pele, intenso e se aprofunda pelo meu corpo, mas apenas o ignoro mais essa sensação que ele me causa.

- Eu quero mesmo estar com você, em todos os momentos... – Ricardo toca meu rosto fazendo um carinho que a muito tempo não sinto, e sua outra mão envolve minha cintura – Só podemos fazer isso se estivermos juntos... Podemos ter uma nova chance?

- Por que faz isso comigo? – Sussurro me aproximando mais.

- Porque eu te amo. – Ouço sua resposta e a euforia e intensa alegria se espalham por mim, e sua boca se une a minha em um profundo beijo.

Um novo golpe de emoções me atinge, e meus olhos enchem outra vez. Meu coração salta de emoção ao mesmo tempo que minha mente entorpecida pela saudade e sentimentos me condena em sussurros. Por mais que eu saiba que não devia, me entrego a este beijo que senti tanta falta.

Enlaço seu pescoço com ambos os braços e aperto totalmente meu corpo ao dele, e Ricardo me envolve mais. Sentir seu calor por mais uma vez, o sabor de sua boca, a intensidade que sempre nos pertenceu... E nenhum de nós quer parar, não queremos nos afastar.

- Clara... – Ouço meu nome sussurrado de sua boca, e não sei se é pelo nosso momento e tudo que sinto agora, mas meu nome nunca pareceu soar tão bonito quanto agora, e isso me trás um sorriso entre nosso beijo.

- Ricardo... Meu amor... – Sussurro de volta, mordendo sua boca e tornando nosso momento mais intenso, muito mais duradouro. Minhas mãos apertam sua blusa e sobem ao seu cabelo, enquanto seus dedos passeiam pelas minhas costas, em nosso momento cada vez mais único, mais particular.

Sua presença, seu calor, seu aconchego... Quero tudo isso, quis por tanto tempo e finalmente tenho para mim outra vez, sequer penso direito agora. Apenas me entrego mais e mais, e não quero parar.

Como um estalo, sinto como se despertasse de volta para a realidade. Rompo nosso beijo de imediato e empurro Ricardo de leve. Apesar de continuarmos praticamente abraçados, deixo meus braços entre nós, como uma garantia de que manteremos um pouco de distância.

Respiro ofegante pelo beijo, piscando algumas vezes e encarando Ricardo. Meu coração bate forte, e todos os sentimentos que tive estão embaralhados, confusos.

A mágoa junta da raiva que sinto de Ricardo por ele ter me deixado sozinha por ciúme, unida a frustração de tudo ter desandado na viagem, minha fraqueza em não conseguir resolver tudo, a dor de ver minhas amigas hospitalizadas pela minha falha... Mas ao mesmo tempo, a saudade que sinto de Ricardo, de estar próxima como estamos agora, de estar em seus braços, sentir seu carinho e seus cuidados, ter seu olhar em mim e a alegria de estarmos aqui outra vez...

Tudo se mistura em uma total bagunça dentro de mim. Não consigo pensar direito, não sei dizer o que é o certo, nem o que é errado.

Ele me olha confuso, com sua respiração igualmente descompassada. – O que houve Clara? Algum problema?

Encaro o chão por alguns segundos, e logo volto meu olhar para ele – Desculpa meu amor... Ricardo, mas... Mas não posso fazer isso... Não agora...

Seus olhos confusos permanecem em mim, sua boca abre, mas ele não diz nada.

- Pode me dar um tempo para pensar? – Sussurro olhando em seus olhos.

- Tudo bem meu amor... – Ele me responde sorrindo fraco, afrouxando o abraço lentamente até finalmente eu me ver livre – Tem o tempo que precisar.

- Obrigada... – Sussurro vendo ele se afastar dando alguns passos para trás. Me viro ao portão, pronta para entrar em casa quando algo me vem em mente. Uma lembrança que, apesar de eu não ter direito de reclamar, é algo que me incomoda – Eu quero perguntar te uma última coisa... Por que a Letícia?

- O que? – Ele diz, e o observo por cima do ombro. Ricardo me olha espantado.

- Por que deu em cima da Letícia? – Suspiro fraco – Por que logo uma das minhas amigas? Não podia ser outra pessoa?

- Eu não estava no melhor dos momentos, nem pensando direito – Novamente essa resposta. Seu olhar vai ao chão, e suas mãos vai ao bolso – Eu estava bêbado naquela hora.

Continuo o olhando, e logo balanço a cabeça assentindo – Entendi...

Abro o portão e avanço para casa, refletindo se devo dizer mais algo a ele, e também dando uma última oportunidade para ele me dizer qualquer outra coisa. Escuto novamente o vento a nossa volta, e apenas o vento.

- E Ricardo... Sobre termos uma nova chance... – Começo a falar, olhando para ele uma última vez. Aperto um pouco a boca, respirando fundo antes de falar – Eu pensarei sobre isso...

- Manteremos contato? – Ele pergunta esperançoso.

Confirmo balançando a cabeça – Sim, manteremos contato... Se cuida Ricardo.

- Se cuide também... – Ele diz enquanto encosto e tranco o portão – Eu te amo.

Eu não esperava por isso. Não esperava nada por essas palavras, pelo efeito tão grande que causariam em mim.

Aperto os dentes e cubro os olhos com a mão e mais lagrimas me surgem, carregadas com toda a dor em mim – Eu também te amo... – Sussurro em um soluço.

Por que estou assim? Por que essas palavras me abalaram tanto?

Eu não deveria estar desse jeito. Ricardo me abandonou quando eu precisei dele... E daí se ele não podia fazer algo direto contra a entidade? Ele poderia ter permanecido comigo, me apoiado e dado a força que eu precisava apenas com sua presença... Mas não, ele foi embora. Precisei lidar com tudo a minha própria sorte, e sem o apoio de quem eu mais esperava.

Se Ricardo foi assim tão ruim para mim, então por qual motivo estou assim, eu deveria odiar ele e qualquer palavra dele com todas as forças... Mas não consigo isso, não consigo odiar Ricardo de verdade. Eu ainda amo ele, e isso é totalmente sincero.

O que Ricardo me disse, suas últimas palavras... Eu te amo... Será que estou assim tão abalada... Por já não ser mais merecedora de tais palavras?

Afasto do portão com meu olhar pelo chão, arrastando os pés devagar de volta para casa... E aliás, estou horrível, não sei como vou encarar meus pais do outro lado daquela porta.

Entro em casa fungando, passando a manga da blusa pelo rosto psara secar qualquer vestígio das minhas lágrimas. Diferente do lado de fora, dentro de casa está quente, agradavelmente quente, acolhedor. Até consigo me sentir mais leve aqui na sala.

O som da televisão não está muito alto, o que denuncia a possibilidade dos meus pais estarem atentos a qualquer coisa do lado de fora. Apesar de estarem no sofá e até agora concentrados na televisão, os olhos dos meus pais vem em minha direção, ambos estão preocupados comigo. Eu não sei dizer o que eles estão pensando agora, mas tenho minhas dúvidas se gostaria de saber.

Olho para eles por alguns poucos segundos, mas logo os desvio para frente e avanço, querendo chegar o quanto antes no meu quarto.

- Clara? – Ouço meu pai antes que eu possa subir o primeiro degrau. Relutante, levo meus olhos a ele – Está tudo bem?

- Está... – Começo, mas logo balanço a cabeça negativamente – Não está. Muitas coisas estiveram acontecendo no últimos tempos, coisas complicadas...

- O que está havendo filha? – Minha mãe questiona, pendendo o corpo para frente.

- Problemas... – Sussurro apertando a boca – Problemas muito grandes.

- Nos conte o que está acontecendo, podemos te ajudar. – Meu pai diz me olhando.

Desvio meu olha para baixo – Desculpa... Se não se importam, eu preciso ficar um pouco sozinha. Prometo que contarei tudo a vocês ainda hoje... Só preciso de um tempo...

- Tudo bem Clara. – Minha mãe diz em baixo tom – Para o que precisar, estaremos aqui.

- Seja o que for, estamos aqui para você. – Meu pai diz, e apenas assinto.

Tenho certeza que estão preocupados comigo, por verem como estou agora. Não queria preocupar meus pais com um problema desses, mas tudo que posso fazer é agradecer aos dois.

Subo as escadas devagar, sem olhar para eles. Só preciso de um tempo, tirar tudo de dentro de mim, me acalmar e organizar os pensamentos... E principalmente, pensar em uma maneira de contar a verdade para meus pais. Preciso fazer isso.

Não acho que é certo continuar escondendo minha situação deles. Mesmo que não possam me ajudar de fato, eles precisam saber pelo que estou passando... Não posso fazer isso nesse momento por estar de cabeça tão cheia, só preciso me acalmar um pouco, e então direi tudo, e direi ainda hoje.

A pergunta é, como fazer isso sem parecer uma louca?

Precisarei de algo que prove a eles que estou falando a verdade.

Entro no quarto sem ligar a luz e logo fechando a porta atrás de mim. Um fio de luz entrando pela fresta da janela é a única luminosidade, e para mim está perfeito assim, e diferente do restante da casa, aqui está frio. Do jeito que estou, me lanço na minha cama sem esperar, deitando de bruços e afundando o rosto no travesseiro.

Sozinha mergulhada na quietude do meu quarto, me encolho ao máximo e não tento mais segurar tudo que aperta meu coração. Volto a chorar, desejando que tudo que sinto agora me deixe por meio desse choro silencioso.

Ouço o forte vento agitando minha janela. Já faz uma hora que essa ventania começou, pouca coisa depois que entrei no quarto, e o pior é que isso fez a temperatura despencar.

Depois de muito chorar, finalmente consegui recuperar a calma. É horrível chorar tanto, se sentir abatida e vazia, e saber que ainda existe um pouco de mágoa dentro de si.

Estou sentada na beirada da cama, encarando meu reflexo no espelho. 

Apesar da pouca luz, é até bem fácil ver como estou abatida. Meus olhos inchados e meu cabelo todo bagunçado entregam isso.

Saio da cama e caminho para fora do quarto, alcançando minha toalha e seguindo ao banheiro, talvez um banho quente me ajudem a melhorar um pouco essa cara. Aqui do corredor não consigo escutar nada além do som da televisão, meus pais devem estar concentrados em algum filme, ou então na cozinha.

Entro no banheiro, parando em frente ao espelho, novamente me olhando. Meu olhar inchado está péssimo, meu rosto está amassado da cama, meu cabelo todo desalinhado. Não gosto nada do que vejo. Nunca me senti tão horrível como agora.

Abro o pequeno armário que fica atrás do espelho, alcançando uma larga tesoura junto a um pente, logo encostando o espelho e me olhando mais uma vez. Percorro os dedos pelo meu cabelo, o analisando sem parar, vendo seu tom escuro e seu longo comprimento. 

Não estou bem como estou agora, não me sinto bem. Acho que preciso de uma mudança.

Uma mudança para melhor.

Respiro fundo com todas as runas em mãos, parada no alto da escada. Após pensar muito, decidi que as runas seriam de longe a melhor forma de mostrar aos meus pais um pouco da situação que estou enfrentando totalmente contra minha vontade.

Só agora entendi o quanto é difícil encontrar a solução para algum problema quando se está olhando de perto demais.

Apesar de saber o que falar para meus pais, ainda bate um nervosismo. Estou tremendo um pouco e com um frio na barriga pelo que estou para mostrar a eles. Com a Marina não foi tão difícil de ter essa conversa, por que seria tão mais difícil com meus pais? Será que tenho medo do que eles irão me falar?

Desço devagar, olhando em volta os procurando. A sala está vazia, mas escuto as vozes dos meus pais na cozinha. Avanço decidida, vendo meu pai batendo uma massa de bolo na mão, e minha mãe com a batedeira aberta, e a caixa de ferramentas à sua frente.

- Mãe? Pai? – Os dois me olham, com uma expressão surpresa.

- Mudança de visual, gostei. – Minha mãe diz em um sorriso de canto.

- É, eu estava cansada de cabelo muito longo. – Dou um meio sorriso, passando os dedos pelas pontas do cabelo que agora estão apenas um dedo abaixo do queixo.

Meu pai não diz nada, ele da um sorriso aprovador e volta sua atenção a massa a sua frente. Já minha mãe continua me olhando. – Ficou ótimo em você. – Ela diz.

- Obrigada... – Digo um pouco tímida. – Qual o problema com a batedeira?

- Ela não deu contato quando colocamos na tomada. – Minha mãe continua girando a batedeira em sua frente, iluminando a parte interna com a luz do seu celular – Achei que pudesse estar queimada em algum ponto, mas não estou achando nada de errado.

Balanço a cabeça olhando para ela, concentrada na batedeira. Respiro fundo chegando perto da mesa, olhando de relance para as folhas das runas – Podemos conversar sobre aquilo agora?

Meus pais trocam um olhar – Claro, qual o problema? – Meu pai diz, sem parar seu serviço. Seus olhos vão para as runas em minhas mãos, e logo retornam a mim com uma sobrancelha erguida.

- Então... – Começo, sendo confrontada pelos olhares de ambos. Engulo em seco, refletindo o motivo de eu não ter pensado nessa conversa antes – Eu... Meio que... Estou sendo perseguida.

Ótimo começo Ana Clara, muito bom.

Eu deveria mesmo ter pensado nessa conversa antes, planejado bem o que falar, mas agora já foi... E a Marina ainda me chama de "amiga sensata", não sei onde.

Minha mãe junta as sobrancelhas em um olhar fulminante, se colocando de pé de imediato, quase derrubando a cadeira atrás de si – Como é que é o negócio? "Meio que estou sendo perseguida", e você não nos conta uma coisa dessas Clara?!

Dou um suspiro para mim mesma, começando a entender o porquê de eu estar com medo de ter essa conversa com eles. Salto as sobrancelhas, olhando os dois – É complicado mãe.

- Como assim é complicado? – Ela diz enraivecida olhando de mim ao meu pai – Você está sendo perseguida, é só ligar para a polícia e fazer uma denúncia... Ou melhor, me fale quem é, que eu mesma acabo com essa história agora!

- Amor, fica calma. – Meu pai pede sério.

- Calma? Como eu vou ficar calma? – Ela reclama – Você sabia disso por acaso?!

Meu pai a olha com espanto – Não, não fazia ideia. A Clara não me falou nada sobre isso.

- Não tinha como contar para vocês. Eu estou falando, a coisa é mesmo complicada. – Balanço a cabeça enquanto falo – Mais do que vocês imaginam.

- Mais do que imaginamos? – Minha mãe passa uma mão pelo rosto – Clara... Por acaso você está envolvida com alguma máfia? Traficante? É dívida de drogas por acaso? Você é usuária?

- Que? – Digo a olhando, balançando a cabeça – Não mãe, não é nada disso!

Ela cruza os braços me encarando séria – Então, o que é?

Meu pai coloca sua mão sobre o ombro da minha mãe – Calma, se estressar assim não irá ajudar. Respira... – Diz em um tom sério. Minha mãe o encara por um momento, passando uma mão impaciente pelo rosto. Ele vira seu olhar a mim, e então novamente encara as folhas em minhas mãos – O que é isso?

Aperto a boca, deixando todas as folhas das runas com os símbolos virados para cima, e também a caixinha com a runa do raio dentro. Os dois olham de todos os objetos para mim algumas vezes – Esse é só um dos motivos de ser tão complicado. – Digo sussurrando.

- Não estou entendendo. – Meu pai diz sério.

- Mostrarei a vocês... – Estendo a mão em direção a eles, deixando a palma voltada para cima. Me concentro um pouco, e de uma segundo ao outro linhas quentes percorrem meu braço e fluem calmamente para a palma da minha mão, tomando a forma de uma esfera luminosa.

Meus pais observam espantados, talvez hipnotizados pelo brilho incessante da runa de luz bem a frente deles. Acho até que estão ignorando a folha com a runa brilhando na mesa.

- Inacreditável... – Meu pai sussurra, ele nem pisca.

- Clara, mas... – Minha mãe para de falar, olhando da runa para mim.

Fecho minha mão devagar, e a esfera luminosa perde seu brilho até chegar próxima a transparência, sumindo em sua característica pequena explosão muda. – Não estou lidando com uma pessoa... Entendem agora por que é tão complicado?

Eles não me respondem em palavras, apenas se entreolham.

Meu pai abre a boca, gaguejando um pouco – O que foi isso agora filha?

- Foi uma runa de luz. – Explico, pegando a respectiva folha e mostrando a ele – Com ela, consigo criar clarões ou pequenas esferas de luz como essa que acabei de mostrar... E cada uma dessas folhas representa um efeito diferente.

- Isso... – Meu pai começa a falar com seu semblante surpreso – É... É impressionante Clara... Pode me mostrar outra?

Esfrego as mãos enquanto escolho uma das runas. Faço minha escolha, batendo as mãos a minha frente e direcionando as palmas para a mesa, mentalizando o objeto que usei antes contra a entidade, moldando cada forma.

Aos poucos o punhal toma forma a minha frente e o seguro, olhando o fio da lâmina e enxergando um pouco do meu reflexo nele. Agora que percebi, apesar de ter sido quebrada naquela vez, agora o punhal está inteiro e sem o menor sinal de danos.

Aperto um pouco o cabo do punhal ao lembrar dos momentos que o usei contra a entidade, e lentamente faço o objeto desaparecer, como se a energia que usei nele voltasse ao meu corpo.

- Uau... – Ele consegue dizer. Meu pai está empolgado com as runas.

- Essa aprendi a ativar recentemente, era a mais complicada... As demais eu conseguia usar com menos dificuldade – Digo olhando as runas, e toco a folha da runa da sensação – Essa aqui, já usei uma vez em você pai.

Ele ergue as sobrancelhas – Quando foi isso?

Passo uma mão no queixo puxando pela memória – Naquele dia que estávamos aqui na cozinha, e você queimou a língua com o café mais maravilhoso da sua vida, passou mal com o cheiro do lixo, sofreu com a intensidade das luzes da cozinha, e saiu correndo tapando a frente da calça com um panfleto de supermercado.

- Ah... – Ele comenta assentindo com um meio sorriso – Agora tudo faz sentido...

Diferente de nós, minha mãe não compartilha do mesmo tom descontraído que eu e meu pai tentamos manter. Ela apenas volta a se sentar, com um olhar perdido no rosto. – Eu... Eu nem sei o que falar...

Dou um pequeno sorriso – Eu muito menos. Ainda não acredito que consigo fazer essas coisas, e já faz tanto que aprendi a usar as runas...

Ele para ao meu lado, olhando as folhas e então para mim. Seu olhar mostra sua surpresa, tanto que ele demora a falar – A quanto tempo você sabe usar essas... Runas?

- Acho que já faz mais de um mês. – Digo pensativa – Na última semana, nas horas que eu não estava estudando, estive praticando com Brian para conseguir melhorar.

- Brian? Aquele rapaz que estudou com você? – Ele me olha surpreso – Ele está envolvido em tudo isso?

Dou um meio sorriso sem jeito – É, ele está envolvido... Brian está bem envolvido, me protegendo daquela entidade... Acho que já devem saber que ele nunca estudou comigo.

Meu pai cruza os braços me olhando sério, e acabo me encolhendo. É ruim ter mentido daquela vez e ter mantido essa mentira por todo esse tempo, mas o que eu poderia dizer a eles antes? Simplesmente não conseguia pensar em nada.

- Entidade? O que está te perseguindo? – Ele faz a derradeira pergunta.

- Uma coisa. – Dou de ombros com o olhar confuso do meu pai. Minha mãe permanece calada com o olhar baixo – É vago, eu sei. Mas não sei definir exatamente que tipo de criatura aquela entidade é... Sei que é um ser que não é desse mundo.

- Tipo um alienígena? – Meu pai ergue a cabeça.

- Tipo uma assombração... – O corrijo, evitando falar algo ainda pior.

Nós voltamos nossa atenção a minha mãe. Ela está quieta até demais. – Amor? – Meu pai a chama, chegando perto.

- Eu... – Ela começa, gaguejando um pouco – Eu não sei o que pensar. Não sei o que dizer.

- Olhe o lado bom dessa situação. Pelo menos não estou envolvida com uma máfia, não estou devendo para traficantes e nem sou usuária de drogas – Digo querendo aliviar o clima tenso. Meu pai olha para mim, e então para minha mãe, mas ela mal reage a minha tentativa de fazer graça. Na verdade, acho até que piorei as coisas – Desculpa...

Ela junta as mãos em frente o rosto, com o olhar fixo no nada. Logo meu pai se senta ao seu lado, a abraçando devagar e juntando sua mão a dela. Sua expressão é séria, tensa. Quantos pensamentos será que minha mãe está tendo agora?

Aperto os lábios, juntando as runas a minha frente, deixando a pequena caixinha com a runa de raio sobre todas as folhas. – Mamãe, olha pra mim... – Digo, e sua atenção vem a mim – Sei como é difícil de acreditar em tudo isso... De verdade, eu passei por isso, então sei como se sente agora. Parece uma coisa impossível de acontecer de verdade, mas não é.

Ela apenas assente abaixado seu olhar.

- Sabem... O primeiro lugar que fui atacada de foi aqui em casa. – Digo em um sussurro, e os dois me encaram, mas não me dizem nada – Sobrevivi porque o Brian apareceu e nos salvou. No começo quis acreditar que tudo fosse só um pesadelo, mas não era... Mas as coisas foram acontecendo, fui atacada mais vezes com muito mais agressividade. Cada vez menos eu tinha controle do que estava desenrolando na minha vida, e fui percebendo que não iria acordar na minha cama e tudo estaria acabado por ser só mais um dos meus sonhos ruins... Estou cheia de cicatrizes pelo corpo pelo último encontro, minhas duas amigas mais próximas da faculdade estão hospitalizadas hoje por causa dessa coisa presa dentro de mim, e o que mais me dói é saber que tudo isso é a realidade.

Suspiro, me sentando de frente aos dois. Eles me olham, mas permanecem calados. O silêncio deles é algo que me deixa agoniada, eu não queria passar por isso, e muito menos envolver meus pais em toda essa história. Mas eu não podia mais esconder.

- Filha... – Minha mãe finalmente fala olhando ao meu pai, e então para mim – Você disse que essa criatura está presa dentro de você?

- Sim... – Abaixo os olhos, escolhendo a abordagem mais fácil para isso – Foi uma sequência de acontecimentos. Mais um dos meus vários pesadelos, uma ideia idiota, duas pessoas que concordaram com a ideia idiota, uma visita a um psicólogo estranho, uma sessão maluca e... Temos um pesadelo que criou vida e virou uma entidade.

E mais uma vez, a minha tentativa de fazer graça para quebrar a tensão não deu em nada.

- Nós... Temos como ajudar em algo? – Ela questiona.

Eu sabia que haveria essa pergunta, mas ainda assim não estava esperando. Relutante, nego balançando a cabeça, e por consequência minha mãe baixa o olhar.

- Não queria que vocês se envolvessem. – Consigo dizer, juntando as mãos na pequena caixinha branca, a girando devagar entre meus dedos – Só estaria colocando os dois em perigo... Em um perigo ainda maior do que estão correndo só por eu estar aqui...

- Além daquele Brian, quem mais está envolvido nisso? – Olho para meu pai, ele bate o indicador na mesa bem de leve.

- Que os dois conhecem, só o Brian. – Ergo os ombros de leve – Meus colegas da faculdade também sabem da minha situação, mas não estão envolvidos... Marina e Letícia foram vítimas...

Os dois se olham, e por mais uma vez ficam quietos. Gostariam que me falassem algo, qualquer coisa que seja. Que acreditam, ou que acham fantasioso, me chamem de louca que acabou de mostrar que sabe fazer umas mágicas com algumas folhas de sulfite com runas desenhadas... Qualquer coisa que seja, mas não dizem nada.

- Desculpem por ter escondido isso de vocês por tanto tempo... – Digo alcançando a pequena pedra do raio de dentro da caixinha, a depositando na palma da mão – Mas tudo vai acabar.

- É difícil por ser uma situação tão fora do comum... – Minha mãe começa a falar, sua voz sai rouca, embargada. Ela força uma tosse, voltando a me olhar, solando um suspiro – Muito mais difícil por não podermos fazer nada para te ajudar...

- Darei meu jeito de resolver mãe. – Digo em um meio sorriso, levando minha mão livre para junto das mãos nos meus pais – Tenho alguém que está cuidando de mim, procurando por uma maneira de tudo isso acabar... E também, é quem está me ensinando a melhorar com as runas.

Ela balança a cabeça devagar – Promete que vai se cuidar? Promete que ficará bem?

Concordo com a cabeça – Prometo, estou fazendo o meu melhor por isso todos os dias.

Somente quando digo isso, minha mãe esboça um sorriso – Sei que sim... Confio em você filha.

- Obrigada... – Sorrio afastando minha mão deles e olhando para a batedeira que está bem ao lado dos meus pais.

Uma pequena ideia me surge em um estalo. Respiro fundo uma vez e de imediato guio uma pequena onda frio percorre meu braço e vai para a pedra da runa, que de imediato começa a brilhar e sua força invade meu corpo aos poucos. É bem suave, mas que sei bem qual pode ser sua total força. Levo essa força para minha mão livre, e pequenos raios surgem em torno da minha mão.

Encosto a mão livre na batedeira, que de imediato ela liga ao meu toque. Olho para meus pais com um sorriso de canto e uma sobrancelha erguida, e os dois olham boquiabertos para o eletrodoméstico funcionando bem em frente a eles.

- Olha querida, temos duas coisas a admitir... A primeira, é que nossa menina tem talento nesse assunto maluco de runas. – Meu pai ergue o cabo da batedeira, o deixando sobre a mesa bem em frente à minha mãe que continua perplexa – A segunda, é que a batedeira está funcionando, e sem estar ligada na tomada.

Aos poucos, um sorriso maior se forma no rosto da minha mãe, e logo ela está rindo com o comentário do meu pai, retribuindo o abraço que ele havia lhe dado.

Parece pouco, mas é bom ver eles assim, aquela tensão de antes era horrível... E aliás, sinto como se acabasse de tirar um peso de cima de mim ao contar a verdade a eles.

No fim, me sinto feliz por ter contado tudo aos meus pais.

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