Capítulo 29 - Confronto a beira mar
9350 Palavras
Estou sentada sobre minha toalha, olhando o mar e finalmente me sentindo relaxada depois de uma manhã tão conturbada.
Gabriel acabou voltando para a casa para buscar algumas coisas, que por detalhe não fiz questão de saber o que era, e ficamos por aqui guardando as coisas e aproveitando a praia.
Ainda vai dar meio dia, e planejamos ir embora somente umas cinco da tarde para arrumarmos todas as nossas coisas, e por volta das seis da tarde iremos viajar de volta. Será uma longa viagem de volta e chegaremos em casa bem tarde, mas teremos aproveitado tudo muito bem.
Olho para o lado, Letícia e Marina estão deitadas de bruços tomando sol, enquanto Tamires está retornando do mar. O melhor de tudo é que estou me sentindo muito melhor.
Tamires se senta na sua toalha, chamando a atenção de Marina – Agora que estamos todas aqui, e sem nenhum homem por perto, acho que pode parar de fazer segredo. – Ela diz com um sorriso de canto, cutucando Letícia de leve.
- Não sei do que está falando... – Ela diz preguiçosa, voltando seu olhar para nós.
- Sabe sim. – Ela sorri, se virando e deitando de barriga para cima – A noite com o quase CEO.
Ela da uma risada – Ta bom, o que querem saber?
- Tudo que não for constrangedor. – Digo rindo a olhando.
- Então não vou falar nada. – Ela rebate com um sorriso divertido nos fazendo rir, voltando seu olhar para nós. – Foi bom em todos os momentos, nem sei como tudo começou.
- Começou com o dia que chegamos aqui. – Tamires diz aos risos – Gabriel estava de olho em você por todo esse tempo.
Letícia balança a cabeça negativamente – É, faz sentido, começou nessa hora. Parecia já haver alguma coisa no Gabriel que me atraia sem parar... Mas já que uma certa alguém está curiosa com a noite... – Diz olhando de canto para Marina – Posso dizer que foi tudo de bom, as coisas aconteceram com tanta calma, tão suaves...
- Uma noite romântica? – Marina questiona sorrindo de canto.
Letícia assente com um sorriso de canto – Mais ou menos isso, ele não me apressou e nem forçou nada, fez tudo para que eu me sentisse confortável e fizemos tudo no meu tempo. E tudo aconteceu com muita calma, ele foi carinhoso e a todo momento parecia cuidar de mim ao mesmo tempo que dizia que me desejava... Acho que em quase todo momento o Gabriel estava mais focado em mim do que nele mesmo... Ele não é só um homem, é um anjo de tão perfeito.
- Ah que fofinho. – Marina diz em brincadeira – E ele durou muito?
- Marina, para de ser indiscreta! – A repreendo rindo. Ela me olha com as sobrancelhas erguidas.
- O que? Só estou curiosa se ele fez a coisa com total qualidade, ou se, né... Se o motor morreu no meio do caminho. – Marina ergue os ombros, voltando seu olhar para Letícia – E aí?
- Ele aguentou sim curiosa, e por bastante tempo. – Letícia balança a cabeça negativamente enquanto ri – Satisfeita?
- Sim, só não mais que você. – Marina rebate rindo, e consigo ver finalmente como Letícia fica vermelha igual um tomate.
- Vocês são demais, só posso dizer isso. – Tamires comenta rindo da cena.
Uma pontada de dor repentina atinge minha cabeça, e a sensação de sussurros e vozes ecoando surgem na minha cabeça. Pendo um pouco para o lado tentando me apoiar sem sucesso, e caio sobre a toalha cobrindo o rosto com uma mão, resmungando com a dor. De imediato, sinto um calor surgindo próximo ao meu seio e sei que é meu colar reagindo.
Já passei muitas vezes por isso para saber o que se trata.
Ouço a voz das minhas amigas, mas com toda essa barulheira na minha cabeça, suas vozes parecem distantes. Muito distantes. Pisco algumas vezes, ignorando essa dor que aos poucos vai diminuindo, e me coloco de joelhos, olhando para os lados sem parar.
Vamos... Onde você pode estar? Onde irá aparecer?
- Clara? – Ouço o questionar de Tamires, atraindo meu olhar de volta a todas. Estão todas abaixadas com um olhar de estranheza direcionado a mim.
- Você está bem? – Marina pergunta um pouco aflita – Você está agindo muto estranho. O que está acontecendo?
- Não importa o que aconteça, não saiam de perto de mim! – Praticamente ordeno a elas por meio de um sussurro sério enquanto alcanço minha bolsa onde todas as runas estão, me colocando de pé e olhando em volta.
- Mas... – Letícia começa, mas olho diretamente para ela o que a faz se calar.
Observo cada uma delas sem dizer nada. Elas estão tensas, e pelo semblante que começa a ficar cada vez mais amedrontado, elas já devem fazer ideia do que está acontecendo. Olho para meu colar por uma vez, medindo a intensidade do brilho vindo dele.
Está forte, muito forte, isso significa que ele está perto demais, e talvez mais forte que antes. Não gosto disso.
- Vocês sabem o motivo... – Digo baixo, muito mais tensa do que eu poderia imaginar. Encaro meu colar por mais uma vez, esperando em vão que o brilho houvesse desaparecido e eu pudesse pelo menos respirar aliviada, mas isso não acontece. – Aquela coisa está aqui... – sussurro olhando em volta.
Por mais que eu procure sem parar, não vejo nada que denuncie a presença da entidade, mas eu sei que ela está por aqui, escondida em algum lugar.
A incerteza de onde essa coisa pode aparecer me deixa aflita, além disso o medo surge. Inevitavelmente sinto o medo caindo sobre mim, o medo que sempre sinto quando essa coisa aparece para me atacar... Minhas mãos tremem, estou tensa. Desta vez, Brian não está presente e muito menos irá chegar para me salvar dessa situação... Dessa vez, estou sozinha.
Não Clara, se acalme.
A situação é completamente diferente agora. Foi por esse motivo que estive treinando com Brian pelos últimos dias, para não ficar indefesa contra a entidade.
Meu guardião previu isso a muito tempo, uma situação em que ele não estivesse presente para me proteger e eu precisasse dar meu jeito sozinha... Esse momento chegou.
Sei que estou preparada.
Respiro fundo fechando os olhos, recuperando minha calma gradualmente. Meu erro em vezes anteriores que lidei sozinha com a entidade foi a imprudência e arrogância. Não posso agir dessa maneira de novo.
Vamos, pense Clara, analise a situação. Não tem gritos ou pessoas agindo de forma estranha, o que me faz raciocinar que ainda não tomou uma forma física... Ainda...
- Olá olá... Me procurando? – Ouço novamente a voz ecoada de antes dentro da minha cabeça, mas agora seguida de uma longa risada macabra.
Aperto os dentes e cerro o olhar, procurando ainda mais – Onde você está?
- Por aí... Quem sabe? – A voz se repete, arrastada e ecoando outra vez na minha mente.
- Droga... Você aprendeu telepatia por acaso? – Questiono.
- Sempre soube como me comunicar dessa maneira, isso é fácil... Afinal de contas, estou dentro de você, não é? – Uma risada estridente começa, meu causando uma forte dor de cabeça que me desestabiliza por um segundo. Minha visão embaça, mas logo volto a enxergar. – Agora, vamos falar de algo divertido... Por exemplo, onde será que estou Clara?
Isso é ruim... Muito ruim, por isso eu não estava esperando nem um pouco. Posso lidar com ele fisicamente usando as runas, mas como vou fazer algo se não puder vê-lo?
E agora, ele começou esse joguinho comigo, um pique-esconde... Essa situação fugiu totalmente de qualquer primeira estratégia que eu poderia ter pensado antes, agora a questão é, como resolver isso?
Precisarei me adaptar.
- Será que estou... Ali, atrás do casal de velhos que acabou de chegar? – Espera, o que ele acabou de dizer?
Olho rápido em direção a entrada da praia, onde um casal de idosos entra em passos lentos. Um vulto enegrecido se move rápido e desaparece atraindo a atenção de ambos para atrás de si. Logo esse mesmo vulto surge, empurrando ambos na areia.
- Ou então... – Ouço novamente, e uma risada se inicia – Em frente aquela família com as crianças montando um castelo? – Volto a procurar o próximo local, e de repente um ruído de um estouro acontece, e percebo uma grande quantidade de areia arremessada ao alto como se acabassem de serem chutadas com força.
Olho diretamente para a direção do barulho, vendo duas crianças chorosas correndo para próximas dos pais, enquanto várias outras olham sem entender o motivo da explosão. Mas o pior de tudo, é que não tem nenhum sinal da entidade, mas meu colar continua reagindo. Ele está próximo.
- Ou então quem sabe... – Dessa vez escuto atrás de mim, junto a um grito repentino de uma das minhas amigas. Me viro e tenho a visão da entidade parado entre todas, especialmente atrás de Marina, a segurando pela mandíbula enquanto aperta seu rosto de leve. – Atrás de você...
A entidade sorri de canto e seu olhar se prende a mim, sua intensidade está maior do que da última vez. O que me preocupa agora não é só ele estar diante de mim, é também o fato de seus braços terem crescido novamente de algum jeito... E agora, justamente Marina está presa.
Letícia e Tamires estão paralisadas encarando a entidade com o espanto em seus rostos, enquanto Marina está estática olhando de canto para a entidade. Sua boca treme e apesar de tentar se manter firme, seus olhos vem a mim, suplicando para que façamos algo.
Fecho o punho com força e o ergo respirando fundo por uma vez, me preparando para ativar a runa do impacto e afastar a entidade de perto delas. Toda as sensações nascem de imediato, queimam em meu peito e fluem pelo meu corpo de imediato, queimam e se expandem.
Porém antes que eu consiga atacar, a névoa sombria surge ao redor do corpo da entidade, diferente das demais vezes, ela move-se rápida ao redor do corpo dele como uma espiral, cada vez mais e mais veloz. Um forte vento atinge meu corpo, me obrigando a me abaixar para tentar não ser arrastada, apoio no chão o braço onde está a bolsa com as runas, e de imediato cubro meu rosto com o braço livre para evitar da areia cair nos meus olhos.
A ventania torna-se cada vez mais forte e posso sentir meu corpo sendo lentamente arrastado para trás, e a areia em contato com minha pele vai me arranhando semelhante a pequenas adagas, e para piorar uma das nossas toalhas se enrosca no meu braço e cobre parte do meu tronco e o rosto, dificultando um pouco mais as coisas por ofuscar parte da minha visão. Forço meu corpo para não ser arrastada, ao mesmo tempo que ouço gritos e vários barulhos de coisas caindo e de objetos se batendo.
Abaixo um pouco meu braço e semicerro o olhar, vendo onde exatamente a entidade está. Aperto meus olhos novamente e forço um braço para me manter firme onde estou, fecho meu punho com força e o recuo devagar, fazendo a toalha se desprender de mim e voar para sei lá onde. Mentalizo a runa do impacto e golpeio para frente o mais rápido que consigo. Uma pequena parte de energia deixa meu corpo, mas uma onda de impacto vai contra a entidade, e de imediato o vento cessa.
Olho para a entidade que se desestabilizou e deu alguns passos para trás e parece levemente desnorteada. Marina está caída sobre a toalha, erguendo-se devagar com a mão no rosto, ela aparentemente está bem. Olho em volta buscando saber se Letícia e Tamires estão bem, me espantando com a visão que tenho. Várias coisas a nossa volta foram varridas para longe de nós e a entidade está ao centro dessa onda. Cadeiras e guarda-sóis estão partidos e lançados sobre casas ou na areia da praia, e muitos outros foram lançados na beira do mar.
Ignoro tudo a nossa volta e novamente busco pelas garotas, encontrando Letícia um pouco afastada de mim, ela se ergue retirando uma quantidade de areia de cima de seu corpo. Tamires está um pouco mais afastada, erguendo-se mais rápido e sacudindo seu cabelo. Elas também parecem estar bem, e Marina está a minha frente, mas muito perto da entidade. Essa coisa conseguiu me afastar de todas.
Respiro levemente ofegante pelo esforço que precisei fazer para me manter onde estou, mas não estou nada cansada. A realidade é que ainda estou muito longe de me cansar. os treinamentos com Brian valeram muito a pena.
Devagar me coloco de pé encarando a entidade a minha frente. Seu olhar avermelhado está arregalado a mim e seu sorriso largo de diversão continua ali, enquanto ele bate uma mão em seu peito. Ele está tão focado em mim que ignora quando Marina se arrasta para longe dele e corre cambaleante na direção onde Tamires está.
Levo minha mão para dentro da minha pequena bolsa de praia presa ao meu ombro e alcanço a pedra da runa do raio. Por ser a única que preciso ter junto de mim para ativar e a que menos gasta minhas forças, ela ficará comigo desde o começo.
Semelhante as outras runas e diferente do que eu pensava, não preciso manter a pedra do raio em mãos para que ela funcione, manter no bolso já é o bastante para que a runa seja ativa. Ela só precisa estar comigo para funcionar, ter em mãos só a fará ficar mais intensa.
Agora preciso tentar resolver isso rápido. Não quero arriscar que as meninas ou as outras pessoas acabem em um perigo ainda maior por causa dessa coisa... E para isso só preciso colocar minha estratégia em prática.
O problema é que agora a névoa já está muito mais densa, da até a impressão que posso conseguir toca-la. Por causa dessa névoa, já não consigo ver direito a entidade a minha frente, e qualquer pessoa ou objeto agora parece um borrão cinzento.
O calor que existia antes aqui na praia por causa de todo o sol diminuiu um pouco, mas ainda está quente, e a brisa quente vinda do mar agora está um pouco mais gélida. Quente em seu interior, porém fria em grande parte. Legal, um misto de sensações.
E apesar do perigo iminente e toda a tensão... Não consigo conter meu sorriso e minha empolgação pelo desafio a minha frente.
Aperto de leve a pedra na minha mão, e de imediato os pequenos raios correm pelo meu braço, e balanço a minha frente em um movimento de meia lua. Uma varredura branco-azulada se propaga conforme o movimento que fiz com o braço. Vamos, o que fará?
Vejo a entidade saltando por cima da onda que lancei, em uma altura muito menor do que eu imaginava que ele fizesse. Seus pés descalços tocam a areia enquanto a onda que lancei se desfaz em pequenos raios no ar, e seu movimento é disparar em minha direção extremamente rápido. Em resposta movo meu braço no sentido contrário ao primeiro e uma nova onda se propaga, desta vez acertando a entidade em cheio.
Sorrio satisfeita, ao treinar com a runa do raio, aprendi que dependendo da intensidade que eu colocar sobre a pedra, ela pode não só causar danos com os raios, mas também criar cortes, ondas de impacto, uma grande e destrutiva explosão elétrica que é muito arriscada por usar todo o poder da runa e ainda afetar todas as pessoas a minha volta, lâminas de raios nas mãos que com mais treino posso moldar armas de raio, e também imobilizar... E é esse o meu plano.
Vejo seu olhar surpreso por estar imóvel e ainda mais com espasmos pelo seu corpo, como se não bastasse, meu colar intensifica sua luz e explode, mandando a entidade para longe. Sem espera, corro em sua direção pulando com o joelho sobre seu peito. A criatura mal reage e tenta me agarrar, mas meu colar ativa outra vez e ela é empurrado contra o chão.
Aperto minha mão e acerto um soco em seu rosto, mentalizando a próxima runa, a da sensação com a intenção de aumentar sua sensibilidade a dor. E agora, é hora de testar.
Ativo novamente a runa do raio ao redor do meu punho, mas dessa vez com mais intensidade do que fiz antes. A criatura tem seu olhar surpreso em mim e mal tenta reagir, e desfiro um novo soco em seu rosto, espalhando uma visível corrente elétrica ao redor de seu corpo. A criatura ruge e se debate sem parar, me obrigando a ficar de pé, mas já estou satisfeita em ver como a runa da sensação aparentemente funcionou bem.
Ele rola pelo chão e fica de joelhos, me encarando em uma expressão de dor – O que... O que você fez...? – Questiona entre os dentes, resmungando ainda mais de dor.
- Testei uma coisinha. – Digo em um sorriso de canto, mantendo a runa do raio ativa. Arriscarei algo, e para isso solto minha bolsa no chão. Lentamente levo minha mão ao meu peito, e uma onda me invade. É o sinal da runa da velocidade ativa pelo meu corpo, sem perder tempo novos raios percorrem pela minha mão livre.
- Teste então... Teste mais, muito mais.... – A entidade volta ao seu sorriso e saltando em minha direção. – Mostre o que consegue! – Ele berra em seu sorriso maníaco.
Acho que esse não é dos melhores solos para isso, mas se der errado, torço para ser rápida o bastante para conseguir me desviar, ou para meu colar me livrar dessa. Bato a palma da minha mão livre no chão e libero parte da força da runa do raio pelo chão. Relâmpagos rodeiam a areia ao redor da minha mão e em um segundo se espalham rapidamente, conseguindo atingir a entidade em um pilar elétrico que envolvem e prendem seu corpo.
Aproveito dessa brecha e lanço a runa do raio no bolso de trás do meu short, e com as duas mãos livres posso fazer mais algo que antes não conseguia.
Junto as mãos em frente ao corpo, mentalizando a runa do molde. Vamos lá, preciso ter algum objeto em mente, e então imaginar ele tomando forma em minhas mãos, e é isso que repito. Afasto as mãos devagar, sentindo a energia fluindo para fora do meu corpo.
Seguro o cabo do largo punhal curvo que acabei de formar, esse sendo maior do que eu havia imaginado. Passo os olhos pelo fio da lâmina, buscando a certeza que fiz corretamente, mas não tenho tempo para procurar falhas. Preciso confiar na minha atual habilidade.
Volto minha atenção para a criatura a minha frente e disparo em sua direção, por sorte ele está imobilizado pelos raios. Cerro o punho livre voltando a ativar a runa do raio e o golpeio, uma, duas, três vezes. Aperto a mão com o punhal, investindo em um ataque lateral que corta a lateral de seu peito, sem esperar movo a mão em sentido contrário descendo a lâmina abrindo um novo corte do seu peito ao começo da barriga. Golpes seguidos no rosto, peito, ombros, barriga e lateral do tronco, a entidade recua mais e mais meus golpes.
Ele ergue suas mãos porem ele não consegue me atacar, sou mais rápida e seu corpo está sofrendo espasmos pela eletricidade... Mas preciso admitir, fazer isso está sendo extremamente difícil, o corpo dessa coisa é tão duro que sinto que estou esmurrando uma parede.
Em cada ataque, cada apunhalada que acerto, os barulhos de cada descarga elétrica se espalham e inundam pelos meus ouvidos, somado aos berros dele, somado a runa da velocidade, ataco como nunca imaginei fazer antes.
Mas para dificultar, em um dos golpes usando o punhal, consegui atingi sua coxa por uma vez, mas em um novo golpe ele foi mais rápido e colocou o braço na frente, o girando resultando no rompimento da lâmina. Não espero uma reação, apenas me livro do que restou do meu punhal o arremessando para longe. Terei que resolver tudo com as mãos mesmo.
Abro a mão esquerda e movo de baixo para cima como se arremessasse algo, e pequenas ondas de choque são lançadas dos meus dedos e se propagam pelo ar, cortando a densa névoa negra e principalmente, causando cortes superficiais no corpo da criatura.
Aperto a mão mais uma vez e o brilho branco azulado dos raios nasce outra vez e corrente elétrica envolve minha mão até antebraço, mas para minha surpresa a entidade consegue segurar meu punho. A luz do meu colar se intensifica a uma força que nunca vi antes, e uma explosão longa e continua acontece. Um tranco no meu braço ocorre, mas consigo ver que a entidade continua no mesmo lugar, claramente tentando resistir a força do colar.
Uma última onda explosiva acontece do meu colar e afasta boa parte da nevoa ao nosso redor. Olho para a criatura, que por sua vez está com o corpo encurvado para trás, e continua segurando meu punho com firmeza. Suas pernas cedem e ele cai de joelhos, e agora ele e segura com bem menos firmeza do que antes, apoiando sua outra mão no chão.
Por um segundo me permito parar para observa-lo. Ele está ofegante com a cabeça baixa, e está com vários cortes espalhados pelo corpo onde seu sangue enegrecido escorre pela sua pele cinzenta e mancham a areia abaixo de si com seus tons sombrios. De suas feridas algo que me lembra uma fumaça escapa e se dissipa no ar, além disso pequenas fagulhas elétricas ainda percorrem ao redor de seu corpo.
Quando estou para golpeá-lo novamente, minha visão embaça repentinamente, minhas pernas perdem um pouco da força e meu ar some com o impacto no meu estomago. Olho para baixo devagar, incrédula com isso. A entidade voltou a sorrir, e recebo mais um golpe no estomago que ergue meu corpo de leve. Aperto os olhos com a dor se espalhando, e meu rosto se ergue com um impacto no meu queixo.
Meu corpo pende para trás, mas me mantenho de pé devido a entidade ainda segurar meu punho. Ele me golpeia mais e mais vezes no estomago, pela lateral do meu corpo e vários outros golpes no meu rosto, a dor se espalha pelo meu corpo e minha consciência vai desaparecendo. Não consigo me afastar dele, ele me segura forte pelo pulso continuando a me atacar, e apesar do meu colar brilhar com toda a força, ele não cria mais nenhuma explosão para afastar a entidade.
Com minha mão livre consigo agarrar o rosto da criatura e aperto com toda a força ganhando um olhar surpreso da criatura. E apesar de toda a dor que me percorre, consigo reunir energia o bastante para ativar a runa do raio outra vez e descarrego tudo, envolvendo a criatura em uma força elétrica e o obrigando a me soltar. Meu colar aumenta a intensidade outra vez e sei o que está para acontecer, por isso fecho o punho, mentalizando a runa do impacto, golpeando a entidade um segundo antes da explosão ocorrer.
O corpo da criatura é arremessado para trás muito mais rápido que de costume e desaparece por entre a névoa. Estou ofegante por todos os golpes que tomei, e minhas pernas cedem me obrigando a cair de joelho. Várias dores se espalham e minha visão ainda está embaçada, mas consigo ver gotas de sangue caindo na areia. Sacudo a cabeça uma vez, piorando as dores de cabeça em algumas pontadas, mas ainda estou bem. Isso não é nada, ainda aguento continuar.
Está quieto... Quieto demais. O único ruído é o som do mar bem ao meu lado, as ondas quebrando, mas é apenas isso. Não existem vozes, gritos, passos, nada, mas a névoa ainda não desapareceu. Enquanto levanto, vejo de soslaio que meu colar ainda brilha, deixando claro que a entidade ainda está por perto. Pra piorar minha situação, aquela coisa agora consegue resistir a força do meu colar. Pareceu ser muito esforço para ele, mas ainda assim conseguiu resistir.
Seja como for, isso é preocupante.
- Clara?! – Ouço uma voz por entre a névoa.
- O que... Essa voz... – Sussurro olhando em volta, reconhecendo a voz – Marina?!
- Você está bem Clara?! Onde você está?! – Agora é a voz de Tamires, veio da mesma direção.
Mas parece estar mais perto do que antes.
- Não venham, fiquem longe daqui! – Digo raivosa, olhando em volta. Não posso correr o risco de envolver elas ainda mais nisso.
De repente, o ar começa a ficar pesado. Começa a ficar muito pesado. Estranho, é uma pressão tão esmagadora que mal consigo permanecer aqui direito, e acabou de tornar tudo ainda mais complicado do que já estava.
Um vulto surge a minha frente e passa extremamente rápido a minha esquerda, e sinto arde muito. Praguejo com a ardência e a dor, e percebo uma sensação úmida escorrendo. Olho para o lado, percebendo um corte na altura do meu ombro que sangra lentamente. Aperto meu braço e ainda olho em volta, e um novo vulto passa, próximo a minha perna. Olho para baixo, e novos cortes surgem na minha coxa direita e na lateral no meu short.
Olho em volta e o mesmo vulto surge golpeando meu rosto, me fazendo dar passos para trás. Meu rosto também está com um corte agora. Continuo procurando, tentando me precaver de um próximo golpe, e o vento rápido passa as minhas costas que logo começam a arder profundamente, e de repente um novo corte surge ao meu ombro direito, e mais um na minha coxa esquerda.
Uma alça do meu biquíni se desprende por causa do último corte no ombro direito, mas o que importa agora, estou apanhando sem nem conseguir me defender. Se continuar assim, não vou aguentar por muito tempo.
Por entre a névoa, percebo uma figura sinistra emergindo, e direcionado a mim estão duas esferas avermelhadas. A entidade está fazendo isso de propósito, quer que eu saiba que está bem minha frente, me analisando. Respiro fundo, sentindo meu corpo tremendo. Minhas pernas e mãos tremem, minha visão se embaça, mas logo volta. Aperto o punho fazendo novos raios nascerem ao redor da minha mão, ainda aguento continuar.
Ele dispara em um novo movimento e me preparo para tentar me defender, porém meu corpo é acertado pela lateral por algo pesado, e vou ao chão sem conseguir contestar.
Resmungo pelas dores no meu corpo, enquanto o peso torna-se cada vez menor – Você está bem Clara? – Ouço uma voz grave. Pisco algumas vezes, vendo que se trata de Gabriel, que me observa sério, e logo direciona seu olhar a algo.
- Obrigada... – Digo baixo, me sentando com dificuldade e olhando para a mesma direção que o homem está encarando. A entidade está se erguendo e lançando a cabeça para trás, ainda sem nos observar – Por que está aqui? E como me achou?
- Achei que havia alguma coisa muito errada quando percebi toda essa névoa, e pelo visto eu estava certo... – Ele diz com uma forte seriedade no seu tom de voz, algo que não vi em nenhum momento em Gabriel – Segui meu instinto e vim. Por sorte consegui te achar.
Cerro o olhar e aperto os lábios, me colocando de pé com dificuldade. Permaneço ofegante, encarando a criatura a minha frente.
- Nunca em toda minha vida vi algo assim... O que é essa coisa? – Gabriel sussurra para si mesmo, mas foi alto o bastante para que eu também escutasse. Vejo ele parando bem ao meu lado – Como imaginei, tinha alguma coisa muito diferente em você Clara.
Encaro Gabriel de soslaio, estranhando seu comentário, mas ignoro isso. – Se afaste daqui Gabriel, eu cuido dele sozinha.
- Não pode! Veja seu estado! – Ele me repreende, continuando onde está – Irei te ajudar.
- Ora ora... Por essa eu não esperava... – Ouço a voz arrastada da entidade pelo ar, e vejo que ele vem se aproximando lentamente, com seu olhar avermelhado e pulsante cravado em nós. Seu sorriso de diversão se mantém firme – Está expandindo bem seu círculo de amizades Clara... Mas nunca... Nunca imaginei que começaria a andar com esses tipinhos tão diferentes...
- Tipinhos? – Sussurro percebendo como a entidade está encarando Gabriel em um misto de curiosidade e anseios, o que me faz olhar para o homem de canto do olho outra vez. Ele permanece calado e completamente sério.
- Te achamos! – Ouço a voz de Letícia atrás de mim.
Olho sobre o ombro de relance, e para o meu desespero, percebo que Letícia, Marina e Tamires se aproximaram de nós. Ai meu pai, agora piorou foi tudo.
- O que aconteceu com você Clara? – Marina questiona com um olhar assustado.
- Por que todas estão aqui? – Digo desesperada – Rápido, você precisam sair daqui! Fujam!
- Que ótimo, espectadores! – A entidade da uma longa risada, e uma ventania começa.
Aperto meus olhos, o vento está mais forte do que antes. A areia arranha meu corpo e fazem meus machucados arderem ainda mais. Meu corpo inteiro treme de dor e aperto os olhos, não conseguindo conter um gemido entredentes. Mas o que me deixa verdadeiramente aflita é que todas estão aqui agora.
A criatura avança e desaparece no ar em um segundo. Pisco algumas vezes olhando em volta, e uma ventania explosiva começa atrás de mim, lançando meu corpo para longe. Caio na areia agora dura e úmida. Me levanto devagar, e os restos de uma onda toca minha pele. Fui lançada para tão longe assim?
Não é hora para isso. Onde estão todas? O que aconteceu?
Me coloco de pé apressada, ignorando completamente a dor. A adrenalina no meu corpo me impede de sentir qualquer dor dos meus ferimentos, o que me permite avançar de volta para a praia. Mas não consigo ver ninguém.
- Marina! Letícia! Tamires! – Grito por todas, continuando a avançar.
- Estou aqui Clara! – Olho para o lado, vendo Marina correndo na minha direção.
Me sinto aliviada ao vê-la bem, mas meu alivio desaparece. Uma silhueta enegrecida começa a se formar atrás da minha amiga. – Marina! Cuidado!
O vulto negro passa por trás de Marina e imensos cortes atravessam a lateral de seu corpo. A expressão de Marina carrega seu espanto junto ao medo, porém não direcionada a criatura a sua frente, mas a mim. A entidade move um braço e largos cortes parecido com garras surgem na lateral da perna esquerda. Mais um movimento e seus ombros são cortados, e a criatura salta sobre o pescoço dela, a derrubando no chão.
Não... Isso não. A Marina não!
Disparo para tentar fazer qualquer coisa para salva-la, e o vulto enegrecido desaparece mergulhando na névoa junto a risadas macabras. Marina está no chão e chego até ela com lagrimas enfurecidas em meus olhos.
Por favor Marina, não morra.
Ela não se move me desesperando ainda mais. O corte em sua cintura é maior do que imaginei, a lateral de sua perna e também seu ombro está no mesmo estado, com imensos cortes parecidos com garras de algum animal imenso. Mas o pior ainda é a mordida entre seu pescoço e ombro, ambos os ferimentos sangram sem parar empapando seu corpo e a areia ao redor. Eu não sei como reagir, Marina está apertando os olhos e respirando com dificuldades e gemendo baixinho de dor enquanto lágrimas escapam de seus olhos.
Ela... Está viva. Ainda está viva.
Precisamos de um médico urgente para ela, mas como? Essa coisa não vai nos deixar em paz! Vai continuar vindo atrás de nós.
Ouço passos apressados, o que atrai minha atenção. – Aqui! Por favor nos ajude! – Grito aflita.
A pessoa para sua corrida e olha em volta, vindo apressada em nossa direção, que paralisa seu passo e leva a mão a boca assim que nos olha. É Marina, que está com o assombro nítido em seus olhos – O... O que... Ma... Marina?
O vulto ressurge, passando em frente a Letícia extremamente rápido. Cortes abrem em suas pernas e em sua barriga. O vulto novamente se move para trás de Letícia enquanto vários cortes surgem em seus braços, e ainda salta em sem ombro, abocanhando diversas vezes enquanto minha amiga vai ao chão próxima de mim. É como um borrão negro, que lentamente toma a forma da entidade, continuando a me encarar com o mesmo sorriso, saltando por outra vez na névoa.
Minhas pernas tremem, se recusam a me obedecer. Estou em choque. Sacudo a cabeça e corro para perto de Letícia, a segurando pelos braços e a puxando para perto de onde Marina está. Deixo as duas próximas, mas minhas forças desaparecem assim que deixo Letícia deitada.
Caio de joelhos e meus olhos vão ao chão. Minhas mãos estão vermelhas, tingida pelo sangue das minhas amigas... Elas tremem com o que vejo, o assombro toma conta do meu corpo. Não consegui protegê-las... Eu...
Eu não sei mais o que fazer...
O desespero toma meu corpo por completo que me fazem gritar, choro desesperada... Pela nossa situação, por como minhas amigas mais queridas estão agora, por não ter sido capaz de proteger elas... Não sei o que fazer...
- Ai meu Deus... – Ouço ao meu lado e alguém se abaixa. Mal consigo olhar para a pessoa, apenas estou chorando desolada.
Outra pessoa para ao meu lado, tocando devagar em mim – Todas estão em péssimo estado. Precisamos de um médico para todas urgente Gabriel... – Ouço ao meu lado. É Tamires.
- Eu sei, mas nosso problema é aquela coisa. – Gabriel diz ao meu lado – Ele não vai nos deixar ir embora.
- É uma pena minha Clarinha... – Ouço a minha frente, e ergo o rosto devagar. A entidade vem caminhando enquanto seu olhar vem a mim, sorrindo satisfeito. Apesar de tudo que acertei nessa coisa, a entidade se comporta como se não tivesse sofrido nada – As coisas não acabaram bem pra você... Que peninha...
Aperto os dentes, e a raiva toma conta de mim.
Eu vou matar essa coisa!
- Gosto quando luta assim... Torna tudo muito mais divertido... – Ele arregala seus olhos e seu sorriso aumenta. – Me mostra sua força, o quão mais forte pode se tornar... Aumenta mais meus desejos por esse seu corpo...
- Por que isso? – Digo por entre os dentes, tentando ficar de pé, mas minhas pernas tremem. Eu já não consigo mais ficar de pé com tanta facilidade, meu corpo está muito mais fraco, nem consigo enxergar direito...
- É obvio... – Ele ri alto, gargalha descontroladamente pendendo a cabeça para o lado. Sua boca está aberta em um sorriso largo com todos os dentes a mostra e com seus olhos arregalados, como sempre cravados em mim... E novamente, eles me causam um medo assombroso – Antes era para invadir seu corpo e destroçar você por inteira... Te partir ao meio e te ver convulsionar até perder todo seu sangue, ouvir seus gritos de desespero e arrancar sua vida... Você era fraca e não me interessava, queria te matar e morrer junto... Mas agora você me interessou muito, quero quebrar seu espírito... Torná-la minha, meu receptáculo forte.
Em cada palavra, sua voz esteve carregada de uma fúria, ódio, agressividade, desejos, e principalmente insanidade. Seu tom grave quase semelhante a um rosnado deixou obvio sua sede destrutiva e a verdadeira ameaça que ele representa.
Ele se prepara para me atacar, enquanto aperto os olhos e cerro meu punho com toda a força. Menti para mim mesma, não aguento mais do que isso, nem mesmo consigo me manter de pé, mas tenho que acabar com tudo mesmo que custe minha vida.
Percebo que algo começa a emanar do chão, algo escuro, mais profundo do que a névoa que já nos rodeia, mas isso não importa agora.
A entidade salta em minha direção, mas já não consigo acompanhar sua velocidade, e nem tenho mais ideias do que fazer para nos proteger.
Uma figura completamente sombria surge de repente, caindo a minha frente antes que a entidade finalmente me atinja, e agora, toda a pressão que já havia antes parece ainda mais esmagadora do que antes. Sinto um forte impacto atravessando pelo meu corpo, não apenas sinto... É visível.
Toda a névoa que existia a nossa volta se afasta e dissipa no ar, e finalmente posso ver tudo a nossa volta por mais uma vez. Alguém de vestes negras como a mais profunda noite está a minha frente, mas não sei quem pode ser. Pisco algumas vezes, focando na pessoa, que move o braço e faz a entidade cair já a uma distância de nós.
- Que bagunça... Francamente... O que é que está acontecendo por aqui? – Ouço uma voz em um tom entediado. É uma voz conhecida.
- Você... Eu sabia, ontem era mesmo você... – Tamires diz com a voz trêmula. Olho para ela, que está estática – Por que está aqui?
Ele se vira e nos observa com um olhar e sorriso tranquilo. O mesmo rapaz que vi na praia, nas pedras daquela cachoeira, e também agora estou me lembrando, o mesmo que apareceu no meu sonho de hoje... O mesmo que sempre aparece vestindo um sobretudo escuro – Olha só quem está por aqui... A quanto tempo não nos vemos, não é Tamires?
O cara do casaco.
- E quanto a você... – Ele diz se virando novamente para a entidade. Seu punho se fecha e labaredas negras surgem em sua mão. Uma profunda aura sombria percorre ao redor de seu corpo e se espalham por todos os lados. E não sei se é impressão minha, mas acho que o chão está tremendo – Então, a fonte dessa presença tão agressiva na cidade é você... Estava dando pra sentir de longe.
Feixes sombrios emergem de vários lugares em meio a areia, violentos e explosivos, mas eu mesma não sei dizer com o que se parecem. Se assemelham a chamas fundidas ao vento, chamas que ao mesmo tempo que parecem queimar, elas também parecem serem frias a ponto de congelar a menor aproximação, porém me dão a impressão de serem sólidas. Não faço ideia do que é isso exatamente.
Os tremores que eu sentia antes ficam ainda mais fortes, sem contar que a pressão que já existia antes está muito pior do que antes. Ventos batem no meu corpo, são ventos frios, intensos, que parecem invadir cada um dos meus machucados e me agoniam profundamente, congelam meu corpo por dentro, porém todos esses ventos logos se tornam quentes e agressivos.
Erguendo sua mão lentamente, uma quantia surpreendente de energia emerge numa explosão e envolve a entidade em um curto segundo, prendendo seu corpo por inteiro e impedindo qualquer reação. Movendo o indicador calmamente, a entidade é puxada até a frente do Cara do Casaco, estando completamente a sua mercê.
É inacreditável a facilidade que ele teve para conter a entidade, ainda mais com um sorriso tão tranquilo no rosto. Nem mesmo Brian conseguiu lidar com esse ser tão rápido quanto ele.
Quero falar algo, mas meu choque é tanto que minhas palavras desapareceram. Não consigo fazer nada, além de encarar esse estranho homem – Hm... Espera, você... Você me parece familiar... Já não te vi em algum lugar?
Me ergo devagar, encarando a entidade com minha visão turva. Me surpreendo ao ver o olhar que a criatura tem em seu rosto. Parece estar aterrorizado com a presença desse homem, mesmo sem conseguir, é nítido seu desespero e vontade de fugir – Mas... Você... Aquele dia no Abismo... Você é o ser daquele dia...
As chamas negras desaparecem de seu punho de repente e todo o tremor cessa, me fazendo olhar para esse estranho homem ao meu lado. Ele tem uma expressão de surpresa estampada em seu rosto. Penso que tudo pode ter se acalmado por parte dele, porem algo denso e enegrecido ainda rodeia o cara do casaco como se fosse uma brisa... Então... Tudo isso é escuridão?
- "Aquele dia"? – Digo cerrando o olhar. A entidade vira seu olhar assustado para mim, e então para o cara do casaco.
Ele me observa de soslaio, e volta a encarar a entidade – Então... Você estava lá... Era você naquele dia? – O homem comenta reflexivo.
Aproximando-se da entidade, o Cara do Casaco toca a testa da criatura com uma das mãos. O ser está em choque, com os olhos arregalados de medo e parece que está tomando o máximo de cuidado com qualquer mínimo movimento.
- Estranho... Sei que é você, mas não consigo ver suas memórias daquele dia com clareza... Suas memórias estão... Fragmentadas... – O homem assume um olhar surpreso por um momento, que logo da lugar a um largo sorriso, juntamente de um intenso olhar, que queima em pura empolgação – Entendi... Você não é apenas um... Interessante.
Ignoro o que quer que ele esteja falando, avançando um passo, voltando meus olhos para a criatura a minha frente – O que foi?... Você... Não queria brigar?... Vamos, nós não acabamos com isso... – Provoco a entidade, avançando mais um passo.
Não sei que loucura é essa minha, não aguento mais. Talvez ver a criatura ter sido rendida com tanta facilidade me deu alguma esperança de fazer o mesmo.
- Não... – Ouço sua resposta, enquanto ele aperta os olhos.
- ...O que? – Franzo o cenho.
- Eu não vou... Não diante dele... Não contra ele... – A entidade diz, voltando seu olhar a mim, e logo ao estranho ao meu lado. Não sei o que vejo na criatura, mas esse olhar é diferente, nunca o vi antes. Lentamente seu corpo se dissipa por entre sua prisão de escuridão – Nós nos resolvemos no futuro Clara... Isso não acabou...
A entidade desaparece de vez, e meu colar para de brilhar finalmente. Vendo que tudo finalmente está resolvido, meu corpo cedo e caio na areia, sentindo todas as dores e o cansaço me abaterem em sua força máxima.
Não sei como fiz essa pose de forte por tanto tempo. Aguentando dores e ferimentos como os meus, mas agora não preciso me manter tão firme.
Minha vontade é de chorar, tanto de alívio por ter sobrevivido, pelas dores que afligem meu corpo, pelo estado das minhas amigas, e a dor em meu coração por não ter sido capaz de mantê-las a salvo.
Apoio minha mão no chão gélido e me levanto, voltando meu olhar para onde minhas amigas estão, porém está estranho. Esse piso frio, meu corpo esfriando de repente pela ausência de calor no ambiente... A falta da luz do sol, paredes... O que... Eu estou de volta a casa da praia?
- Eu... Desmaiei? – Digo com a voz fraca, ficando de joelhos com muita dificuldade. Minhas pernas e ombros pulsam de dor, sinto meus ferimentos queimando e minha pele ardendo, sem falar das diversas fisgadas de dor na cabeça – Podiam... Ter me deixado... Em uma cama...
- Não, você não desmaiou. – Ouço a voz calma, e o homem de vestes negras se abaixa a minha frente, observando meu rosto com um semblante neutro.
- Estávamos agora na praia, passou um segundo e aparecemos aqui... – Ouço a voz vacilante de Tamires, e ela imediatamente vem até mim, me abraçando e puxando para longe dele – O que vai fazer com ela?
- Isso dói Tamires... – Reclamo em um sussurro, apertando os olhos com as várias pontadas de dor que atacam meu corpo, que me fazem estremecer. – Estou toda machucada...
- Desculpe Clara... É que... – Ela tenta falar, mas se cala.
- Não se preocupe Tamires, apenas darei um jeito no estado dela. – Ele diz ainda parado a minha frente, apenas olhando meu rosto. Tamires me solta devagar, e ele leva sua mão ao meu queixo, passando um dedo devagar pela lateral do meu rosto, mantendo um olhar sério e concentrado.
Nesse curto instante ignoro minhas dores e a forma como ele me olha e toca meu rosto sem parar, me permito finalmente olhar para ele, o homem causador de tantos problemas.
Ele é jovem, realmente jovem, o que é diferente do que eu imaginava. Sempre pensei nele como um homem bem mais velho, mas não, ele é realmente alguém jovem, talvez tenha uma idade próxima a minha, sendo no máximo dois anos mais velho.
Como vi antes, ele não tem nenhum físico chamativo, e apesar de suas roupas nada alinhadas serem uma folgada camisa de botões, bermudão, chinelos, seu longo sobretudo forrado com uma pelagem escura em seu interior, e dos longos cabelos cacheados soltos, de alguma forma anormal é um visual harmônico.
Mas apesar de notavelmente calmo, seu semblante também mostra outra coisa, como ele está abatido. Seus olhos exaustos tem olheiras, aparentando que ele não tem dormido já a algum tempo... Ele não parece muito bem.
Repentinamente tudo para de doer. Olho minhas pernas, as manchas do meu sangue estão no meu corpo e nas roupas, mas não tem nenhum dos cortes de antes, meus ombros também estão curados agora. Tudo que existe na minha pele são várias cicatrizes. – Também trouxe suas coisas de volta, estão todas nos quartos.
Olho para minhas mãos e toco a mim mesma, sem conseguir acreditar que realmente acabei de ser curada – Eu... Estou bem.
- Agora suas amigas... – Ele diz se colocando de pé e caminhando em direção ao sofá, e de imediato me levanto, correndo para largo sofá onde as duas estão. Ambas estão desacordadas, mas seus corpos estão inteiros... Ou melhor, quase. No lugar dos ferimentos, agora existem grandes cicatrizes – As duas estavam piores que você, portanto dei um pouco mais de atenção a elas. Não sei bem o quão profundos foram seus machucados... E como não estou nas minhas melhores condições, é certo que não estão totalmente curadas, mas estão fora de perigo.
- Elas... – Começo a dizer.
- Estão dormindo, ficarão bem. – Ele para ao meu lado e cruza os braços. – O problema é que a cura de apenas uma pessoa é algo extremamente cansativo, e quanto mais feridas estiverem, preciso me esforçar muito mais para conseguir... Por não estar no melhor dos meus dias e ter curado várias outras pessoas na praia, já estou bem esgotado... Não pude recuperar as duas por completo... Nem a você, por isso talvez ainda sinta algumas dores.
Um momento de silêncio se arrasta, enquanto olho para ambas. Realmente parecem bem, procuro e procuro, mas não vejo nenhum machucado nelas, mas sequer sei o que dizer. Eu devo tantas desculpas a elas por acabarem envolvidas em toda essa situação, elas correram perigo por minha culpa...
- Eu... Agradeço pelo que fez por mim, e principalmente por ter cuidado as duas... – Consigo dizer, com meu olhar baixo.
Não consigo encontrar palavras nesse instante. Me sinto perdida em meu mundo abalado, sem chão. O cara do casaco está apenas observando ambas, mas sequer sei o que ele está pensando.
- Escuta, eu... – Engasgo nas palavras – Gostaria que me respondesse algo.
- Sinta-se à vontade para perguntar. – Responde tranquilo.
- Me diga... Foi você quem fez aquilo com a Amanda? – Seu olhar vem a mim.
- Quem? – Questiona sem alterar sua expressão.
- Amanda, a bruxa que você encontrou e torturou! – Cerro o olhar, me levantando e encarando ele nos olhos, mas ele sequer se abala comigo ou com minha indignação. – Vai dizer que não se lembra do que fez.
Ele continua me observando, e logo fecha seus olhos dando um suspiro entediado.
- Não vai dizer nada? – Tamires questiona.
- Do que estão falando? – Gabriel questiona.
- Acho que já entendi de quem está falando... Uma conhecida dessas duas veio atrás de mim já a algum tempo. – Ele começa, se virando para Gabriel. Não sei se seu olhar é neutro, indiferente, se está analisando. Eu não sei, mas esse homem é completamente estranho... Não só isso, tudo me faz acreditar que ele é um problema, e um problema muito grande – Sim Clara, fui eu quem sua amiga encontrou... Ela me atacou sem nenhum controle, e tudo que fiz foi enviá-la a um lugar onde pudesse se soltar.
Ergo as sobrancelhas em espanto – Enviar?... Não foi... Uma ilusão?
Ele me encara de soslaio com um sorriso – Ilusão? Creio que as férias que ela teve no Abismo foram bem reais.
Aperto os dentes e seguro seus braços com força e o sacudo, tomada pela irritação – Férias? Seu... Por acaso tem ideia do que causou a ela?
O cara do casaco não diz nada, mas seus olhos continuam em mim. – Não, eu não tenho a menor ideia, o que causei?
Aperto mais minhas mãos, golpeando seu peito por uma vez. – Você... Você... Você causou traumas, rasgou a vida dela com suas ações. Por sua culpa ela desistiu de ser bruxa, uma coisa que motivava a vida dela! – Seu olhar muda para surpresa – Está satisfeito com isso?
- Ah, é mesmo? – Ele balança a cabeça negativamente – Em nenhum momento tive a intenção de atacar sua amiga. Vi que ela era diferente das demais pessoas por parecer ter vindo exatamente na minha direção, e decidi conversar um pouco com ela. Porém ela me atacou... E com força o bastante para criar um caos naquela parte da capital. Por sorte consegui concentrar todos os danos causados apenas em mim.
- Você se isenta da culpa? – questiono irritada, e ele ergue os ombros. – Se você diz isso, por que se importou? Por que não deixou a Amanda destruir tudo?
- Porque já morei naquela cidade a muito tempo atrás? – Ele ergue uma sobrancelha – Não vejo sentido em deixar ela botar tudo abaixo, se colocar em risco, e de quebra levar várias pessoas junto sem nem conseguir me ferir... Eu não sei se notou, mas aquela bruxa é forte demais, ela teria se matado e levado muita gente junto se eu não a impedisse de continuar...
Não sei o que dizer. Não consigo formular nenhum pensamento, minha cabeça está um verdadeiro nó. Aperto os olhos e me afasto dele, indo para perto de Tamires.
- Hm... Amanda, não é? – Ele diz, atraindo minha atenção. Ele está olhando para a janela, com uma mão no queixo ostentando um sorriso de canto – Sim, lembro-me de seu rosto e onde vive... Pois bem, não sei quanta força ainda tenho, mas irei resolver isso... E vocês, tratem de levar essas duas a um hospital.
- O que... Não, espera! – Digo, enquanto ele se alonga e me olha. – Quero saber mais algo.
Ele não me responde, mas faz um gesto com a mão para que eu prossiga.
- O que foi aquilo? – Digo, abaixando um pouco meu olhar, me lembrando do meu sonho de hoje. Meus pensamentos fervilham, e ele é quem pode me responder – O que foi aquele sonho? Que lugar era aquele? Por que você estava daquele jeito? O que... O que você perdeu?
Respiro fundo depois de soltar todas essas perguntas de uma vez. Volto a observa-lo, e para minha surpresa ele está com uma sobrancelha erguida, talvez igualmente surpreso.
Sua boca está curvada para baixo, mas logo um sorriso de canto surge em seu rosto – Sonho? Do que está falando? – Fico sem saber o que responder, ele realmente não sabe, ou está se fazendo de desentendido? Ele balança a cabeça negativamente continuando a sorrir – Tanto faz... Não se esqueça, leve essas duas a um hospital.
Estou para falar qualquer coisa, mas ele simplesmente desapareceu. Pisco algumas vezes e olho em volta, procurando por ele, mas nada. O cara do casaco desapareceu por completo.
Viro meu olhar para Tamires, esperando que ela possa me dar qualquer resposta do que acabou de acontecer – Tamires...
- Eu sei... – Ela suspira, abaixando o olhar – Ele é assim mesmo, aparece e desaparece de repente. Na verdade, me impressiona que ele tenha ficado aqui tanto tempo.
O olhar de Tamires se ilumina, e ela se afasta correndo em direção aos quartos. Me viro para Gabriel, que está com os braços cruzados me observando. – Desculpa por tudo isso... Por todos esses problemas...
- Eu sabia... – Ele diz em voz baixa. Ele não tem raiva na voz, mas está tenso – Sabia que havia alguma coisa diferente em você Clara, só não sabia dizer o que.
- E tinha como te contar, sem parecer uma maluca? – Digo suspirando. – Desculpa... Mas não tinha como.
Ele balança a cabeça algumas vezes – Calma, você não precisa se desculpar, muito menos justificar qualquer coisa para mim... O importante é que por hora, tudo isso acabou.
Concordo balançando a cabeça – Sim, você está certo. Por enquanto, acho que estamos bem.
Ele aberta a boca, e seu olhar vai ao chão – Eu gostaria que me contasse mais sobre o que aconteceu hoje, mas não é o momento, e nem quero te pressionar a falar depois de tudo isso. Temos que levar suas amigas para o hospital.
Olho para as duas no sofá. Parecem descansar tão bem, tão tranquilas. – Será que... Pode nos levar de volta para São Paulo?
- Mas... – Ele começa a dizer, mas balanço a cabeça negativamente.
- Por favor Gabriel. – Peço olhando dele para elas repetidas vezes – Não podemos ficar aqui por muito mais tempo, e nem posso deixar as famílias das duas com notícias que estão hospitalizadas aqui na praia.
- Você tem certeza disso Clara? – Ele me olha preocupado. – Elas podem não aguentar.
Relutante, confirmo com a cabeça – Sim. Pode ser uma idiotice viajar com as duas nesse estado, mas também acho errado ficarmos mais tempo e preocuparmos nossas famílias por muito mais motivos. Precisamos voltar.
Ele me olha alguns segundos – Tudo bem, as levarei de volta. Arrumem suas coisas o mais rápido que conseguirem, e quando estiverem prontas me avisem. Virei ajudar com as malas e também para leva-las para o carro.
- Obrigada... – Sussurro, vendo-o se afastando e descendo as escadas. Caminho novamente para o sofá, me sentando ao lado das duas, observando ambas.
- Ele não mentiu... – Tamires disse, enquanto caminha de volta pelo corredor. – Todas as nossas coisas estão aqui. Nossas bolsas, celulares. Tudo que levamos para a praia hoje está no quarto.
- Ainda bem. – Digo em um meio sorriso, olhando para Tamires, e voltando a olhar para minhas amigas desacordadas. Me dói ver elas assim, por minha culpa.
- Já vi algo parecido antes. – Tamires diz em um sussurro, se aproximando de mim. – Sei como está preocupada, mas as duas ficarão bem.
- Eu sei... – Acredito em Tamires, mas ainda solto um suspiro entristecido. Me levanto devagar, e sigo para o quarto – Gabriel nos levará de volta. Vou arrumar nossas coisas para a viagem.
- Gabriel não sabe o quanto sou grata a ele nesse momento. – Ela diz em um meio sorriso enquanto me acompanha, que acabo copiando – Irei te ajudar com as coisas.
E assim, antes do meio da tarde, nossas pequenas férias nas férias terminam de forma desastrosa. O que era para ter sido um tempo para relaxarmos de todos os problemas, acabou virando um pesadelo nos últimos momentos. Me sinto péssima por tudo, não ter conseguido proteger elas, não ter conseguido ganhar da entidade mesmo me esforçando como fiz...
Eu não deveria ter vindo nessa viagem, devia ter deixado apenas elas virem. Estariam bem se eu tivesse ficado.
Mas de que adianta pensar isso agora... Tudo já aconteceu.
Só espero que minhas amigas mais próximas se recuperem.
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