Capítulo 2 - Sombras da manhã
4450 palavras
Manhã de sábado, e não consegui dormir nada essa noite.
Não tirei aquele pesadelo da cabeça. Toda vez que tentava fechar os olhos, cada uma das imagens do pesadelo dançava na minha cabeça. E pra piorar, quanto mais eu tento esquecer, mais eu lembro de cada uma daquelas imagens, tudo salta em minha mente de maneira desenfreada.
Já perdi a conta de quantas vezes aquele borrão negro ficou nítido na minha mente.
Não é a primeira vez que tenho um pesadelo assim, exatamente com essa mesma figura surgindo para me atacar. Desde muito nova tenho pesadelos assim, sempre sendo atacada ou perseguida por aquele mesmo estranho.
Eu sempre me assustava, mas parei de dar muita bola... Afinal como minha mãe sempre dizia, são só pesadelos. Eles não podem me fazer mal de verdade. Acabei tomando essa filosofia para mim, afinal ela estava certa.
Depois que cheguei a certa idade, especificamente na minha adolescência, esses pesadelos diminuíram bastante e por um tempo até pararam... Mas de uns meses para cá, eles voltaram a acontecer, e estão ficando cada vez mais frequentes.
Essa é a terceira vez que tenho pesadelos assim só essa semana.
Em situações normais eu até continuaria ignorando, afinal, é só mais um pesadelo dentre tantos outros que já tive... Mas dessa vez, algo me incomoda.
Além de ser a mesma figura que sempre aparece na maioria dos meus pesadelos, o que realmente me preocupa sobre essa noite é a minha certeza de ter desligado a luz e a televisão ontem à noite. Sem falar que nunca deixo meu ventilador de teto ligado, ainda mais tão forte quanto estava, e meus pais disseram que não foram em nenhum momento ao meu quarto...
Em outras palavras, eu sou sonambula e não sabia, ou a pior e mais improvável das possibilidades, tudo ligou sozinho... Mas falando sério, tudo ligar sozinho?
Isso chega a ser tão fantasioso, e tão ridículo, que me da vontade de rir.
Agora estou de frente ao espelho do banheiro, olhando o estrago que uma noite muito mal dormida faz comigo. Olheiras, olhar caído, rosto amassado, cara de bruxa brava, descabelada de tanto virar na cama, acho que eu não ficaria surpresa se me confundirem com algum monstro do esgoto.
Abro a torneira, jogando um punhado de água gelada no rosto uma, duas, três vezes, tentando melhorar minha aparência de algum jeito, mas não adianta muito. Pelo menos consigo afastar um pouco do sono que estou sentindo.
Apoio as mãos na pia, avaliando mais meu estado, e percebo que ainda tremendo um pouco. Respiro fundo, tentando ao máximo recuperar minha calma. Foi só mais um pesadelo.
Só mais um pesadelo.
Escuto então a campainha tocando. Alcanço a toalha de rosto e deixo o banheiro, secando o rosto enquanto desço para atender seja lá quem for.
Destranco e abro, para minha surpresa vejo que é Marina. Pendo a cabeça para o lado, tentando entender o que ela está fazendo aqui tão cedo. Antes que eu pergunte, ela começa a falar.
- Amiga, o que foi que aconteceu ontem? – Pergunta claramente preocupada. – Me mandou uma mensagem maluca e então... Puf! Sumiu do nada!
Eu devia estar morrendo de sono, em nenhum momento me lembro de ter mandado mensagem alguma para Marina. Vendo seu olhar, aguardando por uma resposta, eu penso em algo para dizer – Acabei dormindo, estava morrendo de cansaço. Não foi nada demais. – Percebo bem que não a convenci. Acho que eu não convenceria ninguém com uma resposta dessas.
E pelo jeito que Marina está vestida, parece que saiu de casa às pressas. Acho que nem fez questão de se arrumar antes de sair, só pegou a primeira roupa que viu no guarda-roupa e veio pra cá.
Ela me olha de cima a baixo, avaliando meu estado e balançando a cabeça negativamente. Agora sim é certeza que ela não acredita em mim. – Pelo seu estado, dormir foi a última coisa que você fez... Você está horrível Clara.
- Obrigado por confirmar, o espelho do banheiro me disse a mesma coisa quando trincou com meu reflexo de hoje. – Dou de ombros e acabo rindo sozinha, mas pela cara que Marina fez, ela não levou minha piada em consideração.
- É sério, você mandou uma esquisitice e do nada sumiu, e antes das dez... E aliás, pela sua cara, você está abatida demais para quem foi dormir tão cedo – Ela diz, cruzando os braços. Admito que essa preocupação toda dela é uma coisa fofa. Não é à toa que é minha melhor amiga a muito tempo, desde a sexta série – Pode falar, o que aconteceu?
Olho para ela, fazendo a mesma avaliação que Marina fez em mim. Está quase tão descabelada quanto eu, agora que percebo pelo seu visual, parece que ela vestiu uma roupa aleatória por cima de um pijama e veio para cá.
Acabo não segurando a vontade de rir – E você? Também não está lá tantas coisas, parece que correu uma maratona. – Rebato tentando desconversar, abrindo espaço para Marina entrar. Ela agora ri da minha tentativa de ser engraçada.
- Foi mais ou menos isso que aconteceu. E me agradeça por não ter vindo aqui meia noite, porque era o que iria acontecer. – Ela me responde, dando de ombros e passando os dedos entre seus cachos tentando arruma-los. Ela passa por mim, e fecho a porta. – Agora me fala, o que aconteceu ontem? Nas sextas você sempre dorme bem depois das três da madrugada, e tem a sua mandinga secreta de nunca parece abatida... – Marina me encara com um sorriso maldoso, quase como se eu tivesse culpa por esse meu "talento" – Andou fazendo algo mais interessante escondida é?
- Que? Não, não fiz isso que está pensando... Não pratiquei nenhuma indecência. – Ela ri da minha reação, colocando as mãos na cintura. Eu então sigo para a sala, enquanto escuto ela vindo logo atrás. Me jogo no sofá, respiro fundo, hesitando um segundo antes de contar. – É que... Eu tive mais um daqueles pesadelos estranhos essa noite... E havia aquela pessoa, ela disse algo sobre eu não ter chances, e nem tinha como fugir... E no fim, que eu seria dele... Se lá, foi macabro... – Agora que falei, tenho a sensação que esse pesadelo pode ter sido mais ridículo do que assustador, mas não me impediu de sentir um calafrio subindo pela minha espinha.
- Olha só, o Ricardo tem um concorrente – Caçoa da minha cara, dando tapinhas no meu ombro. O que posso fazer é dar um sorriso como resposta – Foi só um pesadelo, esquece isso.
- Eu tentei... Mas sei lá, isso voltou a acontecer e não sai mais da minha cabeça. – Insisto, cerrando um pouco meu olhar ao lembrar das coisas ligadas – Parece que tem algo que me impede de esquecer...
- Mas tente, é o melhor a se fazer... – Marina diz isso, mas se ela soubesse como é difícil realmente só esquecer. Eu estava tão feliz que havia parado, e do nada tudo recomeça – Eu vou ter que ir agora, vou ter que sair com meus pais... Eles querem ir a uma festa de família, e querem que eu vá também... Consegui escapulir pra cá só porque está cedo e não tinha ninguém acordado pra me barrar. – Marina bufa – Por que eu tenho que ir nessas chatices de família?
- Me leve junto então. Vai ser bom para nos distrair. – Zombo rindo.
- Se desse... Te levaria escondida no porta malas do carro. – Marina da um suspiro – Eu vim mesmo por isso. Fiquei preocupada com minha melhor amiga e não podia sair sem ter certeza que estava bem.
- Mas eu estou bem melhor que quando acordei. – Ela me olha, acho que Marina está pensando se é possível eu ficar em um estado ainda pior. Ainda sim eu continuo a falar, tentando parecer bem – É um progresso.
- Sim, é mesmo. – Marina segue de volta para a porta – Eu já vou indo... Se acontecer qualquer coisa, me liga que eu venho voando.
Resmungando em sair do sofá, eu rolo para o lado, me erguendo assim que quase desabo no chão. Dou um bocejo e abro a porta para ela. – Tente aproveitar a chatice da sua família, vai que seja divertido. – Zombo dela, que por sua vez segue rindo pela calçada, me mostrando o dedo como resposta.
Assim que Marina desaparece da minha vista, eu olho para o céu. Parece que está ainda mais nublado e o clima está bem mais pesado que o dia anterior, além de eu sentir uma estranha pressão sobre meu corpo, o que acaba me deixando surpresa.
Aparentemente vai chover em pouco tempo, o que me faz pensar nas chances de Marina acabar tomando um banho de chuva no caminho para casa, fora que está começando a ventar, mas nada muito forte. Eu é que não me atrevo a sair num clima desses.
Agora que estou sozinha, me sinto muito estranha por estar sem animação nenhuma, e logo em pleno sábado. Talvez por ainda ser cedo demais?
Não sei, mas realmente estava desanimada demais para fazer qualquer coisa. Como meus pais também saem para trabalhar em alguns sábados, algumas vezes acabo sozinha em casa, e isso é uma boa desculpa para dormir até tarde, ou ficar a manhã inteira com a televisão da sala só para mim. Acho que é isso mesmo que farei.
Subo correndo para meu quarto, pego algumas cobertas e volto para a sala, me instalando no sofá para assistir algo na televisão, talvez algum filme, dependendo do catalogo de filmes.
Começo a passar os canais, passo por esportes, noticias, desenhos, um de séries. Acabo deixando em um de filmes mesmo, me aconchego e começo a assistir um de ação. Não sou fã desse estilo, mas quase tudo que está passando não me interessa... Então, é melhor isso do que olhar uma televisão desligada.
Nos primeiros minutos aguento bem o filme, mas por não ter dormido direito, começo a pender para o lado de sono. Esfrego os olhos e me ajeito, tentando ficar acordada. Começo a perder a noção das coisas, meus olhos ficam pesados, bocejo mais uma vez. Me ajeito no sofá até finalmente ficar deitada, e isso acaba tornando o cansaço e o sono muito mais forte do que já estava antes.
Eu preciso mesmo dormir.
Abro meus olhos novamente, ofuscados por uma forte luz. Eu não me lembro que a luz da sala estava ligada, nem de estar tão forte.
Olho melhor para cima, e vejo algumas folhas no alto, percebo então ser a luz do sol. Me ergo devagar, percebendo que estava deitada embaixo de uma arvore. Olho ao redor o lugar que estou, percebo ser um grande parque, tão familiar como se eu viesse aqui sempre, apesar de estar confusa de como cheguei aqui.
Pisco algumas vezes, dando alguns passos enquanto reconheço aos poucos. Estou no parque Ibirapuera... Mas não me lembro de ter vindo pra cá hoje. Passo os olhos ao redor, muitas pessoas passeiam a minha volta, aproveitando o dia ensolarado.
Fico de pé, me espreguiço o bastante para me animar a andar. Estar em um parque como esses e só ficar sentada não é a melhor das ideias, tem muito mais jeitos de aproveitar.
Não me lembro desde que horas estou aqui, mas nem sei se isso faz alguma diferença. Apesar de não importar, ainda continuo pensando em como cheguei até aqui, mas minha memória está bem nebulosa, acho que vim e ônibus. Ignoro isso e me coloco a andar, relembrar desse parque que já vim a tanto tempo atrás... Fazia tempo que eu queria voltar pra andar no Ibirapuera.
Por alguns minutos, caminhei até uma área aberta do parque, onde vejo os adultos observando seus filhos brincando com os amigos ou com seus animais de estimação, flores em quase todos os cantos e diversas arvores. Mais ao longe estão algumas outras crianças, várias delas empinando pipas que enfeitam o céu aberto.
Neste momento eu me sinto tão calma, tranquila e leve de um jeito que mal posso descrever. É como se eu não sentisse o peso do meu próprio corpo.
Algumas crianças correm em minha direção, acho que brincando de pega-pega ao meu redor pelo jeito que estão apressadas, algumas até me abraçam sorrindo e quase me desequilibrando. De forma inevitável eu rio junto de todas, me deixando levar pela brincadeira das crianças. Vendo a animação de todas e me deixando levar, me vejo querendo voltar ao meu tempo de criança para brincar junto delas.
Olho em volta para me certificar onde podem estar os pais de algumas dessas crianças, com certeza estarão de olho. Não quero que me vejam no meio das crianças e pensem que tenho a intenção de fazer alguma maldade com qualquer uma delas. Isso jamais.
Mas enquanto procuro, de alguma forma sinto que tudo muda drasticamente.
Olho para o alto, o céu antes ensolarado se fecha de um segundo para o outro, todas as pessoas que ali estava também param repentinamente tudo que estavam fazendo e caindo no chão uma a uma com barulhos abafados dos corpos encontrando com o gramado baixo.
O mesmo aconteceu com as crianças que me abraçavam, os braços que antes me seguravam com empolgação agora afrouxam e se soltam de mim, me fazendo ver cada um dos pequenos corpos das crianças desabando na grama com o mesmo som abafado dos demais.
As flores ao redor murcham, as arvores perdem todas as folhas e então perde as cores, ganhando um tom acinzentado mórbido na madeira agora envelhecida e frágil, e por fim morrem.
E para piorar, uma nevoa surge no solo... Não, parece que essa névoa está aparecendo do próprio chão. – Ai não... O que é isso agora... – Me permito dizer, sem entender o que acontece a minha volta.
Escuto algo ecoando. Me concentro para tentar ouvir, e isso parece ser uma risada sombria, que cobre e se propaga todo o lugar, mas eu simplesmente não sei identificar de onde essa risada está vindo. Parece estar em todo lugar ao mesmo tempo.
Percebo que as crianças a minha volta começam a despertar, e quase no mesmo instante todas as outras pessoas acordaram e estão se levantando.
Penso primeiro que tudo isso tinha acabado, mas eu penso o contrário quando percebo todos virados em minha direção me encarando. Não uma, nem duas... Mas dezenas, todas as pessoas estão viradas para mim, com seus olhos vidrados na minha direção.
Olho para as crianças tão próximas de mim, sentindo um temor no mesmo instante, então passo meus olhos de um lado ao outro, olho para trás, e em todas as direções. Tanto as pessoas mais próximas quanto as que estão mais distantes encobertas pela nevoa continuam me encarando, o mais perturbador é que estão sem nenhuma expressão no rosto.
Todas então desapareceram no ar, se desfazendo como se nunca estivessem ali, apenas uma única pessoa restou, parada em meio a nevoa.
Eu não consigo ver seu rosto, mas quero correr quando vejo que deu um passo em minha direção. Forço um pouco minha visão, e percebo algo familiar, o que parecia ser uma fumaça negra o rodeando, e quanto mais ele se aproxima de mim, a nevoa parece ficar mais densa. Consigo dar alguns passos para trás, mas tropeço em um galho que eu nem percebi tão perto de mim.
Caio no chão, praguejando contra tudo e todos, se isso tiver se desprendido de alguma arvore, vai ser conveniente demais essa porcaria ter caído tão perto de mim. Olho para trás, aquele ser estava andando mais rápido em minha direção, posso ouvir seus passos na grama cada vez mais próximos.
Tento me erguer mas não consigo, então agarro um punhado de grama e com toda a força do meu braço tento me puxar, arrastar para o mais longe que eu conseguir, mas aquele ser foi muito mais rápido do que eu poderia prever.
Quando percebo, seus passos estão exatamente atrás de mim, olho para o lado e vejo que seus pés já estão em volta do meu corpo, olho para cima para tentar enxergar algo, mas então sinto uma mão agarrando forte no meu pescoço, me puxando e levantando meu corpo com tanta força a ponto de eu não sentir o chão debaixo dos pés. Estou suspensa no ar.
- Me... Solte... – falo com muita dificuldade. Minha voz quase não pode ser ouvida. Levo as mãos até o braço da entidade, tento me soltar dando socos e tentando acertar chutes, mas não consigo. Ele aperta meu pescoço com mais força, prendendo minha respiração por completo. Vou perdendo a consciência e meus braços afrouxam, não enxergo tão bem, e posso ouvir com dificuldade apenas uma risada ecoada.
Percebo com dificuldade a entidade levantando sua outra mão. Guiada pelo medo, apenas consigo fechar meus olhos e tudo se apaga. Sinto que estou suando, minhas mãos estão apertando algum tecido com força, até eu ter coragem de abrir meus olhos novamente.
Me levanto de uma vez e olho ao redor, com minha visão ofuscada por alguma luminosidade que não tenho ideia de onde vem, mas isso não importa. Estou desesperada por tudo que acabei de presenciar.
Pisco algumas vezes, percebendo que estou na sala de casa, e apesar do que eu esperava acontecer ao me ver em casa, eu não consigo me acalmar. Levo a mão ao rosto, sentindo como está úmida de tanto que estou suando.
Passo as costas da mão na testa e respiro. Tenho que me acalmar, tudo não passou de mais um pesadelo. Está tudo bem. Estou em casa. Estou segura.
Escuto um trovão imenso de repente, me fazendo pular no sofá de susto. Xingo em voz baixa por ter me assustado com isso. Olho em direção a janela, vendo o imenso temporal do lado de fora.
Odeio esse clima, odeio com todas as forças.
Vou sentindo a preguiça retornando ao meu corpo, acordar no susto é péssimo. Esfrego os olhos para tentar espantar essa preguiça que sinto. Escuto fortes batidas na porta da casa, isso me faz com que eu me afaste de onde veio o barulho, por puro reflexo. Estou tão assustada assim?
Devagar eu me levanto do sofá, respirando fundo e tentando me manter calma, o mais calma que eu posso conseguir, e indo ver quem é pela janela ao lado da porta. Vejo então Letícia e Ricardo do outro lado, e pelo que estou vendo os dois estão encharcados pela chuva. Abro a porta, fazendo um gesto para que entrem logo em casa.
- Quanto tempo vocês estavam lá fora? – Pergunto aos dois na hora que fecho a porta.
- Só estamos tomando banho nessa maravilhosa chuva há uns vinte minutos. – Ricardo responde bufando, eu o olho de cima a baixo, não achando um lugar em que ele não esteja ensopado. Eu demorei tanto tempo assim?
- Desculpem ter demorado... Eu cai no sono... – Passo a palma da mão nos olhos novamente, me certificando que estou desperta.
- Não adiantou muito termos vindo de carro... – Letícia responde, tentando um sorriso enquanto torce seu cabelo e amarrando em um coque sobre a cabeça. Ela então continua a falar – A Marina ligou avisando o que aconteceu. Tentei te ligar mas você não atendia... Então falei com o Ricardo e resolvemos vir aqui.
Faço um sorriso e balanço a cabeça negativamente – Vocês vieram por causa disso, só vocês... Mas relaxem... Está tudo bem, não aconteceu nada demais.
- Clara, fale a verdade... – Ricardo diz de repente, quase me pegando de surpresa – Sua cara não está nada boa... Está tudo bem mesmo?
- Claro que sim, está tudo bem. – Insisto, levando as mãos a cintura. Não acredito que Ricardo está se preocupando tanto, mas não deixo de achar isso muito fofo.
Ele cruza os braços, me olhando como se eu escondesse algo. Ele não diz nada, mas claramente não acredita em mim. – Estou esperando.
- Esperando pelo que Ricardo? – Pergunto rindo, parando assim que vejo sua expressão séria.
Ele me encara, semicerrando o olhar – Quero saber a verdade, você não está bem. Consigo ver isso no seu rosto.
Tento disfarçar, olho de um lado ao outro esperando que ele não questione mais, porem ele continua firme. Escolho em ficar quieta, apenas olhando para ele, tentando passar alguma firmeza. Ficamos assim por alguns segundos, mas não consigo fazer ele desistir.
Penso se devo incomoda-lo com uma coisa assim, é tão insignificante. Mas se ele quer saber, eu acho que devo falar – Tudo bem, não dormi direito essa noite por causa desse pesadelo... E não importa se eu tento me distrair, isso não sai da minha cabeça... E agora, quando caio no sono, essa mesma coisa aparece de novo.
- Coisa...? – Ele me questiona – O que você viu nesses pesadelos Clara?
- Não sei o que era... Parecia uma pessoa, não consegui ver seu rosto... – Apoio a cabeça sobre as mãos, mais indignada por algo que agora é só me parece ser um pesadelo ridículo de criança... Com uma coisa que apareceu pela segunda vez em menos de um dia, o que admito ser estranho. – Não vi nada mais que um borrão negro na minha frente... Do corpo dela saia apenas uma fumaça negra.
Letícia encosta a mão na minha testa – Você não está estressada com alguma coisa? Isso pode estar causando esses pesadelos.
- Não... Se fosse isso, esse pesadelo não teria se repetido... – Balanço a cabeça de leve, incerta do que eu mesma disse. – Pelo menos eu acho isso né...
- Clara, não estranhe isso, mas por que não vamos a um psicólogo? – Ricardo comenta. Erguo uma sobrancelha como resposta, quase me dando vontade de rir dessa ideia, ou talvez rir até dele mesmo, mas pelo seu olhar, parece mesmo que ele está falando sério sobre isso. Acabo sentindo uma repulsa por essa ideia. – Você já aproveita e tira a limpo logo.
- Um psicólogo? – Letícia o olha, a cara de inconformada dela é incrível. Ela parece mais incomodada com essa ideia do que eu mesma. – Está dizendo que a sua namorada é alguma doente? Ou tem algum problema?
- Não... Não, é claro que não acho isso... – Ele começa a falar, olhando de um lado ao outro. Ele percebeu que falou algo bem desagradável, tanto para mim quanto para Letícia. Pelo jeito, agora Ricardo não sabe o que dizer. – Eu só... Acho que pode ser interessante, falam que ir em psicólogos é sempre bom mesmo quando não precisa, para conhecer melhor da própria mente...
Não senti nenhuma firmeza nessa resposta dele. Antes que eu pense em falar algo, Letícia fala primeiro – Não acho que isso seja necessário... É um exagero.
- É, eu também não acho Le... Mas é a única ideia que temos. – Termino de falar. Agora ela me encara. Espera um segundo... "Le"? Que intimidade foi essa do Ricardo com a Letícia?
- Não, você não está levando essa ideia a sério né? – Ela me questiona, arqueando as sobrancelhas. Acho que fui idiota em levar isso realmente em conta.
- Talvez sim... – Respondo dando de ombros. – ...Que outra opção temos agora além dessa ideia horrível?
- Não sei, mas tem que ter alguma outra solução. – Ela me responde. Agora ela parece ainda mais preocupada do que antes.
- Foi só a primeira coisa que pensei... Não sei um outro jeito – Ricardo fala, quase se culpando. Ele não olha para mim.
Penso um pouco e concordo com a cabeça. Devo admitir que a ideia me parece horrível, mas vendo pelo lado lógico, acho que é melhor recorrer a isso do que ter mais um desses pesadelos... Mas é só um pesadelo, realmente é necessário algo assim?
Minha mãe já me disse várias vezes que é melhor prevenir do que remediar, acho que eu vou acreditar no que ela sempre me disse.
Olho para Ricardo, ainda não colocando muita... Ou melhor, nenhuma credibilidade nessa ideia dele. Acabo bufando e então respondo. – Iremos quando?
- Quanto antes melhor, não concorda? – Ele me responde. Pelo seu olhar de preocupado, não consigo achar sua ideia ridícula por muito mais tempo. – Podemos ir agora, se você quiser.
- Agora? Não tem que marcar hora? – Letícia questiona, cruzando seus braços. Ela balança a cabeça negativamente, e então continua – Ta, se você quer seguir essa ideia... Ainda acho que tem outro jeito, mas vou te ajudar nisso. Não é melhor ligar antes para algum consultório antes?
- Não sei. Aliás, não conheço nenhum psicólogo. – Ricardo diz, dando de ombros. Definitivamente ele dar uma ideia e não conhecer nenhum psicólogo com certeza vai nos ajudar muito nessa situação.
Balançando a cabeça negativamente e levando as mãos a cintura, Letícia diz – Que maravilha em... Não é melhor já pesquisar algum lugar no seu celular?
- Pode deixar, farei isso agora... – O vejo pegando seu celular no bolso, dando alguns cliques. Ele então olha para mim e diz – Clara, vá lá se vestir. Quando estiver pronta eu te levarei lá.
Eu respiro fundo, querendo ao máximo me manter calma. Realmente não gostaria de sair cedo, muito menos nesse clima de chuva. Minha vontade seria de entrar no meu quarto, trancar a porta e ficar na cama, mas não posso.
Me dou por vencida, tentando não demonstrar o quanto achei essa ideia a mais incrível e divertida possível para um sábado chuvoso. – Vou lá me arrumar então. Já volto.
Vou para o meu quarto enquanto os dois me esperam na sala. Enquanto me arrumo, me pergunto do porquê de Letícia e Ricardo terem vindo de carro juntos, se Marina aparentemente só ligou para um deles.
Mas deixo para lá, obviamente Marina ligou para o Ricardo e ele não atendeu, então tentou com a Letícia, que depois ligou para o Ricardo...
Mas ainda me pergunto por que vieram juntos.
Ah, pra que pensar nisso, provavelmente ela também ficou preocupada e pediu para vir junto. Melhor ignorar isso, não tem nada demais.
Olho pela janela do quarto, a tempestade parece ainda mais forte, olho para o alto, vejo vários raios cortando o céu. Isso nunca aconteceu antes, ou pelo menos eu nunca dei atenção pra ver tantos raios de uma vez no céu.
Enfim me afasto da janela e volto ao que preciso fazer. Visto uma calça jeans azul escura, uma blusa moletom de zíper e com capuz preto por cima da camisa que usei para dormir e um all star preto. Paro em frente ao espelho, ajeito meu cabelo rapidamente com algumas passadas de mão, fecho o zíper da blusa, ajeito as mangas. É, acho que se ignorarmos a cara de sono e eu não estar com o cabelo arrumado de forma decente, estou no mínimo apresentável.
Nossa, agora que percebo o tanto de escuro que estou usando, não me lembro da última vez que me vesti assim.
Ignoro isso e saio do quarto, e quando chego na sala, vejo Ricardo jogando a chave do carro para o alto e pegando de volta, e Letícia está teclando algo no celular. Assim que me veem, não falamos muito e apenas saímos. Visto o capuz da blusa e fecho a porta o mais rápido que consigo para não me molhar muito, e assim corro para o carro, onde Ricardo e Letícia já me esperam, nem imagino como eles devem ter corrido pra não pegar mais chuva.
Se aceitei sair, não tenho mais volta... Lá vamos nós...
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