Capítulo 17 - Um dia de revelações
5437 palavras
Conheci Tamires ontem, e hoje já somos praticamente muito amigas. Desde a hora que Brian me deixou em casa, recebi uma mensagem dela, e começamos a conversar sem uma hora para parar. Quando dei por mim, já era a hora do jantar.
Falar com ela é parecido com uma conversa com Marina, tirando a clara diferença de loucura que existe entre minha melhor amiga e minha mais recente amizade.
Os assuntos não param, foram desde as coisas favoritas de cada uma, gostos em comidas, hobbys, faculdade, até mesmo relacionamentos, onde ela achou que Brian fosse meu namorado. Dei risadas altas com esse assunto e prontamente neguei isso, mas não nego que essa ideia acabou ficando cravada na minha mente.
Nem sei por quanto tempo pensei nisso, até finalmente conseguir deixar para lá. Namorar com Brian, é bem impossível de isso acontecer.
Dentre todas as coisas que falamos até o momento, a única conversa que ainda não tivemos foi sobre o que causou essa amizade tão repentina. O Abismo.
Imaginei que esse seria um dos primeiros assuntos, mas até agora não houve nenhum sinal desse assunto surgir de fato. Uma parte de mim agradece, afinal não quero encher a cabeça ainda mais com tantas maluquices sobrenaturais.
Porém, tem a parte de mim que acha tudo isso um mundo fantástico e cheio de coisas que estão esperando para serem descobertas. São tantas coisas que antes eram apenas fantasias de criança, agora entendo que são reais e estão espalhadas por aí. Saber disso me deixa animada de uma forma estranha.
Mudo a aba de conversas, olhando a última vez que falei com Ricardo. Até agora não tive nenhuma mensagem dele, ele fica online, mas não me manda nenhuma mensagem. Já até cansei de esperar qualquer notícia dele...
E sendo bem sincera comigo mesma, se ele aparecer na minha frente agora, é capaz de termos uma baita discussão por causa dessa forma que ele agiu.
Deixo meu celular sobre minha mesa, voltando à atenção a minha tediosa aula.
Meu professor proclama a matéria, fazendo parecer à coisa mais incrível do mundo. Isso funciona muito bem nos primeiros cinco segundos, mas acaba voltando ao terrível tédio logo em sequência.
Não estou nem na metade da minha faculdade, e já quero voar para longe daqui.
Olho para Marina de soslaio, ela está atenta na aula, com o celular em mãos gravando cada palavra do professor. Como ela consegue se manter tão interessada em algo tão tedioso?
Acho que pedirei algumas dessas gravações emprestadas para quando estiver com o mínimo de disposição, e assim colocar as aulas em dia. Acho que já perdi umas três aulas inteiras por causa de tanto tédio.
Novamente saindo da minha faculdade... Essa rotina vai me destruir cedo ou tarde, será que todas as faculdades são assim, verdadeiras fontes de tédio, ou sou eu que estou um porre ultimamente?
Passo pelas catracas e caminho para fora do prédio, sentindo na pele o extremo calor de hoje. Só por sair no sol minha pele arde e o suor escorre por cada parte do meu corpo.
Antes tinha uma chuva intensa, mas agora tudo que tem é um calor absurdo dia e noite. Até para mim, que gosto de calor, estou achando esse clima quente bem incomodo, além de eu não achar tão normal.
Não me surpreendo se metade dos alagamentos já terem evaporado de tão quente que está nos últimos dias. Para quem está na praia, esse calor extremo deve ser maravilhoso.
Agora penso por um momento, será que o tal "cara do casaco", assim como Tamires o chama, também tem algum envolvimento com esse clima?
- Onde será que Brian está dessa vez? – Marina comenta de repente, atraindo meu olhar. Ela está sacudindo uma mão próxima ao rosto.
- Não tenho a menor ideia... Normalmente ele está parado em algum canto. – Digo, evitando procurar pelo meu guardião, apesar de essa ser a minha vontade nesse momento. Sei que ele virá até mim uma hora ou outra, fico curiosa para saber de qual lado ele virá hoje.
- Bem que ele poderia nos dar uma carona para casa. – Marina diz rindo, mas ignoro seu comentário balançando a cabeça. – Nesse calor ainda...
- Morar em São Paulo está cada vez mais difícil... – Letícia está se abanando usando um leque improvisado com uma folha de caderno.
- Nem eu estou aguentando... Mais alguém está afim de mergulhar em uma fonte de shopping e tentar fugir dos seguranças? – Digo e escuto as risadas das minhas amigas. É bom manter pelo menos o bom humor nesse calor todo.
Letícia me olha com um sorriso de canto – Estou até tentada a aceitar essa maluquice.
- Por favor, só estou brincando. – Digo erguendo uma das mãos, as fazendo continuar seu riso. Seguimos juntas ao ponto de ônibus, que por sorte não está cheio. Cruzo meus braços olhando para a avenida, que não tem sinal do ônibus aparecer. Olho para minhas amigas, e começo a perceber que tem algo errado – Ué, não vai para casa hoje Letícia?
- Vou, por que a pergunta? – Ela ergue uma sobrancelha.
- É verdade, sua casa não fica para esses lados. – Marina comenta com um pequeno riso.
Letícia olha de Marina a mim por algumas vezes, finalmente dando um suspiro. – É que precisamos conversar Clara... Tenho que te mostrar uma coisa.
Agora sou eu a erguer as sobrancelhas pelo tom de Letícia. Olho para Marina, que pelo jeito não tem a menor ideia do que possa ser e compartilha da mesma curiosidade que estou sentindo nesse momento – Tudo bem, qual o assunto?
Letícia pega o celular de seu bolso, começando a digitar algumas coisas concentrada – Sobre seu namorado. Ele fez algo. – Um choque percorre pelo meu corpo por um segundo ao ouvir isso. Alguma coisa sobre Ricardo? E ele fez algo?
- O que quer falar sobre ele? – Questiono.
- Você sabe que eu mal converso com ele, e que nem tenho o número dele, não é? – Ela comenta, e eu confirmo de imediato.
Realmente, Letícia nunca foi de falar direito com Ricardo, e sempre disse que preferia se manter um pouco distante quando ele está por perto, tanto por não querer ser inconveniente, e para evitar problemas comigo por algum mal-entendido... Mas estranhamente, os dois sempre estavam muito próximos, o que é contraditório.
- Sim eu sei... – Digo um pouco séria, sentindo o nervosismo crescendo. Me lembro muito bem do dia que conversei com ela sobre isso, e seus motivos – Lembro bem quando disse que evita ter números assim para não ter problemas.
Sem dizer mais nada, ela estende seu celular a mim com uma conversa aberta. Sem entender, eu alcanço seu celular, sem deixar de olhar para a loira a minha frente, e logo Marina para ao meu lado. Meus olhos vão ao seu celular, analisando o máximo de coisas que eu conseguir.
O número não está salvo, mas de imediato eu reconheço, é o número de Ricardo. Vejo a foto da pessoa, demorando um pouco mas logo tenho a total certeza, é a foto do meu namorado. Mas agora minha mente começa a maquinar, por que Letícia teria trocado mensagens com ele?
Respira Ana Clara. Nada de ciúmes antes da hora, se controla. Deixa ela falar primeiro.
- Não quis que algum intrometido escutasse e isso acabasse virando fofoca, por isso evitei falar com você na aula. – Ela diz com um pesar na voz – Também não sabia como te falar uma coisa desse tipo, achei melhor te mostrar a conversa... Então, peço que leia tudo...
Torço a boca e respiro fundo, olhando para a tela.
Subo a conversa ao topo, vendo que a primeira mensagem é de hoje cedo, e veio de Ricardo, e pelo horário, Letícia respondeu mais de uma hora depois.
Primeiras mensagens, tudo normal, uma conversa amigável, nada estranho. Mesmo não tendo nada estranho, sinto meu coração batendo em um ritmo estranho, esperando por algo desagradável a qualquer segundo.
Começo a tranquilizar por nada estranho aparecer, mas uma primeira mensagem mais estranha surge na tela, algo que parece uma investida dele.
Um elogio repentino, seguido de corações. Continuo descendo a conversa agora mais impaciente, mais mensagens assim vindas dele, e da parte de Letícia, apenas neutralidade. Algumas respostas da mulher a minha frente são tão secas que chegam até a doer, mas em nenhum momento aparentam brechas, porém ele insiste mais...
Era o que faltava... Uma foto.
Uma foto de poucas roupas na cama dele, junto de uma mensagem de "estou solitário". Minha raiva começa a queimar dentro de mim, aperto o celular em minha mão com força. Bato o dedo na tela olhando mais rápido cada uma das investidas que "meu querido namorado" fez a Letícia. Cada mensagem isso apenas piora.
Me dou por satisfeita ao ver outra foto, porém dessa vez sem nenhuma roupa. Minha vontade é arremessar esse celular para longe, mas me contenho respirando fundo e devolvo a Letícia.
As duas me olham, mas nenhuma se pronuncia. Prefiro assim, minha raiva está crescendo a cada segundo e não quero ter que explodir e descontar em uma das duas. Minha mente da voltas e mais voltas, tentando entender o motivo de ele ter feito isso, ter agido dessa forma.
Eu sei muito bem que eu também não sou nada correta, muito menos tenho direito de ficar como estou agora. Sei bem o que fiz de errado e o quão longe eu fui com Brian, e que sou uma hipócrita por estar irritada e querendo explodir agora, mas... Eu me irrito.
Ele desapareceu por dias, ficava online e só me ignorou por todo esse tempo, pra quando eu finalmente ter alguma notícia dele, ser por uma colega que ele deu em cima ainda hoje.
Precisamos ter uma longa e séria conversa, uma que duvido que vá acabar bem.
Além disso, existe outro ponto. Letícia.
Ela me vem do nada comentar sobre isso, e apenas me entrega uma conversa com meu namorado. Durante toda a conversa suas mensagens se mostraram neutras, ela não cedeu em nenhum momento, mas talvez tudo isso seja só para tirar o pescoço dela do problema, por já ter alguma culpa anterior. Como posso confiar em Letícia?
Como posso acreditar na verdade dela, se meu namorado, a pessoa quem eu mais confiava, traiu minha confiança da forma que fez?
Olho novamente para as garotas, elas se mantêm caladas. Tenho que dizer alguma coisa, mas o que posso dizer. Respiro fundo e fecho os olhos, buscando ao máximo a calma interior que ainda pode existir em mim. – Agradeço por ter me mostrado isso...
- Desculpa se não te falei na hora... Mas eu tinha que te mostrar isso, é seu namorado. – Olho para Letícia de cima a baixo, tentando acreditar no que ela diz. É difícil acreditar em suas palavras, ainda mais pela raiva que estou sentindo.
- Não falaremos sobre isso. – Respondo ríspida, abaixando meu olhar tomado pela fúria. Eu devo me controlar, pensar direito. Minha mente está viajando por qual das várias formas diferentes vou querer xingar Ricardo primeiro, ou se esqueço a delicadeza e acerto um soco em seu rosto logo na primeira oportunidade. Independente de como seja, eu farei algo – Eu vou me resolver com Ricardo.
- Clara, primeiro respira. – Marina diz pousando suas mãos em meus ombros. Ela para a minha frente, me sacudindo levemente – Se acalma antes de fazer qualquer coisa, e então você tira essa história toda a limpo.
- Como?! – Não contenho minha irritação e espontaneidade na voz. Respondi tão de imediato que minha melhor amiga ergue as sobrancelhas e recua um pouco seu corpo – Já fazem dias que ele não fala comigo Marina, não da notícias. Quando sei de alguma coisa dele, é logo isso?
Marina abaixa seu olhar, sua expressão entrega que ela não sabe o que me falar. Acho até que ela também se sente mal sobre o que Ricardo fez e está tão surpresa quanto eu. Afinal, ela é muito amiga de Ricardo, e acho que ver cada mensagem e cada foto enviada deve ter impactado.
Minha melhor amiga recua mais um passo, retirando suas mãos dos meus ombros.
- Se não se importam, eu quero ficar um pouco sozinha... – Digo, me afastando sem deixar de olhar para elas – Quero andar e esfriar a cabeça.
- Tudo bem... – Marina diz com pesar. Ela da sinal que quer me impedir, mas se contém. Minha melhor amiga me observa. – Para onde pensa ir?
Dou de ombros – Não sei... Acho que pegar o metrô e ficar andando por ai, passeando pelas estações, olhando as pessoas passando, até conseguir me acalmar.
- Tudo bem... Se cuide. – Ela diz, sem sair do lugar. – Qualquer coisa, manda uma mensagem.
Aceno e me afasto em passos rápidos delas, seguindo em direção à estação do metrô. Não disse mais nada a Letícia, acho que se falasse, seria uma chuva de insultos bem desagradáveis.
Não tenho a menor ideia se ela é culpada ou inocente nisso tudo, por isso eu não quero correr o risco de descontar toda a minha raiva em alguém que pode ser totalmente inocente. Caso ela seja inocente e não tenha provocado nada disso, eu irei agradecer de coração a sinceridade dela comigo, mas caso ela seja culpada e tenha buscado Ricardo primeiro, não serei a pessoa mais amigável em relação a ela.
Pensar em tudo isso agora não vai me adiantar de nada, talvez eu acabe pensando coisa que não existe, ou qualquer coisa que vai me irritar ainda mais, e com certeza não quero isso. Preciso relaxar de alguma forma, e andar vai ser a melhor maneira de fazer isso.
Saio do trem e caminho apressada pela plataforma, subindo mais um lance de escadas buscando trocar de linha. Nem sei o quanto que andei de metrô e trem hoje... Bom, na verdade eu sei e muito bem.
Meu passeio foi quase por um arco íris de tantas linhas que passei. Primeiro a linha lilás, depois a esmeralda, seguido pela linha amarela, linha azul, vermelha, turquesa, e agora na transferência para a linha verde. Não é exagero falar que dei quase uma volta em São Paulo.
Mas independente disso, ainda não me sinto totalmente satisfeita, nem tão calma assim. Essa história do Ricardo me afetou demais, mesmo eu também não sendo uma santa.
Vejamos, estação Tamanduateí, integração com a linha verde. Daqui consigo voltar para casa sem dar tantas voltas. Nunca vim aqui, mas é bom para conhecer um novo lugar. Caminho pela estação, desviando das pessoas passando não muito apressadas nesse horário. Vou seguindo as placas que indicam o sentido da Vila Madalena, rumando até o metrô, e mais um passeio vai ser iniciado.
Escuto o toque do meu celular no bolso do shorts, e de cara não reconheço o número.
- Número desconhecido? – Balbucio a mim mesma. Termino de subir as escadas e encontrando com uma bela vista da estação para uma minúscula parte da cidade. Apoio meu braço no concreto, olhando meu celular, cogitando se atendo ou não.
Decido por atender e já levo ao ouvido – Escuta aqui garota, onde raios você se enfiou?!
Pisco algumas vezes com a voz raivosa, olhando novamente para meu celular. – Brian?
- Eu mesmo. – Ele bufa do outro lado.
- Como conseguiu meu número?! – Ergo uma sobrancelha, concentrando meu olhar na vista, vendo um trem se aproximando ao longe.
- Peguei com a Marina. – Ele diz bravo, dando um momento de silêncio onde posso escutar ele respirando fundo – Fui a sua casa e você não estava. Liguei para a Marina, tudo que ela sabia era que "a Clara está andando por aí".
- E ai, você pediu meu número? – Indago, já sabendo a resposta.
- Sim. Mais ou menos isso. – Ele diz, e surge um novo momento de silêncio. – Onde você está?
Hesito um segundo, tanto por me perder na vista da cidade, quando por responder meu guardião. – Tamanduateí.
- A estação de metrô? – Assinto como se ele enxergasse minha reação – Você foi parar meio longe, não acha garota?
- Um pouco. – Suspiro baixando o olhar, com todas as imagens que vi retornando a minha imaginação como estacas – Eu precisava de um tempo.
Novamente silêncio. Imagino que ele vá desligar na minha cara, mas permanecemos da forma que estamos. – Está tudo bem?
Me surpreendo com essa pergunta tão repentina. – Acho que sim... Já tive dias melhores.
- Quer conversar sobre o que te incomoda? – Ele diz quase de imediato.
- Não se incomode com isso... – Suspiro novamente, olhando para trás vendo o metrô parando na plataforma, e várias pessoas se reunindo nas portas – Está bravo por eu ter sumido?
- Estou preocupado por você ter sumido. É diferente. – Ele diz, e acabo dando um sorriso tímido com sua preocupação.
- Está tudo bem... Logo irei para casa. – Digo, pegando uma mecha do meu cabelo entre os dedos, sem tirar meus olhos da vista a minha frente.
- Tudo bem... – Ele diz em um tom mais calmo – Se quiser conversar sobre o que está te incomodando, estou por aqui.
Respiro fundo, assentindo novamente – Certo. Obrigada...
- Não precisa agradecer... Nós precisamos falar sobre algo. Mas isso fica pra depois, até você estar um pouco melhor. – Ele diz, o que atrai minha curiosidade.
- Começou, agora termina. – Digo com um sorriso.
- Não é algo que da para falar por telefone. – Minha mente começa a vagar sobre o que pode ser, mas não importa o quanto eu pense, não descubro o que é – Até por que isso fui a sua casa.
- Você sempre vai a minha casa... Ou melhor, a minha rua. – Corrijo a mim mesma.
Ouço ele suspirando profundamente, o que me arranca um riso – Você entendeu garota!
- Ta bem, então queria falar pessoalmente. – Digo, endireitando minha postura, andando em direção à plataforma.
- Quando puder, conversamos disso. – Ele comenta calmo.
- Hoje mesmo! – Digo com firmeza na voz. – Já estou indo para casa, andei bastante hoje.
Ouço ele rindo – Tudo bem então... Te encontro na sua casa? – Questiona.
Nego balançando a cabeça, novamente achando que ele consegue me ver – Me encontre na estação Campo Limpo, especificamente na passarela que leva ao shopping. Será mais rápido.
- Certo, estarei te esperando por lá. – Diz calmamente, e um novo silêncio – Cuide-se no caminho garota.
Dou um novo sorriso, desligando o celular e guardando novamente no bolso. Respiro fundo, aguardando o próximo metro chegar.
Fico ansiosa, tanto por saber o que Brian quer falar comigo, como também por precisar aguentar a ar estranho da linha verde. Será um longo caminho até chegar até o meu guardião, mas algo me diz que valerá a pena.
A rota de volta para casa foi bem mais tranquilo do que esperei. O caminho pela linha verde até a lilás foi extremamente rápido, em menos de quarenta minutos cheguei à estação que combinei com Brian.
Estou descendo agora as escadas, distraída com o número de pessoas passando. Todas parecem tão estressadas, imagino qual tipo de problemas todas essas pessoas escondem atrás dessas expressões irritadas.
Sigo o caminho rumo a passarela e tomo a escadaria, e logo na saída das escadas percebo Brian encostado no corrimão, concentrado na leitura de um livro que tem consigo.
Aproximo-me em passos curtos, o olhando em cada detalhe. Como sempre, bem vestido em um terno preto tão semelhante a um empresário.
Acho que mesmo se ele tentasse ser discreto algum dia da sua vida, iria falhar miseravelmente.
- Demorei? – Digo assim que chego perto, levando as mãos atrás do corpo.
- Não muito. – Ele diz, fechando o livro e o levando para debaixo do braço, me observando.
- Qual o assunto que queria falar? – Digo sem rodeios, afinal, ele atraiu minha curiosidade de tal forma que parei de rodar pela cidade só para descobrir o tal assunto.
- Venha comigo... – Ele diz, afastando-se do corrimão e caminhando sentido ao shopping. Sem entender eu o sigo. A realidade é que eu preferia que ele falasse de uma vez, mas se eu fazer um chilique, duvido que ele fale.
Caminhamos alguns momentos, saindo no estacionamento do shopping e não muito longe já consigo avistar seu carro. Assim que nos aproximamos, ele abre sua porta e pega uma pequena pasta, se voltando novamente para mim.
Meu guardião olha a pasta como se confirmasse algo, e a estende em minha direção.
Pisco algumas vezes, olhando dele para a pasta. – O que é isso? – Indago, pegando a pasta relutantemente e olhando o conteúdo dela.
São algumas folhas com alguns pequenos textos escritos, e em outras estão alguns símbolos que parecem ter sido pintados a nanquim.
- Você é uma pessoa que gosta de não depender de ninguém, e prefere ter o controle de toda a situação, não é? – Ele comenta, levando as mãos aos bolsos – Digamos que isso é uma forma de você ter um pouco mais de independência contra a entidade.
Olho das folhas a ele, erguendo uma sobrancelha. Eu entendi, mas ao mesmo tempo não sei se entendi o que ele quis dizer com isso.
- Em outras palavras... – Ele volta a falar, provavelmente por ver minha confusão – São feitiços rúnicos, para você ter mais controle caso a entidade apareça... Terá mais opções, além do seu colar de proteção.
Volto a olhar para cada uma das folhas, agora as vendo como objetos inestimáveis. Olho para cada símbolo tentando interpretar eles, mas a primeiro momento não consigo. Independente disso, me sinto animada com o que Brian acabou de me dar.
- Era isso que queria conversar comigo? – Questiono sorrindo mais.
- Sim, eu passei a manhã inteira estudando e tentando criar elas de forma efetiva. – Ele passa a mão pelo queixo. – Por já sabermos como a entidade funciona, resolvi estudar formas para você se defender e também atacar.... E não são só com os seres sobrenaturais, habilidades rúnicas podem ser usadas em outros casos.
- Obrigada! – Digo em um sorriso, avançando e dando um abraço forte no meu guardião. Não sei por que fiz isso, se foi por agradecimento, pela empolgação, ou por que eu me sinto atraída por ele, mas não ligo. Eu o olho e dou um largo sorriso o vendo sem jeito pela minha reação.
- Não precisa me agradecer... – Ele diz, afagando minha cabeça – Eles são feitiços relativamente fortes se ver a simplicidade para serem executados, mas precisam que as runas estejam presentes para que funcionem bem. Trate de estudar bem as instruções para aprendê-los.
Contenho um riso, olhando novamente para as folhas – Não vai me ensinar a usar?
- Claro que não. – Ele diz dando de ombros e me da uma risada debochada. – Já consegui encontrar essas nos livros e redesenhei todas sem falar que testei, aprender é com você garota.
- Você é irritante! – Digo fazendo careta, me encostando ao seu lado no carro.
- Não sou, só é divertido te irritar. Sua cara é impagável. – Ele me olha de canto.
Dou um suspiro, balançando a cabeça negativamente – Só vou perdoar por você ter pesquisado isso tudo para mim...
- Você sabe que pesquisei tudo isso para você ficar menos presa a mim, não é? – Ele comenta calmo, e ergo as sobrancelhas – E o contrário também é verdade. Aprendendo isso, você ficará um pouco mais tranquila para fazer suas coisas, sem a preocupação de eu estar por perto... E eu também poderei me desprender de você.
Abaixo um pouco o olhar, tentando processar essa última informação – Pesquisou tudo por esse motivo? Para não ficar "preso" a mim?
- Mais ou menos isso... Acho que sim, da pra resumir dessa forma. – Brian me observa – Veja bem, a situação é favorável a você tanto quando é a mim. Poderá sair à vontade com seu namorado e amigos, sem o risco de eu estar te seguindo, e também terá uma chance de se defender. Não estarei por perto, e você não terá situações constrangedoras por minha culpa. É vantajoso, não acha?
Ele fez tudo apenas para ficar longe de mim? Diz que é para eu ter autonomia e poder me defender, mas a verdade é para me manter longe dele? É isso, eu entendi direito?
Aperto os dentes e desvio o olhar ao chão, ajeitando tudo novamente na pasta e a deixando debaixo do braço. – Talvez não seja isso que eu queira... – Sussurro para mim mesma, soltando um pesaroso suspiro.
- Disse algo? – Ele questiona.
Nego balançando a cabeça, me afastando do carro – Não... Se não se importa, eu irei para casa.
- Quer uma carona? – Sua voz parece tão distante para mim agora.
- Não... Você sabe, minha casa fica a poucas ruas daqui do shopping, então irei a pé mesmo. Preciso ficar mais um pouco sozinha. – Digo, me virando e afastando do meu guardião, sem me importar com qualquer nova coisa que ele possa ter dito.
Respiro fundo, andando em passos largos para longe deste lugar e principalmente para longe dele, sentindo meu peito queimar mais e mais a cada passo.
Cada vez que penso que finalmente estamos ficando próximos, um de nós faz ou fala alguma coisa suficiente para me fazer entender que não existe nenhum avanço. Parece que Brian não quer que eu fique por perto de forma alguma, e faz algo para me afastar.
E pelo visto, ele não entendeu que ficar longe dele é algo que simplesmente não quero. Toda vez que seu penso nele, sinto vontade de estar perto. Apesar de ele ser complicado e vivermos com esses desentendimentos, minha vontade parece ser de ficar perto dele a cada dia.
- Isso me faz lembrar... – Ouço a voz de Brian novamente. Olho por cima do ombro, o vendo bem mais próximo do que estava esperando e inevitavelmente me assustando – Algo estava te incomodando, e ainda não perguntei o que é. Qual o problema?
Fico estática olhando para ele. Tanto pelo susto de sua aproximação silenciosa, seu olhar sério em mim, e principalmente por ele resolver perguntar.
- Não é nada... – Digo desviando meus olhos para o lado. Nesse momento não é apenas uma coisa que me incomoda. É tanto as ações do Ricardo, quanto o que acabei de ouvir do meu guardião por querer me manter longe. – São só problemas pessoais...
- Problemas que fizeram você ir parar do outro lado da cidade? – Suas sobrancelhas se erguem.
- Eu gosto de andar sozinha para me desestressar... – Digo simplesmente.
- Eu sei, você me mostrou isso... – Ele diz em um tom calmo – É por esse motivo que aquela estação do metrô bem ali está em reformas hoje.
Reviro os olhos com sua resposta, tendo que tocar justamente nesse ponto.
- Me diga, e gostaria que fosse sincera agora... Foi algo que fiz? – Ele insiste em falar, chegando perto. Seu olhar se encontra com o meu – Você parecia até bem quando me encontrou na passarela... Mas depois de falar comigo, acabou mudando drasticamente.
Cruzo meus braços e volto a olhar para ele. – Percebeu que me irritou?
- Que irritei do jeito ruim? – Ergo bem as sobrancelhas em resposta – É, eu percebi. Sabe, você estava diferente da Ana Clara que conversei mais cedo. Pela ligação, sua voz estava desanimada, e assim que chegou, você estava bem mais animada.
Sei que minha expressão carrega novamente minha surpresa. Ele reparou nisso, no meu tom de voz de mais cedo e comparou com agora. Percebeu que meu humor estava realmente um pouco melhor. Ele esteve mesmo prestando atenção em mim?
- E logo depois de conversar comigo, pareceu que havia voltado ao que era antes. Sua voz voltou ao desânimo... – Ele faz uma pausa, retomando o ar – Foi algo que falei, não é?
Assinto balançando a cabeça – Foi aparentar que quer me manter longe. – Digo bufando.
Ele da um sorriso sincero – Pareceu que eu quis dizer isso garota?
Permaneço em silêncio, vendo como ele analisa meu rosto.
- Vou considerar esse silêncio como um sim. – Ele respira fundo – Certo, vou te explicar melhor minha intenção. Não foi no sentido de fazer você ficar longe, mas sim de você poder se cuidar melhor por si só.
- Você já disse isso, antes de dar a entender que me queria longe. – Digo, sentindo uma mágoa que eu não gostaria. Deveria reprimir esse sentimento, mas não consigo.
- Você ainda não entendeu. – Ele sorri ainda mais – Você já me mostrou que não gosta de ser dependente e uma "mocinha indefesa", a verdade é que prefere se resolver sozinha. Em uma situação que outras pessoas tentariam correr, se encolher ou chorar de medo, você tentou lidar com o problema sem ajuda... Além que você mostra valorizar sua liberdade.
- E foi por esse motivo que me deu isso? – Digo em um sussurro, sem conseguir olhar para ele.
- Não só isso Clara. – Ele olha para a pasta embaixo do meu braço, e então para mim – Te dei as runas para que você não precise ficar dependendo de mim ou da minha presença, e principalmente para que seja mais forte do que já é hoje. Sabe... Eu admiro você por isso.
Por algum motivo, essas palavras batem em mim. Atravessam meu corpo em uma estranha sensação. A confusão em meu peito desaparece por inteira, e finalmente sinto que posso respirar com algum alívio.
- No começo achei que você não passava de uma garota chata, irritante, insuportável, e talvez até mimada e chorona que só me daria dor de cabeça... – Ele ergue as sobrancelhas, desviando o olhar – Bom, ainda não mudei muito minha opinião sobre ser chata, mas creio estar enganado por ter te enxergado dessa maneira. Acredito que se tivesse só um pouco mais de poder, você seria capaz de virar sozinha contra a entidade...
Brian se afasta de mim, me deixando em um êxtase por suas palavras de agora. Uma nova confusão passa por mim, mas diferente da anterior. Agora não é nada nocivo, eu me sinto bem de uma forma que percorre minha essência por inteira.
- Acha mesmo isso de mim? – Digo, olhando para ele por cima do ombro.
- Acho. Me faça ter certeza. – Ele diz, sem se virar para mim – E você conseguirá aprender sozinha, como já disse antes... Você é esperta.
Balanço a cabeça concordando – Essas runas não te farão falta?
- Não se preocupe... Tenho memória fotográfica, tenho em mente o formato de cada uma delas e consigo usar seu poder sem estarem presentes. – Ele sorri de canto – E agora, as runas estarão em melhor uso com você.
Vejo meu guardião se afastando em passos lentos, e dou um suspiro sozinha. Porém dessa vez, me vejo com um sorriso bobo no rosto. Me pergunto como ele consegue ter esses efeitos em mim, me deixando para baixo, e depois me levantando assim.
E ele realmente me deixou sozinha para aprender a usar esses tais feitiços rúnicos, que por detalhe, não tenho a menor ideia de como usar ou qual o resultado que eu posso atingir. Ele fez parecer como a coisa mais fácil do mundo.
Tenho vontade de rir só de imaginar a dor de cabeça que irei ter para aprender essas coisas.
Acho que por hoje, já andei demais pela cidade, hora de voltar para casa. Novamente, me sinto um pouco melhor, mesmo com tantas coisas acontecendo em tão poucas horas.
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