Capítulo 16 - O cara do casaco
7304 Palavras
As coisas com Brian ficaram muito estranhas, e não parece que nada faz isso desaparecer. Já fazem quase três dias desde que aquilo tudo aconteceu em casa, por mais que não tenha acontecido nada de fato... Bom, eu acho.
Toda vez que ele está presente, seus olhos sequer focam em mim. Ele permanece lendo sem parar, carregando uma expressão séria em seu rosto, e não me dirige a palavra. Eu gostaria de falar com ele e resolver qualquer que seja o problema, mas também tenho outras coisas para fazer. Por isso, aproveitei todo esse tempo e me dediquei apenas em estudar.
E graças a algum milagre divino, a entidade não apareceu já fazem bons dias.
Pude ter ótimas noites de sono, descansar da forma como eu gostaria sem ter nenhum tipo de pesadelo maluco. Estudar tranquila e adiantar projetos com todos... O único ponto que não consegui me resolver foi com Ricardo. Ele não me respondeu de nenhuma das mensagens, apesar de várias vezes aparecer on-line.
Se ele pensa que vou atrás dele, está enganado.
- Aquele carro fica ali todos os dias... – Ouço meu pai no outro sofá. Seu tom entrega como está preocupado. Olho para ele, apesar de estar com o celular em mãos, olha em direção da janela.
- Os vizinhos estão inquietos com isso... – Agora é minha mãe quem diz, esfregando uma mão pelo rosto impaciente. Ela está encostada no meu pai, mas sua atenção quase por inteira está na televisão – Mas ninguém deve imaginar que é parente de alguém daqui da rua.
- Ninguém nunca viu quem é o dono daquele carro preto... Mas ele sempre para aqui perto de casa. – Meu pai continua preocupado, olhando em minha direção. Eu tenho vontade de rir da bagunça que Brian está causando sem saber, mas me limito a um sorriso.
- Se está tão preocupado, uma ligação para a polícia resolveria amor. – Vejo a mamãe dando de ombros, sem parar de olhar para a televisão.
Dou um sorriso maior, lançando minhas pernas para fora do sofá e me levantando, calçando os chinelos e caminhando rumo a porta – Deixem que eu resolvo isso. – Digo tranquila.
- Como assim filha? – Meu pai tenta levantar, mas com minha mãe praticamente deitada em cima dele, sua tentativa não da certo.
Dou uma risada vendo sua reação, dando um aceno – Só confie em mim pai.
Antes que qualquer um dos dois diga algo, saio de casa e vou caminhando até localizar o carro de Brian. A cada passo, sinto mais e mais calor. Ultimamente está extremamente abafado, mesmo em meio a madrugada, o calor é imenso.
Conforme me aproximo, penso se ele vai me ignorar como tem feito nos últimos dias, ou se dessa vez irá falar comigo. Tentar não faz mal nenhum, e se for educada não for o bastante para começarmos uma conversa, só preciso chutar o pneu do carro que Brian dará as caras.
Paro bem ao lado da porta do condutor e dou umas leves batidas no vidro, e aguardo alguns segundos. Fico esperando que ele abaixe a janela do carro e esteja me olhando como se fosse um mafioso, mas não é isso que acontece. O vidro não se move, nem a porta é aberta. Ele está me ignorando, como imaginei.
Hora de chutar o pneu do seu querido carro.
Dou meu melhor sorriso, dando alguns passos e olhando, passando a ponta dos meus dedos pelo veículo, e sem hesitar mais dou um golpe no pneu sem nem tentar fazer força. E não satisfeita com minha tentativa, levo minhas mãos ao capô, fazendo de apoio e me sentando com tudo sobre o carro, um pouco desajeitada, mas com certeza efetiva. O carro até balança de leve com o que fiz de forma tão repentina.
Não da nem um segundo de espera, e a porta é aberta. Brian sai lentamente respirando fundo, com uma cara de poucos amigos. Sorrio com isso, de fato consegui sua atenção.
- Você está chamando muita atenção, sabia disso? – Digo sem rodeios, apoiando as mãos sobre o carro e cruzando as pernas, sem deixar meu sorriso.
O homem para a minha frente, cruzando seus braços sem mudar a cara fechada – Chamando atenção? De quem mesmo?
Dou uma curta risada de deboche, pegando uma mecha do meu cabelo entre os dedos, porém sem deixar de me divertir de sua reação – Da rua inteira? Percebeu que você não é exatamente a pessoa mais discreta por aqui?
Ele revira seus olhos, cruzando seus braços – E isso foi motivo de chutar meu carro?
Ergo os ombros fingindo inocência – Chutei o pneu como disse que faria... E eu até tentei se educada, te chamei pelo vidro... Mas como você não quis colaborar, só usei seu ponto fraco a meu favor. – Digo, dando leves tapas no capô do carro. Os olhos do homem a minha frente passam das minhas mãos aos meus olhos como se me analisasse em cada mínimo movimento.
- Filha? – Ouço a voz do meu pai, e tanto eu quanto Brian olhamos para ele. Meu pai está um pouco ofegante, ele realmente veio correndo?
Independente disso, ele me olha sem entender absolutamente nada.
- Oi pai, esse aqui é o motivo das preocupações da rua. – Digo com um sorriso descontraído, estendendo a mão em direção. – Esse é o Brian, um... Antigo colega de escola.
Meu pai cerra o olhar por alguns segundos – Colega de escola? Por que não nos apresentou ele antes...?
- É que... – Brian começa a falar passando um dedo pela gola da camisa, e com o canto dos olhos percebo ele vacilante – Este lugar é calmo e consigo estudar sem incômodos, e apesar de saber que a Clara mora por aqui... Sou um pouco tímido. Não sabia bem como aparecer...
- E como resultado, assustou toda a rua. – Provoco, o fazendo torcer levemente a boca.
- Um defeito que não superei desde meus tempos de escola... – Ele diz suspirando, levando as mãos aos bolsos. – Não era minha intenção causar um "desespero generalizado".
Meu pai continua analisando Brian. Não acho que ele acreditou tanto nessa história, mas pelo menos toda sua expressão preocupada se aliviou bastante. Ele balança a cabeça, um pouco relutante – Certo... Se eu amigo quiser entrar... Tomar um café...
- Acho que irei aceitar... – Brian diz, estendendo uma mão em minha direção, com certeza uma tentativa de me fazer sair de cima de seu carro. Sorrio satisfeita e aceito seu convite, voltando meus pés ao chão.
Eu conheço bem meu pai, essa é praticamente uma isca para conseguir descobrir mais sobre os rapazes que converso. Sempre foi assim desde a escola, e Brian mordeu essa isca.
Meu pai segue em frente, e ouço Brian travando as portas. Aguardo até que ele esteja bem ao meu lado e acompanho seu passo – Resolveu entrar hoje também? – Sussurro.
- Estou apresentável... – Ele da de ombros. – E é melhor isso do que acabar tendo uma dor de cabeça por algum mal-entendido... É sério que a rua toda se incomodou?
- Mais ou menos... Minha mãe deu a ideia de ligar para a polícia. – Quero rir, mas me seguro e apenas dou de ombros – Sabe que vai precisar responder mil coisas, não é? – Questiono sorrindo.
- Imaginei... – Ele suspira com uma expressão de tédio estampada no rosto, e esfrega uma mão no rosto lentamente. – Seu namorado está por ai? Não quero causar novos problemas para você...
Abaixo um pouco o olhar – Relaxa, ele não deu as caras desde aquele dia.
- Já causei problemas... – Ele sussurra, já estamos bem perto de casa.
- Não se preocupe com isso. Eu me resolvo com Ricardo uma outra hora. – O olho de soslaio, querendo saber qual sua reação, mas ele se mantém neutro.
Entramos em casa, meu pai continua quieto, analisando tudo em mínimos detalhes. Passamos por ele e seguimos até a sala, onde sua mãe vira seus olhos em nossa direção assumindo uma expressão surpresa. Ela analisa meu guardião de cima a baixo por algumas vezes, acho que impressionada pelo porte do homem a sua frente.
- E você é...? – Ela diz, erguendo uma sobrancelha.
- Um antigo colega de escola... Se chama Brian – Comento, sinalizando para que Brian se sente e assim ele faz.
Brian se acomoda no sofá e o acompanho, ficando ao seu lado. Minha mãe olha dele para mim por algumas vezes. É nessas horas que acho ótimo ter dois sofás na sala, mas o fato de ficarem um de frente para o outro não ajuda muito. Meu pai para ao lado da minha mãe, sussurra algo e vai para a cozinha.
Justamente esse sofá, o mesmo que tudo aquilo aconteceu. Será que ele ainda se lembra do que quase fizemos nesse sofá, ou pensou nisso alguma vez desde que aconteceu?
- Engraçado Brian... Não me lembro de você. – Minha mãe diz desconfiada.
- Eu era alguns anos mais velho... – Ele comenta com seu tom de voz um pouco contido. Seu olhar corre de um lado ao outro, e logo se encontra com o meu. Por mais que a situação seja meio maluca, eu estou me divertindo. – Minha convivência com a Clara era restrita aos intervalos de aula e em alguns projetos culturais. Eram os momentos que mais interagiamos.
- Ai nunca apresentei ele aqui em casa. – Digo tranquila, olhando para ele de canto.
Minha mãe balança a cabeça, se levantando do sofá e seguindo para a cozinha sem dizer mais nada. Nesse momento Brian olha para mim sem entender nada.
- Achei que teriam mais perguntas. – Diz saltando as sobrancelhas.
- Achou certo. Isso foi só o aperitivo, eles estão preparando seu interrogatório. – Eu dou risadas, me encostando no sofá. – Só espera meu querido.
Ele me observa, apoiando os cotovelos nas pernas – Aderiu mesmo à história de termos estudado juntos. – Ele diz em um sussurro.
- Bem melhor do que falar que você é um cara que lida com coisas sobrenaturais. – Digo no mesmo tom de voz. – Não queria mentir para meus pais, mas sua história é mais aceitável.
Ele concorda balançando a cabeça. – É um bom argumento... Aliás, mais tarde iremos nos encontrar com Ferdinand.
Ergo uma sobrancelha – Novidades?
- Para ele sim, tenho que contar tudo que descobrimos até agora. – Ele vira seus olhos a mim.
Penso em dizer qualquer coisa, mas ouço meu pai nos chamando da cozinha. Dou um suspiro, me levantando do sofá – Preparado para a segunda rodada de perguntas?
- Não, mas acredito que não tenho uma escolha. – Ele se levanta, e faço um gesto para que ele vá na frente, e logo o acompanho.
Isso será divertido de se assistir.
Saí de casa aos risos com todas as perguntas que meus pais fizeram e por cada reação que Brian teve. Perguntas que foram desde a faculdade, trabalho, até se prefere cachorro ou gato, e principalmente para explicar o porquê de sempre está em frente de casa. Pela cara que meu guardião esteve fazendo, acho que ele nunca precisou passar por isso antes.
Fiquei com um pouco de pena de como ele estava encurralado, então usei a desculpa de uma carona até a Letícia para que ele pudesse escapar, e meus pais não insistiram mais. Na verdade, é até bom que eu não esteja em casa. Prefiro adiar o assunto "Brian" com meus pais.
Apesar que não foi de todo mal, pude descobrir algumas coisas sobre ele, tipo sua preferência por gatos, que sonhava estudar arquitetura, ou engenharia mecânica por ter os mesmos gostos que o pai em relação a carros, se é comprometido ou se já foi, coisa que ele foi bem evasivo... Eu queria saber mais, pena que tudo que Brian disse não foi muito aprofundado.
Enfim, eu imaginei que as coisas estariam consertadas entre nós, mas quando entramos no carro, o clima estranho retornou. Até puxei conversa, mas apesar de me responder prontamente, seu tom estava tão neutro que perdi a vontade de falar qualquer coisa.
O carro para em frente a uma casa com muros altos e muitas plantas trepadeiras montando a decoração. Os portões são fechados e me impedem de ver o que mais existe dentro. Passo os olhos em volta, a rua não é das mais calmas, mas definitivamente seria um lugar que eu escolheria para morar.
Observo Brian se desprendendo do cinto e pegando um envelope de cor branca e confirma seu conteúdo, assim saindo do carro. Suspiro por seu silencio, e também saio.
Algumas pessoas estão paradas em frente de suas casas vestidos em poucas roupas e muitas latas de cerveja. Crianças correm de um lado ao outro brincando com uma bola plástica, que nem notam a nossa presença.
Volto meus olhos para meu guardião, que está metralhando o botão da campainha incontáveis vezes e sequer olha para o portão. Junto às sobrancelhas assistindo essa cena sem entender nada. Imagino que, se eu estou me incomodando só vendo isso, quem quer que more nessa casa deve estar maluca com a campainha tocando sem parar.
Ouço passos apressados do lado de dentro, o som de um molho de chaves na tranca e o portão sendo aberto de forma ruidosa de uma vez. Um Ferdinand com camiseta de mangas longas, luvas bermudão, chinelo e óculos, roupas bem mais descontraídas do que estou acostumada a ver, nos recebe com uma expressão bem irritada.
- Ele ama quando faço isso. – Brian diz olhando em minha direção com um sorriso de canto.
- É... Estou vendo – Comento olhando de Ferdinand para Brian algumas vezes. – Com certeza ele quer te dar um belo abraço de agradecimento.
A cara séria de Ferdinand se desmancha de um segundo ao outro, e ele solta uma gargalhada de pura diversão junto de Brian. Não consigo me segurar e começo a rir junto deles. Esses dois se parecem com dois garotos presos em corpos adultos.
Se recuperando de seu riso, Ferdinand endireita sua postura e nos observa – Certo, o que vocês dois desejam?
- Passar algumas coisas que descobri. – Meu guardião se pronuncia.
- Logo hoje que eu não trabalho? – Ferdinand ergue as sobrancelhas, e Brian faz um gesto positivo – Você é muito chato. Vamos, entrem, só não reparem a bagunça ou minha visita.
Ele nos da espaço, e assim entramos. Algo me deixa pensativa, o que me faz voltar meu olhar para o anfitrião. O dia está quente até demais, estou sentindo meu corpo suando, e até Brian está com seu casaco cinza em mãos e alguns botões de sua camisa abertos, então por que Ferdinand estaria utilizando uma camiseta quente como essas e luvas em casa?
Ignoro isso e volto meus olhos para frente, estou pensando demais em coisas que não tem uma relevância agora.
A casa de Ferdinand é menor do que eu esperava, pelo menos na frente. A garagem tem espaço apenas para alguns poucos vasos e uma moto, com um milagre caberia um carro aqui, um corredor não muito extenso e a porta que já da na sala. Não sei se a casa é extensa, mas tem dois andares, isso é de se pensar.
Brian segue na frente e o acompanho, atenta aos sons dos portões sendo trancados atrás de mim. Entramos na casa, vendo uma sala levemente bagunçada. Livros e mais livros espalhados sobre uma mesa de centro, acompanhados de algumas folhas rabiscadas e também alguns desenhos que não me importo em ver.
Em um dos sofás, vejo uma garota que deve ter seus 19 anos. Analiso-a por alguns segundos, tem cabelos castanhos e ondulados caindo em volta de seu rosto e pelas costas, uma pele clara, sardas em seu rosto e usa um óculos. Suas roupas se resumem em um jeans azul claro com alguns rasgos repicados pelas coxas e joelhos, uma camiseta regata escura com muito decote, uma camisa formal azul marinho, e tênis brancos surrados, quase como uma skatista.
Ela está olhando atentamente para um livro em sua mão, e sobre suas pernas tem uma folha com algo rabiscado. Acho que nem notou a minha presença e a de Brian.
De um segundo ao outro, ela ergue seu olhar surpreso para nós. Só agora percebo o tom de caramelo nos olhos dela. – Lembram que mencionei uma visita? – Ferdinand nos diz, passando pela porta e deixando a chave desajeitadamente sobre um móvel de canto.
A vejo se levantando em um pulo, deixando o livro aberto no sofá de forma caprichosa e nos estendendo uma mão – Prazer, me chamo Tamires.
Meu guardião a cumprimenta, e assume uma postura um pouco pensativa, olhando fixamente para a garota que volta ao sofá, recolhendo várias coisas para si, liberando espaço no sofá para mim e meu guardião – Ah Ferdinand, sobre o assunto que viemos tratar...
- Não precisa se preocupar Brian. – Ferdinand diz, se sentando na mesa de centro e nos indicando os assentos vazios. – Podemos falar por aqui mesmo.
- Certeza? – Brian insiste, enquanto eu ignoro e vou ao sofá, me sentando ao lado dela.
- Claro. Não se contenha. – O psicólogo diz com um largo sorriso.
Vejo Brian hesitando, e dou algumas batidas no sofá o convidando. Ele parece ficar um pouco mais hesitante ao me olhar, porém vem a minha direção e se senta.
- Certo, então... – Brian começa, enquanto estende o envelope para seu superior – Sobre as descobertas que mencionei, algumas são interessantes. Pesquisei algumas coisas em alguns livros, e outras... Clara e eu precisamos testar.
Me recordo do dia que estivemos naquele galpão velho, e principalmente todo o embate que eu presenciei ali. – Claro, me dando esperanças que as coisas acabariam ali. – Digo resmungando.
- Não diga isso Ana Clara, eu te falei que fizemos descobertas importantes. – Brian devolve, virando seus olhos a mim.
- Colocando meu pescoço no meio. – Dou de ombros.
- Foi preciso garota. – Ele devolve, revirando seus olhos respirando fundo – Ta, eu sei que eu enrolei e fiquei brincando, mas serviu para aprendermos coisas sobre a entidade.
- É tão bom ver que estão se dando bem... – Ferdinand ironiza com um sorriso de canto em seu rosto, analisando concentrado as várias folhas que haviam no envelope – Uma criatura superior, aparentemente corrompida, sem nenhuma capacidade sobrenatural aparente...
- É, exatamente isso... – Digo, antes que meu guardião diga qualquer coisa – E por um dos livros, parece que essas coisas são formadas por energia quando não estão dentro do corpo de alguém, então talvez energia sirva para lidar com ele.
- Sabendo disso, talvez algo com essas mesmas propriedades possa afetar a criatura. – Brian completa, mantendo seus olhos em Ferdinand.
Ele deixa de olhar as folhas e nos observa – Que teste vocês fizeram?
- Um tipo de exorcismo. – Brian comenta, recebendo um olhar questionador de Ferdinand – Eu imaginei algo que pudesse retirar a entidade e eliminar ele, e nessa oportunidade tentei descobrir mais do que essas criaturas do abismo são capazes.
- E o que tem a me dizer? – Ferdinand questiona, pendendo seu corpo para frente.
- Não são grande coisa. – Brian da de ombros com um sorriso convencido.
Ouço uma risada vinda do meu lado – Você que pensa... – Ouço a voz sussurrada da garota, o que me faz lembrar que ela está aqui também.
Pela sua reação, suspeito que ela saiba de algumas coisas.
De soslaio olho em direção de Tamires, curiosa com o que ela está vendo com tamanha atenção. O livro em suas mãos não parece velho, tem muitas coisas e algumas imagens, que não entendo de imediato. Olho para uma folha próxima de sua perna, uma que ela parece fazer questão de deixar próxima de si. Percebo se tratar de um desenho.
- Gostei do desenho... – Comento tentando iniciar uma conversa, atraindo seu olhar em minha direção – Você desenha bem.
- Ah, obrigada... – Tamires da um pequeno sorriso, aparentemente sem jeito enquanto deixa o livro sobre sua perna – Mas não fui eu quem desenhou, e sim um amigo que estudou comigo.
- Posso ver? – Digo, olhando fixamente para a folha.
- Claro. – Ela mantém o sorriso, pegando a folha e me entregando.
Tomo a folha em minhas mãos e, apesar dos vários traços espalhados pela folha, à primeira coisa que vejo é a caprichada assinatura no canto da folha – Edan...?
- O nome do meu amigo. Ele assina todos os seus desenhos, coisa de artista sabe? – Observo a garota ao meu lado, ela da de ombros rindo.
Edan... Que nome diferente.
Dou um sorriso com sua reação descontraída, Tamires me parece ser uma pessoa bem amigável.
Meus olhos finalmente vão ao desenho, e de imediato me admiro com a qualidade dos traços e o quão bem feito esse desenho é. A riqueza de detalhes é imensa e o cuidado em cada parte é nítido. Porém após alguns segundos, meu sorriso se desmancha.
Por algum motivo, isso me é estranhamente familiar – Algum problema Ana? – Ela me questiona.
A principio estranho ela saber meu nome, mas me lembro que Brian mencionou meu nome, então isso passa. É estranho ser chamada pelo primeiro nome, mas isso não importa. Não agora, uma outra sensação percorre meu peito, quase me impedindo de respirar.
- Não... Não... – Gaguejo, Olhando dela para a folha em minhas mãos repetidas vezes. – Nada, é que... Eu tenho a impressão de que já vi essa pessoa.
- Espera... O que?! – Ela diz de repente. – Está falando sério?!
O súbito interesse dela acabam me dando um susto. Seus olhos parecem brilhar, unidos a uma intensidade que não sei se já vi em alguém. Brian e Ferdinand pararam seu assunto e nos observam sem entender.
- É só uma impressão... – Digo, olhando novamente para a folha. O desenho mostra um homem jovem de longos cabelos escuros, olhar e sorriso que misturam calma com um atrevimento. Ele veste um longo sobretudo escuro, calça de mesma coloração e sapatos comuns – Mas sim, acho que o vi em uma balada que fui recentemente.
Tamires me olha, e então para o desenho em minhas mãos – Você reconhece o rosto dele?
Balanço a cabeça negando – Não... Não, estava escuro demais, e não pude ver direito... Mas reconheço isso. – Digo tocando a vestimenta dele.
A garota ao meu lado olha atentamente para onde aponto. – É ele...
- O que houve? – Ferdinand questiona.
- Parece que ela já o encontrou. – Ela diz, deixando a folha sobre o sofá novamente. – Aquele quem eu falei mais cedo.
- Do que estão falando? – Brian nos observa. É a mesma coisa que quero saber.
O psicólogo da um suspiro, retirando seu óculos do rosto – Acho que temos algumas explicações para dar aqui. Acontece que Tamires já teve contato com algo parecido com o que estamos lidando aqui.
- Sério? – Questiono voltando a olhar para ela. A garota confirma com um sorriso – Isso é ótimo, foi bom Ferdinand te conhecer.
A garota abre um sorriso, e logo começa a rir – Eu não conhecia o Ferdinand.
Cerro o olhar, e observo o psicólogo – É verdade... Tamires pesquisou algumas coisas, e conseguiu chegar até mim por conta própria. A conheci ontem à tarde saindo do trabalho, ela estava esperando com que eu aparecesse.
Observo a garota – Então é por isso que estava tão normal com o assunto que estávamos tendo?
- Mais ou menos... Ainda acho tudo isso muito maluco. – Ah Tamires, se você soubesse o quanto eu te entendo. Ela desvia seus olhos a Ferdinand – Eu estou pesquisando a respeito dessas coisas. Eu e algumas pessoas que conheço passamos por algumas... Situações... E nessas minhas pesquisas, algumas me fizeram chegar em Ferdinand.
- Que tipo de situações? – Brian pergunta.
- Enquanto eu ainda estava na escola, algumas coisas aconteciam pela cidade que eu morava, e o homem nesse desenho está envolvido. Ele aparecia e desaparecia, e sempre que era visto, eventos estranhos ocorriam com as pessoas. – Ela da um suspiro – Imagens estranhas na mente, sensação de estar sendo observados, uma pressão no ar... Alterações climáticas estranhas e repentinas, como as que tiveram em São Paulo recentemente.
- Suspeitamos que o que aconteceu na capital tenha relação com o que aconteceu na cidade da Tamires, as situações são semelhantes. – Ferdinand observa a garota ao meu lado – E não apenas isso, ela teve contato direto com um dos seres do abismo...
- Eu e alguns amigos, e foram os momentos mais estranhos que já passei. Da mesma forma que aparecia, ele desaparecia, e em todas as vezes parecia que a realidade enlouquecia. – A vejo suspirando. – Ele sempre veste o mesmo casaco negro... Foi por isso que na cidade onde eu morava ele é conhecido como "Cara do casaco".
- Encontrou com criaturas do abismo? – Brian quase se levanta do sofá.
- Criaturas não. – Ela comenta, olhando para cada um de nós – Apenas um. Ele.
Meu guardião se encosta no sofá enquanto eu processo essas informações. Analiso Tamires como consigo, o brilho em seu olhar não mudou, porém ela parece contida ao falar sobre isso.
- Esse mesmo amigo que fez esse desenho foi quem mais teve contato com ele, e me contou algumas coisas sobre esses encontros... – Tamires passa uma mão pelo rosto – Incapacidade de se mexer, a pressão estranha, e um grande par de asas enegrecidas estavam nas descrições.
Um minuto de silêncio se arrasta pela sala. Todos nós trocamos olhares com o que ouvimos. Eu estava certa, Tamires realmente sabia de algo.
- Acho que não é exagero falarmos que, dentre todos nós, você é quem tem mais informações Tamires... – Ferdinand comenta.
- Eu estava ouvindo a conversa, vocês mencionaram "Abismo", certo? – Tamires comenta, se ajeitando no sofá – Eu não sei se ajuda ou se faz sentido, mas em um desses encontros que o Edan teve, ele me disse algo parecido... O cara do casaco falou algo sobre ele ser uma Cria do Abismo. Sabem o que isso significa?
Um choque passa por mim assim que escuto essas palavras.
- Desculpe mas... – Ferdinand começa – Eu não faço ideia do que isso signifique.
- Mas eu sei! – Digo, atraindo os olhares de todos. – "Cria do Abismo" é o nível mais alto dos seres que habitam essa dimensão. Descobrimos isso no mesmo livro que aprendemos mais sobre a coisa presa dentro de mim.
Tamires junta suas mãos em frente ao rosto. Imagino que ela vá dizer mais algo, mas não é isso que acontece. Ela assume um semblante pensativo, e seus olhos se perdem pelo chão.
Começo a pensar mais sobre isso. Tudo que essa garota contou, todas as informações e pistas. Tudo o que ela falou assim, tão de repente. Será mesmo que tudo que aconteceu na cidade nesses últimos dias tem relação a essa tal pessoa que ela disse? Ela realmente teria tido algum contato anterior com alguma das crias, e justamente quem causou tudo isso a cidade?
Até agora não notei um detalhe, se tudo que ela disse hoje for verdade, então eu já estive de frente a uma dessas crias. Alguém que com certeza teria respostas para as minhas perguntas. Muitas respostas sobre essa coisa dentro de mim, informações sobre como resolver, ou talvez até pudesse fazer com que eu voltasse a minha vida normal.
Se na hora eu soubesse quem ele é, eu poderia tentar resolver tudo, voltar a minha vida, longe de tudo isso.
Além das memórias daquele dia na balada, existem outras coisas, parecem outras memórias, semelhantes a um sonho. Mas não importa o quanto eu tente lembrar, eu não consigo. Seu rosto não fica nítido em minha mente, apenas tenho a sensação cada vez mais forte de ter me encontrado com ele.
Percebo algo, meu a pedra do meu colar começou a brilhar de repente, emanando um calor que invade minha pele e percorre meu corpo. Olho em volta, mas ninguém parece ter notado esse brilho repentino.
Parece mesmo que somente eu sou capaz de ver quando esse brilho surge. Cada vez mais aprendo sobre esse colar.
A luz branca se intensifica, e lentamente seu brilho desaparece. Estranho isso, meu colar está reagindo sem nada de fato estar me ameaçando. O que pode estar acontecendo?
- ... Eu te ajudo, e você me ajuda. – Ouço a voz da garota ao meu lado, me arrancando dos meus pensamentos. Ela está com uma mão estendida a Ferdinand, e um sorriso – Temos um acordo?
- Sim, quando mais informações, melhor para ambos. – Agora é o psicólogo quem diz, firmando um cumprimento com Tamires.
- Só quero dar um conselho... – Ela diz em um tom mais sério – Tente falar com sua irmã. Se você ama ela, avise para que não tentar lidar com o cara do casaco sozinha.
- Se eu conseguir falar com ela... Apesar que Amanda não é qualquer coisa, minha irmã sabe se virar... – Ferdinand diz convicto, porém ainda assim tem um olhar preocupado – Mas tentarei avisa-la sobre isso. Com tudo que você me disse, é um risco muito grande para ela.
- Por que o trata dessa forma? – Brian questiona, olhando atentamente para Tamires. Ele não está confiando no que essa garota acabou de nos contar.
Vejo que um novo sorriso surge em seu rosto – Por que ele é um monstro... – Tamires da de ombros.
- Perdoe meu ceticismo quanto a isso, mas não consigo acreditar em tudo que está nos falando. – Meu guardião observa a garota com os olhos apertados, claramente desconfiado.
- Brian! – o Repreendo de imediato.
- Calma, não se preocupe Ana, eu o entendo de verdade... – Tamires comenta sem desfazer seu sorriso. Ela respira fundo, olhando para nós – Sendo sincera, eu também achei que era só uma besteira, admito que ele não parece ser muita coisa a primeira vista... Mas as coisas mudam quando se está de frente com ele.
Olho para meu guardião. Ele não acredita no que Tamires está falando, mas sua atenção nela deixa claro que ele está atento em cada palavra dita. Ele respira fundo, encurvando seu corpo para frente – Ta, quero saber mais. Como foram esses encontros?
- Eles foram mais do mesmo... A maioria aconteceu o mesmo que já falei. – Ela diz, abaixando seu olhar. Brian bufa e desvia seu olhar por um momento – Porém houveram dois em particular, que lembro como se tivessem acontecido ontem. Um deles foi o primeiro encontro, logo depois de eu ter duvidado da existência dele... E o segundo encontro foi diferente de todos.
Cerro meu olhar, ansiosa por saber o que mais essa garota esconde – Diferente como?
Novamente posso ver o brilho de seu olhar, uma empolgação ardente dentro de si, porém misturado a um aparente temor. – Algo semelhante ao que aconteceu com esse meu amigo e a namorada dele... De repente eu acordei em um espaço escuro.
Suas palavras vem a mim em um novo impacto. Um espaço escuro... – Um espaço de pura escuridão... Que não importa o quanto se ande, não existe nada...
- Nada além de um chão branco coberto com água, e um irritante gotejar distante. – Tamires completa, e confirmo em um balançar de cabeça – Já esteve lá, não é?
- Já... – Admito abaixando o olhar ficando pensativa.
- Parece que estamos bem avançadas nisso. – Ela diz com um suspiro – Eu estive nesse lugar apenas duas vezes, e na segunda havia uma porta de pedra.
- Porta? – Ferdinand questiona se levantando, nos olhando surpreso. Agora me lembro que tanto meu guardião quanto o psicólogo também estão aqui. – A porta para o abismo... O que mais? Você a abriu?
A garota olha para ele com uma leve surpresa – Não abri... Quando me aproximei, a porta já estava aberta, e ele estava ali, do outro lado da porta me observando... E tinha mais algo ali.
- Mais algo? – Questiono.
- Eu não sei o que aquilo era... – Tamires junta suas mãos e as aperta – Estava escondido entre a escuridão, mas era algo grande... Muito grande... E me observava de uma forma que tudo que eu sentia era o o medo de uma ameaça iminente... Eu vi a minha morte diante dos meus olhos, nunca fiquei tão assustada... E o cara do casaco o chamou aquilo por um nome... Alaarn.
- Alaarn? – Repito em um sussurro.
- Vocês... Já ouviram esse nome? – Ela questiona, olhando para cada um de nós, e por último para Ferdinand, ansiando por uma resposta.
Ele respira fundo, negando balançando a cabeça. – Desculpe... Não sabemos nada sobre isso. Como eu disse antes, dentre nós você é quem mais tem informações sobre o abismo.
- De verdade, não sei se fico feliz ou triste por ouvir isso... – Ela vira seu olhar para mim, renovando seu sorriso – Mas fazer o que né? Você também está com problemas com coisas relacionadas a esse tal abismo. Podemos nos ajudar para descobrir mais, o que acha?
- Uma ótima ideia. – Confirmo ainda um pouco atônita. Mesmo assim, com tudo que ela disse, pelo tom de suas palavras, eu sei que Tamires está sendo verdadeira. Não acredito que, por uma grande coincidência do universo, ela teria inventado tudo isso. Não, de jeito nenhum, tudo que ela falou, as situações que passou, eu sei que ela diz a verdade. Sequer sei o que ela deve ter passado em cada uma dessas situações, nem imagino o que mais ela pode ter encarado e preferiu não nos contar, mas acredito e confio nela – Será ótimo nos ajudarmos.
- Concordo. – Ela olha de mim para Ferdinand, mantendo um sorriso animado. – Vamos mantendo contato, e iremos bem longe.
Saímos da casa de Ferdinand já a alguns minutos. Nem tenho ideia de quanto tempo ficamos falando apenas sobre o que eu e Brian descobrimos sobre a entidade. Tamires havia recolhido algumas coisas e foi embora um pouco antes de nós, nos deixando seu numero de celular antes.
Por tudo que conversamos hoje, ela parece mesmo ser uma pessoa interessante, não só por todo esse assunto do abismo ou dessas criaturas, mas também por tudo que conversamos além disso. Acredito que irei gostar muito de manter um contato e talvez até uma amizade com ela.
Outra coisa teve minha atenção, durante todo o dia na casa de Ferdinand, meu guardião se manteve bem animado, comunicativo e deu muitas risadas, de um jeito que nunca vi antes. Em nenhum momento ele se manteve sério ou seco em relação a mim, em várias vezes esteve aberto em falar comigo, brincar e dar risadas.
A tarde que passamos conversando junto de Ferdinand e Tamires foi bem animado se ignorar o assunto "Abismo".
Isso mudou drasticamente assim que entramos no carro. Todo o ambiente descontraído parece que nunca havia existido, e por mais uma vez, meu guardião se mantém calado como se fosse uma pessoa completamente diferente.
O clima está tão denso que é possível cortá-lo com uma faca.
Estou praticamente colada no banco, acuada sem saber o que falar. Brian apenas dirige e acho que nem está piscando. Batuco os dedos na perna, já enjoada do som do motor ou da minha própria respiração, viro meus olhos aos carros a minha volta. Sinto-me agoniada.
- Escuta... Qual seu problema? – Digo, rompendo o desconfortável silêncio.
Seus olhos vem a mim, mas logo se desviam novamente para frente. Ele não me responde.
Não me darei por vencida. Se é assim, então mudarei de abordagem.
Espero alguns instantes, olhando para trás de repente – Espera Brian, para o carro agora! – Digo com desespero.
Vamos, morda a isca.
Ele me observa com as sobrancelhas erguidas, porém sem mudar. Imagino que ele simplesmente vai ignorar meu pedido, mas imediatamente ele entra em uma rua mais calma, se aproxima de uma calçada e estaciona.
Ótimo, muito bom.
Sem dizer nada, desprendo o cinto que me prende ao banco e saio do carro, sabendo que meu guardião está me olhando. Caminho em passos apressados em direção a porta do condutor, abro de repente e me jogo sobre suas pernas, o fazer arfar com o impacto.
- Será que podemos conversar agora? – Digo agarrando a gola de sua camisa e olhando no fundo de seus olhos. – Ou precisarei chutar seu carro de novo?
Brian revira os olhos e cruza seus braços, desviando o rosto para o lado – Conversar sobre o que?
- O motivo de você estar assim, todo seco comigo. – Reclamo.
- Eu estou completamente normal. Você que está surtando... De novo. – Ele franze a testa, ainda sem me olhar.
- É, eu estou mesmo, e por culpa sua! Desse seu jeito irritado! – bato o indicador em seu peito com força – Se tem algum problema comigo, fale logo!
- Meu único problema é que você não facilita as coisas. – Ele resmunga e seu olhar volta a mim, firme, afiado e preciso. Esse olhar dele, que parece transpassar meu corpo e meu espirito, esses olhos unidos a rigidez de sua expressão, poderiam me desmontar facilmente, mas não deixarei que isso aconteça. – Você é complicada garota. Não sabe se me deixa quieto em paz, ou se quer me ouvir falando.
- Eu quero que fale o que está te incomodando! – Rebato de imediato. Sua expressão se endurece junto a seu olhar. Ele me olha por baixo com as sobrancelhas franzidas, deixando ainda mais nítida sua irritação. – Até pouco tempo atrás eu achei que estávamos começando a nos entender...
- Realmente estávamos... – Diz em baixo tom.
- E do nada você fica seco? Por que? – Questiono encostando minha testa a sua, o encarando da mesma forma que ele faz comigo. Ele não vai me intimidar, se é isso que está pensando.
- Por que é isso que você quis. – Ele retruca com a voz firme.
- Quando? – Insisto.
- Quando me impediu de me desculpar pelo que aconteceu. – Sua voz sai um pouco contida, seu olhar se desvia do meu e Brian vira levemente o rosto.
- Que? – Minha voz saiu em um sussurro ao mesmo instante que cerro o olhar.
- Acha que eu não estive pensando no que aconteceu? – Ele também sussurra. Meu guardião respira fundo com seu olhar perdido – Na sua casa, eu percebi que eu tinha agido errado, desrespeitado você, seu namoro e sua casa... E sei lá o que mais iriamos fazer. Só queria pedir desculpas por ter me precipitado, e você inventa de mandar eu me calar. Pois bem, então que nosso contato se mantenha apenas no necessário.
Pisco algumas vezes, sentindo uma vontade de rir crescendo em meu peito. Reprimo um sorriso enquanto toco seu rosto – Foi por isso? Só por isso agiu assim?
Ele não me responde, não me olha. Sua expressão continua fechada. Antes eu imaginava Brian como alguém difícil de se ler, mas cada vez mais tudo que ele sente se torna nítido a mim, eu que não estive prestando atenção o bastante.
- Você é um idiota. – Digo bufando, espalmando as mãos nos seus ombros. – Poderia ter falado.
- Até quis falar, mas você não é do tipo que aceita ser contrariada, então decidi pelo silêncio. Vai que você acabasse entendendo errado e surtasse. – Ele diz em um tom de irritação, que agora me parece forçado. Ouso dizer que ele não está bravo ou incomodado, mas está tentando no mínimo, ser manhoso. – Afinal, sabemos muito bem como é fácil te irritar.
Não consigo segurar um sorriso – Achei que tinha dito que gosta de me irritar Brian... Disse isso essa semana se não estou enganada.
- Gosto, mas do jeito certo... – Ele sussurra, voltando a olhar em minha direção com o canto dos olhos. Ele não muda essa cara fechada, é teimoso. E o pior, é que estou gostando.
- E existe um jeito certo? – Questiono sorrindo.
- Mais ou menos. – Ele diz, torcendo um pouco a boca.
Respiro fundo, o observando por alguns segundos. Tento decifrar o que deve estar pensando, porém seus olhos novamente não me dizem nada. Minha mente vagueia de volta para aquele dia no momento que estivemos no sofá – Escute Brian, você não precisa se desculpar pelo que aconteceu. Dentre nós dois, definitivamente eu sou a mais errada por mesmo namorando, ter permitido que as coisas tenham ido por aquele caminho...
Ele me olha sem se pronunciar. Seu corpo não está mais tão tenso, nem seus olhos parecem tão firmes e frios. Definitivamente ele está ficando bem mais calmo. – Mas...
- Ainda não terminei... – O interrompo, levando os dedos a sua boca. – Eu estava irritada por todo o problema que tive com meu namorado, por ele ter agido de um jeito tão infantil, isso é inegável... Não sei o que estava passando pela minha mente no começo, eu estava em algum transe, seduzida... Quando voltei a pensar direito, ainda queria aquilo, te provoquei por desejar mais...
- Ambos estávamos errados... – Mantenho meu sorriso com sua resposta.
- Sim, mas eu não estava me importando. Se seu celular não tocasse aquela hora, eu não teria parado. – esboço um pequeno sorriso, recebendo seu olhar que não esconde sua surpresa.
Meu guardião se perde em suas palavras. Tenta falar, mas não sai nada de sua boca. Não esperava causar uma reação tão divertida nele.
Ele se cala e fecha seus olhos, respirando profundamente alguns segundos. Voltando a me olhar, seus olhos não estão hostis, apesar de ainda continuarem sérios – E o que acontece agora Clara?
- Parou de me chamar só de "garota". Estamos progredindo garoto. – Provoco vendo a careta se formando no rosto do meu guardião. Eu me levanto devagar de suas pernas, tocando meus pés na rua, alongando meus braços acima da cabeça – Não sei, acho que estamos resolvidos. O que me diz?
Brian pende o corpo para frente, respirando fundo. Ele me olha de canto, batendo algumas vezes suas mãos em nas pernas e me olha, assentindo. – Concordo, também acho que nos resolvemos.
- Muito bom! – Digo tranquila, observando o homem dando alguns leves golpes em suas coxas com a lateral das mãos – Algum problema?
- Sim. Você deixou minhas pernas dormentes garota! – Resmunga golpeando mais suas pernas e me arrancando uma gargalhada. – Isso não tem graça.
- Se eu olhar pelo fato que acabei de deixar um homem de pernas bambas, é hilário – Digo rindo, curvando meu corpo para frente de tanto rir.
- Muito engraçado. – Percebo a ironia em sua voz, e olhando em seu rosto acho que ele ficou sem jeito com o que eu disse sobre pernas bambas. Nem mesmo está me olhando. Não me diga que Brian é tímido mesmo.
Contendo o riso eu o observo. Brian apoia os cotovelos nos joelhos me observando – Não se preocupe, não vou me sentar no seu colo de novo.
- Agradeço. – Diz me observando de canto, erguendo uma das sobrancelhas.
Retiro meu celular do bolso, olhando atentamente a mensagem na tela – Meu pai acabou de me perguntar que hora irei voltar para casa... Pode me dar uma carona?
Brian apenas faz um aceno positivo. Tranquila com as coisas entre nós terem se resolvido, volto para o carro e assim partimos.
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