Capítulo 14 - Dia no parque
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Sei que o que houve ontem foi realmente um grande milagre, algo que se espalhou muito mais que apenas a capital, já está repercutindo pelo mundo todo. Mas acho que de tanto ouvir sobre isso durante a manhã, acabei saturada desse assunto todo.
Desde a hora que acordei, meus pais falavam apenas disso. Na televisão, a grande maioria dos canais abordavam só isso, e se eu quisesse assistir qualquer outra coisa que fosse, era imediatamente repreendida pelos meus pais pela minha "falta de coração" ao ignorar o milagre dos céus que acabara de acontecer.
Quando estava no ônibus vindo para a faculdade, as pessoas que não estavam dormindo escoradas nas janelas, estavam assistindo vídeos em seus celulares somente sobre isso, ou então em conversas paralelas apenas sobre o milagre da AACD.
Uma coisa que qualquer paulista... Ou melhor, qualquer pessoa com um mínimo de noção sabe: Não é uma ideia muito boa entrar com um celular em alto volume no ônibus ou em um metrô, pior ainda se for de manhã. As pessoas costumam ter uma gota de paciência e qualquer coisa fazem elas explodirem.
Digamos apenas que o tal milagre da noite passada fez essa "lei" de boa interação nos transportes públicos cair por terra.
O ponto máximo foi quando o cobrador do ônibus resolveu ficar de pé em sua cadeira, batendo papo animado com o motorista e com os vários passageiros a sua volta, isso claro, com o ônibus em movimento. Eu não sabia se dava risada ou se sentia vergonha alheia imensa por uma atitude tão inusitada.
E para completar, aqui na faculdade a coisa não foi nada diferente. Eu imaginava que aqui eu conseguiria escapar de todo esse assunto. Eu estava com bastante vontade de estudar hoje, sentindo a empolgação correndo pelo meu corpo por poder enfiar a cara em todas essas matérias e fugir dessa lista maluca de acontecimentos...
É... Não foi bem isso que aconteceu...
Desde o primeiro momento de aula, todos os meus colegas e professores falavam mais disso do que qualquer coisa. Comentavam sobre como foi algo repentino, um dos rapazes da turma disse que tinha um priminho que foi curado, e enquanto ele contava acabou se emocionando e caiu em prantos.
Nem tenho o que falar das minhas amigas, elas acabaram caindo no choro junto com o rapaz que contou sobre o priminho. Acabaram indo junto dele para um abraço choroso.
A aula inteira se resumiu a isso.
Eu me cansei de aguentar tanta gente chorosa e não sair no lugar, peguei minhas coisas e deixei a sala, buscando um lugar onde eu realmente possa estudar. Acabei me refugiando no refeitório, e aqui estou até agora, conseguindo avançar um pouco que seja.
Os barulhos em volta não atrapalham minha concentração, pequenos grupos passando aos risos, ou conversas ao longe não me distraem tanto, e estou conseguindo pegar bem das matérias do meu livro, quero ter essa disposição para as vídeo-aulas.
- Olha só quem encontro por aqui... – Escuto uma voz masculina, que atrai levemente minha atenção. Ergo os olhos, encontrando Tiago em seu tranquilo sorriso. Ele se senta a minha frente, deixando sua mochila próxima. – Fugiu da aula?
- Mais ou menos... – Apoio o rosto na mão, olhando para o garoto a minha frente. – E pelo jeito, você fez o mesmo.
Ele da uma risada curta – Hoje não, já acabaram as minhas aulas. Estava indo embora quando te vi por aqui, e vim dar um oi.
Assinto balançando a cabeça, tentando meu sorriso mais simpático. Não tinha ideia que passei mais de duas horas só aqui lendo.
- Aliás Clara, quero te perguntar algo... – Ele diz com um sorriso um pouco maior, olhando de um lado ao outro, parecendo até querer evitar que qualquer um o escute.
Minha curiosidade acabou de ser aguçada – A vontade, pode perguntar.
Ele cerra seu olhar – Quem é aquele cara que veio te buscar esses dias? O da Mercedes preta...
Ergo as sobrancelhas com uma pergunta tão repentina – O Brian? Ele é só um amigo meu. Por que a pergunta?
O garoto a minha frente batuca seus dedos na mesa – Nada, foi apenas uma curiosidade minha. Eu nunca o vi por aqui antes, e a Marina passou uma tarde inteira falando desse cara.
Seguro um riso – Por acaso estaria com ciúme?
- Eu precisaria ter? – Ele questiona, apoiando seus cotovelos na mesa.
- Não sei... Talvez, vai depender do que a Marina te contou, ou de quanto interesse você venha a ter por ela. – Digo em um tom provocativo.
O garoto a minha frente parece levemente incomodado com o que eu disse. Ele passa um dedo pela bochecha, me observando – Ela me falou que é um amigo seu, bem educado, amigável, talvez rico, incrível... Disse que "talvez" tenha saído com ele... Mas não disse nada em detalhes.
Dou um sorriso de canto, fechando o livro a minha frente. Esse assunto começou a me divertir bastante – A você não, mas ela me disse coisinhas... Muitas foram em altos detalhes
Ele franze levemente suas sobrancelhas, mantendo o sorriso descontraído em seu rosto. Pode sorrir a vontade, se o que eu comecei a suspeitar for verdade, esse sorriso irá desaparecer daqui a poucos minutos – Pode me contar alguns desses detalhes?
- Quem sabe? – Digo em deboche, dando uma pequena risada. Tiago torce um pouco a boca, me olhando com curiosidade – Quer mesmo saber?
- Antes eu não fazia questão, mas ela falou tanto que me deixou bem curioso. – Ele ergue seus ombros – E agora, você também está falando desse jeito, quero saber sim.
- Tudo bem. – Sorrio – A verdade é que sim, ela saiu com o Brian.
- Ah é? Então ela saiu mesmo? – Ele diz, e o que parece ser uma pitada de ciúme está presente em sua voz, por mais que seu rosto não demonstre nada disso.
- Com certeza, e pelo que ela me disse, se divertiram muito juntos... Se é que me entende pequeno Tiago. – Digo provocando ainda mais.
- O que? – Sua expressão muda totalmente. Acabei de descobrir uma boa forma de me vingar de leve da minha melhor amiga. Talvez eu esteja sendo maldosa demais, porém isso acabou de se tornar bem interessante.
Arqueio minhas sobrancelhas e tampo a boca com as mãos. – Nossa, desculpa... Não devia ter contado isso. Não sabia que você gostava dela.
Ele nega balançando a cabeça repetidas vezes, e sinto vontade de rir – Não é isso Clara. É que foi uma surpresa saber disso. – Claro, uma surpresa. Me engana que eu gosto.
Faço meu melhor olhar inocente – Mesmo? Certeza que não está atraído pela Marina? Nem com ciúmes por ela ter saído com outro?
O garoto da uma risada – Estou certo sobre não sentir ciúmes. Mas não me sentir atraído é uma outra história... – Ele diz balançando as mãos em frente ao rosto sem parar – A Marina é alguém bem agradável de ter por perto e sempre muito boa de manter uma conversa longa, se bem que acho que somos apenas amigos e não mais que isso. Não sei se ela me daria uma oportunidade... Claro, se ela quiser me dar uma chance, eu não irei dispensar de jeito nenhum.
Era esse ponto que eu queria atingir. Ele se sente atraído, e acabou de admitir isso. Sei que não devo, mas quero sondar mais – Por que veio me perguntar sobre isso? É por estar atraído, não é?
- Curiosidade, como te falei... – Ele ergue seus ombros. – Enquanto contava, Marina ficou me atiçando a querer saber mais, mas não deu detalhes... E vim perguntar a você. Nada de ciúmes.
- Sei... – Digo com um sorriso de canto. Vou ir mais fundo – Sempre vejo você perto dela... Como se sente em relação à Marina? Não tem sentimentos por ela?
Ele passa sua mão pelo queixo, mas não me responde. Essa é a resposta que eu estava esperando. Tiago realmente sente algo pela Marina e está negando para mim logo após admitir uma atração. Acho que ele ainda não percebeu que pode sentir algo. Rapazes são assim mesmo.
- Mais ou menos, vejo ela como uma amiga. – Ele diz simplesmente.
- Do mesmo jeito que me vê como amiga? – Questiono imediatamente.
O garoto hesita, piscando algumas vezes. Eu quero rir dessa reação, é divertida, mas contenho essa vontade. Ele gagueja, até conseguir falar algo concreto – Sim, do mesmo modo.
- Não senti firmeza em você... – Digo, guardando meu livro em minha bolsa.
Tiago se levanta, dando um passo atrás – Somente amigos, é o que a Marina é pra mim, não pense o contrário... – Ele diz vacilante, recuando mais um passo. Acompanho seu andar de soslaio, porém não digo nada a ele. – Eu... Eu preciso ir agora. Nos falamos outra hora...
Termino de guardar todas as minhas coisas, olhando na direção que o rapaz praticamente fugiu correndo. Me vendo sozinha no refeitório, não consigo mais me segurar e começo a rir da maneira como Tiago reagiu.
Esse garoto é uma figura.
Pego minha bolsa e, em passos calmos, deixo o refeitório. O lugar calmo de antes é abandonado, e chego à saída conturbada. Vários alunos estão fazendo filas para atravessar as catracas que dão a rua. Isso não seria um problema, mas vários grupos estacionaram nas escadas e impedem a saída dos demais.
Dou um suspiro enquanto mergulho na bagunça. O único lado bom de hoje é que, pelo menos, está fazendo sol. Como consigo me afasto das bagunças, sentindo o calor do sol espalhando-se pela minha pele.
De imediato eu retiro qualquer blusa mais pesada que esteja usando e a amarro na cintura, permanecendo apenas com uma regata leve que estava usando por baixo. Ergo os braços acima da cabeça e fecho os olhos, me espreguiçando e sentindo essa nova onda de energia me inundando por inteira.
- Clara? – Ouço atrás de mim. Abro meus olhos e me viro à pessoa que me chama, percebendo imediatamente ser meu namorado Ricardo.
Abro meus braços e pulo em sua direção, o abraçando forte com um sorriso em meu rosto. Ele se desequilibra com minha ação tão repentina, mas consegue se manter de pé em meio a risadas, me abraçando de volta. – Me fazendo uma visita pós-aula? – Sussurro.
- Mais ou menos isso. – Ele diz, passando sua mão pelo meu cabelo, aconchegando meu rosto em seu ombro suavemente. Sentir seu corpo ao meu, seu conforto, eu sempre me perco mais em meus sentimentos por ele. – Além de uma visita, quero te fazer um convite.
- Que seria? – Questiono em total curiosidade.
- Está sol hoje, então pensei em irmos a algum parque... – Ele diz com um largo sorriso em seu rosto, me abraçando ainda mais – Mas não estou pensando no Ibirapuera. Acho que meio mundo estará só ali.
Dou uma risada, espalmando minhas mãos em seus ombros – Tudo bem. E qual a sua ideia?
- Pesquisei um pouco, e pensei no Parque da Água Branca... O problema é que é lá pelos lados da Barra Funda, tem problema por você?
Pisco algumas vezes. O lugar é um pouco longe. – Nunca ouvi falar sobre esse parque... Fica muito longe da rodoviária?
- Poucas ruas de distância. – Ele diz, fazendo carinho no meu rosto. – O que acha?
A ideia parece interessante, além de que nunca fui nesse parque. Assinto com a cabeça, o que faz o olhar do meu namorado se iluminar. Ele envolve minha cintura e me guia pela rua, e ao longe vejo o carro estacionado. Temos um longo caminho pela frente.
Escuto o som da trava do carro, e Ricardo vem em minha direção, abraçando minha cintura e me guiando para fora do estacionamento do terminal rodoviário. Em passos tranquilos caminhamos pela calçada sem falarmos nada. Apenas curtimos a presença um do outro.
Ouço o som de um trem se aproximando ao longe, e as vozes ficando cada vez mais altas conforme no aproximamos da rodoviária. Seguimos em redor do local, seguindo rumo a uma área movimentada com muitas barracas de lanches. Bom, imagino que sejam por causa da rodoviária e faculdade aqui do lado.
A medida que andamos, olho tudo em volta com total curiosidade pelo local. São ruas que nunca tive a chance de passar, então cada novo ponto chama minha atenção. Por sorte Ricardo está me guiando por todo o caminho, então posso olhar tranquilamente por todo o ambiente.
Mas por algum motivo, estou me sentindo observada.
Ignoro isso, e continuo o passo. Passamos por uma pequena subida, e assim que saímos me vejo de frente a uma avenida, e a minha esquerda já posso ver o que parece ser a entrada principal do parque. Atravessamos e entramos no lugar, e de imediato eu me perco com o ambiente.
É tão leve, tranquilo, o ar aqui é tão diferente da avenida atrás de mim, e além disso aqui tem muitas... – Galinhas? – Questiono olhando as várias aves passeando tranquilamente pelo local.
- Isso não estava descrito quando pesquisei sobre o parque... – Ricardo ergue as sobrancelhas, passando seu olhar em volta. – Ou eu não pesquisei direito...
Olho para ele de canto de olho, segurando minha vontade de rir – Está tudo bem... Diferente.
- Isso explica os cacarejos que imaginei ter ouvido antes de entrarmos... – Ele comenta, passando uma mão na nuca, claramente sem graça.
Se eu queria me segurar, falhei miseravelmente. Começo a gargalhar com seu comentário e o sua expressão sem graça. Ele torce a boca, mas logo começa a rir junto de mim. Esse é o clima leve que Ricardo consegue criar, mesmo sem querer.
Caminhamos como um casal de adolescentes pelo parque, olhando cada vez mais suas peculiaridades. A cada passo que damos, vemos mais e mais aves correndo de um lado para o outro, e toda vez que alguma aparece, começamos a rir novamente.
Ao longe enxergamos um espaço de leitura, com cadeiras, mesas e vários guarda-sóis. E ali refugiados, estão algumas pessoas lendo pequenos livros, sejam solitários, ou então um adulto mostrando um livro a uma criança com olhares curiosos.
Fico pensando se eu ficava assim com meu pai quando criança. Ele gostava de ficar comigo no sofá da sala, me mostrando alguns livros ilustrados e também vários gibis da turma da Mônica.
Eu não entendia nada quando pegava os gibis por mim mesma, mal sabia ler direito. Eu sempre tentava ler sozinha todos os gibis velhos e os novos que meu pai me trazia todo mês, mas me dava por vencida depois pouco tempo quebrando a cabeça juntando todas as letrinhas. Resultado, eu corria para seu colo e pedia para que lesse para mim.
Aprendi a ler graças a ele, e principalmente porque não queria irritar meu pai pedindo para que lesse por mim sempre.
Lembrar disso me arranca um sorriso bobo de pura nostalgia. Sinto falta dessa época, em que eu era só uma menininha inocente, encantada com meus vários gibis espalhados pela cama, me fazendo toda a companhia que eu poderia querer.
- Amor? – Ouço Ricardo me chamando. Seu olhar para mim é de curiosidade – Está tudo bem?
Mantenho o sorriso – Sim, só estou me lembrando de algumas coisas...
- São coisas boas, dizendo por esse sorriso. – Ele diz, mantendo seus olhos sobre mim.
- Dos meus tempos de infância... – Respondo em um sussurro.
Ele mantem o sorriso calmo em seu rosto, me puxando para mais perto de si. Respiro fundo em um sorriso. Agradeço Ricardo por não perguntar muito, acho que eu poderia chegar ao ponto de chorar de felicidade por ficar lembrando muito dos meus tempos de criança.
Nada de ficar muito emotiva. Vou aproveitar do dia com meu namorado sem nenhuma lágrima, não são necessárias em nada hoje.
Caminhamos tranquilos, rindo de qualquer coisa que apareça. Aproveito o calor do dia, sentindo como se a luz do sol me trocando em um acolhedor abraço, unindo ao clima e o vento suave deste lugar, causam uma sensação perfeita ao corpo.
Enquanto andamos, percebo que galinhas não são os únicos bichos por aqui, curiosamente também tem patos em alguns lugares, e quanto mais andamos, mais aves começam a aparecer por aqui. Isso torna esse lugar por inteiro bem peculiar, mas agradável.
Mas por mais que esse lugar agrade tanto, ainda me sinto observada.
Por instinto, olho sobre o ombro em um momento de descontração, mas a realidade é que quero ter certeza de não ter ninguém suspeito. E por entre as várias pessoas, grupos e famílias andando por aqui, percebo uma figura peculiar, bem vestido, andando falando ao celular, e olhando para o alto como se estivesse perdido entre as arvores. Brian.
O que ele está fazendo por aqui? Se meu namorado ver ele, com certeza vai ser um motivo de barraco, já não basta a última vez no shopping. A cara que meu namorado fez ao ver meu guardião foi terrível. A irritação dele era palpável...
Se bem que, pensando melhor agora, em nenhum momento Ricardo tocou no assunto "Brian", muito menos questionou o motivo de eu ter que ir com ele sem dar maiores explicações. Isso é verdadeiramente estranho.
E claro, isso me fez lembrar que naquele dia, senti algo de diferente em Ricardo e em suas respostas, mas isso eu não pretendo desenterrar. Nesse momento, preciso evitar que meu namorado veja meu guardião e prevenir um possível problema.
Preciso inventar uma desculpa.
- Nossa... – Digo repentinamente, levando uma mão a barriga. Ana Clara, você é uma verdadeira idiota! – Me deu uma dor de barriga agora...
- Do nada? – meu namorado questiona, erguendo suas sobrancelhas. Confirmo balançando o rosto, forçando uma expressão manhosa, mas tenho certeza que fracassei miseravelmente nessa minha tentativa – Temos que achar algum banheiro, ou algo assim...
- Se me lembro bem... – Digo, olhando apressada em uma direção aleatória, buscando a construção mais próxima. – É ali que tinha um banheiro.
- Podemos ir lá. – Ele diz prontamente, porém eu o impeço de me levar colocando a mão em seu peito. Se preciso interrogar Brian, Ricardo não pode estar perto. – O que foi Clara?
- Não se incomode amor, eu vou lá rapidinho... – Digo com um meio sorriso, olhando em volta batendo leves palmas – Está muito sol, por que você não me espera... Ali?
Meu namorado olha na direção que digo quando termino de falar, onde havia um banco vazio, e logo volta a me observar com uma interrogação estampada em seu rosto – Tem certeza amor?
- Claro, certeza absoluta... Pode ir... – Digo do meu melhor jeito, o guiando devagar para o banco, tentando ao máximo convencer ele de não vir comigo – Vou lá rapidinho.
Meu namorado se senta, me olhando com uma sobrancelha erguida. – Ta, tudo bem... Eu acho.
Sorrio me abaixando a sua frente, lhe dando um curto beijo, que consegue fazer sua expressão se aliviar quase de imediato. – Garanto que volto logo.
- Estarei te esperando – Ele me sorri, assentindo com a cabeça.
Me ergo e viro na direção que apontei anteriormente em passos mais largos do que os de uma pessoa com dor de barriga verdadeira. Minha encenação toda com certeza foi para o saco, mas estou torcendo para que Brian esteja me vendo neste momento e, consequentemente, vindo atrás de mim.
Dobro a esquina do local que eu havia falado e aguardo, olhando de um lado ao outro. Pego meu celular e olho a tela enquanto bato o pé no chão algumas vezes. Segundos depois percebo que ele finalmente aparece, andando calmamente olhando em uma direção oposta.
Fecho a cara e avanço até Brian, que continua sem olhar na minha direção. Ele continua distraído, olhando em uma direção totalmente aleatória.
- O que está fazendo aqui? – Questiono de imediato assim que chego perto dele.
Brian se vira para mim, com uma sobrancelha erguida – Ué? Vai me perguntar isso toda vez que me encontrar?
Cerro o olhar, cruzando meus braços – Você ainda não me respondeu.
- Imaginei que a essa altura, você já deveria saber a resposta. – Ele responde em um tom calmo, levando suas mãos aos bolsos da calça – Estou trabalhando.
Mantenho meus olhos nele, que continua parado a minha frente – Já é o segundo lugar em que eu vou, e você está por perto.
- Por perto, fazendo meu trabalho de proteção. Se esqueceu? – Seu tom de voz faz parecer à coisa mais óbvia do mundo – Tenho que admitir, a escolha do lugar foi muito boa. Parque com lugares bonitos, tranquilo e relaxante, não estou morrendo de calor dentro dessa roupa toda... O único contra é o forte cheio de bosta de ave em alguns lugares.
- Mas... Como sabia que eu estava aqui? – Questiono, descruzando meus braços.
- Segui vocês desde a hora que saiu da sua faculdade. – Ele diz em neutralidade, me deixando boquiaberta. Não sei se pela resposta, ou pela naturalidade que ele falou isso.
Pisco algumas vezes – Nos seguiu, por todo esse tempo? – Ele da de ombros, porém não abre sua boca para falar nada, e isso me incomoda. Esse silêncio de Brian me irrita – E se eu tivesse ido para a casa dele, ou para qualquer outro lugar, o que faria? Invadiria?
- Dependendo do lugar que entrasse, eu iria embora e voltaria pouco depois. Eu não invadiria a casa dele ou um quarto de motel, se é isso que você está se referindo. – Franzo as sobrancelhas, me sentindo mais irritada, e agoniada com tamanha calma que ele diz tudo isso – Eu tenho bom senso, sabia?
- Me seguindo como está fazendo, bom senso não é o que está parecendo. – Retruco ríspida.
Ele respira profundamente e fecha os olhos – Eu já te falei, estou aqui trabalhando... Quantas vezes eu precisarei te repetir isso garota?
Perco minhas palavras nesse instante. O que dizer a ele?
- Foi como eu admiti, tirando o cheiro de caca esse lugar é bonito e agradável. Talvez eu até retorne nesse parque quando tudo isso acabar para curtir de verdade... – Brian ergue seus ombros – Apesar que eu não nego preferir estar em outro lugar.
Pra mim chega, já estou no meu limite. – Tudo bem, certo... Faça seu trabalho, só fique longe de mim e do meu namorado. Não estou querendo me estressar ainda mais hoje.
Termino de falar e me viro, andando apressada de volta para onde meu namorado já me espera a muito tempo. – Foi muito bom te ver também! – Ouço a voz de Brian junto a uma gargalhada atrás de mim. Olho em sua direção, ele mantém um sorriso debochado em minha direção, que faço questão de responder mostrando o dedo.
Que cara irritante!
Como será que ele consegue me tirar do sério assim tão fácil?
Depois de todo aquele problema contra a entidade, de todos os acontecimentos, a forma como nos falamos no carro, aquele clima todo que estava acontecendo, que por sinal não deve voltar a acontecer... Eu realmente imaginei que poderia haver alguma diferença... Mas ele continua agindo da mesma forma hoje, e continuo me irritando cada vez mais com ele.
Suspiro em irritação enquanto ando apressada. Percebo Ricardo já de pé no banco, vindo em minha direção – Caramba, mas que cara é essa amor? O que aconteceu?
Balanço a cabeça negativamente. Ele não pode, e nem precisa saber do meu recente encontro com Brian que culminou no desentendimento seguido de minha irritação. – Nada demais, fila com mulheres mal educadas, e um banheiro podre.
Ele ergue as sobrancelhas, e de imediato abraço ele, afundando o rosto em seu peito. Quero esquecer tudo isso, escapar de toda essa situação. Se não fosse essa maldita criatura dentro da minha cabeça, nada disso estaria acontecendo. Só quero que tudo acabe.
- Calma, respira. – Ouço meu namorado me instruindo em sussurros – Isso já passou, só ignore.
- É difícil... – Digo respirando fundo, pegando suas mãos e o puxando apressada – Vamos só esquecer mesmo, deixar pra lá.
Meu namorado da de ombros, passando sua mão pelo meu ombro e me guiando pelo parque. Não deixarei que isso afete meu dia.
Passamos uma boa parte do dia no parque, vendo e conhecendo tudo. Fomos tomar um sorvete para podermos nos refrescar de tanto sol, e continuar conhecendo cada pequeno canto.
Meu lugar favorito de hoje foi, com certeza, uma ponte de madeira que atravessa parte do parque. Neste local é tudo muito mais calmo e refrescante que o restante do parque. Poucas pessoas passaram por ali, o que nos permitiu momentos sozinhos para conversarmos a vontade, além de podermos trocar beijos sem me sentir observada por Brian.
Além disso, em vários momentos olhei em volta para ter certeza de que ele não estava por perto, e em nenhuma das vezes ele estava a vista. Isso me tranquilizou muito.
E agora, às 18 horas, já estamos retornando ao estacionamento, acompanhados de um belo anoitecer de céu aberto. Ergo meus olhos para contemplar a bela visão, me perdendo nos vários tons alaranjados e azuis escuros se misturando de maneira única pelo céu, junto a lua que brilha tímida, acompanhada de poucas estrelas.
O lugar está com muito mais gente do que mais cedo, não sei se é por causa da faculdade ao lado da rodoviária, das pessoas saindo do trabalho, da rodoviária ou todas as coisas ao mesmo tempo. Bem, fazer o que, horário de pico, teremos sérios problemas para voltar para casa. O trânsito nos aguarda.
Atravessamos a rua calma e entramos no estacionamento, rumando em direção ao carro do meu namorado. Assim que entramos onde o carro está, vejo algo que faz meu corpo parar em um choque. Bem ao lado do carro de Ricardo, está estacionada uma Mercedes escura.
Meu Deus, como o Brian pode ser tão sem noção assim?
Ele sabe muito bem, ou no mínimo já notou que meu namorado não vai nem um pouco com a cara dele, e ainda faz questão de estacionar bem ao nosso lado. Por acaso Brian tem algum parafuso a menos?
Se o Ricardo reconhecer o carro do meu guardião, ele vai querer dar chilique, e ter que passar por uma discussão e um clima horrível voltando para casa vai ser a pior das coisas. O dia foi agradável em todas as partes que Brian não esteve presente, e ele resolve fazer isso? Estacionar logo do lado?
Ah não, ele precisa aprender a não me colocar nessas situações tão complicadas e sair assim por cima. Depois de me estressar tanto mostrando as caras hoje, ainda sou eu que tenho que correr o risco de me explicar por algum mal-entendido e passar por tanta dor de cabeça.
Isso não ficará assim, Brian terá o que merece.
Passo em frente ao carro, julgando pela placa, é a Mercedes dele. Dou um sorriso maldoso e me viro para Ricardo, que acaba de destravar as portas. Coloco meus braços sobre o teto do carro, e apoio meu rosto – Ei amor... O que acha de fazermos uma brincadeira maldosa?
Ricardo ergue as sobrancelhas com uma risada contida – Tipo?
Sinalizo com a cabeça para o carro atrás de mim – Você verá. Tem uma faca ou algo parecido?
Meu namorado cerra as sobrancelhas em uma expressão de estranheza, misturada a surpresa, sem falar da nítida curiosidade em seu olhar – Tem... Um canivete, está no porta-luvas... O que você tá pensando?
Abro a porta do carro sem responder. Olho no parta luvas, procurando pelo canivete e logo achando, dando um sorriso animado.
Vou ao primeiro pneu do carro ao lado e enfio o canivete com força, atravessando a borracha e retirando, sendo recompensada com o som do ar fugindo desesperado pela abertura. Não satisfeita, golpeio uma segunda vez com mais vontade, e repito em mais um golpe, e mais outro, e outro. Não sei quantos, mas acerto vários golpes no primeiro pneu.
Me ergo devagar, olhando satisfeita para o pneu murcho e o carro levemente desnivelado, e parto ao próximo pneu, repetindo todo o processo com muito mais golpes.
Ele gosta tanto do carro, então faço questão de dar um tratamento especial a ele. Brian que me agradeça por não querer dar um tratamento carinhoso também para a pintura.
Assim faço em cada um dos quatro pneus, deixando todos os pneus furados e murchos. Olho satisfeita, retirando alguns fios de cabelo do meu rosto suado. Respiro fundo com um sorriso em meus lábios, vendo o carro notoriamente mais baixo devido aos pneus agora sem ar.
Me viro para Ricardo, que está me olhando boquiaberto. Ele sequer pisca, e parece que está grudado no chão. – O que é isso sua maluca?
- Um incentivo a pneus novos... – Digo rindo, erguendo os ombros, recebendo um olhar repreendedor de Ricardo – Não me olha assim... Qual é, o cara tem um carro desses, com certeza poderá comprar pneus novos, não acha?
- Você é doida. Não deveria ter te deixado fazer isso... – Ricardo diz, mas seu tom contradiz suas palavras, por dentro ele deve estar se divertindo.
Sorrio de canto com sua resposta e reação bem hipócrita – Não deveria ter deixado, mas não fez absolutamente nada quando comecei a furar os pneus.
Ele não me responde, apenas apoia as mãos sobre o carro ainda me olhando. Ricardo claramente se divertiu com isso, só não quer admitir.
- Querido... – Começo, fazendo minha melhor cara e vozinha de menina meiga – Se não gostou e achou tão errado, por que não me impediu de continuar?
Ele segura uma risada e vira o rosto, forçando uma careta – Vamos embora logo, antes que alguém apareça e nos meta em problemas.
Entro no carro gargalhando, jogando o canivete de volta no porta luvas. Visto o cinto de segurança enquanto meu namorado da à partida no carro. Sinto o movimento do carro, enquanto olho minha mão, que está branca e levemente dolorida pela quantidade de força dos golpes que apliquei em cada um dos pneus.
Espero que Brian goste do presente que deixei para ele.
Estou morrendo de sono, ter pegado tanto trânsito na volta me esgotou. Ficar ouvindo rádio e cantando no carro não foi uma boa ideia de jeito nenhum, agora minha garganta está arranhando toda vez que falo.
Sem falar que tantos golpes naqueles pneus rendeu uma bela dor no pulso... Achei que iria doer e passar rapidinho, mas a dor piorou bastante.
Tomei um banho e jantei um pouco assim que cheguei em casa, e acabei de subir para o meu quarto. Me viro na cama, sentindo o gelado do lençol passando pelo meu corpo, ajudando a me esfriar um pouco. Dou um bocejo preguiçoso, esticando meus braços ao alto.
Me coloco para fora da cama, caminhando preguiçosamente ao corredor. Acho que vou beber um pouco de água, e já tentar dormir. Está cedo, mas em particular estou muito cansada hoje, e preciso descansar.
Saio pelo corredor e já desço as escadas, olhando de relance pela porta. Estranho e volto para olhar melhor. Não, eu não acredito nisso.
Abro a porta e saio em passos apressados, sendo recebida pela brisa gélida da noite, mas isso não me importa, não sinto frio nesse momento. Olho de um lado ao outro, e atravesso a rua, batendo no vidro do lado do condutor do carro por repetidas vezes.
Lentamente o vidro se abaixa, e vejo Brian com um sorriso de canto, me observando de cima a baixo por algumas vezes em uma maneira que une curiosidade, analise, e talvez malícia. Só agora que me lembro do detalhe de já ter colocado um pijama mais curto e do que gostaria.
- E ai garota? – Ele diz em um tom de deboche, voltando a olhar aos meus olhos.
- Mas... – Começo a falar, mas paro assim que ele ergue uma mão.
- Já sei, "o que eu estou fazendo aqui"? – Ele diz do nada – Imagino que era isso que diria.
- É, exatamente isso. – Digo o encarando, disfarçando ao máximo minha vergonha de estar de pijama. Como posso, tento cobrir meu corpo de seus olhos analíticos.
Brian da de ombros, mexendo na sua gravata a deixando mais folgada, e abrindo o primeiro botão de sua camisa, assumindo uma postura mais relaxada – Ainda estou trabalhando. Mas logo finalmente voltarei para casa e irei descansar um pouco.
Pisco algumas vezes, sem parar de olhar para ele. – A quanto tempo você está aqui?
- Não sei, uns quarenta minutos? – Ele questiona a si mesmo, com um olhar pensativo. – Não tenho certeza, era para eu ter chego mais cedo, mas sabe como é São Paulo. Depois de um certo horário, o trânsito trava... Nossa, é horrível...
Assinto com a cabeça algumas vezes, um pouco envergonhada – É, sei como é...
- Além do mais, você furou os pneus do carro errado... Então né, eu não tive grandes problemas para chegar aqui. – Ele diz com o mesmo sorriso tranquilo.
Já eu, não sei onde enfiar a cara.
- Então você... – Tento dizer, totalmente sem jeito.
- É, e eu vi tudo. – Ele diz em uma risada. – Meus parabéns por ter ferrado uma pessoa completamente aleatória. Me segurei para não começar a rir alto naquela hora.
Engulo em seco, erguendo meu corpo e cruzando meus braços, um pouco incomodada com o que eu fiz. Eu fiz tudo aquilo com um carro qualquer, achando ser o de Brian.
- Você não confirmou a placa antes garota? – Brian comenta contendo o riso, abrindo a porta e ficando de frente de mim, me olhando com um sorriso de total diversão.
- Eu me confundi... – Me defendendo como consigo.
O homem a minha frente volta a rir ao ponto de gargalhar, cobrindo seu rosto com a mão, passando a mão pelo cabelo e me olhando de forma descontraída – Posso saber o seu motivo de ter feito aquilo?
- Vingança... – Resmungo desviando o olhar dele para o chão. – Eu estava irritada com você desde cedo, parece que você faz de tudo só para me irritar a todo momento, e ainda por achar que seria maluco de estacionar bem ao nosso lado.
Continuo encarando o chão, mas sinto seus olhos em mim – Você é surtada garota.
- Tá vendo?! – Questiono resmungando – É por isso que eu me irrito tanto. É por esse seu tom, esses olhares provocantes que toda hora me desafiam, cada vez mais!
- Eu não tenho muita afinidade com vocês nem nada, mas já percebi que seu namorado é uma garotinha histérica. – Ele toca meu rosto com a ponta dos dedos, me fazendo voltar a olhar em sua direção. Brian mantem esse maldito sorriso calmo no rosto, de quem está se divertindo mais em cada segundo, que por algum motivo, agora não me irrita mais. – Então por que eu iria dar motivos para vocês brigarem?
Fico sem conseguir responder, por isso mantenho meu silêncio. Ele está certo.
- Além disso... Depois de hoje, vou manter meu carro longe de você. Nem quero nem imaginar qual outra maluquice você faria. – Ele comenta, passando uma mão devagar pela minha cabeça, afagando como se eu fosse uma criancinha. – Agora entre, já está frio. Se ficar aqui fora só com essas roupas, você irá adoecer em pouco tempo.
Meu olhar enfraquece, aperto as mãos. Eu não sei mais o que falar a ele. Ele me irrita, mas depois começa a agir dessa forma, cuidando de mim. Ele não fez nada diferente, mas está diferente, algo em sua voz mudou. Eu posso estar maluca, mas tenho essa sensação em mim.
- Eu sei que agora não faz diferença... – Digo, dando um suspiro – Mas como fica aquele carro de mais cedo?
Seu sorriso se mantém – Esqueça isso. Eu dei um jeito na sua pequena peripécia, do mesmo jeito que fiz com seu quarto e o restaurante como nas outras vezes. Você não aparecerá em um cartaz de procurada.
Um sorriso surge em meus lábios e começo a rir com o que escuto dele. – Fico mais tranquila por isso, estava me sentindo péssima por ter errado de carro.
Brian cerra seu olhar, à medida que me afasto, indo em frente do carro. Olho com atenção por alguns segundos, virando meu olhar a ele – Agora decorei a placa certa. Não erro mais.
- Nem pense nisso garota! – Ele diz com um sorriso de canto.
Volto meu passo até estar de frente a ele – E por que não, garoto?
- Eu te proíbo. – Ele diz em um tom tranquilo, dando de ombros.
- Uma proibição não vai me impedir... – Digo, agarrando a gola de sua camisa com uma mão, olhando no fundo de seus olhos – Por isso, não me provoque.
- É divertido te provocar, você surta... Mas pensarei quanto a isso. – Ele balança a cabeça, olhando em direção a minha casa por cima do ombro. Repentinamente sua mão toca meu braço, apertando levemente por alguns segundos. Isso faz meu corpo arrepiar, ele é quente – Você está gelada... Entre logo, esse frio todo vai acabar com você garota.
Assinto com a cabeça, me afastando devagar em passos lentos. Caminho devagar para casa, sentindo seu olhar direcionado a mim. Não sei o que dizer, e nem se devo dizer qualquer coisa.
Ouço o carro ligando atrás de mim, e ele partindo, sem sequer termos nos despedido.
O que está havendo comigo. Por que estou agindo assim, me irritando e logo depois me encantando com ele. Tudo isso é efeito da atração que tenho naturalmente por ele?
Respiro fundo, e apenas volto para casa.
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