Zona de conforto
Com desgosto, Simon observou a pressa da governanta em sair e lamentou ter assinado o contrato. No entanto, logo relembrou seus motivos. Seria cansativo e demorado procurar outra pessoa, estava sem paciência para novas entrevistas e relegar essa função também não o agradava.
Pegou o celular, acessou a agenda e percorreu as fileiras de nomes sem grande interesse até selecionar um.
— Aqui é Simon Salvatore. Quer jantar em minha casa hoje? — soltou logo que a voz feminina foi ouvida.
~*~
Colocando a última travessa na mesa de jantar, Paulina admirou seu trabalho. Tudo estava perfeito e em uma quantidade suficiente para duas pessoas. Esperava que Simon aprovasse. Mordeu o lábio inferior duvidando de tamanha sorte. De qualquer forma, mesmo que gostasse, Simon nada falaria.
Como se seu pensamento criasse vida, ouviu a voz de Simon lhe chamando. Apressou-se a chega na sala e se surpreendeu com a visão que teve.
A visita de Simon parecia uma modelo. Possuía um rosto perfeito e maquiado, olhos claros contornados com delineador, cílios longos, boca carnuda carregada de gloss. O cabelo longo e preto chegava a sua cintura extremamente fina. O corpo magro e alto coberto por um vestido azul curto e decotado, que deixava as longas pernas à mostra.
Porém o que mais impressionou Paulina foi que a mulher estava praticamente pendurada no pescoço de Simon, beijando-o no rosto sem se importar com quem visse. Parecia querer se tornar a segunda pele do Salvatore.
— Bo-boa noite senhor Simon! — conseguiu proferir após receber um olhar irritado do Salvatore. — O jantar os espera. Podem me acompanhar?
Sem esperar resposta se virou e caminhou em direção à sala de jantar, respirando aliviada ao ouvir os passos seguindo-a.
Eles sentaram lado a lado.
Paulina os serviu e, entre um prato e outro, aguardava em silêncio atrás de Simon, reparando que somente ele comia. A mulher mal tocava na comida e Paulina podia imaginar o motivo. A fome daquela mulher era outra.
O tampo de vidro não ocultava o que uma das mãos dela fazia, subindo e descendo pela coxa de Simon, bem na sua frente, não parando nem quando Paulina se aproximava para trocar os pratos.
Queria não olhar, ignorar, mas seus olhos se moviam por conta própria naquela direção.
Simon parecia não notar o que a mulher fazia. Sua costumeira expressão indecifrável incitava a mulher a aumentar os movimentos, fazendo outros mais ousados, inclinando-se para beija-lo sem vergonha alguma.
Seus olhos se moveram para o rosto de Simon, chocando-se com as íris negras. Um calor intenso subiu ao seu rosto e, como em todas as vezes que se encaravam, suas pernas ficaram trêmulas e inexplicavelmente se sentiu sufocada perante os profundos olhos negros.
— Querido... — Ouviu a voz feminina ronronar sem conseguir desviar os olhos dos de Simon, até ele fazer isso ao se levantar.
Envergonhada, observou Simon levando a mulher em direção aos dormitórios. Ele calado, ela rindo animada.
Respirou fundo e recolheu tudo com irritação. Ela estava acostumada com pessoas comendo pouco, ou quase nada como aquela mulher, o que não conseguia suportar era o comportamento deles. Ninguém devia se atracar daquele jeito, na frente de terceiros, em uma sala de jantar, censurava mentalmente. Esses joguinhos, ou o que fosse que eles chamavam, deviam ser reservados a intimidade do quarto.
Limpou a sala de jantar e a cozinha antes de seguir para seu quarto. Tomou um banho e se trocou para dormir. Ao deitar olhou para o celular sobre o criado mudo.
Queria telefonar para Nathaniel, ouvir sua voz, porém sabia que não devia. Com certeza estaria ocupado, trabalhando até tarde na empresa ou na fábrica Muller e não gostaria de ser incomodado. O melhor era fazer o de sempre, esperar que ele telefonasse e contar os dias para o fim de semana.
Fora uma pena não tê-lo encontrado ao sair do escritório de Simon. Embora ele só a cumprimentaria rapidamente e continuaria a trabalhar, pois, não tinha dúvida alguma que ele estivera ali a trabalho. Nathaniel dedicava cada minuto de seu dia pelas empresas Muller.
Ajeitou o corpo na cama, ficando de barriga para cima e fitando o teto. Pela segunda vez naquele dia recordou a conversa que tivera anos antes com Simon.
"A zona de conforto só funciona quando não há paixão, Lina."
Sentiu as bochechas esquentarem quando em sua mente veio à imagem das carícias feitas na sala de jantar. Incomodada, moveu o corpo, deitando de lado.
Se paixão era aquilo, podia sobreviver sem, decidiu fechando os olhos com força.
~*~
No fim de semana, habituada a acordar cedo, Paulina levantou sem a ajuda do despertador e seguiu rumo ao banheiro. A alegria irradiava por sua face enquanto escovava os dentes. Aquele dia seria especial, e não era só por ser seu dia de descanso. O motivo que a levava a sorrir bobamente para seu reflexo era o almoço na casa de Nathaniel, o anuncio do noivado.
Despiu a longa camisola branca de algodão e as peças íntimas e entrou no box, ligou o chuveiro e testou a temperatura com a mão antes de ficar embaixo do jato de água morna. Tomou um banho rápido, secou-se e voltou ao quarto para vestir a roupa que passara na noite anterior e deixara separada em cima de uma cadeira. Camisa de manga cumprida lilás e terninho azul combinando com a calça jeans. Calçou sapatilhas pretas e sentou na poltrona ao lado da cama. Como Nathaniel só a buscaria as onze, pegou um livro para se distrair e tentar diminuir sua ansiedade.
Esperara a semana toda por aquele dia, quatro dias desde que ele fizera o pedido. A ânsia de ser oficialmente declarada como noiva a deixará aérea, em um estado de encantamento que tornara sua primeira semana como governanta de Simon suportável.
Seu rosto se contorceu em uma careta ao recordar o que passara naquela semana. Durante o dia fazia suas funções com a maior alegria, mas a noite tinha de suportar o desfile de "amigas" de Simon. Como se isso não bastasse, ainda tinha a zona que se transformava a suíte. Nunca estivera em um motel, mas apostava que era parecido. Quase vomitara na primeira vez que coletará camisinhas jogadas a esmo pelo quarto.
O que também tornara a semana suportável era que Simon parara as brincadeiras e comentários ferinos. Ele mal lhe dirigia a palavra, só falando o estritamente necessário para que executasse suas funções. Para Paulina isso era perfeito, estava acostumada a ser invisível aos olhos de seus empregadores.
Ouviu duas batidas na porta. Estranhando, abriu uma fresta e encarou Simon com surpresa.
— Não vou ataca-la — ele resmungou. — Nathaniel telefonou...
— Nathaniel?!
— Sim, Nathaniel — Simon repetiu com desdém. — O que me lembra: Não deve distribuir o número do meu telefone.
— Não fiz isso...
— Garanto que não fui eu que dei o número para ele.
Paulina abaixou o olhar. Era óbvio que ele não o fizera e que não adiantaria alegar inocência.
— Desculpe-me... — murmurou. — Não sei como ele conseguiu, mas pedirei para que não volte a ligar...
— Ótimo! Odeio ser garoto de recados na minha própria casa — Simon retrucou. — Seu noivo pediu para encontra-lo na casa da mãe dele. Teve um contratempo e não poderá leva-la.
— Contratempo...?
Simon deu de ombros, indiferente a preocupação que luziu nos olhos da governanta.
— Ele ainda está na linha? — questionou abrindo totalmente a porta. Adiantou-se em direção a sala, mas Simon a deteve segurando seu braço.
O toque fez a jovem estremecer levemente e encara-lo com olhos arregalados de surpresa.
Tão rápido quanto a tinha segurado, Simon a soltou, afundando as mãos nos bolsos da calça jeans.
— Ele desligou.
Preocupada, retornou ao quarto e procurou o celular em sua bolsa. Discou o número de Nathaniel, porém não obteve retornou, caia direto na caixa postal.
— Pela pressa que ele tinha no telefone, duvido que consiga contato.
Zangada por ele não compreender sua apreensão, Paulina lançou um olhar irritado para o Salvatore, desejando pedir que guardasse sua opinião para si. Porém foi rápido, um momento de rebeldia que fez questão de ocultar antes que ele percebesse.
Simon notou e sorriu de canto, divertido em ver um traço de humanidade na "anjinho" de Nathaniel.
— Eu te levo.
Ainda com o celular contra o ouvido, Paulina voltou-se para Simon.
— O que?!
— Tenho de visitar os meus pais e você sua sogra, que são praticamente vizinhos — ele disse devagar, como se ela fosse burra demais para entender se falasse normalmente. — Estou sendo generoso ao oferecer uma carona. A menos que prefira chamar um táxi ou esperar que Nathaniel resolva seu contratempo e a busque.
Queria recusar o convite, feito em um tom mal educado e grosseiro, mas seria tolice.
— Obrigada!
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