Uma Dança
Cantarolando, Paulina estava satisfeita por manter a ordem, o que não era difícil uma vez que Simon não era do tipo bagunceiro e o apartamento era menor que a casa de sua antiga patroa.
Na noite anterior, antes do retorno de Simon, explorara cada cômodo. A decoração em todos os cômodos era em tons neutros, sem muitos adornos e um tanto impessoal em sua opinião, o que combinava com a personalidade do Salvatore.
A sala de estar tinha um sofá cinza em forma de U, em que nove pessoas podiam sentar e ainda sobraria espaço; uma mesa de centro de madeira com tampo de vidro; um rack com dois gavetões, espaço para acomodar livros e os aparelhos de som, DVD e games, com painel para o televisor de tela plana. No canto havia um pequeno bar com duas banquetas.
A sala de jantar era menor, com uma mesa de madeira e tampo de vidro para dez pessoas.
Decidiu que a cozinha era seu cômodo favorito no momento que passou pela porta de correr. Encantara-se com os armários embutidos, equipada com fogão, forno, coifa, lava louça e geladeira de duas portas. Toda vez que entrava no recinto não resistia a percorrer com uma mão a bancada de granito, imaginando todas as maravilhas que prepararia ali. Tinha imaginado cenas românticas ao visualizar duas banquetas junto à bancada. Ela preparando o jantar e Nathaniel a observando-a, provando o que colocasse a sua frente até o momento em que ela sentaria ao seu lado e comeriam juntos. Estava decidido: Teria uma cozinha igual após se casar.
A lavanderia era pequena, porém bem equipada.
Os dois quartos de hospedes eram menores e tinham cama de casal. Paulina supôs que Simon pensara na possibilidade dos pais e o irmão passarem a noite ali.
O quarto principal era uma suíte espaçosa, com uma cama king size, que Paulina evitou olhar por muito tempo; criados mudos de madeira escura de cada lado da cama, uma estante com livros e painel, em que o televisor de tela plana ocupava quase toda a parede na frente da cama. O quarto tinha acesso ao closet, ao banheiro com banheira e a varanda com área para o café-da-manhã. Do lado do quarto principal, tendo uma porta ligando os cômodos, ficava um pequeno escritório, com escrivaninha, poltronas confortáveis e estantes de livros que iam do chão ao teto. Foi o último recinto em que entrou para arrumar. Tomando cuidado em limpar sem tirar nada do local em que Simon deixara.
Terminava de limpar a escrivaninha quando não resistiu a pegar o único porta-retratos no local. A maioria das pessoas colocava do lado do computador uma foto da família, ou de alguém com quem estivesse se relacionando, Simon optara por uma foto do casamento do irmão mais velho, dois anos antes. Observou os recém-casados, Alessandro e Iolanda, transbordando alegria ao lado dos padrinhos. Do lado da noiva, o irmão do primeiro marido e melhor amigo dela, Fernando, e a esposa Ame, e do lado do noivo, ela e Simon.
De todas as coisas que aconteceram no casamento, o que recordara ao ver a foto fora o que durante dias perturbara seus pensamentos: Uma conversa que tivera com Simon durante a valsa.
~*~
Como madrinha tivera de dançar com Simon. Ficara em silêncio quando a música começou e ele lhe estendeu a mão. Por um segundo hesitou, porém, consciente de seu papel, aceitou sem que quase ninguém percebesse a tensão em cada fibra de seu corpo. Mas ele percebera e sorriu. Um inclinar de lábios que só piorara seu estado emocional.
Desde seus dez anos, Paulina ficara consciente de dois fatos. Primeiro: Simon não sorria com frequência para ela; Segundo: quando sorria era melhor correr. Mas, a menos que quisesse fazer uma cena no meio do grande salão de festas, era forçada a acompanha-lo torcendo mentalmente para não errar o passo que fora ensaiado durante semanas. Teria de ficar calma e, seja lá o que ele insinuasse, ser civilizada, evitando contar em voz alta o tempo de tortura que teria pela frente.
Em uma das voltas aproveitou para olhar em direção à mesa que Nathaniel estava. O namorado conversava com a mãe, Carlota, e com o primo de segundo grau, fruto do primeiro casamento de Iolanda. O garoto de quatorze anos parecia entediado.
— Chateada que o namoradinho não se importa onde e com quem está?
Surpresa, o fitou rapidamente e depois cravou o olhar no pomo-de-adão que se movia conforme o Salvatore continuava com voz desdenhosa:
— Esse namoro de hora marcada até que dura bastante. — O comentário mordaz não a abalou, mas conseguiu isso ao perguntar: — É algum tipo de fetiche ou penitência?
Respirou fundo e contou até dez em ordem regressiva. Precisava ficar calma, a música terminaria logo...
Simon a puxou para mais perto, o que fez seu nervosismo duplicar.
— Com encontros esporádicos, vocês conseguem transar? — ele questionou perto de sua orelha.
O pânico fez seu corpo estremecer levemente. Havia alguma forma de dançar com o inimigo sem sair queimada? Provavelmente não quando o inimigo era Simon Salvatore.
— E-el... — se forçou a responder com firmeza: — Ele me respeita...
— Respeita ou não se sente atraído? — Simon interrogou em um sussurro, o ar quente da boca dele roçando à pele sensível de sua orelha. — Vocês não parecem namorados. Ele praticamente não a toca ou beija em frente a outras pessoas.
Mesmo recordando a razão da discrição do namorado e até os seus motivos, a verdade contida naquele comentário a desestabilizou, levando-a a errar um passo. Simon sabia que feridas apertar.
— Nã-não pre-preciso... — começou, mas apertou os lábios desejando encerrar o assunto. No entanto, Simon continuou a importuna-la:
— Não precisa ser desejada? É isso que pretende dizer? — Ficou em silêncio, ansiando pelo fim da valsa. — Você se nega algo tão básico. Não percebe que, se Nathaniel a desejasse de verdade, mesmo sem sexo, todos os sentidos dele ficariam em alerta perto de você — ele argumentou ignorando sua mudez e aparente desinteresse. — Inconscientemente os olhos dele buscariam o objeto que os cativou, incapazes de se desviar por muito tempo; Os dedos formigariam de vontade de toca-la, mesmo que seja só para sentir o calor emanado por sua mão; A boca ficaria seca, querendo encontrar alívio nos seus lábios, ansiando conhecer o seu sabor mais íntimo; A audição ficaria mais aguçada quando estivesse perto. Sua voz entraria nos ouvidos como música, seduzindo-o a cada sílaba; E o que dizer do olfato? Ah! Ele ignoraria qualquer perfume e sentiria somente o cheiro da sua pele, antecipando como exalará após o sexo. — Os dedos fortes se fecharam com força em torno de sua mão. — É uma necessidade que não cessa — completou com voz baixa e arrastada. — Nunca cessa!
Sentiu a face em chamas e a pele em contato com a dele formigar. Tensa, tentou afastar o corpo, porém a mão de Simon em suas costas não permitiu tanto quanto gostaria.
— Desejo não é amor... — conseguiu retrucar em um fio de voz. — E não sou um objeto...
— Há apenas uma coisa errada no que disse.
Respirou profundamente, aguardando Simon dizer que era sim um objeto, afinal ele enxergava todas as mulheres como seres descartáveis.
— Num relacionamento íntimo o amor não sobrevive sem desejo. A zona de conforto só funciona quando não há paixão, Lina — ele completou afastando o corpo. — Mas, porque estou perdendo tempo dizendo isso? Você nunca sentiu e nem sentirá isso enquanto continuar se escondendo atrás daquele imbecil.
O encarou em choque pelo olhar furioso do Salvatore. De onde vinha tanto ódio contra ela? Abriu a boca para revidar. As palavras lhe faltaram. Ficou como um peixe abrindo e fechando a boca para que algo saísse. Mas dizer o que? Seu silêncio pareceu aumentar a antipatia do Salvatore, cujo olhar tornava-se cada vez mais sombrio e hostil.
De repente ele fixou a atenção em um ponto acima de seu ombro e sorriu. Um sorriso que só dedicava a outras mulheres.
— Finalmente os alcancei.
Virou a cabeça e viu Alessandro e Iolanda ao lado. Não notara que se aproximavam deles.
— Pode trocar de parceira comigo? — Simon pediu ao irmão. — Quero ter a honra de dançar com a belíssima noiva.
— Uma dança — Alessandro ordenou após um breve silêncio em que seus orbes negros passearam de Simon para Paulina.
Após ser passada para Alessandro, Paulina observou Simon segurar Iolanda suavemente pela cintura e, ainda sorrindo, bailar pelo salão enquanto conversavam. Pela expressão alegre da noiva supôs que a conversa era mais agradável do que a que tivera com ele. Não entendia o motivo de Simon dedicar sua antipatia somente a ela.
Retornou à atenção para Alessandro, querendo felicita-lo, porém o Salvatore mais velho não tirava os olhos da noiva e até mesmo se movimentava de forma a não perdê-la de vista. As palavras de Simon voltaram a sua mente, encontrando eco na atitude do primogênito dos Salvatore. Todos os sentidos dele estavam em alertas, atentos a cada movimento da esposa.
Olhou na direção em que o namorado estava encontrando a cadeira - que ele ocupava minutos antes - vazia. Ao fim da dança foi até a mesa ocupada pelos Muller, onde somente estavam Carlota, o filho de Iolanda, Ícaro, e os padrinhos da noiva.
— O Nathaniel...?
— Recebeu um telefonema da empresa e teve de partir — Carlota respondeu a piedade reluzindo nas íris azul petróleo. — Disse que você entenderia.
Sim, sempre entendia que a prioridade era da empresa. Porém, isso não diminuiu a dor que oprimiu seu coração ao relembrar o discurso de Simon.
~*~
Devolveu o retrato ao seu lugar e suspirou profundamente. Não deixaria que a dúvida que Simon jogara sobre si criasse raízes. Logo seria esposa de Nathaniel. Se isso não provava o quanto ele a amava, duvidava que a cama provasse.
Simon jamais tivera um romance sério, com mais de poucas semanas, não podia afirmar o que não conhecia. O que dissera fora para constrangê-la. Recordar aquele incidente não a levaria a nada. Simon não compreenderia os motivos que Nathaniel e ela tinham para aguardar o momento certo, que, obviamente, seria após o casamento.
Tremeu levemente ao pensar na noite de núpcias. Sendo o bruto arrogante que era, Simon seria incapaz de oferecer o espaço que precisava ou a respeitaria como Nathaniel. Afastou aquele pensamento inconveniente e absurdo.
O som da campainha a fez retirar as luvas e o avental, colocando o trabalho de lado para seguir apressada em direção à entrada.
Pelo olho mágico viu se tratar de Mirela. Ajeitou a roupa, abriu a porta e não se surpreendeu ao ter os ombros imobilizados pelo abraço da Salvatore.
— O que está fazendo? — a Salvatore perguntou após encerrar o abraço para permitir que Paulina trancasse a porta.
— Terminava de arrumar o escritório — respondeu com um sorriso gentil.
— Não precisa limpar nada. Deixe tudo nas mãos da diarista — Mirela sentenciou e, segurando a mão direita da Perez, completou carinhosa: — Você só tem que verificar tudo e garantir que a vida do meu filho seja perfeita.
Duvidando que sua presença naquele apartamento influenciasse Simon, Paulina assentiu com insegurança.
De repente teve a mão puxada bruscamente até a altura dos olhos negros da Salvatore.
— O que é isso? — questionou a Salvatore com o olhar fixo no anel de diamante.
— O Nathaniel me pediu em casamento — contou transbordando de alegria. — Pretendemos comunicar o meu pai no fim de semana. Pode guardar segredo até lá?
— Oh, claro! — Mirela concordou ao parar de apreciar o solitário e analisar a face feliz de Paulina. — Já escolheram a data?
— Não decidimos o dia, mas Nathaniel quer que seja daqui quatro meses.
— Tão rápido?
— Depois de tanto tempo juntos, queria que fosse hoje — comentou sem conseguir segurar uma risadinha de felicidade. — Mas Nathaniel quer que ocorra após o lançamento do novo produto que a Muller lançará.
— Compreendo... — Mirela murmurou.
Notando o semblante sério da Salvatore, Paulina se apressou a garantir:
— Ficarei aqui até o casamento... Depois terei de sair...
— Não precisa se justificar, querida. — Os lábios da Salvatore se inclinaram em um pequeno sorriso. — Sua felicidade é o que importa.
— Obrigada!
Mirela a puxou em direção ao sofá. Sentou e, como não soltou a mão de Paulina, a forçou a fazer o mesmo.
— Como foi seu primeiro dia?
Queria ter coragem para dizer que Simon a ameaçara na noite anterior e fora grosseiro pela manhã. No entanto, reclamar não adiantaria, e nem fazia parte de sua personalidade, então sua resposta foi curta e mentirosa:
— Excelente.
Mirela inclinou a cabeça e a fitou intensamente. Parecia querer ler sua mente em busca da verdade. Para seu alivio, após alguns segundos incômodos, ela sorriu condescendente.
— Confesso que receei que suplicasse para sair do emprego.
Paulina apertou os lábios, temendo que um "Quero sair" escapulisse.
Mirela soltou uma risadinha, como se soubesse o que se passava em seu pensamento naquele momento. Não resistiu e riu também.
— Ah, querida, você herdou o coração puro e leal de sua mãe — Mirela murmurou nostálgica. — Por isso confio que cuidará bem do meu filho — comentou levando uma mão para acariciar o rosto de Paulina.
— Não acredito que conseguirei... Simon é... — procurou a palavra certa, mas todas pareciam ofensivas.
— Intolerante, presunçoso, terrível? — a Salvatore questionou divertida com a hesitação da jovem. — Posso enumerar muitos outros defeitos para que escolha.
Paulina considerava "terrível" a característica mais marcante de Simon, porém não verbalizou, afinal, ele era seu patrão. Optou por mudar de assunto.
— A diarista chega a que horas?
Mirela franziu o cenho.
— Não está aqui? — Olhou ao redor. — Pensei que estivesse ajudando-a.
Paulina suspirou e negou que houvesse mais alguém na casa. Conhecendo a implicância do Salvatore, deduziu que — fosse para irrita-la ou só mostrar seu poder — houvesse demitido a diarista. Mas, novamente, guardou seus pensamentos.
— Já sei! Vamos a empresa saber o que houve — decidiu Mirela agarrando sua mão e arrastando-a em direção a porta.
Paulina tentou para-la, temendo que a Salvatore confrontasse o filho no trabalho. A última coisa que queria era entrar em conflito com Simon.
— Posso cuidar de tudo sozinha.
— Claro que pode — concordou Mirela. — Porém não há necessidade.
Sabendo que nada podia fazer para impedir a Salvatore, Paulina foi pegar sua bolsa para acompanha-la. Só esperava que Simon não se zangasse.
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