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Dia de folga

Estava desconfortável equilibrado na beirada da cama e temia cair a qualquer momento. Para piorar sua situação, suas costas doíam e seu braço direito, em que Paulina apoiara a cabeça ao deitar, estava dormente, mas não movia um músculo com medo de um novo mar engolfa-lo até os ouvidos.

Observou a face adormecida. Paulina estava péssima. Pele lívida, rosto inchado, marcas cristalizadas de lágrimas nos cílios e bochechas, cabelo desgrenhado e o nariz vermelho. Mesmo assim, pela primeira vez, Simon achou sentido no apelido que ela ganhara de Nathaniel.

Recordou que costumava compara-la com as bonecas de porcelana que sua mãe colecionava. A princípio de forma positiva, pois, quando criança, Paulina sempre estava com as bochechas coradas, em contraste com a pele clarinha, e lábios naturalmente rosados. As roupas também eram parecidas, vestidinhos imaculadamente limpos e cheios de babados que a mãe dela costurava. Com o tempo a comparação tornou-se negativa. Quando se irritava Simon dizia que era fria e lhe dava agonia, pois, assim como acontecia com as bonecas, não podia se aproximar dela. No caso das bonecas por causa da proibição de sua mãe e por sentir aflição ao toca-las; no caso de Paulina, porque ela se afastava como se tivesse medo dele, desviando o olhar como se sua imagem a quebrasse em mil pedaços. E isso muito antes dele dizer qualquer coisa negativa sobre o que quer que fosse.

E agora dividiam o mesmo teto e a mesma minúscula cama. Mas somente porque ela chorara até dormir por causa de seu coração partido. Em seu normal ela o expulsaria com um simples olhar, ou a falta dele.

Levou a mão livre até o rosto dela, traçando com o polegar o rastro que as lágrimas deixaram na face pálida, descendo devagar até a boca entreaberta. Pousou o dedo no lábio inferior, instintivamente deslizando o polegar em um pequeno corte que, tinha certeza, Paulina fizera quando Nathaniel cancelara o casamento.

Afastou a mão quando ela murmurou o nome do ex-noivo e, ciente que ela se sentiria pior se acordasse e o visse por perto, puxou o braço dormente devagar, para não acorda-la, até removê-lo completamente. Levantou e procurou um cobertor para cobri-la, saindo do quarto em silencio.

~*~

O barulho do despertador a retirou do mundo dos sonhos. Aos poucos a consciência trouxe os acontecimentos do dia anterior e seus olhos umedeceram. Respirou fundo, contendo a ebulição de sentimentos que oprimiam seu peito. Com o corpo pesado e a cabeça doendo, levantou e foi para o banheiro aos tropeços.

Sua cabeça martelava, censurava e apontava, relembrando o que Nathaniel dissera e, principalmente, imaginando Cherry e ele comemorando sua desgraça.

Sem animo, quebrou sua rotina, não tomou banho e nem trocou de roupa antes de seguir para a cozinha.

Movendo-se de um lado para o outro do recinto, colocou na bancada da pia tudo o que precisaria para o café da manhã de Simon, ligou a cafeteira e deixou as lágrimas escorrerem a vontade por seu rosto.

Colocou uma maçã na tabua de cortar e pegou uma faca na gaveta. Em fatiar a fruta, ergueu a lâmina na altura do rosto, analisando sua imagem refletida. Estava destruída por dentro e por fora.

— O que esta fazendo?

Virou-se e observou Simon caminhar em sua direção. Estava pronto para sair. Reparou que, ao contrário dela, que estava pegajosa e fedendo a suor, ele não pulara nenhuma etapa matinal. Elegante em um terno risca de giz, estava barbeado, o cabelo escuro ainda úmido do banho, o perfume amadeirado a alcançou antes dele se posicionar a sua frente.

— Preparando seu café? — disse entorpecida, lançando um olhar desolado para o Salvatore e depois para a faca, que ele retirou de sua mão e jogou dentro da pia.

— Esqueça. Tire o dia de folga.

— É quarta... não posso... — balbuciou.

— Não importa. Sou o chefe. Quando digo para tirar uma folga, você tira sem argumentar. — Simon segurou seu rosto com ambas às mãos, erguendo-o, os polegares deslizando devagar por suas bochechas. Estremecendo com o toque, Paulina segurou a vontade irracional de abraça-lo e chorar contra seu peito novamente. — Tome um banho, troque-se e me encontre na sala em vinte minutos no máximo. Vou te levar para a mansão — informou ao soltar seu rosto, colocar as mãos em seus ombros e encaminha-la para o corredor.

— Por quê?

— Você precisa de alguém por perto, pelo menos hoje — respondeu. — Ficará com seu pai e sua irmã.

Paulina parou e se afastou aflita.

— Não... não quero... Eles farão perguntas... — engoliu em seco, a vontade de chorar travando sua garganta. — Não quero que saibam...

— Você precisa conversar com alguém — Simon argumentou irritado com a insistência dela em esconder o termino do noivado. — Então fique com a Tábata — sugeriu. — Não precisará dizer muito, nada se preferir.

— O Guilherme...

— Esperamos ele sair para o trabalho. — Ela o encarou em silêncio, não sabendo ao certo se concordava ou não. Cansado de discutir, Simon deu um ultimato. — Você não vai ficar sozinha, nem que eu tenha de chamar a minha mãe para te fazer companhia. A escolha é sua.

~*~

Ao mesmo tempo em que o sócio colocava o carro em sua vaga no estacionamento do prédio em que alugavam dois andares para a SaaTore, Simon parou o carro na sua, ao lado.

O Saadi estava com a aparência cansada, mas que o normal. Talvez por culpa do pai doente, ou do recente noivado que surpreendera todos, até sua impetuosa irmã. Só se surpreendera com a escolha, uma vez que estava a par da pressão que o pai de Gabriel fazia para casa-lo. Desde que o conhecia, o sócio afirmava que quando casasse seria por interesses financeiros, uma aliança de negócios baseada em uma relação prática na qual sentimentos não fizessem parte. A noiva - uma explosão de pernas longas, cabelo dourado e língua afiada - não se encaixava nesse papel.

— Dormiu mal? — perguntou em tom de troça quando ficaram sozinhos no elevador.

— Graças a você, sim. — respondeu irritado. — Lembra o conselho idiota que deu ao Nathaniel? De "foder o dia todo"?

— Vagamente — mentiu sem remorso.

— Daqui a alguns meses pode carrega-lo.

Estreitou os olhos em dúvida. Mas antes que questionasse o Saadi às portas se abriram e os berros alcançaram seus ouvidos.


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