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Beije-me

Costumava ser o último a sair do trabalho, mas era a primeira vez que saia quase a meia noite. Adiantara o serviço do dia seguinte antes de se dar por vencido e desligar o computador. Dirigiu devagar até o prédio em que morava, a tensão em cada músculo do seu corpo. Quando chegou em frente à porta do apartamento se censurou por hesitar em voltar para a própria casa. Entrou e encontrou a luz da sala acessa, a televisão ligada e nenhum sinal de Paulina por perto. Caminhou até o televisor e o desligou, foi quando ouviu um bocejo e viu a governanta deitada no sofá.

Ela piscou sonolenta, esticou o corpo e sentou, aos poucos recobrando a lucidez. Estava com as roupas desalinhadas e o cabelo bagunçado, mas não aparentava ter chorado até cair no sono como no dia anterior.

— Boa noite! — ela murmurou com voz rouca, ao que ele assentiu observando-a ajeitar a roupa e levantar. — Como foi o seu dia? — questionou como o habitual.

— Bom — respondeu monossilábico como sempre.

— Vou esquentar sua comida...

— Não precisa — retrucou, mentindo para evitar uma discussão. — Comi antes de voltar para casa. Vou direto para a cama.

Ela o observou desconfiada, mas, como esperado, não insistiu. De repente desviou o olhar para os próprios pés.

— Simon... Quero pedir desculpas novamente pelo... — envergonhada apontou a própria bochecha.

— Não se preocupe, já esqueci.

— Mesmo? — Paulina sorriu quando ele confirmou. — Quando começamos as aulas para me tornar uma nova mulher.

Imediatamente a expressão de Simon se fechou.

— Nunca.

— Mas...

— Sejamos práticos — ele interrompeu. — Você tem aversão ao meu toque. Não existe a menor possibilidade que eu arrisque o meu rosto para que você reconquiste a mula do seu ex-noivo.

— Por favor! — choramingou.

— Não! E não me olhe assim. Não vai me comover — assegurou, seguindo em direção ao seu quarto.

— Simon! Espere! Por favor! — Paulina suplicou seguindo-o.

Simon parou abruptamente antes de sair da sala, o que fez Paulina colidir com suas costas. Virou-se e colocou as mãos nos ombros da Perez, irritando-se com o rosto pálido, de olhos marejados e lábios trêmulos.

Ela era miúda, o que passava a ideia de ser frágil e vulnerável, e ingênua demais para a própria segurança. Sozinha havia uma grande chance de cair nas garras de outro imbecil, ou um tipo pior de homem. Algumas lições sobre a mente masculina e de como se livrar de investidas indesejadas não fariam mal algum para ela. No entanto, Paulina tinha um lado passional, agressivo e de mão pesada.

Sem chance.

— Sem chance!

— Não tem nada que o convença a mudar de ideia?

A súplica, longe de despertar a piedade de Simon, o fez pensar em um modo de fazê-la desistir.

— Só existi uma forma.

— Qual?

— Beije-me da forma que beijava seu ex-noivo.

— Da forma que beijava o Nathaniel? Por quê?

Ele deu de ombros.

— É um experimento.

Insegura e desconfortável, Paulina vacilou, desviando os olhos para os pés e recuando instintivamente para trás.

Os olhos de Simon se estreitaram com um brilho desconfiado.

— É tão apavorante me beijar? — questionou cruzando os braços em frente do peito. As reações de Paulina eram ultrajantes.

— É que... Nunca beijei o Nathaniel.

— Mesmo que raros lembro-me de alguns.

— Não é isso... Sempre era Nathaniel a tomar a iniciativa — explicou fixando o olhar na parede atrás dele

— E você nunca bateu nele por tamanha ousadia?

O tom cáustico abalou Paulina.

— Já pedi desculpa, o que mais posso fazer?

— Me beijar seria um começo.

— Beijarei... — balbuciou corando. Se era o único jeito de convencê-lo, era o que faria, decidiu. Sem encara-lo se aproximou e levantou as mãos para apoia-las nos ombros dele. Quando ergueu o olhar encontrou os olhos negros fixos nela. — Você pode... pode fechar os olhos. — Simon arqueou uma sobrancelha. — Por favor! Só dessa vez.

Para seu alivio, Simon atendeu seu pedido sem contestar.

Tremendo da cabeça aos pés, Paulina mordeu o lábio inferior por dentro ao avaliar que, mesmo na ponta dos pés, a diferença de altura a obrigaria a chegar mais perto e temia cair sobre ele. Pela postura rígida e de braços cruzados de Simon era bem capaz de deixa-la desabar no chão.

— Pode... abaixar um pouco...

— Não prefere um banquinho?

O nervosismo era tamanho que ignorou o gracejo.

— Não... Só se abaixe um pouquinho...

Simon escorou o corpo na parede e deslizou as pernas.

— Assim está bom — Paulina disse quando seus rostos ficaram na mesma altura.

Constrangida e insegura, Paulina se inclinou e pressionou os lábios nos dele, se afastando rapidamente.

— Pronto! Agora me ajudará?

Simon abriu os olhos com descrença.

— Você chama isso de beijo?

— Avisei que não sei tomar a iniciativa.

— Tente de novo. Com maior intensidade e um pouco de língua.

— Não... odeio beijo de língua.

Simon riu.

— O beijo do Nathaniel deve ser péssimo, se a fez odiar.

— Nathaniel nunca me beijou assim... Ele entendia...

— Entendia o que?

— Que sinto nojo...

— Como pode ter nojo de algo que não provou?

Paulina desviou o olhar, a mão direita alisando com aflição o braço.

— Já provei... E não gosto...

Simon franziu o cenho.

— Mas o Nathaniel não a beijava assim. — Paulina balançou a cabeça confirmando. Os fios da nuca de Simon se arrepiaram com uma suspeita. Paulina só tivera um namorado, Nathaniel. Se ele não a beijara assim e ela estava tensa só em pensar nesse beijo... — Alguém te beijou a força? — perguntou soturno. Ela assentiu. — Quem? — questionou entredentes.

— Não tem importância...

— Quem, Paulina? — insistiu com firmeza, segurando-a pelos ombros trêmulos.

— Pierre... — murmurou de cabeça baixa.

Simon estreitou os olhos com desconfiança.

— Pierre? O ex-marido da Tamara? 

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