Capítulo 39
- Clarissa! Acorda! Eu vou me casar!
A voz vinha de longe, bem longe, mas ainda assim, ecoava forte em meus ouvidos. Era como marteladas em minha cabeça que batia e vibrava. Eu mal conseguia abrir os olhos e sequer raciocinar direito.
- Vamos Clarissa! Vamos! É o grande dia.
Abri os olhos devagar e tudo estava embaçado. Dafne se movimentava com pressa e exaustão, mas tudo girava em câmera lenta.
Então, fechei os olhos com força, tentando controlar a vontade de vomitar que vinha em seguida.
Abri os olhos. Tudo parecia um pouco mais normal. Exceto pela minha cabeça que estava aponto de explodir.
Quando Dafne viu que eu havia aberto os olhos por completo, esbanjou um largo sorriso.
- Minha irmãzinha deu seu primeiro porre ontem a noite. Eu estou tão orgulhosa. - disse ela dando um leve tapa em minha perna. O suficiente para eu grunhir de dor. - Clarissa, você esta bem? - Dafne muda seu ânimo para um olhar preocupado.
- Vou ficar - tentei sorrir e sem muito sucesso me ajeitar na cama. - Como chegamos em casa?
- Bem, eu pedi um táxi e você veio dormindo no meu colo a viagem toda. Isso me fez lembrar quando éramos pequena. - ela sorriu fraco. - Eu vou chamar Miguel pra te animar um pouco, tudo bem?
Não consegui esbanjar qualquer reação. Eu estava tendo uma crise e das mais forte possíveis e isso era nítido. Mas eu não queria dar esse gosto a papai e muito menos decepcionar minha irmã. Eu seria mais forte que minha dor.
Miguel chegou logo em seguida que Dafne havia saído. Ele fez um carinho no meu rosto para que eu abrisse os olhos.
- Parece que alguém bebeu além da conta ontem. Se divertiu? - ele pergunta.
- É... Eu acho que sim. - digo tremendo ao sentir um calafrio.
- Borboleta, você não me parece bem.
- Eu vou ficar - respondo tentando novamente me ajeitar na cama.
Miguel que como todo bom médico sempre estava equipado, mediu minha pressão. Ela estava baixíssima, o que me provocou um grande suador e, por consequência, os calafrios.
- Borboleta você lembra onde foi ontem?
- Sei de uma festa, algo assim.
- Mas do que se trata a festa?
- O casamento da Dafne, eu acho.
- Clarissa, o casamento é hoje. Ontem foi a despedida de solteiro dela. - Miguel diz com um semblante de preocupação.
- Isso. Algo assim.
- Consegue se mover? - novamente ele pergunta, mas eu não respondo. - Clarissa?
- Eu! - respondo.
- Consegue se mover?
Me esforço para conseguir levantar, mas tudo dói. E, apesar da dor, eu continuo. Enquanto eu me esforçava para me levantar, tudo girava, e meu estômago embrulhava, não tinha como segurar, virei-me de lado num impulso, quase caindo, e vomitei.
Ainda com a cabeça baixa, eu chorava. Chorava de raiva, de angústia, e principalmente vergonha. Vergonha por Miguel me ver naquele estado tão deplorável.
- Ei! Calma! Espere aí! - Miguel se afasta indo até o banheiro e pega um toalha. Com delicadeza ele me ajuda e levantar e limpa minha boca, enquanto eu só queria me esquivar e mandar ele ir embora. Mas nem para isso eu tinha forças.
Miguel me pegou no colo e me levou até o chuveiro. Ele tirou minhas roupas e a roupas dele que estavam todas sujas de vômito. Segurou minhas mãos, pois eu mal conseguia ficar em pé.
A água morna caía sobre minha pele e a pressão era como massagem para o meu corpo. Eu só queria chorar e Miguel veio me abraçando.
Ele me aninhou em seus braços fortes, nus e cheio de desenhos. Ninguém ousou dizer nada e eu não queria sair de lá tão cedo. Era tão reconfortante que ao mesmo tempo me vinha a sensação de culpa e medo. E eu não compreendia.
Eu não queria pensar. Eu só queria sentir o meu corpo com o de Miguel numa entrega de almas. Apenas carinho.
Depois do chuveiro, Miguel preparou a banheira para mim e me deu banho. Lavou meus cabelos massageando meu couro cabeludo. Com cuidado, lavou meu rosto tirando os restos de maquiagem de uma noite intensa.
Depois, ele me secou e colocou um roupão quente e confortável e uma toalha em minha cabeça, me levando até a minha penteadeira.
Enquanto eu estava ali me encarando no espelho, ele providenciou lençóis limpos, e pediu ajuda para limpar o meu quarto. Quando tudo estava limpo novamente, ele penteou meus cabelos e o secou.
- Eu te pediria pra ficar na cama hoje. Mas sei que você não gostaria de perder o casamento de sua irmã por nada. Você está tendo uma crise e das fortes. Então, só me deixe cuidar de você, ok?
- Tudo bem - sorri fraco. Eu não tinha outra escolha. - Mas eu mal consigo andar.
Miguel olha pra baixo pensativo e receoso. Ele tinha uma ideia, mas pela sua cara, eu não iria gostar.
- Tem... tem uma cadeira de rodas... - ele diz com os olhos preocupados.
Eu não tinha reação. Eu apenas olhava para ele com os olhos marejados. Era isso ou eu ia perder o casamento de Dafne. Era aguentar a humilhação de ter todos a minha frente me olhando, ou perder o casamento de Dafne.
Eu apenas consenti com a cabeça sentindo toda a minha dignidade se esvaindo.
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Miguel havia colocado meu vestido de madrinha e me levado a suíte de Dafne onde iriam terminar de maquiar a noiva e as madrinhas. Foi inevitável a quantidade olhares que se pousaram sobre mim e a reação de preocupação de Dafne. Nem todos os remédios que havia tomado seriam capazes de controlar todas as emoções que eu estava sentindo. Eu mal podia imaginar a reação de papai e todos os sermões que ele iria proferir.
Eram tantos sentimento em um, que não somente meu corpo doía, mas minha alma também.
As madrinha tentavam disfarçar as caras de pena, e eu tentava esconder o quanto aquilo era difícil pra mim. A minha teimosia me levou para aquela situação. Querer ser mais forte que meu problema, foi uma forma de fugir dele, e não de lidar com ele. Eu queria provar a todos e a mim mesma que eu era capaz de fazer tudo, mas eu estava enganada. A verdade é que eu só queria que Miguel gostasse de mim a ponto de não me abandonar. Talvez eu não tivesse aceitado tão bem a minha doença como eu demonstrava, eu só queria ser como as pessoas queriam que eu fosse, pra não perder elas.
Dafne tirou de seus olhos o semblante de preocupação e me recebeu com um grande sorriso. Ela havia aprendido muito nesse tempo. Acredito que ela foi uma das poucas que haviam entendido a minha doença e a forma como lidar com ela, mesmo que ainda sem muito jeito.
- Venha minha irmã - diz ela pegando na cadeira de rodas e me conduzindo para a sua penteadeira - Você vai ficar linda. Daniele arrasa.
Meu rosto tinha olheiras profundas. Um olhar cansado e desanimado. Minhas dor de cabeça implorava por morfina.
De fato Daniele conseguiu disfarçar meu rosto de mulher acabada e sofrida, dando ar a uma mulher um pouco mais saudável.
Enquanto todas as madrinhas conversavam entre si a espera de Dafne colocar o vestido de noiva, Julia estava ali. Radiante em seu vestido e maquiagem. Não pude evitar sentir insegurança e lembrar do que Miguel havia me dito sobre ciúmes. Não, eu não me sentia boa o suficiente para ele. Julia era tão perfeita. Tão cheia de vida, com um alto astral incrível. E quem eu era? Uma fracassada que vivia de pena.
- Você está maravilhosa Clarissa! - ela veio me cumprimentar, mas deu uma recuada - Tudo bem?
- Só vá devagar - respondi fraco.
Ela me deu um abraço leve, sem muito aperto. Acredito que ela havia entendido que eu não estava em uma situação muito agradável e respeitou isso. De fato ela era incrível, a mulher perfeita para Miguel.
- Você está... incrível - elogiei ela com toda a sinceridade.
- Obrigada! -ela sorriu.
-Preparadas? - gritou Dafne.
- Siiim!!! - responderam as madrinhas, eu apenas respondi por dentro.
Dafne estava incrível. Sua felicidade esbanjava pelo brilho do seus olhos. Ela queria chorar, mas se conteve. A minha irmã maluquinha que achou que seria uma solteirona feliz curtindo a vida adoidada, conheceu o amor verdadeiro tão maluquinho quanto elaA.
Sua alegria era minha alegria. Eu queria abraça-la e dizer que eu desajava as melhores coisas a ela. Mas acredito que meus olhos molhados foram suficientes para que ela entedesse tudo.
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O quintal de casa estava totalmente decorado com flores brancas e um lindo tapete vermelho. As gramas davam a decoração um toque especial e o céu, tão azul quanto os olhos de minha irmã, traziam a harmonia perfeita.
Mas o que me desmoronava eram os olhares de pena das pessoas ao me verem entrando de cadeira de rodas. As fotos ficariam horríveis com a minha cara de choro e desespero. Eu via as pessoas cochichando e palavras como coitada, ela se definhou, está acabada, sendo proferidas como se eu fosse uma coitada. E bem, talvez eu fosse.
Quando cheguei ao altar, minha mãe sorriu pra mim. Mas meu pai mal conseguia me olhar. Seu rosto estava firme, sério. Meu pai era meu melhor amigo. Eu podia contar com ele pra tudo. Seus olhos cheios de orgulho em em ver tocar era o que me motivava. Ele era o meu protetor. Sempre que eu ficava triste, ele me levava um chocolate com amendoins. Era o meu preferido. Então ele me abraçava e me dava um beijo na testa. E tudo ficava bem.
Agora ele só tinha desprezo, e a cada olhar de reprovação, era como uma facada no peito.
- Pelos poderes concedidos a mim, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
Era oficial, Dafne e Philip estavam oficialmente casados e grávidos e era hora da festa.
Todos se cumprimentava, conversavam, riam, bebiam e comiam. E eu estava sentada ao lado de Miguel que não desgrudou de mim um segundo.
- Você pode ir curtir a festa. Não precisa ficar aqui. Eu vou ficar bem.
- Borboleta...
- Vai! É sério. Não quero que fique preso a mim - aquilo soou mais como um adeus, do que uma simples concessão. Isso o fez me encarar preocupado. - Vai! - insisti e ele foi.
De onde eu estava via toda aquela agitação. Richard e sua mulher que parecia ser esculpida de tão linda. Eles formavam um belo casal. Papai e mamãe dançavam como dois adolescentes. O primo Téo, de quinze anos, roubava docinhos da mesa escondido. A tia Josefina fazia um montanha de comida no prato. Tio Rodolfo contava suas piadas sem graças para as pessoas da mesa, que riam por pura educação.
Respirei fundo me sentindo cansada e entediada. Até que ali estava Júlia e dela se aproximava Miguel.
Os dois sorriram felizes quando se viram. Se abraçaram com tanto carinho e ternura que não pareciam tão distantes assim. Sim, eles também formavam um belo casal. Não era possível ouvi-los, mas eles estavam se divertindo. Comigo, Miguel tinha uma doente pra cuidar. Com ela, ele conseguia sorrir.
Eu queria sair dali e pedi ajuda para alguns dos garçons que estavam passando para que me levasse até o meu quarto.
Da sacada era mais reconfortante ver as pessoas, pois apenas eu poderia olhá-las e não o contrário.
Minha cabeça ainda doía. Nem todos os analgésicos foram capazes de aliviá-la, e meu corpo parecia que havia sido atropelada por um caminhão. Tudo doía. Tudo latejava. Meu pescoço pesava, qualquer toque, ou movimento, pois mais simples que fosse latejava.
Eu queria parar aquilo. Eu queria parar essa dor. Eu queria parar esse sofrimento e toda mágoa, angustia e tristeza que eu sentia. Olha como eles são felizes. Ninguém ali precisava de mim. Eles viveriam a vida deles alegres e eu seria apenas uma foto na sala de estar que eles olhariam e sem lembrariam por alguns momentos e depois, tudo voltaria a ficar bem.
Foi automático querer secar as lágrimas que nem mesmo percebi quando as deixei escorrer. Aos poucos alguns convidados iam embora. Um por um, se despedindo da festa na qual minha irmã, a essa altura, já deveria estar bem longe, curtindo sua lua de mel.
- Você é um imbecil! Não passa de um maloqueiro que estragou a vida da minha filha.
Uma gritaria que vinha da sala me acordou de meus pensamentos. Era a voz de papai.
- Eu amo Clarissa! Eu cuidei dela! Eu seria capaz de dar a minha vida por ela! E o senhor? O que fez? A desprezou, a olha com desprezo, como se ela fosse uma incapaz. Como se ela tivesse uma doença contagiosa.
E essa era voz de Miguel. Oh não. Papai e Miguel estavam brigando de novo.
- Acalmem-se pro favor. Romeu, já chega disso. Clarissa gosta dele. - dizia mamãe tentando parar a briga.
- Não ridícula Clara. Essa cara a manipulou. A fez acreditar numa doença. Trata a minha filha como uma doente.
- Eu trato a sua filha como uma doente? Não fui eu quem a internou em uma clínica psiquiatra.
- Minha filha não estava bem do nervos. Seria melhor para ela que tivesse um tratamento especial.
- E por que o Senhor não queria vê-la? Não foi visitá-la uma única vez.
Eu queria parar aquilo. Aquilo me machucava profundamente. Cada vez que a discussão ia para o meu passado e tudo o que eu passei, eu queria cada vez mais dar um fim nisso.
Eu fui tirando forças de onde eu jamais achei que teria e fui indo em direção as escadas.
- Eu tinha negócios para tratar.
- Mentira! O senhor não foi visitá-la porque percebeu que sua filha perfeita não existe. Que ela tem seus problemas e sua limitações e que talvez a felicidade dela estivesse além de jóias caras, o casamento com um cara rico que abandonou no momento em que ela mais precisava de amor e carinho. Um casamento milionário, com netos tão entojados quanto Senhor.
- Mais respeito comigo seu idiota, esqueceu que sou eu quem paga o seu salário?
- Que? - pergunto tentando assimilar as palavras de papai. O cansaço físico era grande, mas a facada no peito que eu havia levado me destruiu por completo.
Era tudo uma farsa? Tudo era mentira?
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