Capítulo 21
Miguel
Eu sabia mais do que ninguém que a coisa mais difícil com a qual a razão tem que lutar, são com as coisas do coração. Nem os instintos sexuais mais selvagens são tão poderosos quanto o coração e, nesse momento, existia uma verdadeira guerra dentro de mim.
Sempre soube do potencial de Clarissa. Um potencial escondido por dentro de um casulo, que precisava apenas de um bom dia para poder se libertar. E aos pouco ela foi se libertando. Sem perceber, sem se dar conta. Porém, acredito que ela tenha misturado um pouco as coisas, ou eu dei a entender outra coisa, mas, quem eu quero enganar? Clarissa mexe comigo. Ignorar, fingir que nada aconteceu, pareceu-me mais conveniente, mesmo sabendo que no fundo, eu acabaria magoando-a, e isso era a última coisa que eu queria fazer.
Ela parecia estar forte. Não parecia machucada. Talvez estivesse tentando se convencer do mesmo que eu. Juntando forças para esquecer um beijo que não deveria ter acontecido. Um maldito de um maravilhoso beijo que não deveria ter acontecido e o qual eu não conseguia tirar da cabeça. Pelo contrário, queria eu repetir a dose diversas vezes. Mas eu não podia. Clarissa era minha paciente e eu o seu médico. Isso não daria certo. Jamais.
Estava pensando nisso quando minha irmã e Clarissa apareceram. Seria o grande dia o qual eu ensinaria a borboleta a surfar. A primeira coisa a se fazer para ser livre, é lutar contra os seus próprios medos e saber lidar com ele da melhor forma possível, podendo inclusive, mudar certos conceitos e até se apaixonar por aquilo que mais lhe aflige. A insegurança é o pior empecilho. Muitas vezes nada daquilo que imaginamos realmente é, e então, aumentamos o pouco e criamos monstros inexistentes.
A Clarissa em relação à fibromialgia era exatamente assim. As dores eram sua insegurança, os tratamentos eram seus monstros e, com isso, aumentava o que achava que as pessoas pensavam dela.
Borboleta vestia uma saída de praia branca e rendada com uma leve transparência. O sol em contato com o seu rosto mostrava com exatidão o brilho dos seus olhos verdes, bem como o natural de sua pele. Engoli seco. Toda a sua leveza me encantava e até então eu não tinha me dado conta disso.
Fomos até a praia em silêncio, exceto por Melissa que ficava falando sobre os garotos de sunga que estavam se alongando na orla. Assim que chegamos, instalei nossos guarda-sóis, e parei ao lado de Clarissa, a qual encarava o mar com total admiração.
— Está pronta?
— Pronta? — ela franziu o cenho desentendida.
— Para encarar as ondas em cima de uma prancha — disse virando minha atenção também para o mar.
— Miguel, a água deve estar fria. Essa agitação toda me provocará grandes dores no dia seguinte. Nossa viagem terá sido em vão.
— Borboleta, é melhor termos um único dia para nos divertir do que ficarmos todos os dias nos impedindo de viver por mera covardia.
— Mas Miguel, do que adianta se arriscar tanto se essas coisas são tão perigosas?
— A gente se arrisca todas as vezes que acordamos. — virei-me para encará-la bem no fundo de seus olhos. Por algum motivo eu pensei que aquelas palavras talvez serviriam para mim também.
— Anda logo Clarissa! Garanto que não é um bicho de sete cabeças. Você vai adorar. Aliás, está na hora de tirar essa saída logo.
Ela parecia confusa. Em dúvida e totalmente encabulada. Mordia os lábios algumas vezes e Melissa a instigava toda hora, divertindo-se com todo o seu constrangimento.
— Vou te esperar lá no mar. – pisquei e fui em direção as ondas.
Era uma das melhores sensações que tinha. As águas demonstram com exatidão os sentimentos humanos em qualquer forma que se encontrar, em qualquer estado que estiver. E encarar aquilo, era como encarar a si mesmo.
Eu estava deitado de barriga pra baixo na prancha. Movimentando os braços até que eu chegasse ao meio do mar e pudesse ficar de pé, e quando estes a tocaram, pude ver vindo até o mar, borboleta com um biquíni preto minúsculo. Com toda certeza isso era obra de Melissa, mas eu não a repreenderia. Clarissa tinha um corpo incrível, com as curvas muito bem delineadas. Eu poderia admirá-la por um bom tempo. Senti minha boca seca e o equilíbrio se esvair, fazendo com que levasse um belo de um tombo.
Quando levantei, borboleta ria. Era uma risada gostosa e natural. Parecia uma criança inocente e doce. Eu estava completamente perdido e confuso com todos aqueles sentimentos os quais nunca havia sentido.
— É você mesmo que vai me dar aula? Preciso chamar os reforços.
— Muito engraçada você — revirei os olhos enquanto me aproximava dela e sentia cada vez mais, um calor se apoderar. — Só fiquei surpreso por ver você criando coragem.
— Não se pode falar não para o Doutor Miguel. Você ia acabar me carregando.
— Eu jamais faria isso — ironizei —Agora vamos.
A expressão de Clarissa se transformou em agonia. Ela andava contida, provavelmente devido à temperatura da água.
— Miguel, está muito fria. Porque gosta de me judiar?
— Coitadinha. Você faz isso com você todos os dias quando se lamenta.
Clarissa parou de caminhar e cruzou os braços. Com certeza ela estava irritada.
— Miguel, você não está mais clínica. Posso muito bem fingir que você não é meu médico e aproveitar que estamos aqui, pra te afogar.
— Que crueldade. — aproximei. — Isso faz parte do seu tratamento.
—Mas poderíamos fugir um pouco do protocolo. Você para de contar minhas lamentações, o que acha?
— Você já sabe o que acho — aproximei-me mais um pouco.
— Que eu deveria para de lamentar — disse com tom de deboche, revirando os olhos.
— Isso também, mas agora, só quero que entre na água. — seguro em seus braços e a puxo pra dentro do mar de forma que a onda comece a atingi-la em outras partes do corpo que não só as pernas.
— Miguel, seu idiota. — disse abraçando o próprio corpo tentando se aquecer do frio, enquanto eu apenas ria e jogava água nela.
— Você me paga. Pare com isso! — tentava ela se defender revidando os jatos de água.
..............................................................................................................................................
Melissa tinha encontrado uma amiga na praia, o que eu achei um pouco preocupante, já que minha irmã, maluca como era, não tinha muito juízo. Porém, decidi não ser um irmão pegajoso e focar na aula de surfe com Clarissa que por sinal nunca havia sido tão difícil. Clarissa só sabia remar. Ficar de pé era o mesmo que aprender a andar pela primeira vez. A cada tentativa um tombo. E eu não podia evitar rir em cada um deles.
— Isso tudo é culpa sua Miguel. Minha vontade é te encher de tapas. Acho que você faz isso de propósito. Abusa da minha falta de coordenação pra ter uns momentos de alegria na sua vida. — colocou a mão na cintura e franziu o cenho. Sua ironia, seu sarcasmo misturado com sua raiva, conseguia ser ainda mais divertido.
— Como você adivinhou?
— Não é muito difícil perceber quando você é a vítima. — encarou a prancha e respirou fundo. — Essa é minha última tentativa, ok? — falou determinada.
— Nada disso. Prometi que você ficaria em pé nessa prancha ainda hoje.
— Então esquece Miguel. Esse seu dia com mais de vinte e quatro horas não existe.
— Quem disse? A imaginação é livre.
Bufou irritada.
— O meu tempo é limitado. Se o seu não é o problema é seu.
— Pessoa compromissada você, hein. — cruzei os braços. — Você está com pressa pra fazer o que mesmo?
Ela me encarou séria e ainda mais irritada.
— Qualquer coisa que não tenha que subir nessa prancha.
— Eu não estou te segurando.
Borboleta ousou dizer alguma coisa, mas lhe faltaram as palavras. Continuou com sua pose de durona e respirou fundo novamente.
— Agora é uma questão de honra.
Ela encarou a prancha. Posicionou-se de barriga pra baixo como eu havia lhe ensinado. Clarissa estava concentrada. Um silêncio se instalou. Movimentou os braços e um pouco desajeitada e quase sem equilíbrio, conseguiu depois de cinco horas, ficar em pé.
— Eu consegui, está vendo! — vibrou contente a caindo logo em seguida em cima de mim.
Nós dois caímos na gargalhada. Definitivamente esportes não era o forte de Clarissa. Toda aquela tensão que a borboleta tinha, desfez-se naquele momento. Nós dois rindo feito idiotas sem se dar conta do quão próximo estávamos. Mas já era de se esperar que não demorasse muito para percebermos isso.
Fez-se o silêncio novamente e o único barulho a se ouvir era das águas. Clarissa me olhava com exatidão e tinha medo em seus olhos. Medo da rejeição ou de não conseguir controlar seus instintos e eu, com toda certeza, estava na mesma situação.
— Espero que não esteja cansada, borboleta — decidi cortar o clima.
— Oh não! No que está pensando dessa vez Miguel?
— O dia não acabou ainda. De acordo com o meu dia, ainda tempos doze horas pela frente.
— E de acordo com o meu dia temos apenas seis.
— Você está viajando comigo e depende de mim pra ir embora. O seu dia depende do meu dia.
— Ignorante — cantarolou. — Isso que dá viajar com o pior psiquiatra do mundo. Espero que suas ideias mirabolantes sejam menos agitadas que essa. No que está pensando?
— Dança!
.....................................................................................................................................
Só digo uma coisa. Esse final de semana promete! E então, o que acharam?
Preparem-se para ver o nosso Miguelícia colocando os dotes dele em prática.
Perdoem--me demora, borboletas. A correria aqui está demais. Mas não, eu não vou abandonar a história. Vamos na luta.
Um grande beijo pra todos vocês.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro